Recepción: 20 Febrero 2025
Aprobación: 12 Abril 2025
DOI: https://doi.org/10.12712/rpca.v19i1.66695
Resumo: Este estudo mapeou e analisou práticas de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social, identificando mecanismos para mitigar desigualdades racial e de gênero. A pesquisa, baseada em questionários e entrevistas com profissionais atuantes em dinamizadores de impacto, revelou que critérios de diversidade nos processos seletivos, apoio financeiro e de infraestrutura, adaptação metodológica das trilhas formativas e a diversidade na equipe gestora são fatores essenciais para garantir a inclusão efetiva de empreendedores da periferia. Além disso, destaca-se a criação de redes de conexão com o mercado, apoio psicológico e desenvolvimento de políticas públicas voltadas para empreendedores de grupos minorizados.
Palavras-chave: Empreendedorismo Social, Negócios de Impacto da Periferia, Grupos Minorizados; Diversidade, Mecanismos de Inclusão.
Abstract: This study mapped and analyzed diversity and inclusion practices in social entrepreneurship programs, identifying mechanisms to mitigate racial and gender inequalities. The research, based on questionnaires and interviews with professionals working in impact facilitators, revealed that diversity criteria in selection processes, financial and infrastructure support, methodological adaptation of training paths and diversity in the management team are essential factors to ensure the effective inclusion of entrepreneurs from the outskirts of cities. In addition, the creation of networks to connect with the market, psychological support and the development of public policies aimed at entrepreneurs from minority groups stand out.
Keywords: Social Entrepreneurship, Impact Businesses in the Periphery, Minority Groups, Diversity, Inclusion Mechanisms.
Introdução
O empreendedorismo social tem sido amplamente reconhecido como um instrumento de transformação social, promovendo inovação e soluções sustentáveis para problemas sociais, econômicos e ambientais e oferecendo ao empreendedor social a possibilidade de mudar o mundo e ganhar dinheiro, alinhado ao seu propósito de vida e força de trabalho. O negócio de impacto é um dos tipos de empreendimentos sociais, que soluciona problemas das esferas sociais e ambientais por meio do seu principal produto ou serviço, equilibrando o comprometimento com a geração de impacto e o retorno financeiro (Anastacio, Cruz Filho & Marins, 2018)
No entanto, o ecossistema de impacto social apresenta desafios significativos em relação à diversidade, inclusão e equidade. Os grupos definidos como minorizados pela sociedade brasileira, como negros e indígenas, mulheres, residentes em regiões de vulnerabilidade social, LGBTQIA+, entre outros, enfrentam desafios estruturais que perpetuam desigualdades preexistentes, dificultam o acesso a programas de apoio no ecossistema de impacto social e limitam o potencial de inovação, sustentabilidade e crescimento dos negócios liderados por empreendedores desses grupos (Franquini, 2019; Quintessa, Empreende Aí, Adesampa & Pipe.Social, 2020).
De acordo com o Pipe.Social (2021), 51% dos negócios de impacto mapeados buscam acessar as redes de apoio do ecossistema de impacto, mas não conseguem (Pipe.Social, 2021, p. 9). Essa necessidade não atendida é ainda maior para empreendedores sociais da periferia, 60% dos negócios da periferia já buscaram apoio de organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto (dinamizadores de impacto), mas não conseguiram (Quintessa et al., 2020, p. 29).
Nesse cenário, a diversidade e a inclusão emergem como temas centrais para a construção de um ecossistema de impacto social mais justo e equitativo. A diversidade refere-se à presença de pessoas de diferentes grupos sociais em um mesmo ambiente, enquanto a inclusão diz respeito aos processos que garantem que essas pessoas se sintam valorizadas e respeitadas. A equidade, por sua vez, reconhece que diferentes grupos podem necessitar de diferentes níveis de apoio, recursos e oportunidades, e a justiça social permite a redistribuição dos recursos, o reconhecimento e representação de pessoas de grupos minorizados. Juntas, essas quatros dimensões, diversidade, inclusão, equidade e justiça social, formam a base para a promoção de um ecossistema de impacto social que seja verdadeiramente transformador e inclusivo (Assis & Carvalho-Freitas, 2014; Pereira & Ramos, 2021; Voltolini, 2018).
Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é mapear e analisar práticas de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social, propondo-se a identificar mecanismos estratégicos para mitigação da desigualdade racial e de gênero em programas de empreendedorismo social e a ampliação da participação de empreendedores sociais de grupos minorizados em programas de desenvolvimento de negócios de impacto.
A pesquisa busca contribuir com a literatura de negócios de impacto, colaborando com essa temática em crescimento na academia, organizações e sociedade, e de forma prática, pretende-se contribuir para o desenvolvimento de um ecossistema de impacto mais inclusivo e equitativo, reconhecendo a importância da diversidade e da inclusão como pilares fundamentais para o sucesso e a sustentabilidade dos negócios de impacto social.
Para alcançar os objetivos propostos, este artigo adotou uma metodologia de pesquisa exploratória, baseada na coleta e análise de dados primários por meio de questionários e entrevistas semiestruturadas com profissionais atuantes em organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto. Os dados foram analisados com base na técnica de análise de conteúdo, permitindo a identificação de padrões, desafios e boas práticas de diversidade e inclusão adotados por essas organizações.
Além desta introdução, o artigo apresenta a fundamentação teórica, que discute sobre os conceitos de diversidade, inclusão e equidade, além do contexto do empreendedorismo social e periférico. Em seguida, detalha-se a metodologia utilizada na pesquisa, seguida da apresentação e discussão dos resultados obtidos. Por fim, nas considerações finais, discute-se as principais observações, as limitações do estudo e as perspectivas para futuras pesquisas.
Diversidade, inclusão, equidade e justiça social
Somos cerca de 8 bilhões de pessoas, no mundo, com diferentes etnias, gêneros, classes sociais, orientações sexuais, religiões, culturas, idades e características físicas. Algumas destas pessoas, por possuírem determinadas características, foram historicamente colocados ao redor dos centros dos papéis decisórios e de liderança na sociedade, formando os grupos sociais minorizados e periféricos. No cenário brasileiro, os indivíduos periféricos são, principalmente, oriundos de um ou mais grupos minorizados, como: população de baixa renda; negros e indígenas; mulheres; residentes em regiões de vulnerabilidade social; LGBTQIA+; pessoas com deficiência; neurodivergente; entre outros (Franquini, 2019).
[A palavra minoria se refere a] um grupo de pessoas que de algum modo e em algum setor das relações sociais se encontra numa situação de dependência ou desvantagem em relação a um outro grupo, “maioritário”, ambos integrando uma sociedade mais ampla. As minorias recebem quase sempre um tratamento discriminatório por parte da maioria (Chaves, 1970, p. 149).
Os grupos definidos como minorizados pela sociedade brasileira podem possuir características distintas, mas alguns elementos costumam ser comuns, como a vulnerabilidade; identificação social em formação; luta contra privilégios dos grupos dominantes; e ações públicas e estratégias discursivas (Enriconi, 2017).
Um mesmo indivíduo pode fazer parte de mais de um grupo minorizado e a sua identidade social é formada considerando a forma como a pessoa se vê e como é percebida pelos outros. De forma complementar, o conceito de “interseccionalidade” reconhece que grupos minorizados se sobrepõem e se influenciam mutuamente, que um indivíduo pode ser atravessado por diferentes estruturas de opressão e discriminação, e que existem diferenças significativas dentro dos grupos minorizados, com base em marcadores sociais (Franquini, 2019).
O termo “diversidade” possui um conceito muito amplo associado às diferenças e semelhanças que definem as identidades individuais das pessoas que interagem no mesmo sistema social, englobando diversos aspectos como gênero, etnia, sexualidade, idade, religião, nacionalidade, território e localização geográfica, habilidades físicas e cognitivas, trajetória de vida, formação educacional, entre outros (Voltolini, 2018).
A diversidade refere-se “à inclusão, dignidade, equidade e liberdade” (Voltolini, 2018, p. 11). Os termos “inclusão” e “equidade” estão conectados ao conceito de diversidade, enquanto que a diversidade consiste na presença de pessoas de diferentes grupos em um mesmo ambiente, a inclusão se refere aos processos que ajudam essas pessoas a se sentirem valorizados e respeitados, e a equidade reconhece que diferentes grupos podem necessitar de diferentes níveis de apoio, recursos e oportunidades (Voltolini, 2018).
