Abstract: The objective of this study was to identify the main support agencies for entrepreneurs 50+ in the Baixada Fluminense region and to understand their perspectives on the opportunities and challenges they face in the market. Fifteen interviews were conducted with entrepreneurs 50+ from Baixada Fluminense and three interviews with representatives of support programs. The results point to the need to formulate public policies focused on entrepreneurs 50+ and indicate that official agencies are not adequately prepared to meet these needs. The conclusion is that public and private efforts are needed, with a more intersectional perspective, to train and prepare these individuals for the entrepreneurial environment.
Keywords: Entrepreneurship 50+, Support programs for entrepreneurs 50+, Inclusion, Intersectionality, Baixada Fluminense.
Resumo: O objetivo desse estudo foi identificar os principais órgãos de apoio ao empreendedor 50+ na região da Baixada Fluminense e entender as perspectivas desses sujeitos sobre oportunidades e desafios encontrados no mercado. Foram realizadas 15 entrevistas com empreendedores 50+ da Baixada Fluminense e 3 entrevistas com representantes dos programas de apoio. Os resultados apontam para a necessidade de formulação de políticas públicas focadas nos empreendedores 50+ e sinalizam que os órgãos oficiais não estão devidamente preparados para atender essas necessidades. Conclui-se que são necessários esforços público/privado, com um olhar mais interseccional, para capacitação e preparação desses sujeitos ao ambiente empreendedor.
Palavras-chave: Empreendedorismo 50+, Programas de apoio ao empreendedor 50+, Inclusão, Interseccionalidade, Baixada Fluminense.
EMPREENDEDORISMO 50+: DESAFIOS E OPORTUNIDADES FACE AOS PROGRAMAS DE APOIO
Recepción: 12 Diciembre 2024
Aprobación: 12 Abril 2025
A dinâmica do mundo mudou com indivíduos envelhecendo mais devagar, tendo mais qualidade de vida por conta das novas tecnologias e querendo continuar ativos na sociedade. Para o bem ou para o mal, esse fenômeno culmina para que as pessoas permaneçam mais tempo no mercado de trabalho (Kenny & Rossiter, 2018; Garcia-lorenzo et al., 2020).
Segundo Dornelas Camara & Misoczky (2019), essa nova configuração traz demandas e questionamentos sobre o futuro do Brasil, que possui inúmeros problemas, como acesso à educação, trabalho, igualdade social e saúde. A vida destes sujeitos, como força de trabalho, implica em um debate não apenas sobre questões de oportunidades, mas também sobre necessidades primárias e sobrevivência (Ribeiro, 2015).
O empreendedorismo, na forma de discurso hegemônico e ideológico de um novo espírito capitalista (Costa & Silva Saraiva, 2012; Balog, Celano & Zouain, 2021), é considerado como uma nova alternativa, o que também concerne aos indivíduos na faixa da terceira idade, que se reflete na necessidade de ampliarem a renda e de se tornarem independentes (Vale, 2015). O empreendedorismo é também uma alternativa à precarização do mercado de trabalho brasileiro que impele os indivíduos para o autoemprego (Kenny & Rossiter, 2018). Ao abordar a temática de indivíduos com 50+, além de ser um segmento em crescimento, há o fenômeno eminente do desemprego por exclusão que leva esses sujeitos ao empreendedorismo por necessidade, segundo Figueiredo e Paiva (2018), sem nenhum apoio motivacional para a criação do próprio negócio.
O fato é que os empreendedores 50+ encontram-se presos numa trama complexa com diferentes demandas e necessidades específicas e interseccionais e que precisam assumir riscos e sofrem com a exclusão social e a perda de emprego formal num contexto de crescente incerteza econômica. Portanto, trata-se de um fenômeno envolto em diferentes marcadores interseccionais que tornam subjetiva sua análise, pois as diferentes experiências constroem individualidades únicas (Teixeira, 2021; Collins & Bilge, 2021).
O empreendedorismo 50+ é considerado como parte integrante do empreendedorismo minoritário e inclusivo, uma vez que os mais velhos muitas vezes são excluídos e desvalorizados na sociedade, principalmente devido ao etarismo e declínio da saúde física e cognitiva (Shinohara, Nassif, Corrêa & Borges, 2023). No entanto, a vasta experiência empresarial anterior, confiabilidade e disciplina contribuem para superar esses desafios e atingir resultados individuais e sociais positivos (Figueiredo & Paiva, 2018; Kenny & Rossiter, 2018).
Ao mesmo tempo que a prática empreendedora cresce no País, em relação aos mecanismos de apoio, uma pesquisa mostrou que os empreendedores brasileiros que buscaram mais apoio para desenvolvimento de seus negócios, de órgãos públicos ou privados, foram os da faixa entre 25 e 34 anos representando 31,9%. A taxa específica de empreendedorismo inicial relativa à 55 a 64 anos foi 13,2%, significativamente inferior que a demais faixas etárias (Global Entrepreneuship Monitor – GEM, 2017; 2022). O que pode significar que: o empreendedor 50+ não busca capacitação nos órgãos oficiais ou programas privados de apoio e/ou a oferta de capacitação direcionada a esse público ainda é insuficiente.
O empreendedor 50+ periférico e por necessidade enfrenta uma realidade ainda mais desafiadora, pois, muitas vezes, não foram capacitados com os conhecimentos necessários para atuar a frente de um empreendimento autônomo. Para isso, a educação para o empreendedorismo, torna-se elemento essencial nesse processo (Kenny & Rossiter, 2018).
O objetivo desse estudo foi identificar os principais órgãos de apoio ao empreendedor 50+ na região da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, as ações desenvolvidas no território, e entender as perspectivas desses sujeitos sobre oportunidades e desafios encontrados no mercado.
