Recepción: 01 Septiembre 2022
Aprobación: 19 Diciembre 2022
DOI: https://doi.org/10.12712/rpca.v16i4.55798
Resumo: Esta pesquisa objetivou contribuir com o debate sobre trabalho gerencial ao reunir constructos relativos às contradições vivenciadas e expectativas, na perspectiva de gerentes de organizações, em Belo Horizonte/MG. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, descritiva, com 40 gerentes homens e mulheres. Os resultados apontaram três categorias associadas às contradições vivenciadas no ambiente de trabalho: significado do “ser gerente”, autonomia do gerente versus (in)subordinação dos funcionários, bônus versus ônus do cargo gerencial. As expectativas estão relacionadas às estratégias para a carreira gerencial e desejo de permanecer atuando como gerente, apesar dos desafios e adversidades da função.
Palavras-chave: Contradições, Expectativas, Trabalho gerencial.
Abstract: This research aimed to contribute to the debate on managerial work by bringing together constructs related to experienced contradictions and expectations, from the perspective of managers of organizations in Belo Horizonte/MG. A qualitative, descriptive research was carried out with 40 male and female managers. The results showed three categories associated with the contradictions experienced in the work environment: meaning of “being a manager”, manager autonomy versus employee (in)subordination, bonus versus managerial burden. The expectations are related to the strategies for the managerial career and the desire to remain acting as a manager, despite the challenges and adversities of the function.
Keywords: Contradictions, Expectations, Managerial work.
Introdução
O desenvolvimento de estudos sobre gerentes e o trabalho gerencial tem sido frequente na área das ciências sociais aplicadas, mais especificamente no campo da administração, em face das particularidades da gestão e das transformações da ação gerencial que vem ocorrendo ao longo dos tempos. Algumas pesquisas sobre as atividades dos gerentes como aquelas desenvolvidas por Mintzberg (1973), Kotter (1982) e Hill (1993) contribuem, em meio a diversidades de abordagens e enfoques, para a área de estudos organizacionais.
Uma das contribuições relevantes de Mintzberg (1973) sobre o trabalho gerencial, foi a de observar diretamente o cotidiano de 05 gerentes no âmbito organizacional e os acompanhar por cinco semanas, fazendo anotações precisas de suas atividades. Ficou evidenciado nesse estudo, “que os gerentes trabalham num ritmo implacável e a rotina de trabalho é composta de ações breves, variadas e fragmentadas” (Davel & Melo, 2005, p. 73). Mas o trabalho do gerente não deve partir de visões parciais ou de descrições segregadas de seu comportamento no âmbito organizacional, por não representar a natureza abrangente de seu trabalho.
Os resultados da pesquisa de Boltanski (1982) já apontavam para a posição de ambivalência que o gerente ocupa, ao preconizar que ao mesmo tempo em que o gerente é remunerado para assegurar e maximizar o capital da organização, ele não participa da sua estrutura central de decisão, de poder e de planejamento. Outra situação vivenciada pelo gerente é o “duplo controle”, uma vez que precisa demonstrar onipresença e pensamento claro sobre seus subordinados, mas também recebe e responde às constantes demandas de seus superiores.
Os vários conflitos nos quais os gerentes estão envolvidos, inclusive ideológicos, tendo em vista a dissonância entre a realidade vivenciada e as expectativas profissionais imposta pela organização, muitas vezes, são os responsáveis pelo sofrimento e a insatisfação destes profissionais, em seu ambiente de trabalho (Porciuncula, Venâncio & Silva, 2020). Nesse contexto questiona-se quais as contradições que os gerentes vivenciam e quais suas expectativas sobre o trabalho gerencial?
Sem a pretensão de retomar os temas das funções gerenciais em quaisquer aspectos das discussões envolvidas, ressalta-se que o objetivo deste estudo é contribuir com o debate sobre o trabalho do gerente ao reunir os constructos relativos as suas contradições vivenciadas e suas expectativas, na perspectiva de homens e mulheres que ocupam cargos de gerentes intermediários em organizações localizadas na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Uma reflexão diferenciada sobre o que influencia o trabalho gerencial deve “considerar a questão de gênero e encorajar certa sensibilidade para com as contradições e ambiguidades ligadas à (re)construção social das relações de gênero, à discriminação e às desigualdades no local de trabalho” (Davel & Melo, 2005, p. 40).
Para cumprir a proposta desta pesquisa, abordou-se o contexto do trabalho gerencial, bem como as contradições e expectativas do exercício dessa função. Em seguida são apresentados os procedimentos de investigação; as reflexões dos gerentes entrevistados sobre as contradições e expectativas do trabalho gerencial e, por fim, considerações a respeito do estudo realizado, seguido pelas referências.
Trabalho Gerencial
No início do século XX, mais precisamente em 1916, no esforço de definir o trabalho do gerente, Fayol tomou por base a própria experiência e pesquisas no ambiente organizacional e publicou em sua obra ‘Administration Industrielle et Générale’, que a função do administrador consiste em planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar o trabalho de uma unidade de comando (Barretto, Coutinho & Benevides, 2020). Apesar de ser considerada um dos marcos da história do pensamento administrativo, a obra de Fayol não explicita, entretanto, o que realmente os gerentes fazem no cotidiano laboral.
Migliato e Perussi Filho (2008, p. 7) mencionam que, em 1938, Barnard em sua obra intitulada “As Funções do Executivo”, expôs que a principal função do executivo consistia em manter esse equilíbrio nas perspectivas da eficácia (alcance dos objetivos organizacionais) e da eficiência (vontade das pessoas em contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais, condicionada àquilo que os empregados recebem da organização). Resumidamente, as funções essenciais do executivo, abrangem as responsabilidades de “desenvolver e manter um sistema de comunicação eficaz; promover a formação e manutenção de um sistema de recursos humanos, incluindo a motivação das pessoas; formular e definir os propósitos, objetivos e fins da organização”.
Mas, segundo Davel e Melo (2005, p. 69-70), o que efetivamente os gerentes fazem durante a jornada de trabalho começou a ser desvelado a partir da década de 1950, por meio de estudos desenvolvidos por “Carlson (1951), Sayles (1964), Stwart (1967), Mintzberg (1973)”, entre outros que, utilizando uma abordagem indutiva e empírica baseadas em observações minuciosas do cotidiano de trabalho gerencial, possibilitaram a sua compreensão ao contribuírem com uma visão mais completa sobre as atividades diárias de gerentes. De forma mais detalhada Davel e Melo (2005) explicam que Carlson (1951) ao pesquisar 10 gerentes superiores (nove presidentes e um dirigente da alta hierarquia organizacional) por meio do método de “Agenda”, identificou o óbvio, isso é, que a jornada de trabalho dos gerentes é fragmentada e a comunicação é feita, preferencialmente, de forma verbal. O estudo de Sayles (1964) partiu de observações com anotações daquilo que considerava pertinente, com 75 gerentes sobre suas atividades cotidianas, durante vários anos. Os resultados revelaram que os gerentes são vistos como líderes, monitores e participantes no processo de trabalho. Já a contribuição de Stewart (1967) foi pautada em uma pesquisa com 160 gerentes superiores e intermediários, durante quatro semanas. O estudo apontou a existência de fragmentações e variações no trabalho dos gerentes em função das relações interpessoais, assim, os gerentes passam quase a metade do dia conversando e escutando, discutindo ideias por meio de reuniões, de modo informal, ao telefone ou em atividades sociais. Mintzberg (1973) confirmou os estudos anteriores de que a atividade dos gerentes é caracterizada pela fragmentação das atividades, pelo ritmo de trabalho e pela preferência por comunicações verbais em detrimento das escritas ao acompanhar o trabalho de 05 gerentes, por meio de observações diretas e precisas, durante cinco semanas.