Por fim, a justiça social envolve três dimensões interligadas, a redistribuição que visa corrigir desigualdades de recursos e as suas distribuições de acordo com necessidades diferenciadas de cada indivíduo, o reconhecimento de identidade social que visa combater estigmas e hierarquias de status que desvalorizam grupos minorizados e a representação para garantir voz efetiva nos espaços decisórios. A Teoria da Representatividade Simbólica indica que a presença de pessoas de grupos minorizados nestes espaços de decisão e em posições visíveis comunica mensagens de inclusão, reforça a identidade social positiva e amplia o senso de pertencimento (Pereira & Ramos, 2021; Pitkin, 1967).
As propostas da inclusão, equidade e justiça social são de incluir as pessoas que foram ou são socialmente excluídas e oferecer mecanismos para corrigir as diferenças entre grupos minorizados e grupos dominantes, que tendem a possuir mais poder econômico e cultural (Franquini, 2019). Segundo Assis e Carvalho-Freitas (2014), “o processo de inclusão é a soma de esforços dos indivíduos (ainda excluídos) e da sociedade para equacionar problemas, encontrar soluções e buscar a igualdade de oportunidades para todos” (Assis & Carvalho-Freitas, 2014, p. 498).
Desenvolvimento de negócios de impacto da periferia
O empreendedorismo periférico, empreendedorismo social da periferia ou empreendedorismo social periférico pode ser definido como um movimento no qual o empreendedor e o negócio “nascem nas áreas periféricas, participando ativamente do empoderamento das pessoas dessas regiões e não aceitam mais ser apenas passivas nesse processo” (Baggio, Queiroz & Cunha, 2019, p. 05), com um olhar de potência sobre si e seus territórios, aplicando o empreendedorismo como ferramenta para transformar as suas realidades e tornando a periferia não apenas o público-alvo dos negócios de impacto, mas também a criadora e desenvolvedora de soluções (Baggio, Queiroz & Cunha, 2019; Pessanha, 2019).
Os empreendedores da periferia fazem parte de grupos minorizados e possuem os perfis socioeconômicos, necessidades e desafios que refletem as desigualdades sociais dos territórios de vulnerabilidade social que estão inseridos. O empreendedorismo periférico é protagonizado por mulheres negras, jovens adultas, pertencentes às classes D e E, e essa sobreposição de marcadores sociais afetam o acesso a apoio e recursos e ampliam os desafios de desemprego, racismo, violência e pobreza (Baggio et al., 2019; FGV - Fundação Getulio Vargas, 2021).
As organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto (dinamizadores de impacto), que apoiam os empreendedores sociais, não conseguem atender a demanda dos negócios de impacto. Segundo o estudo do Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental, desenvolvido pelo Pipe.Social (2021), 51% dos negócios mapeados já buscaram ou estão buscando o apoio de acelerações, mas não conseguem. Essa demanda não atendida é ainda maior para os empreendedores sociais da periferia, cerca de 60% dos negócios da periferia não conseguem apoio de dinamizadores de impacto na sua jornada empreendedora (Quintessa et al., 2020, p. 29).
Diante desse cenário, observa-se a desigualdade social do Brasil sendo refletida no ecossistema de negócios de impacto e a necessidade e importância de programas de apoio aos empreendedores da periferia, cerca de 80% dos negócios da periferia que acessaram a programas de apoio afirmaram a sua relevância para evolução do perfil empreendedor e da empresa e valorizaram mecanismos de inclusão, como acessibilidade e adaptação da comunicação e linguagem à realidade da periferia (Quintessa et al., 2020, p. 41).
Os principais desafios enfrentados pelos empreendedores sociais da periferia estão relacionados a áreas estruturais do modelo de negócios, como gestão, comunicação, vendas e equipe; a dificuldade de compreensão de conceitos de desenvolvimento de negócios para a sua realidade prática; a captação de recursos financeiros; o acesso a programas de aceleração de negócios; e o racismo estrutural. Os empreendedores da periferia não possuem as mesmas oportunidades de captação de financiamento para seus negócios do que os empreendedores de fora da periferia, o acesso ao capital, ainda é prioritário para o perfil da imagem clássica de empreendedor, homens brancos de classes sociais altas (Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, 2021; Quintessa et al., 2020; Sebrae/RJ – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro, 2020).