O que esse estudo pretende analisar é se esses empreendimentos locais efetivamente dispõem de apoio de programas que contemplem as necessidades desses sujeitos. Além disso, entender como esses empreendedores buscam apoio hoje para se capacitar, fazer networking, buscar parcerias estratégicas e investimento na região.
O empreendedorismo é uma questão importante no debate público global e no contexto brasileiro, sobre formas de superar a pobreza e as desigualdades da sociedade. Em meio a um contexto de flexibilização do trabalho, implementação de políticas neoliberais e aumento do desemprego, a definição de empreendedorismo vem adquirindo novos usos e significados políticos (Tommasi & Corrochano, 2020; Fontes, 2023).
A informalidade sempre foi um fenômeno presente nas estatísticas do mercado de trabalho brasileiro e, atualmente, representa cerca de 40% da força de trabalho ativa do Brasil (Gem, 2020). Apesar desse índice, houve uma mudança analítica em direção a maior empregabilidade e o empreendedorismo por oportunidade, que acabam direcionando a responsabilidade pela inserção econômica nos próprios trabalhadores. É o ato de atribuir a esses sujeitos a própria responsabilização por sua sobrevivência, com o lema: “faça você mesmo e seja seu próprio chefe”, em um contexto de incerteza e precariedade. O “empreendedorismo de si” são vistos como novos modos de subjetivação (Laval & Dardot, 2016; Tommasi & Corrochano, 2020).
Desta forma, a tese desses autores é que essa subjetividade neoliberal prevaleceria progressivamente, especialmente entre os trabalhadores urbanos pobres e periféricos, que são “empurrados” ao empreendedorismo por questões de sobrevivência. Portanto, se faz importante analisar esse fenômeno à luz do empreendedorismo periférico urbano, sendo essa uma opção por adesão desses sujeitos ou aceitação da “razão neoliberal” pelas classes populares urbanas (Gallway, 2011; Fontes, 2023; Cruz Junior, 2022).
Segundo Dardot e Laval (2013) e Fontes (2023), esses empreendedores periféricos estariam se tornando “empreendedores de si mesmos”, tentando otimizar através de cálculos racionais o retorno de um investimento realizado em seu “capital humano”. Sendo assim, o neoliberalismo, não apenas destrói, mas produz uma certa subjetividade ou uma “razão”, uma forma de existência no mundo (Fontes, 2023; Foucault, 2008). Em um mercado de trabalho como o brasileiro, o desemprego, a informalidade, a alta rotatividade e os trabalhos temporários são na realidade elementos estruturantes e interseccionais das relações de trabalho e são componentes importantes na construção social dessas subjetividades (Fontes, 2023).
Em vista disso, a luta desses empreendedores periféricos consiste em um “triplo movimento” entre o Estado, o Mercado e a Sociedade. Cada uma dessas esferas atende de formas distintas e contraditórias às demandas existentes. Esse movimento desencadeia lutas e resistências em torno da mercantilização do trabalho, proteção social e libertação (Fontes, 2023; Santos, 2019; Berth, 2019).
Um dos aspectos que também é crítico no ambiente carioca é a polaridade entre empreendedores formais e informais. Apenas 8% dos empreendedores informais têm ensino superior, em contraste com 38% entre os formais. Além disso, empresas informais têm menos acesso a recursos financeiros, a infraestrutura e operam em um ambiente incerto, o que afeta o desenvolvimento do empreendedorismo em toda a cidade (Sebrae, 2017). Para o informal, o acesso a capital para crescer é algo mais latente, atingindo 73% desses empreendedores.
Apesar dos avanços no campo do empreendedorismo inovador é relevante lembrar que essa não é uma realidade presente quando focamos no sujeito empreendedor periférico. Principalmente, para este estudo, é essencial emergir esse olhar para a região da Baixada Fluminense, a fim de entender melhor tendências, potencialidades, cultura e regionalidades. A Baixada Fluminense é constituída em sua estrutura empresarial por 314.809 empresas. Na análise por porte 74,1% são MEI, seguidas de 20,3% de ME, que juntas representam 94,4% das empresas, com base na Receita Federal do Brasil. Na análise por setor, das 314.809 empresas, o setor de Serviços concentra 42,3%, seguido pelo setor do Comércio com 31,9%, juntos representam 74,2% do total de empresas do Município. Duque de Caxias (Baixada II) e Nova Iguaçu (Baixada I) respondem, juntos, por 47% do total de estabelecimentos da região e por 8% do total do ERJ (Gov-br, 2021; Sebrae, 2017).
Em relação aos mecanismos de apoio, os órgãos mais atuantes e oficiais na região são a Representação Regional do SEBRAE-RJ, através de seus escritórios localizados em Nova Iguaçu e Caxias e a FIRJAN, com sua representação regional na Baixada I (Nova Iguaçu) e Baixada II (Caxias). Ambas instituições promovem cursos de capacitação setoriais, encontros empresariais, rodadas de negócios, editais de financiamento, além de prestar auxílio a empresários que queiram submeter projetos para subvenção econômica.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2019), o pico populacional no Brasil levará a um envelhecimento significativo da população, cuja projeção é de 43 milhões de idosos em 2031, e 73,5 milhões, em 2060, o que significa que, em cada dez brasileiros, três serão idosos. O envelhecimento da população dá novos significados à contribuição social e econômica, o que pode ser considerado uma das coisas mais importantes da vida adulta – o que alguns autores concordam que é o que dá o “real sentido à existência” (Borges & Jardim, 2015; Carvalho, 2009).
