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CONTEXTO LABORAL DE STARTUPS DE UMA CAPITAL NORDESTINA
Ana Raquel Silva Rocha; Jorge Luiz de Souza Evaristo; Ana Cristina Batista-dos-Santos
Ana Raquel Silva Rocha; Jorge Luiz de Souza Evaristo; Ana Cristina Batista-dos-Santos
CONTEXTO LABORAL DE STARTUPS DE UMA CAPITAL NORDESTINA
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 17, núm. 4, pp. 104-120, 2023
Universidade Federal Fluminense
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Resumo: Tendo por objetivo avaliar as características do contexto de trabalho de startups de uma capital do Nordeste brasileiro, realizou-se um estudo quantitativo com 105 pessoas situadas nesse contexto. Os dados foram coletados através da aplicação da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT). Os resultados apontam avaliações satisfatórias em quase todas as dimensões, com exceção para a organização do trabalho. Conclui-se que as características do contexto de trabalho do campo da pesquisa são, predominantemente, positivas. Contudo, há achados que se contrapõem ao indicado pela literatura, justificando-se a implantação de planos de ação voltados, principalmente, para a organização do trabalho.

Palavras-chave: Startups, Contexto de Trabalho, Psicodinâmica do Trabalho.

Abstract: Aiming to evaluate the characteristics of the work context of startups in a capital in the Brazilian Northeast, a quantitative study was carried out with 105 people located in this context. Data were collected through the application of the Work Context Assessment Scale (EACT). The results indicate satisfactory evaluations in almost all dimensions, with the exception of work organization. It is concluded that the characteristics of the work context in the research field are predominantly positive. However, there are findings that contradict what is indicated in the literature, justifying the implementation of action plans aimed mainly at work organization.

Keywords: Startups, Work Context, Psychodynamics of Work.

Carátula del artículo

CONTEXTO LABORAL DE STARTUPS DE UMA CAPITAL NORDESTINA

Ana Raquel Silva Rocha
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Jorge Luiz de Souza Evaristo
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Ana Cristina Batista-dos-Santos
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 17, núm. 4, pp. 104-120, 2023
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 27 Octubre 2023

Aprobación: 11 Diciembre 2023

Introdução

A dinâmica de intensas transformações mercadológicas tem sido uma das principais influências para o surgimento de inovações nas organizações, diante da necessidade dessas se manterem sustentáveis em ambientes de alta competitividade. A inovação organizacional consiste na transformação do potencial gerador de riqueza de recursos já existentes, como práticas internas e relações externas (Alves, Galina & Dobelin, 2018) além do desenvolvimento de modelos de negócios inovadores, como as startups (Melo et al., 2019).

As startups são consideradas um símbolo do avanço tecnológico na contemporaneidade, caracterizadas como empresas detentoras de potencial inovador disruptivo, não só em relação a produtos e serviços, mas no tocante à organização do trabalho e à constituição da subjetividade dos trabalhadores, diante de contextos flexíveis e permeados por reestruturações (Zanon, 2019). Em termos de pesquisas envolvendo startups, há uma concentração teórica em aspectos como análise da sustentabilidade, do ecossistema empreendedor e de geração de valor dessas empresas (e.g. Torres & Souza, 2016; Reis et al., 2017; Oliveira & Zotes, 2018).

Quando a busca é por estudos que envolvam a interação entre startups e o seu capital humano (Pereira Junior & Krakauer, 2018), os resultados são quase nulos. Além disso, os estudos identificados que contemplam tal interação são incipientes, abordando objetos ligados ao papel dos indivíduos no desempenho das startups e a mobilização de sua subjetividade diante de uma realidade flexível (e.g. Oliveira, 2017; Faria, 2020; Zanon, 2019), o que torna válido o delineamento de novas pesquisas com enfoque no tratamento empírico da lacuna entre o sujeito e seu contexto de trabalho.

A lente escolhida para tal avaliação foi a Psicodinâmica do Trabalho (PDT), a qual tem como objeto de estudo não apenas o trabalho em si, mas os seus efeitos nos movimentos psicoafetivos, oriundos de conflitos intersubjetivos e intrasubjetivos que ocorrem no contexto de trabalho (Dejours, Abdoucheli, & Jayet, 1994). Tal escolha objetiva uma abordagem mais profunda do gap identificado, já que, segundo os mesmos autores, a avaliação do contexto de trabalho ocorre a partir de três dimensões: organização do trabalho, relações sociais de trabalho e condições de trabalho.

Uma análise do contexto laboral de startups, sob a lente teórica da PDT, foi realizada de forma qualitativa por Henry (2020), voltando-se ao significado do trabalho para gerentes de startups e incubadoras digitais da cidade de Lille, na França. No entanto, não foram identificadas análises dessa natureza no Brasil, tornando pertinente investigar o contexto de trabalho das startups nacionais, especialmente em uma capital do Nordeste, envolvendo todos os seus níveis hierárquicos em uma abordagem quantitativa, com enfoque nas dimensões de contexto da PDT, aspirando avanços empíricos dos elementos envolvidos.

O presente estudo foi, então, orientado pela seguinte questão de pesquisa: como se caracteriza o contexto de trabalho de startups de uma capital do Nordeste brasileiro? O objetivo desse artigo é avaliar as características do contexto de trabalho de startups de uma capital do Nordeste brasileiro. Com isso, o conhecimento construído pode auxiliar a compreensão da relação homem-trabalho por parte dos sujeitos inseridos no âmbito das startups nacionais e fornecer subsídios teóricos para o desenvolvimento da gestão de pessoas dessas organizações.