Ao longo dos anos, a importância da diversidade se ampliou na sociedade e nas empresas, sendo necessário o desenvolvimento de técnicas adequadas para que a diversidade e inclusão esteja presente no ecossistema de impacto. Os mecanismos de diversidade e inclusão são estratégias institucionais implementadas pelos dinamizadores de impacto para criar um ambiente favorável à diversidade e ampliar o acesso e a permanência de empreendedores de grupos minorizados em programas de empreendedorismo social. Esses mecanismos podem incluir bolsas de subsistência, critérios de seleção equitativos, mentorias com representatividade e metodologias adaptadas à realidade socioeconômica dos empreendedores (Franquini, 2019).
Procedimentos metodológicos
Este estudo possui o objetivo de mapear e analisar práticas de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social, propondo-se a identificar mecanismos estratégicos para mitigação da desigualdade racial e de gênero em programas de empreendedorismo social e a ampliação da participação de empreendedores sociais de grupos minorizados em programas de desenvolvimento de negócios de impacto. Para atender a esse objetivo, o estudo mapeará e analisará mecanismos de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social e selecionará as práticas mais estratégicas para apoiar o desenvolvimento de empreendedores sociais de grupos minorizados.
A metodologia adotada é uma pesquisa exploratória devido à ausência de informações sobre o objeto e visando desenvolver hipóteses a partir das vivências e aprendizados de profissionais que apoiam o desenvolvimento de negócios de impacto e a diversidade e inclusão no ecossistema de impacto (Selltiz et al., 1974). Para a coleta de dados primários aplicou-se questionário e entrevistas semiestruturadas para aprofundamento das informações que não são publicadas pelos dinamizadores de impacto, mas fazem parte do dia a dia dos empreendedores sociais e dos profissionais que atuam no ecossistema de negócios de impacto no Brasil (Duarte, 2004).
Coleta e análise de dados
Para a coleta dos dados, foram seguidos todos os princípios e recomendações éticas estabelecidas pela legislação brasileira, a pesquisa foi submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), obtendo aprovação sob o parecer nº 5.360.739. Todos os participantes consentiram formalmente por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Autorização de Uso de Imagem, demonstrando concordância em participar da pesquisa.
O processo de pesquisa, realizado entre maio e junho de 2022, consistiu em duas etapas: um questionário online, elaborado no “Google Forms”, destinado à coleta de informações básicas e aceite dos termos de consentimento, com tempo médio de resposta de 10 minutos; e entrevistas semiestruturadas, conduzidas de forma remota via “Google Meet”, com duração aproximada de 50 minutos. Os critérios de inclusão para participação englobam experiência profissional mínima de um ano em organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto (dinamizadores de impacto), idade igual ou superior a 18 anos e residência no Brasil.
A pesquisa foi realizada com quinze profissionais atuantes em organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto, selecionados com base na relevância de suas trajetórias profissionais e no papel estratégico das organizações, em que trabalham, no ecossistema de impacto. As entrevistas proporcionaram uma compreensão mais profunda do dia a dia desses profissionais, permitindo identificar boas práticas de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social.
Além disso, mediante consentimento prévio, foram coletadas informações pessoais, incluindo nome completo, e-mail, número de telefone, organização, cargo, setor de atuação, tempo de experiência, bem como registros de imagem e voz. O material audiovisual e os dados coletados são sigilosos, sendo utilizados exclusivamente para fins de transcrição e análise, garantindo a confidencialidade das informações ao longo de todo o processo de pesquisa.
Os dados coletados foram examinados por meio da técnica de análise de conteúdo, visando identificar, interpretar e compreender padrões e temas recorrentes, por meio de três etapas interdependentes (Bardin, 2016; Minayo, 2016):
(i) Pré-análise: realizou-se a transcrição das gravações de áudio e vídeo utilizando o “Google Docs”, seguida da tabulação e organização dos dados em planilhas para facilitar a visualização e o manejo das informações, e da definição de critérios preliminares para a análise.
(ii) Exploração do material: as informações foram sistematicamente agrupadas em categorias analíticas, considerando os critérios estabelecidos anteriormente e os temas recorrentes.