Em relação ao etarismo sob o viés institucional, o debate na Academia atualmente se concentra, principalmente, nessa pressão demográfica que implica em graves problemas em termos de mercado de trabalho, crescimento econômico, demanda agregada e finanças públicas, no cuidado e na aposentadoria, segundo Lava e Costa (2021), pois o envelhecimento passa a ser uma questão multidimensional com implicações políticas, econômicas, culturais e sociais (Shinohara, Nassif, Corrêa & Borges, 2023). Estas implicações têm revelado ser um assunto emergente na área de empreendedorismo, e que precisa de novos estudos para entender a dinâmica que existe através da força de trabalho dos idosos. Além disso, outros estudos vêm se concentrando nas barreiras enfrentadas no ageísmo e dificuldade de acesso a recursos (Figueiredo & Paiva, 2019; Kautonen, 2008), motivações e impulsionadores (Gray & Smith, 2020) e políticas públicas e previdência social (Al-jubari & Mosbah, 2021).
Apesar de ficar claro que se trata de um tema emergente e importante a ser discutido na sociedade, ainda existem poucas pesquisas sobre empreendedorismo 50+ (Weber & Schaper, 2011). As pesquisas estão mais concentradas nas diferenças geracionais, em empresas familiares, nas características de seus fundadores e nas diferenças para a empresa tradicional (Morris, Allen, Kuratko & Brannen, 2010).
As discussões acerca do tema no mundo mostram que estudos sobre empreendedorismo 50+ ainda se encontram em estado embrionário, com poucas pesquisas publicadas em comparação com outros estudos sobre empreendedores (Kautonen, 2012; Zhu et al., 2022). Portanto, existe uma lacuna de estudo na Academia quanto às relações entre idade e empreendedorismo, analisando as diferenças entre países e culturas, e nos efeitos macroeconômicos desse desenvolvimento.
O ato de envelhecer “é um processo multifatorial e subjetivo” (Dias, 2007; Isele & Rogoff, 2014). Ao longo da vida, os profissionais 50+ acumularam experiências e aprendizados tanto no âmbito social, quanto no mercado de trabalho. Para esse grupo, o trabalho, além da estabilidade financeira, traz o sentimento de independência e liberdade. Também se identifica questões inconscientes como querer se engajar e se sentir pronto para novos desafios, enxergar novas oportunidade de realização e ainda se sentir ativo na sociedade e capaz de produzir, trabalhando desta forma sua autoestima (Carvalho, 2009).
Desta forma, foi considerado para este estudo, o recorte de idade de empreendedores com 50+, público que vem sendo chamado de Economia Prateada, no qual promove vantagens sociais e econômicas, tais como complemento de renda ou alternativa flexível ao emprego formal (Shinohara, Nassif, Corrêa & Borges, 2023). No Brasil, mais de 650 mil idosos atuam como empresários, sendo que 10,8% dos idosos não empreenderam, mas admitem ter vontade de começar um negócio (Sebrae, 2017; 2022).
Al-Jubari e Mosbah (2021), Gray e Smith (2020) e Maritz et al. (2021) defendem o desenvolvimento de um ecossistema empreendedor com mais de 50 anos, promovendo educação direcionada, formação, acesso a recursos essenciais, atualização tecnológica, financiamento e serviços de consultoria. Stirzaker et al. (2019) e Isele e Rogoff (2014), também propõem que universidades e outras agências não governamentais desenvolvam cursos específicos para empreendedores 50+, visando a valorização do capital humano e social, bem como encorajá-los a abrir novos caminhos.
Entretanto, ser empreendedor, tanto no Brasil quanto no mundo, não é modalidade de um grupo etário específico. Devido a falta de recursos financeiros para os mais jovens que estão começando seus negócios e a falta de políticas regulatórias e de incentivos, por parte do Governo, para os empreendedores 50+, alguns grupos etários possuem menos acesso a investimentos, políticas de tributação diferenciada, aposentadoria, entre outras, o que alguns autores já consideram esses sujeitos como um “grupo minorizado” (Ferreira, 2012; Collins & Bilge, 2021).
O termo “grupos minorizados” será utilizado e compreendido a partir das concepções de Ferreira (2012), que utiliza o termo sócio-acêntrico, com o sentido conceitual de segmentos sociais, étnicos, de orientação sexual e de gênero, dentre outros, que independente da quantidade têm pouca representação social, política e econômica (inserção no mercado de trabalho, ocupação de cargos de poder e outros) e tem como equivalentes históricos as expressões como minorias, grupos minoritários ou grupos minorizados.
É importante ressaltar, dentro dessa nova área de estudos, que muitas questões ainda precisam ser investigadas, como o papel das políticas governamentais em fomentar ou dificultar o empreendimento individual e a importância das diferenças culturais entre os empresários mais velhos e estudos sobre os impactos dos fatores interseccionais (Shinohara, Nassif, Corrêa & Borges, 2023; Collins & Bilge, 2021).
O conceito de interseccionalidade representa uma perspectiva necessária para este estudo por permitir entender que na sociedade existem diversos sistemas de opressão, que podem ser de idade, gênero, orientação sexual, raça ou etnia, e estes se cruzam e se sobrepõem. A interseccionalidade tem o poder de catalisar novas interpretações sobre trabalho, família, reprodução e constructos sociais e, portanto, trata-se de uma abordagem para entender a vida e comportamento humano enraizados nas experiências e lutas de um grupo de pessoas privadas de direitos (Saraiva & Irigaray, 2009; Rocha, 2020; Collins & Bilge, 2021).
Portanto, não existe uma hierarquia entre os eixos de poder, porque a interseccionalidade não encara de forma hierárquica, todavia de forma articulada (Dana & Vorobeva, 2021). E o termo é ainda mais complexo de se analisar no sentido de que um mesmo marcador social pode agir de diferentes formas no contexto de vida de sujeitos, que possam fazer parte de um mesmo grupo. Os impactos sempre serão diferentes nos sujeitos, pois as realidades e as intersecções nunca serão as mesmas. Ela é situada (Collins & Bilge, 2021).