Fundamentação teórica

A fundamentação teórica desta pesquisa encontra-se dividida em duas seções. Inicialmente, são apresentadas definições do que são startups, com uma breve abordagem sobre seu contexto laboral, bem como sobre a relação entre as características dos sujeitos inseridos nessas empresas e a capacidade inovativa das mesmas. Posteriormente, discorre-se sobre a psicodinâmica do trabalho, mostrando de que forma esta lente teórica favorece a compreensão do contexto de trabalho das empresas, em especial das startups.

O contexto laboral das startups

Diante das intensas mudanças tecnológicas que permeiam o mercado de trabalho, a inovação tem sido um fator decisivo para a expansão dos negócios (Munir & Beh, 2019), tanto de forma incremental, explorando os potenciais já existentes da empresa para incrementá-los, como de forma disruptiva, com uma melhoria radical que propõe transformações à concepção de novos negócios (Zilber & Silva, 2013). Esta última costuma ser associada à tecnologia, principalmente a partir da construção de modelos de negócios sustentáveis e escaláveis, como é o caso das startups (Chassagne, 2015).

Dentre as diversas definições do que seria uma startup, existem pontos de consenso entre os autores, como o fato de serem empresas em fase inicial no seu ciclo de vida, com base tecnológica, baixo custo para início de suas atividades, além de apresentarem uma proposta inovadora, escalável e com potencial para se tornarem negócios concretos (Oliveira, 2017). De modo geral, as startups pertencem aos mais diversos ramos de atividade, e são vinculadas a uma essência inovadora e humana em meio às condições de incerteza (Ries, 2012). No Brasil, dados da Associação Brasileira de Startups (2021) e da plataforma de inovação Distrito (2021) apontam a existência de, em média, 14.000 startups, distribuídas entre mais de 700 cidades do país, estando cerca de 11% delas concentradas na região Nordeste.

Muitas startups transparecem a prática de modelos empresariais flexíveis, não só em seu processo produtivo e na prestação de serviços, mas também na gestão dos trabalhadores inseridos em seu contexto laboral permeado por reestruturações (Zanon, 2019). No entanto, para Oliveira (2017), tais empresas também apresentam, na prática, aspectos de gestão toyotistas que estimulam a competitividade entre os sujeitos e os expõem a patologias, fato comum aos indivíduos que negligenciam sua saúde e bem-estar em benefício da produtividade, situação típica da sociedade do cansaço contemporânea, corolário da sociedade do desempenho (Han, 2015).

O âmbito laboral das startups, com suas mudanças constantes e rápidas, é constituído por profissionais, em maioria jovens, que, por vezes, priorizam uma postura de constante aprendizado a uma postura focada apenas em contribuições para a empresa (Henry, 2020). Diante disso, há uma relação direta entre o envolvimento do indivíduo com seu trabalho e o seu comportamento inovador, podendo surgir novas ideias e diferenciais competitivos para a empresa a partir do talento e da criatividade dos trabalhadores (Munir & Beh, 2019).

A celeridade das práticas inovadoras no âmbito das startups deve contar com incentivos e investimentos voltados à qualidade do trabalho cotidiano, já que, conforme aponta Frick (2015), frequentes pressões por resultados podem prejudicar o estímulo dos sujeitos na busca por inovações contínuas. Desse modo, tais indivíduos compõem um novo cenário de construção e socialização dos sentidos do trabalhar, demandando a ampliação de reflexões críticas acerca do contexto laboral trazido pelas startups (Zanon, 2019). Disciplinas das ciências do trabalho, como a psicodinâmica do trabalho, são fundamentais para estudo de tais contextos pois, segundo Henry (2020), ela inicia a análise do contexto laboral a partir do trabalhador, para, então, ampliar para o seu entorno.

O contexto laboral para a Psicodinâmica do Trabalho

A área de estudo da psicodinâmica do trabalho (PDT) teve origem na França, na década de 1980, com Christophe Dejours, por meio de pesquisas com enfoque nas psicopatologias do trabalho, objetivando investigar a dinâmica das relações existentes no contexto laboral e a subjetividade oriunda da mesma (Anchieta et al., 2011).

Para a PDT, o trabalho é definido como aquilo que o sujeito deve acrescentar às prescrições para atingir os objetivos que lhe são designados, além de ser carregado de sentido a partir das histórias de vida pessoais, fato que oportuniza a construção da identidade dos indivíduos ou que os induz ao sofrimento, a depender de suas reações às dificuldades laborais (Guimarães Júnior & Macedo, 2013). O contexto de trabalho, contemporaneamente, é estudado pela PDT, relacionando-a, principalmente, a três dimensões: condições de trabalho, relações sociais de trabalho e organização do trabalho.

As condições de trabalho são apontadas como aspectos relacionados à qualidade do ambiente físico, dos equipamentos, materiais e recursos disponíveis para que os indivíduos possam desempenhar suas atividades (Figueiredo & Alevato, 2013). Tal dimensão provoca consequências físicas nos trabalhadores, bem como pode dificultar a realização do trabalho quando não adequada ao âmbito laboral (Gernet, 2016).

O trabalho também é uma relação social constituída por elementos interacionais que manifestam as relações interpessoais presentes no âmbito laboral (Aguiar & Batista-dos-Santos, 2017). Assim, trabalhar é experimentar a resistência das relações sociais na implantação da inteligência e da subjetividade (Dejours, 2012).

A organização do trabalho é definida por Dejours (1992) como a divisão do trabalho, a essência da atividade, a hierarquia, as formas de comando e de poder, atuando em nível psicológico, sendo a principal dimensão responsável pelas consequências favoráveis ou danosas aos processos psíquicos desenvolvidos pelo trabalhador. Quando rígida e imposta aos sujeitos, a organização do trabalho estimula o medo e a exploração do sofrimento psíquico. Diferentemente, quanto mais autonomia é concedida ao trabalhador, mais equilibrante o trabalho se torna (Guimarães Júnior & Macedo, 2013).