Mais tarde, Kotter (1982) observou o trabalho de 15 gerentes de 15 empresas distintas, complementando suas observações com documentos secundários, questionários e entrevistas com os gerentes e seus principais contatos. Os resultados desse estudo também apontaram para a descontinuidade das atividades dos gerentes e tempo despendido, sobretudo em interações, enfatizando a fixação de agenda de trabalho e a formação de rede de contatos.
Ressalta-se que os estudos apresentados foram pautados na definição do conteúdo das atividades de profissionais que ocupam cargos gerenciais, diferentemente de outros autores como Hill (1993) que, por meio de estudos longitudinais, se empenhou em discorrer sobre o aprendizado do novo papel do gerente e sua evolução no novo cargo. Nesse sentido, o estudo de Hill (1993, p. 6) se insere no entendimento do processo de construção da identidade dos gerentes ao longo do tempo e durante o desenvolvimento das atividades gerenciais. Esse processo envolve alguns aspectos fundamentais: “aprender o que significa ser gerente; desenvolver julgamentos interpessoais; adquirir autoconhecimento; e lutar contra as tensões e emoções”.
Reed (1997) sintetizou os estudos sobre o trabalho gerencial em três perspectivas de análise: a perspectiva técnica, a política e a crítica. De forma análoga, essas perspectivas tratam a gestão como um processo organizacional focado na coordenação e controle da atividade produtiva. Reed (1997) propõem ainda a quarta perspectiva: a praxeológica. Nessa perspectiva, a gestão é definida como prática social e sua análise incorpora os três níveis supracitados, permitindo as interseções entre a ação de indivíduos, a dinâmica organizacional e o contexto macroestrutural.
É importante destacar que todas essas colocações, anteriormente descritas, não encerram os estudos e a realidade do fenômeno do papel do gerente e do trabalho gerencial. Ao contrário, elas impõem desafios à investigação desses fenômenos e apontam a necessidade de outras pesquisas para levantar, junto a mulheres e homens gerentes, as contradições do trabalho gerencial e as expectativas de seu papel profissional.
Contradições do trabalho gerencial
O gerente configura-se, como um agente que atua concomitantemente em posições distintas e contrárias, por exercer ao mesmo tempo o controle e a cooperação do trabalho, além de lidar com os conflitos entre o capital e o trabalho e o conflito de papeis, pois são responsáveis por manter a ordem capitalista ao mesmo tempo em que é subordinado a ela (Braverman, 1987; Melo, 1987; 1991; Pagès, Bonetti, Gaulejac & Descendre, 1987). Assim, os gerentes podem encontrar dificuldades ao tentarem conciliar o conflito entre “uma racionalidade instrumental, exigindo estrita adesão à proteção dos meios organizacionais necessários à sobrevivência, e uma racionalidade ontológica, que exige uma preocupação real com os fins éticos que devem orientar os atos de gestão” (Reed, 1997, p. 31).
De forma análoga, Ésther e Melo (2004) ao analisarem o trabalho e os dilemas de gerentes de uma organização de grande porte do ramo de tecnologia, apontaram que eles também ocupam posições ambivalentes, ou seja, atendem às demandas organizacionais, mas, sentem-se pressionados por seus subordinados; tornam sua organização mais eficiente, eficaz e mais racionalizada, porém, tornam-se desnecessários ou obsoletos; sentem seus desejos e pulsões, mas tem de comportar-se de forma racional; são criativos e produtivos, todavia, são limitados pela hierarquia e pela cultura organizacional.
Se de um lado os gerentes tornam-se desnecessários ou obsoletos para as organizações, passando a conviver com o estresse da demissão, sobretudo aqueles mais experientes, considerando a faixa etária, de outro lado, eles são responsáveis por tomar decisões difíceis, tais como: “abolir divisões, cortar despesas, desinvestir em certos setores, demitir pessoal” (Chanlat, 2005, p. 300-301).
Ficou também evidenciado como parte dos dilemas vivenciados na função gerencial, o fato de o gerente ter que agradar o subordinado e cobrá-lo no desempenho de suas funções, conciliar diferentes interesses a problemas específicos do setor, conciliar a gestão de pessoas ao alcance de metas, pressão e sobrecarga a dificuldades relacionadas a expectativas de superiores (Paiva, Ésther, Pires & Melo, 2006), entre outros.
De forma metafórica, Allard-Poesi (2015) descreve que os gerentes parecem ‘dançar no escuro’, diante dos papeis contraditórios em que precisam atuar. Isso evidencia que não há treinamento formal que ensine o profissional a ser gerente, pois nem sempre o que se aprende é o que a prática requer.
Para além dessas contradições, o estudo de Dornelas (2009) realizado com 42 gerentes, sendo 23 mulheres e 19 homens de bancos privados, aponta que tanto os homens quanto as mulheres pesquisadas sofrem pressão por terem que apresentar resultados e metas, saber gerir pessoas, lidar com a competição entre bancos e entre os próprios gerentes e falta de tempo para planejar estratégias.
Além de os gerentes buscarem por resultados e alcance de metas, o estudo realizado por Melo, Cassini e Lopes (2010) com 61 gerentes (30 homens e 31 mulheres) de médias e grandes empresas da área de telecomunicações e informática, aponta que eles precisam continuamente superá-las. Mas, para que isso ocorra, é necessário que os gerentes tenham autonomia, capacidade de adaptação e de relacionamento interpessoal para conseguirem, conjuntamente com suas equipes, unir esforços no intuito de contribuírem com os objetivos da empresa. O estudo mostrou também, que os gerentes precisam investir em seu autodesenvolvimento e manterem-se constantemente atualizados, já que o conhecimento é essencial para o exercício do trabalho gerencial.
Na perspectiva de Chanlat (2005) cada pessoa vivencia os fatores de pressão de forma singular, reagindo a eles também de modo particular.
Isso pode ser evidenciado em outro estudo com 36 gerentes (18 homens e 18 mulheres) de empresas de médio e grande porte do setor de informática, realizado por Melo, Cassini e Lopes (2011) ao apontar para uma percepção de normalidade das situações de pressão, cobranças, falta de tempo, exigências de atualizações aceleradas e constantes, entre outras, até então consideradas como condições de estresse e de adoecimento presentes no cotidiano de trabalho do gerente. A estas “normalidades” apresentadas, as autoras denominaram de Síndrome de Estocolmo Gerencial, revelando um novo contexto para a análise do trabalho gerencial no campo do estresse e do mal-estar no âmbito organizacional. Talvez isso possa explicar o posicionamento de Chanlat (2005, p. 290-291) ao salientar que “os gerentes, pela própria natureza de sua ocupação, pertencem mais ao grupo dos controladores do que ao dos controlados. Por isso mesmo, frequentemente exercem mais o papel de produtores de estresse do que de pessoas sujeitas a ele”.
De forma geral, a contradição nas organizações é frequentemente vista como uma situação anormal ou incomum, ligada a um contexto específico, com a ideia de que a organização pode resolvê-la e voltar para uma situação não contraditória. Mas, a contradição e manifesta de forma duradoura, devido a sua complexidade e por estar enraizada nos paradoxos internos da organização (Pérezts, Bouilloud & Gaulejac, 2011).