Os empreendedores de grupos minorizados formam subdivisões diversificadas em termos de idade, gênero, origens étnicas e sociais, distribuição geográfica entre outras, o que reforça que a análise desse estudo deve seguir essa vertente e o fenômeno deve ser enxergado sob a lente da interseccionalidade (Subramani, 2012; Collins & Bilge, 2021).
Apesar dessa diversificação, é possível identificar duas características para o grupo de empreendedores minorizados: são considerados minorias dentro de uma comunidade mais ampla; e/ou não pertencem a um perfil de “empreendedor convencional”, como é o caso de mulheres, jovens, idosos e negros (Mazzarol, 2021). Ainda assim, o conceito é fluido, dinâmico e relacional porque permite diferentes interpretações a depender do contexto, do caso e do período histórico de avaliação (Dana & Vorobeva, 2021).
Verver, Passenier e Roessingh (2019), destacam que a singularidade do empreendedorismo de minorias deve ser investigada a partir do contexto social no qual ele se insere, seu conjunto de circunstâncias e suas esferas de interação. Sendo assim, este estudo busca compreender o empreendedorismo através da perspectiva deste grupo de recorte geográfico que é influenciado por dois importantes marcadores sociais: empreendedor, 50+, além de considerar os marcadores interseccionais de gênero (mulheres) e de raça (negros e pardos), que se adicionam na construção dessas percepções e subjetividades.
Vale (2014) acrescenta que o olhar interseccional no empreendedorismo de mulheres negras e periféricas, também, demonstra que esse fenômeno ainda é enxergado, por esses sujeitos participantes e pela sociedade, sob condição de sobrevivência e de inserção social. O empreendedorismo é apresentado ainda como uma solução para uma série de situações vividas pelas mulheres, tais como a necessidade de flexibilizar trabalho e vida pessoal. É visto como uma alternativa à cultura masculinizada e patriarcal de grandes organizações. Pois, o normatizado é considerar o homem como principal figura empreendedora de sucesso e a mulher que chega ao sucesso é considerada uma “exceção à regra” (Almeida, Dias & Santos, 2021; Bruni, 2006). Esses negócios nascem e crescem seguindo o contexto da falta de oportunidades no mercado, que leva ao empreendedorismo como uma das possíveis alternativas para reexistir no contexto ocupacional (Vale, 2014).
Entretanto, nos últimos anos, os negócios liderados por mulheres contribuíram substancialmente para à inovação do contexto empreendedor (RME, 2019). Por outro lado, tais conquistas são invisibilizadas pela influência ideológica sobre as descrições normativas de gênero, que contribuem para a reprodução de estereótipos que buscam interpretar ou explicar esses reconhecimentos, minimizando esses resultados, como se esses negócios liderados por mulheres fossem de segmentos com menos valia, com menos impacto em relação ao padrão normatizado (Almeida, Dias & Santos, 2021; Marlow, 2014).
Aliado a este fato, o Brasil como um país múltiplo de culturas e miscigenado, é importante enxergar esse fenômeno sob a lente de análise da teoria da raça. A identidade negra é caracterizada, ao longo dos anos, no Brasil, por uma trajetória de desigualdade social, preconceito e discriminação, principalmente entendendo que os sujeitos dessa pesquisa são empreendedores periféricos, sendo eles homens ou mulheres (Resende, Mafra & Pereira, 2018).
Discutir raça, para Hall (2003) e Teixeira (2021), é compreender como a construção política e social de marcadores sociais, a exemplo da cor da pele, da textura dos cabelos ou mesmo das expressões culturais, constituem, inclusive, o mercado de trabalho. Sabe-se também que ela é uma realidade como construção social (Guimarães, 2003; Munanga, 2004b). Em relação à interseccionalidade, é importante entender que não é a cor da pele que localiza a diferença, mas como em determinada localização geográfica essa característica ganha contornos a partir das relações de poder, o que se desdobra em discriminações e desigualdades. De acordo com Arman (2015) e Berth (2019), o empreendedorismo no Brasil, a partir da perspectiva da população negra, pode ser compreendido como estratégia de sobrevivência e/ou de inserção social.
Em suma, no contexto empreendedor, os estudos baseados na interseccionalidade contribuem para o reconhecimento de que idade, raça classe e gênero estão diretamente relacionados à facilidade ou dificuldade de acessos existentes nesse ecossistema. A abordagem interseccional aplicada aos estudos sobre empreendedorismo, e em especial, para o empreendedorismo 50+, vai além da perspectiva individualizada e situcional. É avançar na compreensão das múltiplas identidades e complexidades sobre o que significa ser empreendedor nesta condição (Teixeira, 2021).
O estudo foi conduzido para uma abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa é bastante indicada para estudos que objetivam apreender percepções, olhares, sentimentos, motivações e atitudes, informações de caráter subjetivo (Vergara, 2005; Gil, 2008). Pois, o interesse principal desse estudo é entender as percepções desse empreendedor 50+ quanto aos mecanismos de apoio presentes na região da Baixada Fluminense, com ênfase na região de Duque de Caxias. Por outro lado, também se faz necessário ouvir os representantes dos programas de apoio presentes, apreender suas pautas de fomento ao empreendedorismo e verificar se realmente são inclusivas e atendem ao público em foco.
Nesse sentido, foram utilizados na operacionalização da técnica os seguintes procedimentos: contato com participantes, primeiramente por e-mail, com intuito de apresentar a pesquisa e convidá-los para fornecer a entrevista; envio do termo de consentimento por e-mail; agendamento das entrevistas; realização de todas as entrevistas, se possível, presencialmente e, por fim, gravação dessas entrevistas devidamente autorizadas pelos entrevistados.