Apesar de serem permeadas por aspectos subjetivos, as dimensões de contexto da PDT podem ser avaliadas quantitativamente, com o auxílio de instrumentos de coleta de dados, como a escala de avaliação do contexto de trabalho (EACT), desenvolvida por Mendes (2007), que viabiliza o mapeamento e a descrição de uma conjuntura laboral, com enfoque nas dimensões supramencionadas.

Procedimentos metodológicos

Para a concretização do presente estudo, foi utilizada a abordagem quantitativa para a avaliação do contexto de trabalho das startups, de modo a mensurar a dinâmica das relações intersubjetivas. Como a psicodinâmica do trabalho é utilizada, predominantemente, em estudos qualitativos (Giongo, Monteiro & Sobrosa, 2015), surge a demanda de potencializar sua aplicação a partir de investigações totalizantes acerca do contexto de trabalho, junto a um grande número de indivíduos, viabilizando uma análise descritiva do fenômeno estudado. Assim, segundo Mendes (2007), o delineamento quantitativo favorece a compreensão do objeto pesquisado através da abrangente captação de diferentes percepções.

Quanto aos fins, o estudo qualifica-se como uma pesquisa de cunho descritivo, visto que buscou avaliar as características do contexto de trabalho de startups e, conforme Vergara (1998), a pesquisa descritiva evidencia características de uma população ou fenômeno, indica correlações entre variáveis e serve de base para a explicação do que foi descrito.

Quanto aos meios, classifica-se como uma pesquisa de campo, uma vez que buscou investigar de forma empírica o contexto de trabalho em startups de uma capital do Nordeste brasileiro, via coleta de dados por meio do Inventário de Trabalho e Riscos de Adoecimento – ITRA, desenvolvido por Mendes (2007) para avaliar o contexto laboral e seus efeitos na relação homem-trabalho através de escalas, permitindo a captura do real do trabalho de forma objetiva. A escala aplicada na presente pesquisa foi a de avaliação do contexto de trabalho (EACT), a qual descreve a conjuntura do trabalho a partir de fatores que representam as três dimensões de contexto da PDT: a organização do trabalho, as relações sociais de trabalho e as condições de trabalho. Assim, foi viabilizada a obtenção de um mapeamento do âmbito laboral das startups em seu enquadramento inovativo.

Embora desenvolvida por Mendes (2007), a EACT utilizada nessa pesquisa foi revisitada por Silva et al. (2020) que, por meio de uma análise fatorial confirmatória de cada construto da escala, atestaram a necessidade de incluir mais uma variável ligada à organização do trabalho, descrita como “As normas para execução das tarefas são claras”, de modo a contribuir para a compreensão dessa dimensão. Também foi realizada a remoção dos itens que não apresentaram adequação estatística, bem como a alteração semântica e axiológica dos indicadores, transformando-os em afirmações positivas para uma melhor compreensão dos respondentes.

Os sujeitos respondentes da EACT foram empreendedores e profissionais que trabalham em startups de uma capital do Nordeste brasileiro. Como se trata de uma população de tamanho desconhecido, o cálculo da amostra foi realizado por meio do software G*Power 3.1.9.4, o qual não busca o tamanho ideal da amostra com base no tamanho da população, mas com base no tipo de método estatístico utilizado no estudo, bem como nos seguintes padrões: tamanho do efeito, erro amostral, intervalo de confiança, número de grupos e o número de categorias de análise, sendo um software utilizado em diversos trabalhos reconhecidos em âmbito nacional e internacional (e.g. Moura, Carneiro & Freitas, 2018; Sleight, 2019; Correa et al., 2019; Villanueva et al., 2021).

Com isso, as especificações para o presente estudo foram assumidas no software da seguinte forma: tamanho do efeito = 0,75; erro amostral = 5%; intervalo de confiança = 95% (Cohen, 1988; Hair et al., 2005). Além disso, foi considerado o quantitativo de grupos “n” = 2, correspondente aos resultados possíveis referentes às questões de caracterização dos respondentes; e o quantitativo de categorias = 3, equivalente à quantidade de dimensões de contexto da PDT contempladas na EACT; resultando na indicação de uma amostra composta por, no mínimo, 100 respondentes.

A escala apresentada foi de cinco pontos, onde: 1=nunca, 2=raramente, 3=às vezes, 4=frequentemente, 5=sempre, sendo disponibilizada de forma on-line por meio de um formulário elaborado no Google Forms. O link do formulário foi compartilhado em grupos de startups no Facebook e no LinkedIn, além de ter sido veiculado para membros das startups através de contatos pessoais dos pesquisadores, resultando na obtenção de 105 respostas válidas.

A análise dos dados ocorreu mediante estatística descritiva e inferencial, com sumarização no Software Package for the Social Science (SPSS). Como parâmetro para a avaliação e interpretação das médias dos indicadores, seguiu-se o recomendado por Silva et al. (2020), da seguinte forma: Acima de 3,7 = Avaliação mais positiva, satisfatório; Entre 2,3 e 3,69 = Avaliação mais moderada, crítico; Abaixo de 2,29 = Avaliação mais negativa, grave.

O presente estudo também apresenta uma análise comparativa entre grupos provenientes das características socioeconômicas, laborais e de saúde que foram acessadas, a qual ocorreu mediante testes não paramétricos em virtude da inadequação dos dados ao pressuposto de normalidade necessário à utilização de testes paramétricos (Hair et al., 2005). Tal adequação metodológica foi feita para que fossem utilizados os testes apropriados para distribuições não-normais. Neste caso, foi realizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney, o qual é adequado para resultados que envolvem comparações entre dois grupos (Weiner & Craighead, 2010).