Cabe ressaltar que as situações de mal-estar vivenciadas pelos gerentes não se restringem a determinados segmentos organizacionais. De forma assemelhada, o mal-estar também se faz presente na área da saúde. Pereira, Spiri, Spagnuolo & Juliani (2020) ao estudarem o cotidiano de trabalho de 09 gerentes enfermeiros, com mais de 20 anos no cargo, evidenciaram incômodos em suas verbalizações, tais como: falta de tempo; sobrecarga de trabalho; escassez de recursos materiais; ausência de cobertura para suas saídas da unidade; dificuldades com a demanda de atendimento; falta de profissionais para atendimento; dificuldade de relacionamento com usuários e familiares, evidenciado pelo desrespeito destes com a equipe, levando à exaustão física e psicológica desses profissionais.
Essa multiplicidade de contradições vivenciadas pelos gerentes no cotidiano de trabalho, também “podem gerar questionamentos, apatia e descontentamento na intensa busca pelo reconhecimento social, realização profissional, poder e status que acompanham seu exercício” (Melo, Faria & Lopes, 2021, p. 168) favorecendo o mal-estar gerencial.
Expectativas do trabalho gerencial
Expectativas profissionais configuram-se como um importante elemento nas organizações, principalmente quando se trata de gerentes, pois a preocupação com a carreira os eleva progressivamente ao esforço pela ascensão profissional, assim, a primeira impressão que muitos gerentes passam diz respeito a ideologia do esforço próprio (Tolfo, 2002).
Todavia, ao buscar pela concretização das expectativas profissionais, os gerentes manifestam angústia, ansiedade e até mesmo impotência. Por vezes, “a maioria dos gerentes adotam o discurso do esforço pessoal, mas sem acreditar realmente nele” (Lima, 1995, p. 169). Muitos deles, por estarem mais perto do topo da hierarquia, veem que a pirâmide é cada vez mais estreita, a vista disso, alguns gerentes abandonam a luta pela ascensão na carreira e procura satisfazer-se com o cargo atual. Há ainda aqueles que buscam inovar e prosseguem na tentativa de alcançarem ascensão profissional e outros que vivem um impasse, entre a progressão na carreira e o sentimento de falta de preparo para o desafio, frente às contradições da profissão, como por exemplo, meios de ascensão que não aprovam. Nessa ótica, fica claro que a ascensão do gerente, em alguns casos, exige mais do que esforço e competência pessoal (Lima, 1995).
No entanto, em alguns cenários, os desafios da carreira são impulsionadores determinantes para que os gerentes permaneçam no cargo, como é caso do grupo entrevistado por Melo, Faria e Lopes (2021) com gerentes femininas mais jovens. Contudo, visando o alcance de suas expectativas profissionais futuras, as gestoras pesquisadas enfatizaram a necessidade de priorizar a qualificação na profissão por meio da educação continuada.
Vasconcellos e Neiva (2019, p. 9) em um dos seus estudos buscou fazer a análise entre as expectativas de futuro organizacional e as expectativas de carreira na organização. Os resultados apontaram uma relação positiva, em que “as expectativas dos indivíduos sobre suas carreiras na organização dependem fortemente das expectativas nutridas sobre o futuro da própria organização”. Os profissionais que presumem boas perspectivas para a organização, como ampliação nos negócios e aumento na lucratividade, têm expectativas favoráveis quanto ao seu futuro profissional, pois compreendem que as perspectivas organizacionais podem favorecer a sua ascensão na própria organização.
Quanto às expectativas profissionais na perspectiva de gênero, no estudo realizado por Vasconcellos e Neiva (2019, p. 10), “as expectativas de carreira não diferem substancialmente entre homens e mulheres”. Mas essa é uma afirmativa que deve ser analisada com cautela, pois cabe atentar para a possibilidade de variáveis reguladoras nessa relação, cuja presença ou ausência podem alterar os resultados, como; setor econômico, natureza da organização, segmento de mercado e, sobretudo as práticas de gestão de cada organização. Essas variáveis “podem condicionar a existência de diferenças nas expectativas de carreira em função do sexo”. No entanto, Boniatti, Velho, Pereira, Pereira & Pellicioli (2013) detectaram que as mulheres adotam um posicionamento mais atuante, favorecendo a consolidação de suas expectativas tanto profissionais quanto pessoais.
Na percepção das integrantes dos estudos de Hryniewicz e Vianna (2018) entre as características mais observadas em mulheres gerentes, as entrevistadas destacaram o otimismo, a dedicação e a determinação. Muito embora, o resultado do estudo tenha apresentado que as mulheres sofrem inúmeros tipos de preconceitos em suas trajetórias profissionais.
Assim, diante da exposição teórica, percebe-se que a expectativa pela ascensão profissional e a autorrealização no cargo são características próprias da função do gerente, como destacado por Assaad e Krafft (2017). Mas, devido à complexidade e ambiguidade do cargo, o alcance dessas expectativas para o profissional gerente exige cada vez mais aprimoramentos constantes. E nessa liturgia, ambos os profissionais, independente do gênero, para que consigam alcançar o sucesso almejado na carreira profissional, precisam se adequar às exigências do cargo.
Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, caracteriza-se como descritiva. Esse tipo de abordagem “pressupõe a análise e a interpretação de aspectos mais profundos da complexidade do comportamento humano” (Andrade, Stefano & Zampier, 2017, p. 7), inclusive no âmbito organizacional. Considerando as particularidades e a subjetividade do exercício do trabalho gerencial, a abordagem qualitativa se revela adequada, neste estudo, para que se compreenda as contradições e expectativas vivenciadas pelos gerentes em seu cotidiano de trabalho.
As unidades de observação desta pesquisa são constituídas por organizações do segmento bancário, tecnológico, energético e industrial, localizadas em Belo Horizonte, por serem representativas no cenário econômico da capital mineira. Como unidade de análise tem-se as contradições vivenciadas e as expectativas profissionais no cotidiano de trabalho gerencial.
Os sujeitos desta pesquisa foram 21 homens e 19 mulheres que ocupam o cargo de gerente intermediário nas referidas organizações, totalizando 40 entrevistados. Deste quantitativo, 11 gerentes estão alocados no setor bancário, 12 no setor tecnológico, 09 no setor energético e 08 do setor industrial. Esse número parece ser bastante significativo considerando que trabalhos de avaliação qualitativa devem contemplar entre 30 a 50 entrevistas (Morse, 2008).
Para a escolha da amostra não probabilística desta pesquisa foram utilizados dois critérios: o critério intencional, por considerar um grupo de gerentes experts (profissionais especializados) em suas áreas de atuação. Alvesson e Sköldberg (2000) confirmam que a pesquisa qualitativa e seus métodos partem da perspectiva ou das ações dos sujeitos estudados. Também foi utilizado o critério Snowball ou “bola de neve” (Baldin & Munhoz, 2011), tendo em vista que os primeiros gerentes participantes desta pesquisa indicaram novos participantes que, por sua vez, indicaram outros participantes e, assim, sucessivamente.