Para a análise dos dados foi utilizada a análise de conteúdo elaborada por Bardin (2016), dentro de uma perspectiva interpretativista. A pesquisa envolveu levantamento bibliográfico e documental/digital e entrevistas em profundidade (Gil, 2008). As instituições de fomento ao empreendedorismo no Rio de Janeiro selecionadas foram o SEBRAE pela atuação local, sendo o principal órgão de apoio ao tema pesquisado no Estado e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, através de sua Representação Regional, localizada em Caxias. Durante a trajetória desta pesquisa, surgiu a oportunidade de entrevista com a gestora de Comunidades do Sebrae no Rio de Janeiro, no qual foi possível ter um panorama melhor das ações estaduais voltadas para o empreendedor 50+.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e em profundidade com os sujeitos da pesquisa, a saber: 3 gestores dos programas de apoio; e 15 empreendedores 50+ na região da Baixada Fluminense, com ênfase em Duque de Caxias, a fim de que os respondentes possam expor ao máximo suas percepções sobre o tema. Foram construídos 2 roteiros (gestores, empreendedores).
As entrevistas foram realizadas em diferentes locais, dependendo da disponibilidade dos entrevistados, como: por videoconferência, na casa dos entrevistados, em empresas, universidade e até no próprio ambiente de trabalho. Em princípio, com o roteiro base, realizou-se entrevistas com duração média entre 40 minutos e uma hora. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, gerando o corpus dessa pesquisa.
Os empreendedores foram selecionados seguindo os critérios de: faixa etária, de indicação dos programas em foco, de tempo de empresa, de experiência com algum tipo de capacitação empreendedora e pela cadeia de referência. A idade média dos entrevistados é de 58 anos, as mulheres são a maioria dos entrevistados (10 no universo de 15 entrevistados) e têm um nível de escolaridade mais baixo do que o observado nos homens entrevistados e o ramo de atividade predominante é o de Serviço.
Os dados brutos foram convertidos em uma representação de conteúdo com foco em constructos de pesquisa (Bardin, 2016). Desta forma, foram geradas quatro categorias de análise e subcategorias.
Acesso ao ecossistema empreendedor: busca por apoio e conhecimento
Um fato importante de se considerar neste estudo, é entender como os sujeitos tomam conhecimento dos possíveis mecanismos de apoio local, como acessam esses espaços, quais os principais desafios nessa etapa e como se preparam. O conceito de “ecossistema empreendedor” trata-se de como “uma comunidade pode evoluir e se tornar um vale sustentável em que um conjunto de inovações e ações sustentáveis que poderão surgir em uma região geográfica por meio de novos empreendimentos” (Cohen, 2006; Gimenez, Stefenon, Júnior, 2022).
Sendo assim, entender como se comporta um ecossistema empreendedor e seus mecanismos de apoio, pode auxiliar esses sujeitos envolvidos como auxiliar Governos a obter desenvolvimento e crescimento econômico de maneira mais assertiva. E as questões aqui exploradas são: como levar a informação dos mecanismos de apoio de forma efetiva aos sujeitos interessados? Quais as influências de fatores ambientais ou contextuais na criação de novos empreendimentos e sustentação dos que já existem? Como envolver o setor privado e ajudar na remoção das barreiras inerentes a esse processo?
Durante as entrevistas, quando foram questionados sobre como buscaram apoio para empreender inicialmente, ficou evidente que esses sujeitos não cogitaram buscar apoio quando iniciaram suas empresas, principalmente, pelo desafio de estarem envolvidos com outras demandas em seus cotidianos, que se converteu na subcategoria “Gestão do Tempo”, conforme observamos na fala de E10.
Na época conciliar trabalho com estudo começou a ficar muito apertado. Então, eu saia muito tarde da faculdade e começava no trabalho muito cedo. No começo foi bacana e tal, mas começou um desgaste muito grande. Aí, tive que trancar a faculdade, mesmo ela sendo de graça. (E10)
Pode se perceber uma série de situações citadas pelos empreendedores (empregos na iniciativa privada, estudo, falta de investimento), que contribuíram para que esses sujeitos não buscassem apoio. Em algumas entrevistas, percebe-se no discurso que esses sujeitos podem não se “enxergar” como participantes desse ecossistema e aptos a receber incentivo. É possível que esse sentimento seja uma das consequências das estruturantes dominantes de poder que imperam no ecossistema, assim como versam Fontes (2023) e Foucault (2008), pois esses empreendedores não pertencem a um grupo de “empreendedores convencionais” (Mazzanol, 2021).
Dardot e Laval (2013) e Fontes (2023), por sua vez, defendem que esses empreendedores periféricos estariam se tornando “empreendedores de si mesmos” e, portanto, acreditam que somente eles mesmos serão os responsáveis pela sua carreira e crescimento. Esse fato se mostrou como um dos principais desafios para os mecanismos de apoio local: “Como sensibilizar e convencer esses empreendedores periféricos de que eles não estão sozinhos? e “Quais seriam as melhores formas e canais de se comunicar com esse empreendedor periférico?”.
Desta forma, atrelado à subcategoria “falta de conhecimento sobre os possíveis mecanismos de apoio local”, esse discurso pode vir a confirmar, também, o fato de que esses empreendedores não estão devidamente conectados a rede empreendedora local e possuem dificuldades de estabelecer conexões com outros entes do cenário carioca. Outra possibilidade é que a comunicação das entidades de apoio não seja direcionada a esses sujeitos. Os poucos empreendedores que contaram suas experiências em participar de alguma ação dessas entidades, como cursos ou consultorias, narraram que apesar do ganho de conhecimento e networking, a abordagem ainda é feita pontualmente. Existe um vácuo de conhecimento desses empreendedores quanto à necessidade de dar visibilidade para essas marcas, assim como trazer esse “holofote” para eles mesmos. Esse aspecto foi mais presente nas falas das mulheres empreendedoras 50+ pretas, como podemos constatar o discurso de E12.