Apresentação e análise dos resultados

Esta seção foi dividida em duas partes. A primeira traz características gerais da amostra coletada por meio de estatísticas descritivas e fornece um diagnóstico do contexto de trabalho dos respondentes. A segunda parte apresenta uma análise de grupos, em que é possível estabelecer diferenças estatisticamente significativas entre os segmentos apresentados.

Análise estatística descritiva

A partir da análise dos dados provenientes da aplicação da EACT, constatou-se o quantitativo de 105 respondentes, sendo possível conhecer algumas características socioeconômicas dos mesmos. No que se refere ao sexo de cada respondente, 58 pertencem ao sexo feminino (55%) e 47 ao sexo masculino (45%), o que mostrou um alcance equilibrado da escala entre ambos os públicos.

A maioria dos sujeitos, especificamente 88, está na faixa etária até 29 anos (84%), seguida de 15 respondentes com idade entre 30 e 40 anos (14%) e dois com idade de 41 a 55 anos (2%), não obtendo respostas de indivíduos com idade entre 56 e 74 anos. A alta representatividade de respondentes com idade inferior a 30 anos condiz com o exposto por Melo et al. (2019), que apontam as startups como empresas que possuem a maioria de seus integrantes pertencentes à geração Z, bem como reforça que tais empresas, conforme indica Zanon (2019), possuem uma alta concentração de jovens profissionais, principalmente interessados em inovação e tecnologia.

A predominância dos jovens nas startups também é refletida no nível de escolaridade informado pelos respondentes, onde muitos ainda possuem o ensino superior incompleto, especificamente 41 indivíduos (39%), seguidos de 35 que possuem o ensino superior completo (33%) e de 29 que possuem pós-graduação (28%). Quanto aos tipos de vínculo, 54 respondentes possuem contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), representando 51% do total, seguidos de 19 sujeitos com contrato de pessoa jurídica como Microempreendedor Individual (MEI) (18%) e de 13 estagiários/bolsistas (12%). Contudo, as respostas revelaram outros vínculos, tais como: 10 sócios fundadores (10%) e nove terceirizados (9%).

Ademais, outras características informadas pelos respondentes viabilizaram o acesso a detalhes ligados à sua trajetória profissional, como o tempo de serviço na startup e no cargo atual. A tabela 1 sintetiza a relação entre ambas as variáveis, da seguinte forma:

Tabela 1.
Relação entre o tempo de serviço na startup e o tempo de serviço no cargo atual

Fonte: elaborado pelos autores (2021).

Com base na tabela acima, é possível observar que a maioria das respostas partiu de indivíduos que possuem entre um e três anos de tempo de serviço em startup, mais especificamente 54 (51,4%), dos quais 35 (65%) possuem entre um e três anos de tempo de serviço no cargo atual e 19 (35%) estão no cargo há menos de um ano. Outro ponto de destaque se refere aos 12 respondentes que possuem entre três e seis anos de atuação na startup (11,4%), pois grande parte deles informou estar no cargo atual há um período inferior ao seu tempo de empresa, entre um e três anos.

O cenário supracitado, onde vários sujeitos já ocuparam mais de um cargo desde que ingressaram em startups, alguns com passagem por determinada função por um período inferior a um ano, permite a inferência de que nas startups os sujeitos possuem, por vezes, consideráveis possibilidades de se destacar e de deixar sua marca na organização. Por possuírem um crescimento acelerado e constantes processos em construção, as startups viabilizam que um mesmo indivíduo possa mudar de cargo, ou até mesmo de área, várias vezes, estimulando seu desenvolvimento pessoal e profissional (Distrito, 2021).

Outro detalhe pertinente ligado à trajetória profissional dos respondentes da EACT foi a identificação da existência de quadros de adoecimento relacionados ao trabalho nas startups, onde 75 respondentes informaram não terem sido acometidos por doenças nesse sentido (71%), enquanto 30 já adoeceram ao menos uma vez. A ausência de patologias laborais por parte da maioria dos respondentes pode ser explicada, conforme Capnary, Rachmawati e Agung (2018), pelos benefícios que a flexibilidade do contexto de trabalho de algumas startups gera quando aplicada a fatores como a duração da jornada laboral e o modus operandi, colaborando para o alívio de exaustões e a melhoria da saúde dos sujeitos.

Porém, os mesmos autores supracitados alertam que o aumento da flexibilidade e da liberdade dos sujeitos também pode conduzi-los a ritmos de trabalho desregrados, pois tal cenário, segundo Oliveira (2017), é acompanhado pela necessidade de um maior senso de responsabilidade e de exigências por resultados. Desse modo, tal conjuntura contribui para a inferência de que os 29% que adoeceram ao menos uma vez podem ter vivenciado não só a perspectiva benéfica da flexibilidade proporcionada por muitas startups, mas também suas complicações para a manutenção da saúde.

Na tabela 2, é possível verificar as medidas de tendência central das dimensões de contexto contempladas na EACT (organização do trabalho, condições de trabalho e relações de trabalho), bem como a classificação dos riscos de adoecimento a que cada dimensão está submetida.

Tabela 2.
Medidas de tendência central e classificação do risco de adoecimento no contexto de trabalho de startups

Fonte: elaborado pelos autores (2021) a partir dos dados obtidos no SPSS.