Como técnica de coleta de dados adotou-se um roteiro de entrevista semiestruturado e os dados foram tratados por meio da análise indutiva, permitindo ao “pesquisador criar padrões e categorias de análise dos dados” (Andrade, Stefano & Zampier, 2017, p. 8). Assim, as categorias que emergiram dos relatos do grupo gerencial entrevistado, em relação às contradições no ambiente de trabalho, estão elencadas da seguinte forma: (1) significado do “ser gerente”, (2) autonomia do gerente versus (in)subordinação dos funcionários e (3) bônus versus ônus do cargo gerencial. Quanto às expectativas, elas estão apresentadas como: (1) expectativas dos gestores e (2) estratégias para a carreira gerencial.
Utilizou-se, também, a técnica de análise desenvolvida por Melo (2002), a qual considera três momentos distintos, a saber: a) preparação: as entrevistas foram transcritas na íntegra, segundo o roteiro de entrevista utilizado, agrupando-se as respostas de cada categoria para cada questão tratada; b) tabulação quantitativa: identificação dos conteúdos das respostas e agrupamento de acordo com o tema da pergunta e; c) tabulação qualitativa: a partir da definição dos temas segundo o objetivo da pesquisa, foram selecionados os extratos mais significativos retirados das entrevistas transcritas. Essa técnica privilegia, portanto, os conteúdos dos relatos, que são confrontados com o arcabouço teórico, o que permite avançar no conhecimento acerca do cotidiano de trabalho de gestoras e gestores entrevistados, considerando realidades específicas de suas contradições e expectativas.
Apresentação e análise dos resultados
O grupo gerencial entrevistado foi identificado, ao longo da análise, com as letras “H” para os gerentes homens e “M” para as gerentes mulheres, seguida de uma numeração sequencial de 1 até 40, considerando a ordem do agendamento e realização das entrevistas.
Sobre o tempo de atuação no cargo, mais da metade dos entrevistados (33) possui até 10 anos no cargo e, os demais, de 11 a 15 anos, demonstrando ser um grupo com bagagem de conhecimentos nas suas respectivas áreas de atuação profissional.
A formação acadêmica dos gerentes entrevistados mostrou-se bastante heterogênea, com profissionais graduados nas áreas de ciências humanas, ciências biológicas e ciências exatas. Em se tratando de educação formal continuada, os dados desta pesquisa apontam que 10 gerentes fizeram algum tipo de especialização/MBA, 04 são mestres e 03 estão cursando mestrado.
Contradições vivenciadas pelos gerentes no cotidiano de trabalho
A partir das transcrições das entrevistas e da análise temática utilizada para estabelecer a categorização das falas do grupo gerencial participante desta pesquisa, chegou-se à identificação de três grandes categorias associadas às questões concernentes às contradições vivenciadas pelos gerentes no ambiente de trabalho: (1) significado do “ser gerente”, (2) autonomia do gerente versus (in)subordinação dos funcionários e (3) bônus versus ônus do cargo gerencial.
Significado do ‘ser gerente’
Ao analisar de forma sistemática o cotidiano de trabalho de gerentes que ocupam cargos em organizações de diferentes ramos de atividades, identificou-se que o significado do ‘ser gerente’, para esse grupo de profissionais, vai além de planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar o trabalho no âmbito organizacional, como preconizado por Fayol ainda no início do século XX (Barretto, Coutinho & Benevides, 2020). Neste caso, o “ser gerente” se insere num misto de atuações, destacando-se tanto para os homens, quanto para as mulheres, a preocupação em gerir pessoas; em entregar os resultados estabelecidos pela organização; em atuar como viabilizador de resultados e, facilitador dos processos organizacionais.
“[...] É gerir pessoas, é você conseguir realmente ter um retorno positivo daquilo que você está fazendo e conseguir obter, através dessa gestão, o sucesso (H/2)”.
“[...] é viabilizar, fazer as coisas acontecerem da melhor forma possível, cuidar para nada dar errado, saber contornar quando os erros acontecerem (M/19)”.
Apesar de a percepção do ‘ser gerente’, tanto para as gerentes, quanto para os gerentes, ser comum em alguns aspectos e majoritariamente consistir em ‘fazer a gestão de pessoas’, os dados mostram, ainda, que as gerentes estão mais preocupadas com a própria performance, com destaque para ‘solucionar problemas’ e ‘atender bem o cliente’, enquanto os gerentes homens voltam o olhar para a equipe de trabalho, pois percebem uma necessidade maior de ter ‘empatia e preocupar-se com o outro’, seguido da necessidade de ‘liderar a equipe e apresentar resultados’, contrariando posicionamentos padronizados,
“Atualmente eu vejo isso como liderar uma equipe em busca de um resultado (H/1)”.
“[...] ser gerente é ser exemplo para a equipe, entregar bem o resultado e sempre preocupar com as pessoas. Ter empatia, entender a visão dela e saber se posicionar também (M/13)”.
Por um lado, percebe-se pelos relatos tanto das gerentes mulheres, quanto dos gerentes homens entrevistados, que o significado do ‘ser gerente’, muitas vezes, se confunde com o significado do ‘ser líder’, frequentemente citado como um fator essencial da atividade gerencial, evidenciando que o gerente assume diversos papéis nas organizações, conforme enfatizado por Davel e Melo (2005).
Assim, ‘ser gerente’ também consiste em se posicionar ora como orientador, ora como auxiliador norteando as equipes de trabalho, sinalizando que dentro de suas organizações faz-se necessário agir de forma generalista em relação ao desempenho de suas funções, mas se mostrando como especialistas enquanto gestores, pois seu trabalho envolve papéis e habilidades específicas, como colocado por Mintzberg (1973).
“[...] o gerente também tem que mostrar que conhece e sabe para onde ir, é importante que a liderança tenha essa percepção. O liderado olha para o gerente como uma referência (H/4)”.
“[...] ser gerente é ser intermediador, pacificador, a gente está no meio de expectativas que o colaborador tem da empresa e que a empresa tem dele, então, se estou aqui na gerência, tenho que ser esse intermediador que alinha essas expectativas (M/35)”.
Entretanto, o significado do ‘ser gerente’ para os gerentes homens, parece ser mais atenuado se comparado com a percepção das gerentes, uma vez que para eles ‘ser gerente’ é ‘conseguir falar e ser ouvido’, é uma ‘realização profissional’, é ser ‘reconhecido pela empresa’, é ter ‘autonomia’. Já as gerentes, provavelmente, enfrentam desafios no exercício do cargo ao destacarem que ‘ser gerente’ é ter que ‘saber se posicionar’, consideram que é uma ‘responsabilidade grande’, e que precisam ‘agir de forma pacificadora/intermediadora’ por representarem o elo entre a alta hierarquia organizacional e o nível operacional.
Por outro lado, faz parte do exercício do trabalho gerencial colocar em prática os objetivos organizacionais. Neste quesito, ao mesmo tempo em que os gerentes homens e as gerentes mulheres exercem o controle sobre o trabalho dos subordinados, também precisam agir de forma cooperativa para que o trabalho seja desenvolvido, configurando-se como agentes que atuam concomitantemente em posições distintas e contrárias, corroborando o posicionamento de Pagès et al. (1987), Braverman (1987) e Melo (1987; 1991). Isso mostra que as principais características do trabalho dos gestores envolvem, ao mesmo tempo, aspectos substantivos de gestão e responsabilidade pelo processo de trabalho.
“[...] ser gerente é tentar fazer com que as pessoas consigam fazer o melhor que elas possam, dar condição pra elas fazerem isso é ... não só de recurso, mas, condição de motivação, é criar iniciativas, ajudar a fazer, colocar algumas ideias em prática que vão gerar resultados para a empresa e para as pessoas (H/7)”.