Eu nunca, nunca tive assim, desse jeito ajuda. Eu sempre busco na internet, né? Muitos vídeos de empreendedoras, como é que faz e tal. Mas curso mesmo eu nunca fiz, nunca entrei assim diretamente, né? Mas assim, fazer mesmo um curso, nunca fiz não. Eu sou muito tímida. Por que eu não consigo muito me aprofundar nas amizades, com as pessoas (E12)
Desta forma, observa-se mais um dos efeitos sistêmicos do racismo, segundo Paixão (2003) e Teixeira (2021). Esse processo faz com que as mulheres pretas 50+ percam suas subjetividades e deixem de acreditar em seus potenciais como mulheres e empreendedoras. Elas temem continuar sofrendo processos discriminatórios e evitam se colocar na posição de protagonistas e, portanto, acabam promovendo um autoprocesso de “apagamento” de suas personalidades (Fontes, 2023; Santos, 2019).
Constatou-se, também, que o principal mecanismo de apoio local é a representação do Sebrae nas regiões, através de eventos e palestras, citada por alguns desses empreendedores. Apenas 1 empreendedor, E14, narrou que contratou o órgão para consultoria, mesmo assim com uma expectativa insuficiente sobre as necessidades reais do seu negócio. Portanto, enxerga-se uma lacuna importante que precisa ser resolvida para divulgação desses programas aos empreendedores locais.
A subcategoria “defasagem educacional” foi mais abrangente no discurso desses empreendedores periféricos, principalmente das mulheres, que demonstraram ter um grau de escolaridade menor que a dos homens. Contudo, nos discursos dessas empreendedoras entende- se que este não é um fator limitador para a ação de empreender. Em muitas falas, elas contam que buscam apoio em seus pares como uma forma de reforçar suas subjetividades, de busca por representação e empoderamento (Berth, 2019). Pois, até o fato dessas mulheres estarem mais abertas as entrevistas desse estudo, por si só, já pode ser considerado um ato de resistência (Santos, 2019) a um ecossistema de reproduz opressão a esses sujeitos e menos acesso a oportunidades consequentemente (Saraiva & Irigaray, 2009; Rocha, 2020; Collins & Bilge, 2021).
Desafios do empreendedor 50+ para atuar localmente
Na subcategoria “Busca por investimentos” quando perguntados como iniciaram seus negócios, se tiveram ajuda de terceiros ou se foi com capital próprio, todos os sujeitos entrevistados responderam que iniciaram com recursos próprios, mas em alguns casos, com sociedade em família. Contudo, eles relatam que se sentiram desamparados no início desse processo e que arriscaram seus investimentos sem ter planejamento, o que demonstra mais uma vez que falta apoio das entidades para levar conhecimento das melhores práticas.
Outro aspecto citado que se integra a essa subcategoria foi a dificuldade para acessar investimentos para o crescimento desses negócios. Isso demonstra que o processo para acessar capital no Estado é considerado um dos maiores entraves para esses sujeitos, principalmente por se tratarem de empreendedores periféricos e que, portanto, deveriam ter prioridade de acesso, melhores taxas de juros e rapidez na cessão do capital, o que comprova as pesquisas do Sebrae (2013; 2017). Em relação à subcategoria “capacitação empreendedora inclusiva”, quando questionados sobre a intenção em procurar capacitação e ajuda no mercado para desenvolvimento pessoal e de suas empresas, tanto no passado quanto no atual momento, os homens 50+ entrevistados, mostram que não enxergam interesse, tampouco necessidade neste momento, em metodologias ou formações nas instituições disponíveis, apesar de conhecê-las e já ter tido algum tipo contato local.
Nunca me capacitei. Nunca mesmo. Até porque há 30 anos atrás não existia SEBRAE. Hoje as pessoas têm como buscar isso. O grande professor que eu tive foi a vida e a empresa que eu trabalhei do meu tio. Ele só tem o primário, mas hoje é um homem altamente bem sucedido. Porque dizem que ‘o inteligente aprende com os erros, e os sábios aprendem com o erro do próximo’. Eu tentei ser sábio, mas acho que aprendo muito com os meus erros. Pra aprender tem que pagar, não se aprende nada de graça. (E4)
Fica evidente na fala de E4 e dos demais homens 50+ entrevistados que existe uma grande diferença entre a perspectiva de gênero, já que para elas, capacitação empreendedora mais inclusiva é uma necessidade real para evolução pessoal e profissional, pois muitas comprometeram suas formações por conta dos inúmeros papéis que precisam desempenhar desde cedo (RME, 2019; Beauvoir, 1980; Balog, Zouain, 2022). Para os homens empreendedores 50+, o famoso ditado “aprender errando e fazendo”, e as experiências acumuladas ao longo da vida, fazem mais sentido nesse momento de vida. No caso das falas das mulheres empreendedoras 50+, todas demonstraram ter um entendimento da necessidade de capacitação empreendedora, além de outras formas de apoio, como palestras locais, consultorias, mentorias e networking. Observou-se que elas já ouviram falar ou participaram no passado de atividades locais dos programas de apoio, mas atualmente não participam de nenhuma ação, o que mostra a falta de divulgação dessas oportunidades.
Não tive nenhum apoio político, nenhum apoio, em momento nenhum sequer, entendeu? Um apoio de qualquer uma entidade governamental. Nenhum momento. Tive que abrir minha empresa sozinha e me capacitei sozinha. Peguei um contador, abri. O SEBRAE em nenhum momento, nunca ouvi falar, só pela internet o que a gente busca. Nada. Nada vezes nada. (E17)
No relato de E17 fica bastante evidente esse “desconforto” de se sentir invisibilizada nesse ecossistema. Percebe-se que mais uma vez, essas empreendedoras se enxergam e se assumem como “empreendedoras de si mesmas” (Fontes, 2023), pois elas já desistiram de lutar contra um sistema socialmente injusto que as oprimem e as privam de direitos (Saraiva & Irigaray, 2009; Rocha, 2020; Collins & Bilge, 2021).