De modo geral, a maioria dos itens apresentou uma avaliação média satisfatória por parte dos respondentes, principalmente nas dimensões relações de trabalho (4,19±0,83) e condições de trabalho (4,16±0,79), as quais também refletem, por meio da observação de seus desvios padrões, uma considerável homogeneidade entre as respostas. A dimensão organização do trabalho, mesmo apresentando uma dispersão um pouco maior em relação às demais dimensões, não revelou discrepâncias entre as respostas, mas foi a única que obteve uma avaliação média moderada (3,62±1,02), tendo em vista que as classificações dos 11 itens que a compõem se distribuíram, de forma quase igualitária, entre aspectos críticos e satisfatórios.

Tal panorama pode ser observado no gráfico 1, o qual ilustra o comportamento da média dos três construtos da EACT em conjunto (3,99±0,88), evidenciando que apenas a dimensão organização do trabalho não atingiu a média satisfatória.


Gráfico 1.
Avaliação média das Dimensões da EACT
Fonte: elaborado pelos autores (2021).

Convém salientar que, mesmo que nenhum item da escala tenha evidenciado a existência de quadros graves e que a diferença numérica entre as médias dos construtos seja pequena, é importante investigar os aspectos que interferem negativamente nas avaliações dos respondentes, especialmente no tocante à organização do trabalho nas startups. Segundo Mendes (2007), uma avaliação crítica indica uma situação de alerta para a existência de aspectos que potencializam o sofrimento no trabalho, exigindo providências imediatas.

No que diz respeito à análise de cada dimensão da EACT, é possível destacar que, entre os itens relacionados à organização do trabalho, encontra-se a assertiva de menor média: “As tarefas são executadas sem interrupção” (3,09±1,04). A insatisfação observada na avaliação do item em questão possui uma possível associação com a concepção de que muitas startups possuem uma rotina acelerada por, frequentemente, receberem insights e considerá-los como emergenciais, gerando um cenário de múltiplas prioridades que atrapalham o desenvolvimento de projetos de longo prazo (Ries, 2012), bem como a rotina dos sujeitos e a continuidade de suas tarefas.

Outro ponto de atenção na dimensão organização do trabalho foi identificado no item “O número de pessoas é suficiente para se realizar as tarefas” que obteve um baixo grau de satisfação (3,13±1,15). Segundo Brattström (2019), por serem empresas permeadas por incertezas e transformações, as startups convivem com a necessidade de novas habilidades e de readaptações em suas equipes, fato que gera mudanças na divisão das responsabilidades e no tamanho das equipes. Tal cenário pode levar muitos sujeitos à sobrecarga, ao assumirem um maior número e uma maior diversidade de tarefas, sendo uma possível porta para o sofrimento e posterior adoecimento laboral.

Ademais, alguns aspectos do construto organização do trabalho se destacaram com avaliação positiva, como no tocante ao apoio das chefias para o desenvolvimento profissional dos sujeitos (4,13±0,97), o que destaca a importância da figura do superior hierárquico na vivência dos indivíduos inseridos nas startups. De acordo com Bendickson et al. (2017), o apoio dos líderes nas startups, dando suporte, especialmente, às ideias dos indivíduos, é essencial para que os trabalhadores sejam inovadores no âmbito laboral, bem como para que sejam reconhecidos e evoluam, pois, para Sznelwar, Uchida e Lancman (2011), o sujeito cria a consciência de suas realizações criativas a partir do olhar do outro, que julga e reconhece o trabalho realizado.

A atingibilidade dos resultados esperados também foi avaliada de forma satisfatória pelos respondentes (4,01±0,74). Com isso, pode-se inferir que as startups não necessariamente possuem resultados de fácil alcance, mas sim que tais empresas fornecem um suporte suficiente para que os trabalhadores atinjam seus objetivos, contando, conforme apontam Bendickson et al. (2017), com programas de treinamento e desenvolvimento que auxiliam o aprimoramento de habilidades e de aprendizados dos trabalhadores, além de serem fortes aliados da produtividade e do desempenho inovador.

No tocante às assertivas relacionadas à dimensão relações de trabalho, todas foram avaliadas de forma satisfatória, o que, segundo Mendes (2007), implica a existência de aspectos produtores de prazer no âmbito laboral, os quais devem ser mantidos ou potencializados. O item “Existe abertura na comunicação entre chefia e subordinados” recebeu o melhor parecer do construto em questão (4,49±0,69), fato que, possivelmente, emerge da característica horizontal da hierarquia de muitas startups, a qual facilita a comunicação e a adequação das equipes em um âmbito permeado por mudanças, mas que também requer confiança e colaboração na relação dos sujeitos com a organização (Oliva et al., 2019).

Ademais, o item “Os funcionários participam das decisões”, embora tenha apresentado um resultado positivo, obteve a menor média dentre as assertivas do construto relações de trabalho (3,77±1,01). A partir de tal sentença, observa-se que os sujeitos não consideram que possuem muitas oportunidades de envolver-se nas decisões, sendo um importante fator a ser considerado pelas startups para estimular a satisfação e o comprometimento dos funcionários, tendo em vista que, para Bendickson et al. (2017), a descentralização das decisões proporciona aos trabalhadores mais autonomia, controle, poder e, consequentemente, o sentimento de colaboração ao invés de subordinação.

No que tange à dimensão condições de trabalho, esta contempla a assertiva de maior média dentre todos os itens da escala: “As condições de trabalho são seguras” (4,58±0,53). Considerando que a maioria dos respondentes ocupa cargos administrativos nas startups, presume-se que os sujeitos não convivem, frequentemente, com riscos substanciais de sofrerem acidentes no trabalho. Além disso, a prevalência de ambientes laborais seguros nas startups representa um potencial auxílio à existência de outros aspectos que, segundo Dejours (1992), compõem as condições de trabalho, como a qualidade física, química e biológica do espaço físico.