“Ah, ser gerente é trabalhar todo dia com pessoas, é matar um leão por dia. E estar aqui querendo ajudar, principalmente, é o objetivo, porque é uma sobrecarga de problemas que tem que solucionar, entendeu? Cumprindo suas metas, correndo atrás (M/12)”.
Essas situações vivenciadas pelos gerentes entrevistados, ou seja, de atuarem como líderes e monitores junto aos subordinados, também foram evidenciadas na pesquisa realizada por Sayles (1964) e que mais tarde Boltanski (1982) convenciou chamar de “duplo controle”, pelo fato de os gerentes terem que demonstrar onipresença e clareza de pensamento sobre seus subordinados, bem como atender às constantes demandas de seus superiores, o que torna a organização mais eficiente, eficaz e mais racionalizada como bem colocado por Ésther e Melo (2004).
Dessa forma, o exercício do trabalho gerencial distingue-se de outras funções produtivas, sejam elas técnicas ou administrativas, pelo fato de não estar associado a comportamentos previsíveis e rotinizados como enfatizado por Reed (1997), mas a um contexto “composto de ações breves, variadas, fragmentadas” e ambivalentes (Davel & Melo, 2005, p. 73), tornando-o, assim, de difícil definição.
Autonomia versus (in)subordinação dos funcionários
Ao assumir o exercício do trabalho gerencial, Reed (1997) expõe que o gerente, para desempenhar com afinco o seu papel, acaba sofrendo constantes pressões de forma a manter seu esforço centrado na melhoria dos resultados da organização, com vistas ao acúmulo do capital. Mas, além de o gerente enfrentar dissabores e se deparar com cobranças, pressões e angústia em seu cotidiano laboral, identificou-se, neste estudo, que a autonomia também se configura como fator crítico no exercício da sua função.
No caso das gerentes pesquisadas isso é evidenciado em 47% de suas respostas, ao expressarem com sinceridade a falta de autonomia para atuarem profissionalmente e na liderança de seus subordinados. As justificativas estão atreladas à ‘busca de um consenso’, à ‘formação de parceria para o desenvolvimento do trabalho’, à ‘definição de estratégias estabelecidas pela organização’, à ‘impossibilidade de tomar atitudes que acha correta’, em ter que ‘agir conforme os preceitos da organização’, em ter que ‘seguir a estrutura de matriz balanceada da empresa’ e, em ter que ‘recorrer a gerentes funcionais’ para que a decisão seja tomada em conjunto, entre outros.
“Não, não tem isso. [...] lógico que cada um tem as suas interpretações, um modo de trabalhar. Então, eu acho que não existe uma subordinação, uma influência, existe um consenso. Uma parceria tá, é dessa forma que eu acho que a gente trabalha (M/12)”.
“É um pouco subjetivo, a gente tem procedimento a seguir, é claro que a gente está sempre alinhada com a diretoria para as posturas que vamos adotar com o cliente, com a equipe, porque é tudo muito impactante o que a gente faz. A gente tem autonomia de sugerir, de falar acho que assim vai dar certo, porque eu já vivi isso antes (M/19)”.
Em relação aos homens gerentes, percebe-se em 86% de suas respostas, uma relativa autonomia ou uma autonomia velada para atuarem profissionalmente e liderar seus subordinados, uma vez que os dados apontam para uma autonomia ‘limitada/restrita’, ‘focada nos interesses da organização’, ‘respeitando os procedimentos internos’, ou até mesmo, se mostrando ‘inexistente pelo fato de a autonomia estar a nível de diretoria’, entre outros.
“Tem sim! Aqui pelo menos eu, desde que eu entrei eu tenho uma liberdade muito grande de agir, lógico que a gente tem que ter um balizador. [...] tem que agir dentro de determinados parâmetros, mas tenho sim uma liberdade de poder agir aqui dentro (H/3)”.
“Sim, com certeza a gente tem autonomia, né! Claro que sempre respeitando os procedimentos, né, e os termos de ética da organização (H/28)”.
Os relatos, tanto dos gerentes, quanto das gerentes, refletem uma das contradições vivenciadas por esse grupo profissional, a partir do momento em que o discurso organizacional e mesmo a teoria, delineiam que o exercício do trabalho gerencial requer uma capacidade de ação e de autonomia, mas que, na prática, os gerentes não possuem ou possuem de forma restrita, como bem colocado por Melo, Cassini e Lopes (2010).
O que se percebe, na verdade, é que as gerentes e os gerentes entrevistados, possuem uma autonomia vigiada, controlada pelas normas e regulamentações do setor ou da governança que se tem no âmbito das organizações em que atuam. Cabe ressaltar, ainda, que para àqueles ou àquelas gerentes que dizem ter autonomia, esta também se mostra restrita à sua flexibilidade de horário, em dar sugestões com foco no resultado, atender as demandas da empresa, acompanhar se as regras estão sendo efetivas, entre outras, mas não para atuar estrategicamente na organização e tomar decisões.
A falta de autonomia, tanto dos gerentes, quanto das gerentes, fica mais evidenciada a partir do momento em que precisam definir ações para que suas decisões sejam acatadas pelos subordinados garantindo, assim, a subordinação.
No caso do grupo gerencial feminino, as ações para que suas decisões sejam acatadas pelos subordinados priorizam a busca pelo ‘diálogo’, a manutenção de um ‘bom relacionamento’ e a realização do ‘trabalho em equipe’. Não obstante, Melo, Cassini e Lopes (2010) já mencionavam que a construção de relacionamentos interpessoais é um trabalho essencial da tarefa gerencial. Neste caso, compete às gerentes se adaptarem a essa realidade para que, juntamente com suas equipes, possam unir esforços visando contribuírem com os objetivos organizacionais.
Olha, a primeira coisa eu acho que você tem que ter é um bom relacionamento e respeito com seus funcionários. Você demonstrando isso eu acho que você consegue o seu objetivo. (M/36)
[...] eu sempre tento atuar assim... enquanto equipe né, sempre tento atuar ouvindo muito a equipe e não impondo muito as decisões. [...] não é muito frequente isso, é muito raro ter que impor decisões. (M/13)
Já as ações mais citadas pelo grupo gerencial masculino consistem em ‘dar o exemplo’, ‘fazê-los confiar e acreditar que a sua fala é verdadeira’, ‘fazer com que a equipe o veja como alguém que eles têm que seguir’ e ‘fazê-los entender que é uma questão de hierarquia’, ‘ter que mostrar que são experientes’, ‘que estão seguindo a política da empresa’, além de terem que utilizar, às vezes, ‘o poder da caneta’. O ‘poder da caneta’, segundo o entrevistado (H/21), significa que o gerente pode colocar o subordinado à disposição, ou seja, transferir a pessoa de uma área para outra, uma vez que não tem autonomia para demiti-lo e, a empresa, não tem a cultura da demissão.
Na perspectiva de Paiva et al. (2006) ter que agradar o subordinado e ao mesmo tempo cobrá-lo no desempenho de suas funções, é um dos dilemas vivenciados pelos gerentes no exercício do cargo. Dessa forma, a prevalência da autonomia se dá apenas sob a responsabilidade com as atividades desenvolvidas com vistas à entrega de resultados/metas, objetivando o alcance dos objetivos organizacionais. Trata-se, assim, de uma autonomia utilizada para prescrever a própria rotina de trabalho.