Outros fatores citados nas entrevistas na subcategoria “Ambiente regulatório”, principalmente nas falas das mulheres empreendedoras 50+, também abrem novos caminhos para pesquisas ainda correlacionadas ao tema como: desafios de âmbito pessoal e falta de planejamento para capital de giro. Em campo, surgiram alguns relatos das dificuldades dessas mulheres de conseguirem se planejar financeiramente, o que já aponta pesquisas da RME (2019) e de Anggadwita et al. (2021).
Empreendedorismo 50+: aspectos interseccionais de gênero e raça
A categoria “empreendedorismo 50+: aspectos interseccionais de gênero e raça” emergiu de forma mais presente nas entrevistas com as mulheres empreendedoras 50+. Por elas terem sido a maioria dos sujeitos entrevistados (10 entrevistadas), os marcadores interseccionais (mulheres, 50+, periféricas e pretas) puderam ser constatados em quase a totalidade das entrevistas. Também é importante ressaltar que foram as entrevistas com maior duração e com maior profundidade e detalhes das histórias.
Percebeu-se que é possível que esses sujeitos tenham encarado o momento como uma oportunidade de serem finalmente ouvidas. Pois, compreende-se que são vozes muitas vezes silenciadas nesse ecossistema (SANTOS, 2019; FERREIRA, 2012; SARAIVA, IRIGARAY, 2009; ROCHA, 2020). E quando consideramos outros marcardores interseccionais como os ligado à raça, vislumbra-se que são sujeitos ainda mais à margem desse ecossistema e, consequentemente, mais invisibilizadas (COLLINS E BILGE, 2021; SUBRAMANI, 2012; DANA, VOROBEVA, 2021; MAZZAROL, 2021; OCDE, 2019). Por conseguinte, as duas subcategorias “ser mulher, preta e madura” e “formas e estratégias de enfrentamento social” não podem ser analisadas separadamente, pois elas aparecem entrelaçadas em todos os discursos das mulheres entrevistas neste estudo.
Na fala de E12 ficou visível aspectos relacionados à corporeidade desses sujeitos e a questão da idade mais avançada e possíveis processos discriminatórios que se cruzam como marcadores interseccionais. Esses marcadores quando se cruzam causam diferentes experiências para essas mulheres, conforme a construção do processo simbólico que é único e individual de crenças e valores (DANA, VOROBEVA, 2021; SUBRAMANI, 2012).
Quando a gente trabalha com roupa escuta muito: “Ah, você fica lá no caixa, que você é mais velha, já não tem esse corpinho”. Então, isso também é uma discriminação. Tanto que hoje em dia, às vezes, eu posto no manequim ninguém liga, né? Aí quando eu coloco a roupa, e vou pra algum lugar a pessoa vê no meu corpo diz: “Nossa, esse vestido eu não vi”, viu sim, eu postei lá. “Mas eu não sabia que ficava bonito desse jeito”. Então, é esse preconceito por ser mais velho e ao mesmo tempo é também por ser mulher. (E12)
Em relação ao marcador interseccional de raça, a mulher empreendedora periférica preta, contempla-se na fala de E12 uma situação no mercado de trabalho, antes de adentrar no ecossistema empreendedor. Entende-se que esses processos discriminatórios que começam cedo, e se apresentam por toda a vida dessas mulheres, podem também ser um dos motivos que as levem a empreender.
Eu sou morena, mas meu cabelo é ruim, né? Então, eu me lembro que um pouco antes de empreender, quando eu tinha uns 48 anos, teve um anúncio no jornal de uma loja em Vilar dos Teles: “Mulheres venham se inscrever, loja tal”. Tinha uma fila enorme, fui eu com meu currículo e tal. Chegou lá tinham muitas meninas loiras e eles só separam as loiras: “Ah, você depois eu te ligo, tá dispensada”. Todo mundo que era negro foi dispensado. Então, também já sofri esse preconceito como empreendedora, mas também em entrevistas. Mas eu não ficava choramingando, me achando pior do que ninguém por isso não. Eu erguia minha cabeça e seguia em frente. (E12)
Novamente surge na fala de E12, o fato de que esses processos discriminatórios são encarados por elas como motivos de luta e busca por mais representatividade (BERTH, 2019; SANTOS, 2019). Olhar de frente para o confronto e assumi-lo é combater todo um tecido social, é uma forma de resistência e luta. A conjuntura atual apresenta uma crescente em termos de representatividade e consciência coletiva para os grupos minorizados e subalternizados.
Entende-se que o empreendedorismo, diferente de outros grupos minorizados, para essas mulheres periféricas 50+ ecoa quase como um “grito de libertação” de uma lógica de mercado que as coloca como última alternativa na sociedade. Desta forma, tornar-se “empreendedora de si mesma” é visto por elas como um caminho de sobrevivência (DARDOT E LAVAL, 2013; FONTES, 2023).
Durante as entrevistas, todos os entrevistados brancos, não demonstraram desconforto quando perguntados sobre situações ou processos discriminatórios, o que chamou a atenção, já que todos se encontram em áreas periféricas. O que corrobora com o pensamento de Mazzanol (2021) e Fontes (2023) de que por serem mais próximos da imagem do empreendedor convencional, esses sujeitos dispõem de vantagens frente aos demais. Isso mostra como este é um fenômeno complexo, que exige uma análise dos marcadores interseccionais que interferem nessas relações sociais (COLLINS, BILGE, 2021; SHINOHARA, NASSIF, CORRÊA, BORGES, 2023; GARCIA-LORENZO ET AL., 2020).