O único item referente às condições de trabalho que apresentou um resultado crítico foi “O ambiente de trabalho é silencioso” (3,21±1,08). De fato, muitas startups possuem estruturas físicas projetadas de modo que todos os funcionários trabalhem reunidos em um mesmo espaço, agrupados por setor. Mas, ao mesmo tempo em que o layout aproxima os sujeitos, também gera excessos de barulho que prejudicam a concentração no cotidiano (Dias, Villarouco & Santiago, 2020).

No caso de startups em estágio inicial, que muitas vezes ainda não possuem recursos suficientes para ter um espaço físico próprio, o excesso de ruídos pode ser comum pelo fato dos sujeitos desenvolverem suas atividades em coworkings, os quais são espaços de trabalho compartilhados com indivíduos de outras empresas (Manfrinatto, Striquer & Wolf, 2020).

Análise de Grupos

Além da análise realizada mediante estatística descritiva, consultando as médias e os desvios padrões para a avaliação dos dados provenientes da EACT, a presente pesquisa conta com testes não-paramétricos para a realização de uma análise de grupos, de modo a detectar a existência de similaridades e de diferenças nas trajetórias profissionais dos respondentes, de acordo com o tempo de serviço na startup, com o tempo de serviço no cargo atual e com a ocorrência de adoecimento relacionado ao trabalho.

Conforme exposto na metodologia, o teste não-paramétrico utilizado foi o de Mann-Whitney, em virtude da identificação de diferenças entre apenas dois grupos que emergiram de cada característica socioeconômica, laboral e de saúde avaliadas. A tabela 3 apresenta, em uma perspectiva integrada, os resultados do teste supracitado, o qual foi realizado com o auxílio do software SPSS Statistics versão 25.

Tabela 3.
Resultado do Teste de Mann-Whitney

Fonte: elaborado pelos autores (2021) a partir dos dados obtidos no SPSS.

É possível observar que a dimensão condições de trabalho foi a única que não apresentou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos analisados. Logo, compreende-se que as variáveis tempo de serviço na startup e tempo de serviço no cargo não interferiram de forma expressiva na avaliação dos sujeitos sobre as condições de trabalho, bem como a ocorrência de adoecimentos, presumivelmente, não guarda relações diretas com a dimensão em questão.

Considerando que o construto condições de trabalho foi avaliado de forma, predominantemente, satisfatória, admite-se que as startups oferecem uma boa infraestrutura para que as atividades sejam desenvolvidas, favorecendo que o sujeito sinta prazer no âmbito laboral independente da quantidade de tempo de vínculo e do cargo que possua na startup. Tal fato pode ser explicado pelo planejamento do local de trabalho das startups mencionado por Oliveira (2017), o qual envolve boa iluminação, decorações, conforto e personalização dos assentos, além de, por vezes, disponibilizarem atrativos, como alimentos e bebidas.

Convém destacar que, de acordo com a avaliação dos respondentes, tanto dos que já adoeceram, como dos que nunca adoeceram no contexto das startups, o local de trabalho contribui para que os indivíduos não sejam expostos a fatores que representem riscos relevantes à sua saúde. No entanto, é importante advertir que o barulho foi apontado como um fator estressor e, se negligenciado, pode ser responsável por eventuais patologias.

Quanto à dimensão organização do trabalho, foram observadas três diferenças entre grupos, sendo a primeira delas referente ao tempo de serviço na startup, onde os sujeitos com menos de um ano na startup avaliaram significativamente melhor a organização do trabalho do que os sujeitos com mais de um ano na startup (p = 0,007). Une-se a tal panorama a segunda diferença entre grupos, a qual se deu em relação ao tempo de serviço no cargo, de modo que os indivíduos com menos de um ano no cargo também avaliaram melhor a organização do trabalho, frente aos indivíduos que possuem mais de um ano no cargo (p = 0,013).

Cabe salientar que as diferenças entre grupos supracitadas guardam uma relação de consequência entre si, pois os sujeitos que possuem menos de um ano de serviço na startup representam 62% dos respondentes que também possuem menos de um ano no cargo. Assim, nota-se que a avaliação satisfatória emergiu por parte dos grupos expostos a menos tempo aos impactos da organização do trabalho.

Ademais, conforme visto anteriormente na análise estatística descritiva, a insatisfação com a organização do trabalho foi evidenciada no tocante à interrupção na execução das tarefas, devido à celeridade das rotinas e demandas das startups, bem como em relação à sobrecarga de trabalho frente ao número de pessoas insuficiente para que as atividades sejam melhor distribuídas. Tal cenário põe em xeque a relação desses indivíduos com o modelo de organização do trabalho existente em grande parte das startups, relação esta que, quando é de identificação, contribui para a construção dos sentidos do trabalho, mas que pode ser permeada por vivências de sofrimento, compreendendo que tal dimensão não possui um padrão propício unicamente ao prazer e à saúde dos trabalhadores (Guimarães Júnior & Macedo, 2013).

A possibilidade da organização do trabalho ser provocadora de sofrimento é refletida na terceira diferença entre grupos identificada nos testes, a qual se refere à ocorrência de adoecimentos decorrentes do trabalho em startups, onde os sujeitos que nunca adoeceram em decorrência do trabalho avaliaram significativamente melhor a organização do trabalho do que os sujeitos que já adoeceram ao menos uma vez em decorrência do trabalho (p = 0,039). Os sujeitos que adoeceram ao menos uma vez demonstraram maior insatisfação com os mesmos aspectos pontuados nas duas diferenças entre grupos expostas anteriormente, reforçando que, como a organização do trabalho age no funcionamento psíquico dos sujeitos, gerando consequências benéficas ou danosas aos mesmos (Figueiredo & Alevato, 2013), as rotinas aceleradas e a sobrecarga nas startups podem, de fato, conduzir os trabalhadores ao adoecimento.