Ônus versus bônus do cargo gerencial
As contradições e fragmentações vivenciadas pelas gerentes e pelos gerentes acabam por implicar em certo desânimo dos mesmos quando percebem que os ônus sobrepõem aos bônus do cargo gerencial. De forma unânime, as gerentes e os gerentes revelaram que isso acontece, muitas vezes, pelo fato de o bônus guardar certa relação com a própria função, ou seja, já é esperado pelos gerentes, mas que nem sempre se concretiza no olhar da sociedade, como é o caso do ‘reconhecimento’, ficando esse sentimento internalizado apenas no próprio gerente e na organização.
“[...] o bônus de ser é o reconhecimento, gerenciar uma equipe, pessoas, processos, ser uma gestora, ser considerada (M/38)”.
“Eu acredito, assim, pelo lado pessoal, eu posso falar por mim, me sinto uma pessoa realizada por conduzir esse cargo (H/40)”.
Da mesma forma, ao assumir o cargo gerencial, também já é esperado tanto pelas gerentes, quanto pelos gerentes, a identificação com o trabalho, o orgulho por atuar na organização, aumento financeiro, desenvolvimento profissional, flexibilidade, entre outros. Compreende-se, entretanto, que quando há bônus no exercício do trabalho, não significa que não haja ônus e vice e versa. Neste contexto, os fatores que mais se destacaram como ônus do cargo gerencial foram a ‘responsabilidade da gestão’, presente em 38% das respostas dos gerentes homens e em 26% das respostas das gerentes mulheres e ‘ter que trabalhar sob pressão’ conforme Tabela 1.
“[...] o ônus é que a gente sempre leva a culpa de tudo, a culpa é sempre do gerente, deu qualquer coisa errada a empresa vai cobrar é do gerente, então, o ônus que eu vejo é isso, temos uma responsabilidade muito grande nas costa (M/16)”.
“É... a pressão seria o ônus. [...]. Porque você trabalhar pressionado, você não consegue dar seu máximo, né? (H/2)”.
Torna-se evidente que a responsabilidade das gerentes e dos gerentes entrevistados assume uma lógica mais racional, se amoldando às exigências de suas organizações causando, muitas vezes, sensação de desconforto ou descontentamento no exercício de suas funções. Para Reed (1997), em casos assim, os gerentes podem se sentir contrariados ao tentarem conciliar uma racionalidade instrumental, voltada para os meios de sobrevivência da organização e uma racionalidade ontológica, voltada para a ética da gestão.
Apesar de outros fatores também serem apontados como ônus do cargo gerencial tanto pelas gerentes, quanto pelos gerentes, o fato de ‘ter que trabalhar sob pressão e atingir metas’, ‘ter que desagradar os subordinados’, ‘ter que estar preparados para servir de vidraça’ e ‘ter que tomar decisões difíceis’, ficou mais evidenciado na percepção dos gerentes homens.
“[...] o ônus é você ter que assumir as decisões, é você ter que desagradar às vezes as pessoas, ter que ouvir crítica, ouvir tudo, estar preparado pra ser vidraça porque você vai ser mesmo, então não tem jeito (H/7)”.
Já para as gerentes, o ônus do cargo gerencial se manifesta mais na ‘sobrecarga de trabalho’ (o que pode estar relacionado à terceira jornada de trabalho) afetando-as de forma física e mentalmente, em ‘ter que se dedicar muito à empresa’, e em ‘ter que reduzir o quadro de funcionários’.
“[...] ônus é realmente a gente ficar sobrecarregada, tanto física, quanto mentalmente, então, nosso ônus seria realmente a pressão psicológica e física (M/17)”.
Os gerentes vivenciam, ainda, situações de isolamento e, estas, igualmente foram lembradas como ônus do exercício do trabalho gerencial pelo grupo entrevistado, independente do gênero. Esses isolamentos se manifestam em cinco momentos distintos: ‘saber que vai acontecer algo e não poder compartilhar’, ‘ter que tomar algumas decisões sozinho’, ‘distanciamento da equipe devido ao nível hierárquico’, ‘quando não tem um bom resultado’, e ‘não ter com quem se aconselhar’. Por um lado, os entrevistados apontam para uma ‘normalidade’ frente às diferentes situações de isolamento vivenciadas no cotidiano de trabalho. Por outro lado, eles têm consciência de que esse isolamento é intrínseco da própria função gerencial e de que o cargo gerencial é por si só solitário, assumindo as consequências de suas ações, mesmo que essas lhes tragam sofrimento, angústia e aflição.
Mesmo com enfoques diferentes, essa ‘normalidade tendendo ao sofrimento’ tipificada pelos entrevistados guardam certa semelhança com os resultados da pesquisa de Melo, Cassini e Lopes (2011) no campo do estresse, do mal-estar e da Síndrome de Estocolmo Gerencial. Assim, parece que as contradições vivenciadas pelos gerentes no cotidiano de trabalho estão entranhadas nos paradoxos internos das organizações se manifestando de forma duradoura, devido a sua complexidade (PÉREZTS; BOUILLOUD; GAULEJAC, 2012) e evidenciada pelas suas particularidades.
Percebe-se, assim, que o bônus e o ônus são dois fatores intrínsecos do exercício do trabalho gerencial, podendo ser desmembrados em dois momentos: no primeiro (bônus) os gerentes gerenciam a si mesmos, atuando como protagonistas da própria carreira ao mesmo tempo em que assumem um papel de liderança, enquanto, no segundo (ônus), os gerentes assumem as reponsabilidades da função ao mesmo tempo em que lidam com suas frustrações. É o incessante “aprender a ser gerente” destacado por Hill (1993), ainda na década de 1990, presente nas organizações contemporâneas.
Expectativas profissionais e estratégias na função gerencial
Expectativas profissionais configuram-se como importante elemento nas organizações, principalmente, quando se refere à área gerencial (Tolfo, 2002). Diante dessa relevância, analisar as expectativas profissionais gerenciais na perspectiva de gênero contribui para o debate deste estudo. Para tanto, duas categorias principais foram extraídas dos discursos dos entrevistados, a saber: 1) Expectativas dos gestores e; 2) Estratégias para a carreira gerencial.
Em relação às expectativas profissionais na perspectiva de gênero, o que se percebe é que a maioria dos gerentes entrevistados manifesta de certa forma, a satisfação com a função de gerente ou que estão no caminho certo para que isso ocorra. Os gerentes, tanto os homens, quanto as mulheres, em sua maioria, declararam que não pretendem mudar de função, se for possível, almejam aposentar no cargo onde se encontram, ou em caso de ascensão profissional, que isso ocorra na própria empresa.
Dissertando sobre o assunto, Vasconcelos e Neiva (2019) destacam que as expectativas profissionais são alimentadas pelas expectativas que se têm do futuro da empresa a qual estão inseridos. Portanto, manifestando essa conexão em relação ao futuro organizacional e pessoal, as mulheres e os homens pesquisados expressam, em sua maioria, a dependência das expectativas profissionais em relação às expectativas organizacionais, uma vez que o alcance de um favorece a realização do outro.
Assim, percebe-se pelos dados apresentados que a maioria das respostas dadas pelas mulheres (63%) e boa parte das respostas dos homens (48%) manifestam que têm como expectativas profissionais o crescimento na empresa atual; permanecer na empresa até a aposentadoria representa 10% das respostas das mulheres e 29% das respostas dos homens e ainda 15% das respostas das mulheres e 20% das respostas dos homens destacam que pretendem permanecer atuando na gestão.