A delimitação da pesquisa, realizada na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, traz um caráter ineditista como contribuição teórica ao campo, pois não foram encontrados outros estudos qualitativos correlatos. As estratégias de enfrentamento, também, são incipientes na literatura, principalmente em relação ao recorte interseccional das mulheres empreendedoras 50+ periféricas.
O organismo de apoio mais citado nas falas dos sujeitos foi o SEBRAE, porém de forma muito pontual através de consultoria ou palestras, e a Representação da FIRJAN, citado em uma das entrevistas. Até mesmo em algumas entrevistas, esses empreendedores assumem que não enxergam ganhos nesse contato e, em alguns casos nas falas femininas, aparecem discursos desesperançosos, de que sempre foram “empreendedoras de si mesmas”, como versam Fontes (2023) e Dardot & Laval (2013), e que não acreditam que algo possa mudar na conjuntura de seus negócios e vidas. Desta forma, é essencial para este estudo sinalizar este achado em campo como um dado estruturante para geração de políticas públicas e privadas que transformem esse contexto, pois administrar um negócio é um desafio árduo para qualquer empreendedor, mas para o empreendedor 50+ e periférico, ter informações e conhecimento sobre como administrar um negócio antes de implementá-lo deixam uma linha tênue entre sucesso e fracasso (Nassif, Armando & La Falce, 2020).
Para os programas de apoio local, agências, incubadoras nas universidades e aceleradoras de negócios, considerando que a busca por conhecimento mais inclusivo foi um dos focos desse estudo, o desenho de um programa de empreendedorismo adaptado aos desempregados com mais de 50 anos ou empreendedores 50+ poderia contribuir para a promoção e melhor inserção desses sujeitos no ecossistema empreendedor (Al-Jubari & Mosbah, 2021; Maritz et. al, 2021). Em relação a maior acesso a microcrédito, capital de giro e linhas de crédito, uma realidade possível seria a construção de um “Mapa do Fomento Estadual”, em que os orgãos oficiais poderiam organizar as informações disponíveis no mercado, que hoje encontram-se dispersas em vários sítios, e criar um passo a passo do caminho para que esses empreendedores 50+ possam estar mais preparados para acessarem esses recursos. Essa iniciativa poderia auxiliar na superação de barreiras financeiras nas fases iniciais e de crescimento desses empreendimentos.
Contudo, é importante destacar que, embora a coleta de dados tenha sido feita no contexto pandêmico, os participantes, o grupo de maior risco no período, apresentou muita disponibilidade para participar do estudo, com destaque para as mulheres empreendedoras 50+. Essa maior disponibilidade pode se explicar pelo fato dessas mulheres sofrem maiores impactos no mercado, quanto ao preconceito e discriminação no ecossistema empreendedor, conforme evidenciado nas entrevistas e estudos do ID_BR (2020) e do IPEA (2018). Pois além de exercerem inúmeros papéis sociais, ainda precisam sair para trabalhar e garantir o sustento da casa, muitas vezes, e além disso, possuem menos formação acadêmica. A Pandemia veio para reforçar esses processos de resistência (Berth et. al, 2019). A resistência é uma tentativa de se sentirem “oprimidos com mérito”, uma forma de manifestação da “ecologia dos saberes” que fala das lutas dos sujeitos subalternados, invisibilizados, que mostra a “dor”, o sofrimento sem mediações, transformando-o numa razão para partilhar a luta com seus pares (Santos, 2019; Berth, 2019). É uma das formas de libertação de um racismo estrutural, proposto por Ferreira (2012). O aprofundamento dessas entrevistas mostra como esses sujeitos necessitam expor suas histórias de dificuldades, como forma da busca por maior representatividade (Gallway, 2011). Este fato, pelo ineditismo da pesquisa e pelo aprofundamento das falas, destaca-se como uma lente interseccional necessária para estudos futuros.
Por mais que tenha sido feito um trabalho intenso de divulgação e articulação da pesquisa na região da Baixada I e II, através do Núcleo de Empreendedorismo, Qualificação e Inovação da UNIGRANRIO, houve certa dificuldade de encontrar sujeitos homens empreendedores 50+ disponíveis para contar e aprofundar suas histórias.
Destaca-se também a falta de estudos sobre estratégias de enfrentamento, principalmente em relação as mulheres empreendedoras 50+ da Baixada Fluminense, que poderiam ter contribuído para uma análise mais comparativa com os dados desta pesquisa. Nesta perspectiva, fica claro que é necessário expandir estudos desta magnitude, pois os empreendedores 50+ periféricos pesquisados sinalizam em suas falas a real necessidade de transformações estruturantes para superar as barreiras que enfrentam, assim como também para planejar um melhor futuro às gerações que virão.
No que concerne à contribuição prática desse estudo, durante imersão em campo e após as análises desse estudo, concluiu-se que um caminho possível para inclusão desses empreendedores 50+ em um ambiente com foco em diversidade, maior troca de experiências e conhecimento, além de promoção desses negócios, poderia ser com o apoio da tecnologia. Existem algumas iniciativas no mercado que apoiam as estratégias de Diversidade Etária e Geracional nas organizações brasileiras, mas nenhuma que tenha um foco específico no desenvolvimento do empreendedorismo 50+.
Finalmente, esse estudo, também corrobora para que sejam pensadas novas políticas públicas e privadas para esse público, além de subsidiar os programas de apoio com dados que apontam para formulação de novas metodologias, além de melhorias em ações já existentes. Que essa contribuição teórica e prática possa alertar para a emergência deste fenômeno local e global, propiciar “pontes” para novas lentes teóricas, assim como abrir caminhos para que esses sujeitos consigam superar essas barreiras por muitas vezes “invisíveis”.
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