Também foram identificadas diferenças entre grupos quanto à dimensão relações de trabalho, especificamente duas. A primeira delas foi referente ao tempo de serviço no cargo, onde, embora todas as assertivas do construto tenham sido avaliadas de forma satisfatória, os sujeitos com menos de um ano no cargo avaliaram significativamente melhor as relações de trabalho do que os sujeitos que possuem mais de um ano no cargo (p = 0,022).

A média que apresentou menor índice de satisfação nesse construto revela que os sujeitos que estão há mais tempo em determinado cargo, possivelmente, ainda não participam das decisões como gostariam. Ao avaliarem de forma menos satisfatória a existência de possibilidades de participação nas decisões, os indivíduos reforçam o diagnóstico mencionado na análise estatística descritiva, referente aos benefícios da descentralização de determinadas decisões para estimular o comprometimento, a autonomia e o sentimento de colaboração dos trabalhadores (Bendickson et al., 2017).

A última diferença entre grupos, referente às relações de trabalho, foi associada à ocorrência de adoecimento decorrentes do trabalho em startups. Neste caso, os sujeitos que já adoeceram ao menos uma vez em decorrência do trabalho avaliaram com menor satisfação a dimensão em questão, especialmente no tocante à participação dos trabalhadores nas decisões, do que os indivíduos que nunca adoeceram (p = 0,038).

Tal diagnóstico corrobora com o exposto por Augusto, Freitas e Mendes (2014), no sentido de que o trabalho pode ser um potencial gerador de sofrimento e de adoecimento quando não permite que o trabalhador contribua com seu saber fazer e com sua experiência para o âmbito laboral, sendo impossibilitado de converter vivências sofrentes em ações que o conduzam ao prazer. Destaca-se também que a possibilidade de descentralização das decisões nas startups pode viabilizar a concepção dos sentidos do trabalho, pois, segundo Henry (2020), um trabalho dotado de sentido oportuniza a autonomia e a liberdade de socialização dos pontos de vista dos trabalhadores, de modo a conquistarem seu lugar no contexto social.

Considerações finais

Com o objetivo de avaliar as características do contexto de trabalho de startups de uma capital do Nordeste brasileiro, o presente estudo possibilitou um diagnóstico que contemplou as dimensões organização do trabalho, relações de trabalho e condições de trabalho.

O construto organização do trabalho foi o único que apresentou uma avaliação média moderada por parte dos respondentes, explicitando cenários de insatisfação principalmente no tocante à ocorrência de interrupções durante a execução das tarefas, item este que recebeu a pior avaliação frente aos demais itens da escala, seguido do descontentamento com a insuficiência de pessoas para a divisão das atividades. No entanto, observou-se uma considerável satisfação dos respondentes em relação, principalmente, ao apoio das chefias para o desenvolvimento profissional dos sujeitos e a atingibilidade dos resultados esperados.

Tal dimensão também evidenciou o maior número de diferenças entre grupos, apontando três diferenças que possuem relações de consequência entre si, permitindo a conclusão de que, quanto maior o tempo de exposição dos sujeitos aos impactos da organização do trabalho, piores foram as avaliações. Assim, o menor grau de satisfação em relação à organização do trabalho partiu dos sujeitos que possuíam mais de um ano na startup e no cargo atual, bem como dos sujeitos que já adoeceram ao menos uma vez em decorrência do trabalho nas empresas em questão.

Nesse contexto, é notório que, ao impactar no funcionamento psíquico dos sujeitos, a organização do trabalho em startups possui um potencial provocador de vivências sofrentes, especialmente pela conjuntura de incertezas, de celeridade das rotinas e de insuficiência de pessoal frente ao volume de trabalho demandado, gerando sobrecarga e riscos de adoecimento.

A partir da fundamentação teórica desta pesquisa, tem-se que esta dimensão é fulcral da relação trabalho-subjetividade, pois a mesma pode tanto ser estruturante como ser desestruturante do psiquismo do trabalhador, em face do nível de flexibilidade ou rigidez a que o mesmo está exposto. Neste sentido, infere-se, a partir dos resultados, que a lógica própria às startups, com sua ambiência dinâmica e hiper interativa, pode estar gerando, especialmente nos que estão imersos nesse tipo de ambiência há mais tempo, certa desestruturação interna ante aos constantes estímulos durante a realização de suas tarefas (interrupções constantes), bem como na intensificação do trabalho (poucas pessoas com quem dividir o trabalho).

Esse é um resultado interessante, pois essas são características frequentemente tratadas, pela literatura prevalente sobre startups, como uma evidência de flexibilidade desses novos modelos de negócios. Contudo, a avaliação crítica dos respondentes sugere um possível paradoxo: a rigidez da flexibilidade. Ser constantemente interrompido e assumir a polivalência como condição de trabalho mostrou-se potencialmente desequilibrante para esses trabalhadores, especialmente para os que convivem com tal realidade há mais tempo.

Assim, conclui-se que a flexibilidade das startups não pode ser assumida como sinônimo de autonomia, dimensão esta defendida pela PDT como estruturante do psiquismo do trabalhador. Esses trabalhadores não são autônomos para decidir sobre como fazer o seu trabalho. Eles estão rigidamente expostos a estímulos constantes e a sobrecarga, o que pode, com o passar do tempo, desvelar-se como gerador de profundo mal-estar no trabalho, exemplificando a sociedade do cansaço contemporânea.