“[...] Eu pretendo alcançar cargos melhores aqui dentro. Mesmo com todo estresse vale a pena (M/33)”.
“[...] escalar ainda na organização e dentro de alguns 10 anos aí, aposentar e fazer consultoria estar passando aí o que eu aprendi (H/26)”.
Em relação aos gerentes que têm como expectativas profissionais a permanência no cargo atual, pode-se assemelhar ao exemplo, topo da pirâmide, contextualizado por Lima (1995), em que tendo em vista a quantidade de vagas nos cargos mais elevados, os gerentes buscam se satisfazer com a posição já alcançada.
Contudo, observa-se que embora a função do gerente apresente vários desafios, esses profissionais vêm sendo impulsionados a permanecerem no cargo (Melo, Faria & Lopes, 2021). Porém, cabe ainda destacar em relação as expectativas, que há gerentes que almejam investir em outras áreas na vida profissional, para tanto, além de dedicarem aos estudos em prol disso, alguns dos entrevistados manifestaram o desejo de adquirir outra profissão, como é o caso de ser professor ou empreendedor.
“[...] Eu quero ser assim uma professora que seja referência mesmo, assim na minha área, no meu conhecimento (M/35)”.
“[...] eu hoje estou tentando empreender também (H/34).
Nota-se que os resultados dessa análise apresentam certa similaridade considerando as expectativas profissionais dos entrevistados, exceto algumas respostas como é o caso da busca de conhecimentos técnicos, acadêmicos e aprimoramentos na função, em que as gerentes demonstram maior dedicação ao estudo e aprendizagem, pois 58% das respostas apresentadas por elas mencionam essa questão em comparação a 15% das respostas apresentadas pelos homens. Isso revela um posicionamento mais atuante das gerentes na conquista de suas expectativas profissionais, seja por se sentirem mais cobradas ou porque querem mostrar um diferencial. O posicionamento mais atuante das mulheres, demonstrando maior expectativas profissionais, também foi observado por Boniatt et al.; (2013), embora o grupo pesquisado pelo autor, tenha sido de estudantes.
Observou-se ainda que um dos entrevistados incluiu a família nos projetos de expectativas “uma vida mais familiar, um pouco mais estruturada, dedicar mais a minha filha” (H/29). Segundo Pereira et al. (2020) a dificuldade de convivência com a família tem se apontado como incômodo na vida profissional dos gerentes. Razão pela qual, esse gestor sentiu a necessidade de planejar a sua vida, visando o alcance das expectativas profissionais, sem prejudicar o relacionamento familiar.
Sobre as estratégias para a carreira gerencial, Davel e Melo (2005) mencionam a necessidade de conhecer o pensamento dos gerentes além da teoria, para tanto é necessário compreender a prática vivenciada por esses profissionais no dia a dia. Buscando entender o cotidiano do gestor, Kotter (1982) observou que o gerente desenvolve e mantém algumas estratégias pessoais para ascender na vida profissional, ou se for o caso, manter a posição de gestor, diante das diversidades da função.
Os dados desta pesquisa apresentam algumas estratégias utilizadas pelos gestores para ascenderem na carreira gerencial (TAB. 2). A necessidade de gerar resultados foi um item bastante abordado nas respostas dos gerentes e, neste caso, as mulheres (51% das respostas) percebem essa exigência maior em relação aos homens (39% das respostas).
O percentual de 39% das respostas apresentadas pelos homens e 48% pelas mulheres, para a necessidade da busca de conhecimentos técnicos, acadêmicos e atualizações, foi um dado que chamou atenção, pois revelou um perfil assemelhado entre ambos nessa questão.
“[...] buscar conhecimento, estudar, se preparar tecnicamente para aquela função (H/23)”.
[...] Tem que estar sempre se atualizando e batendo as metas. Não que eles vão me mandar embora de imediato, mas eu preciso bater as metas (M/33)”.
Observa-se ainda em relação às estratégias utilizadas pelos entrevistados para ascenderem na carreira gerencial, que os homens se mostram mais preocupados com as relações pessoais do que as mulheres. Os dados mostram que o gênero masculino apresenta um percentual de respostas maior em comparação ao gênero feminino, nos itens: necessidade de perfil para lidar com pessoas; necessidade de criar um ambiente motivacional; capacidade de comunicação e ter visão estratégica, demonstrando assim que os homens desse estudo estão mais atentos à estratégia das relações pessoais. Isso vai ao encontro do posicionamento de Kotter (1982) ao expor que desenvolver e manter uma rede de relações pessoais proporciona a conquista de apoio para ascensão profissional ou para manter-se no cargo, frente às dificuldades da função.
Em contrapartida, as mulheres apresentam um percentual maior nas respostas apresentadas nos itens: ‘ter compromisso e responsabilidade’, ‘saber lidar com os problemas’, ‘ter domínio, assertividade e agilidade’, ‘ser proativa e dinâmica’, além de buscar ‘fazer o melhor a cada dia’, embora essa resposta tenha apresentado percentual similar de ambos os gêneros.
Nos estudos realizados por Dornelas (2009), o autor menciona que a cobranças de resultados e metas, a necessidade de gerir pessoas, a competição existente na função e a escassez de tempo para criar estratégias, causam pressão no exercício da função gerencial. Foi possível perceber que os homens buscam mais do que as mulheres a área do relacionamento, enquanto as gerentes apontam o cumprimento de atividades diárias de forma mais acentuada. Essa diferença entre os gêneros pode indicar a busca de compensar características de homens e mulheres.
Em relação as estratégias para manterem no cargo, considerando a percepção de gênero, há distinção no discurso dos gerentes e das gerentes. Os homens negam a existência de estratégias diferentes, pois segundo eles, o que importa é a obtenção de resultados.
“[...] aqui eu não vejo essa diferença, acho que tanto as mulheres quanto os homens se comportam da mesma forma. E as estratégias são as mesmas, quanto a isso eu tenho certeza. As mulheres aqui além de ganharem o mesmo... tem as mesmas obrigações e os mesmo deveres, se comportam da mesma forma (H/2)”.
Contudo, a maioria das gerentes aponta a necessidade de se diferenciar nas estratégias devido aos desafios impostos às mulheres: necessidade de mostrar mais capacidade e competência; de ter postura mais firme; de conviver com a realidade imposta pela gravidez (grande tempo de afastamento, perda de oportunidades, a empresa querendo às vezes evitar que a gerente engravide); necessidade de se esforçar mais, de ser bastante assertiva; a prevalência de mulheres mais jovens e com boa aparência; ser mais qualificada.
“[...] se não tivesse curso superior não seria uma gerente, mas se for homem e ele tiver experiência, parece que já basta (M/39)”.
Naturalmente além da produtividade e bons resultados as gerentes “[...] têm que ter estratégias muitas vezes para se sobrepor” (M/20).
Percebe-se pelos relatos das entrevistadas, que a mulher continua tendo que se esforçar mais, para mostrar a sua competência gerencial, quando se é mais jovem o preconceito pode ser ainda mais percebido. Infelizmente, como expressado na fala da M30, ainda é preciso as instituições criarem “projetos para que a mulher seja vista”. Hryniewicz e Vianna (2018) enfatizam que embora as mulheres possuam otimismo, dedicação e determinação, elas são vítimas de muitos preconceitos na carreira profissional e precisam lutar um pouco mais, para ascenderem e se manterem na função.
Considerações finais
Esta pesquisa objetivou contribuir com o debate sobre o trabalho do gerente reunindo os constructos relativos as suas contradições vivenciadas e suas expectativas, na perspectiva de homens e mulheres que ocupam cargos de gerentes intermediários.
Os resultados apontam para a inexistência de um consenso nos discursos dos entrevistados sobre o significado do ‘ser gerente’. Por um lado, isso se deve à imprevisibilidade de comportamentos das gerentes e dos gerentes considerando, obviamente, que o desenvolvimento de suas atividades laborativas não é rotinizada. Por outro lado, o significado do ‘ser gerente’ para os gerentes homens parece ser mais atenuado do que para as gerentes, uma vez que elas enfrentam mais desafios no exercício do cargo ao destacarem a necessidade de ter que ‘saber se posicionar’ e de conceber o cargo gerencial como sendo de ‘grande responsabilidade’. O que parece comum entre as mulheres e homens gerentes são vivências de “duplo controle”, ou seja, ora exercem o controle sobre o trabalho dos subordinados, ora agem de forma cooperativa para que o trabalho seja desenvolvido, mostrando que a função gerencial envolve, ao mesmo tempo, aspectos substantivos de gestão e responsabilidade pelo processo de trabalho.
Como agentes impulsionadores dos resultados organizacionais, notou-se certa similaridade nas respostas das gerentes e dos gerentes sobre suas responsabilidades na gestão, possibilitando agrupá-las em três dimensões: envolvimento, iniciativa e comprometimento. A primeira se refere à importância do envolvimento dos gerentes, por se caracterizarem como peça fundamental para manter a organização ativa representando os interesses organizacionais, assim, a responsabilidade se configura como intrínseca do trabalho gerencial, não sendo possível ser transferida para outro. A segunda consiste na iniciativa dos gerentes ao assumirem ativamente as práticas organizacionais, tornando-se essencial no resultado daquilo que está sendo realizado. Nesse papel, estes profissionais gerenciam equipes, projetos, entre outros, assumindo a responsabilidade de determinarem aquilo que deve ser feito em resposta às demandas organizacionais. A terceira está relacionada com o comprometimento coletivo para a realização do trabalho e o cumprimento das tarefas e metas, sinalizando a realidade de não ser possível trabalhar de forma isolada.
A autonomia também se configura como fator crítico da função do gerente refletindo uma das contradições vivenciadas por esse grupo profissional. Destaca-se que, de forma antagônica às gerentes mulheres, os homens gerentes tiveram dificuldades em assumir essa realidade enfatizando que ‘falta um pouco de autonomia’. Mas, o que se percebe, na verdade, é que o grupo gerencial entrevistado não desfruta de plenos poderes para tomar determinadas decisões. O que se percebe é uma autonomia engessada pela própria organização ou, até mesmo, inexistente pela necessidade de as gerentes e os gerentes exercê-la através da adesão dos subordinados, sendo necessário ainda, incorporar exemplos de atitudes positivas e/ou negativas ocorridas na organização para transmiti-la a eles.
As contradições e fragmentações vivenciadas pelos gerentes acabam por implicar em certo desânimo dos mesmos quando percebem que os ônus sobrepõem aos bônus do cargo gerencial. Como bônus, as gerentes e os gerentes gerenciam a si mesmos, atuando como protagonistas da própria carreira ao mesmo tempo em que assumem uma postura de liderança. Em relação ao ônus, estes gerentes assumem as reponsabilidades da função ao mesmo tempo em que lidam com suas frustrações. Vivenciam, ainda, situações de isolamento provocados, muitas vezes, pelas próprias gerentes e pelos gerentes, uma vez que cabe somente a elas e a eles tomarem determinadas decisões, não sendo possível o seu compartilhamento com outros níveis da estrutura organizacional. O isolamento também se faz presente pela representatividade do cargo gerencial, no que concerne à hierarquia organizacional, nesse sentido, a presença dos gerentes é evitada tanto interna quanto externamente pelos subordinados, causando-lhes insatisfação devido a esse distanciamento.
A maioria dos gerentes homens e mulheres buscam o diálogo como parte da ação frente à insatisfação, enquanto outros aceitam mesmo não concordando. Mas, de forma antagônica, as gerentes reagem a esta insatisfação demonstrando certa tranquilidade, enquanto os gerentes homens se mostram mais questionadores e, até mesmo, “agressivos” na busca por soluções. Apesar dessas ações, torna-se evidente que a responsabilidade do gerente assume uma lógica mais racional, se amoldando às exigências de suas organizações.
Em relação às expectativas profissionais, observou-se que os entrevistados anseiam permanecer atuando como gerente, mesmo diante dos desafios e das adversidades da função. Percebeu-se, ainda, que a busca por conhecimentos se apresentou como expectativas profissionais para os gerentes, sendo mais perceptível no grupo das mulheres.
Cabe destacar a percepção diferenciada dos homens e das mulheres de acordo com a vivência individual de cada um dos gêneros no ambiente de trabalho. O gênero masculino, em sua maioria, destaca que tanto para ascenderem na carreira, quanto para permanecerem no cargo de gestor, o fator que impulsiona a realização das expectativas profissionais é o alcance dos resultados e a conquista das metas institucionais, pois só o resultado importa para a organização. De acordo com a vivência da maioria das mulheres gerentes, não apenas o resultado interessa, é necessário ir além. Elas evidenciam a dependência do alcance dos resultados para permanecerem e ascenderem na carreira, porém essa conquista exige muito mais delas do que deles. Neste caso, torna-se mais difícil para as gerentes do que para os gerentes a permanência no cargo ou ascensão na carreira.
Ainda em relação às expectativas profissionais, a maioria dos gerentes, de ambos os gêneros, almeja ascender na carreira gerencial, principalmente na organização a qual está integrado. Manifestando, assim, que os desafios da gestão não interferem nos objetivos profissionais do grupo pesquisado, mas os impulsiona na busca de estratégias necessárias para alcançarem a realização profissional. A necessidade de evoluir, aprimorar em novos conhecimentos foi evidenciada como expectativa profissional, como estratégia do cargo e, por fim, apresentou-se como necessidade da função gerencial.
De forma geral, é possível inferir que os achados desta pesquisa confirmam as bases teóricas utilizadas por compilarem diversas visões sobre as singularidades, os dilemas do trabalho dos gerentes e expõem que a ação gerencial é dinâmica, ambivalente e instável, as quais permeiam as práticas gerenciais, pois precisam realizar entregas concretas, mesmo que se sintam angustiados e/ou frustrados com suas organizações.
Portanto, não basta que os gerentes sejam comprometidos, é preciso que correspondam às expectativas organizacionais, mantendo a ordem capitalista ao mesmo tempo em que são subordinados a ela. À luz das teorias, não resta dúvida de que os gerentes constituem o grupo profissional que mais vivencia contradições e/ou situações ambíguas no cotidiano de trabalho, muitas vezes, consideradas próprias do exercício da função gerencial, podendo levá-los ao conformismo e, obviamente, ao estresse e ao dissabor no âmbito organizacional.
Este estudo limitou-se à análise das contradições vivenciadas por gerentes, das suas expectativas profissionais e estratégias na função gerencial. Como proposição de estudos futuros sugere-se que seja analisada a identidade profissional de gerentes e suas perspectivas gerenciais sob o enfoque da inovação gerencial, de forma a contribuir com os avanços das pesquisas nesse campo que, ainda, se mostram incipientes.
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