No que tange ao construto relações de trabalho, sua média geral foi a mais satisfatória, demonstrando que as relações socioprofissionais contribuem, predominantemente, para vivências de prazer nas startups, principalmente quando há abertura na comunicação entre chefia e subordinados. Embora todos os itens relacionados à dimensão em questão tenham sido avaliados de forma positiva, foi possível observar que a participação dos funcionários nas decisões foi a assertiva que apresentou o menor grau de satisfação, o que levou a um importante achado do estudo: o fato de uma startup organizar sua hierarquia de forma horizontal nem sempre implicará em práticas de descentralização das decisões por parte da mesma.

A análise de grupos destacou duas diferenças associadas às relações de trabalho, onde a referida dimensão recebeu avaliações menos satisfatórias dos sujeitos que possuem mais de um ano no cargo e dos que já adoeceram ao menos uma vez em decorrência do trabalho nas startups, especialmente quando questionados sobre as possibilidades de participação nas decisões. Logo, nota-se que alguns sujeitos não são envolvidos nas decisões tanto quanto gostariam, o que pode dificultar a concepção de sentidos do trabalho por parte dos mesmos ao fomentar barreiras relativas à utilidade, autonomia e colaboração.

Outra incoerência entre o disposto em alguns trabalhos que caracterizam o que é uma startup e o encontrado sobre a dimensão relações de trabalho se evidencia aqui. Conforme elucidado anteriormente, o sujeito atuante no contexto inovativo de uma startup anseia por participar ativamente dos processos e resultados, de colaborar com a empresa e alcançar um lugar de destaque. Tal expectativa é minada em contextos em que as decisões ocorrem de maneira autocrática. Uma inferência possível é que o lugar de fala desses trabalhadores parece estar restrito à execução do trabalho, em suas constantes interrupções, sendo-lhes negada efetiva participação nas decisões, precarizando assim a dinâmica do reconhecimento tão importante para a constituição identitária dos trabalhadores.

A dimensão condições de trabalho também obteve uma média geral satisfatória, especialmente na avaliação da segurança das condições laborais, aspecto que obteve a maior média frente aos demais itens da escala, mas que não surpreendeu os pesquisadores considerando que a vivência em cargos administrativos, predominante entre os respondentes, não apresenta riscos físicos significativos aos sujeitos. Porém, o barulho no ambiente de trabalho apresentou um panorama crítico, tendo em vista que muitas startups contam com ambientes compartilhados, resultando em possibilidades de aproximação dos sujeitos, mas também em prejuízos à concentração e à privacidade.

Outro importante achado do estudo foi que as condições de trabalho não apresentaram diferenças entre grupos, sendo predominantemente bem avaliadas pelos respondentes independentemente do seu tempo de serviço na startup, no cargo, ou da ocorrência de adoecimento laboral, conduzindo à conclusão de que as startups propiciam uma infraestrutura satisfatória para a realização do trabalho. Ressalta-se que, embora a infraestrutura seja boa e, por vezes, represente até um diferencial para muitas startups, a avaliação crítica relacionada ao barulho deve ser levada em consideração para que tal fator estressor e os riscos ligados a ele sejam mitigados.

As condições de trabalho, uma vez que aduzem aos aspectos físicos, químicos e biológicos, afetam aspectos objetivos desses sujeitos e é plausível que não haja tantas distorções na sensibilidade dos mesmos, exceto nos casos de morbilidades e patologias transitórias e crônicas de alguns indivíduos, que podem alterar bruscamente essas sensações. O ambiente encontrado pelos pesquisadores se assemelha ao descrito na literatura, em que há forte interação entre sujeitos. Contudo, conforme supramencionado, cabe a discussão sobre qual o ponto limite entre integração social e caos pessoal. Enquanto as outras dimensões evidenciaram distorções daquilo que deveria ser, seja pelo excesso de trabalho ou ausência de espaço de fala decisória para os sujeitos, a liberdade de expressão e interação oferecida nesta dimensão parece ter extrapolado a fronteira da convivência saudável e adequada ao trabalho individual.

Desse modo, os resultados dessa pesquisa apontam que as características do contexto de trabalho de startups de uma capital do Nordeste brasileiro são, predominantemente, positivas, contribuindo para a existência de vivências de prazer. Contudo, há achados significativos que se contrapõem ao indicado pela literatura que fundamentou a pesquisa. Acredita-se, portanto, que melhores resultados podem ser obtidos com planos de ação voltados, com maior ênfase, para a dimensão organização do trabalho.

O estudo tem algumas limitações, tais como: amostragem inferior ao esperado, decorrente das restrições de acesso aos respondentes geradas pelo contexto de pandemia vivenciado no período da coleta de dados; incipiência de estudos sobre startups associados às dimensões de contexto do trabalho para diálogos e complementações teóricas.

O diagnóstico apresentado mostra-se de grande relevância para as startups, diante do seu potencial de auxílio à compreensão da relação homem-trabalho por parte dos tomadores de decisões dessas empresas, além de apresentar contribuições empíricas estimulantes para o desenvolvimento acadêmico do fenômeno estudado. Posteriormente, as contribuições desse estudo podem ser aprofundadas por meio de pesquisas qualitativas, acessando as percepções dos sujeitos a partir da fala, de modo a complementar as interpretações que os dados quantitativos proporcionaram.

Material suplementario
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Notas
Tabela 1.
Relação entre o tempo de serviço na startup e o tempo de serviço no cargo atual

Fonte: elaborado pelos autores (2021).
Tabela 2.
Medidas de tendência central e classificação do risco de adoecimento no contexto de trabalho de startups

Fonte: elaborado pelos autores (2021) a partir dos dados obtidos no SPSS.

Gráfico 1.
Avaliação média das Dimensões da EACT
Fonte: elaborado pelos autores (2021).
Tabela 3.
Resultado do Teste de Mann-Whitney

Fonte: elaborado pelos autores (2021) a partir dos dados obtidos no SPSS.
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