(iii) Tratamento de resultados: foram elaboradas análises interpretativas, organizadas por categorias temáticas, integrando os principais achados da pesquisa com referenciais teóricos pertinentes e desdobrando-se em reflexões conclusivas.
A análise de conteúdo foi baseada por um código-guia estruturado a partir dos principais conceitos abordados na fundamentação teórica para identificar como esses conceitos se apresentam nos programas de empreendedorismo social. Os construtos teóricos utilizados foram:
· Diversidade: Presença de diferentes identidades sociais nos programas;
· Inclusão: Adaptação dos programas para múltiplas necessidades e contextos;
· Equidade: Distribuição equânime de recursos e oportunidades entre empreendedores de grupos minorizados;
· Justiça Social: Relação entre redistribuição de recursos, reconhecimento de identidade social e representação;
· Interseccionalidade: Sobreposição de marcadores sociais que afetam o acesso e permanência nos programas;
· Mecanismos de Inclusão: Estratégias institucionais implementadas por programas para ampliar a diversidade e inclusão.
Apresentação e análise dos resultados
Nesta seção é apresentado os principais resultados obtidos nesta pesquisa, identificando e analisando práticas e mecanismos para mitigação da desigualdade social, racial e de gênero e dialogando com os construtos teóricos para ampliação da participação de empreendedores da periferia em programas de empreendedorismo social. Os resultados da pesquisa serão apresentados de maneira a garantir o anonimato dos participantes, sem revelar informações que possam indicar sua identidade, naturalidade, faixa etária, gênero ou nível de escolaridade. Para fins de citação, os entrevistados serão identificados por códigos alfanuméricos sequenciais (E1, E2, e assim por diante), cujo perfil é apresentado na Tabela 1.
Ao analisarmos o perfil da amostra de entrevistados, apresentado na Tabela 1, observou-se que 60% dos participantes possuem, no mínimo, quatro anos de experiência no ecossistema de impacto. Em relação aos níveis hierárquicos, 13% ocupam posições de presidência ou sociedade, enquanto 47% desempenham funções de gestão, coordenação ou liderança em organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto. Esses dados evidenciam a solidez e a relevância da amostra, refletindo a maturidade profissional e a riqueza de experiências acumuladas no campo do empreendedorismo social.
O estudo se baseou em duas vertentes, a primeira focou nas práticas já implementadas nas organizações que os entrevistados atuam, se aprofundando nos mecanismos de diversidade e inclusão adotados e validados; e a segunda vertente focou na discussão e recomendação de mecanismos para mitigação da desigualdade social, racial e de gênero e para ampliação da participação de empreendedores sociais da periferia, baseando-se nas experiências e aprendizados dos entrevistados.
Boas práticas de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social
O primeiro aspecto a ser destacado dos resultados é sobre a implementação de práticas de inclusão de empreendedores de grupos minorizados, 80% dos entrevistados afirmaram que na organização que trabalham existem programas distintos com foco em empreendedores sociais da periferia e 93% dos entrevistados destacaram a adoção de práticas e mecanismos para promover a diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social.
Os entrevistados compartilharam as boas práticas de diversidade e inclusão aplicadas nas organizações que atuam e os temas recorrentes foram identificados, agrupados e analisados em quatro práticas: Processo de seleção com critérios de diversidade, Apoio financeiro e infraestrutura, Metodologia e trilha formativa adaptadas e Diversidade na equipe e representatividade.
Processo de seleção com critérios de diversidade
Um dos temas mais recorrentes nas entrevistas foi a importância de estratégias de seleção que priorizem empreendedores de grupos minorizados, considerando perguntas e pontuações no processo seletivo com foco na identidade social. Os entrevistados mencionaram que nos programas que atuam, existem perguntas específicas para mapear o perfil social e critérios de diversidade, como gênero, étnico-racial, origem regional e território, que conferem maiores pontuações para empreendedores de grupos de diversidade, como mulheres, população negra e indígena, pessoas candidatas do Norte e Nordeste e/ou residentes em territórios periféricos (entrevistados E1, E5, E6, E11, E12, E14 & E15).
Segundo o entrevistado E6, para ter resultados mais efetivos de diversidade e inclusão no ecossistema de impacto é necessário um trabalho interno e cultural nas organizações, como a criação de comitês de diversidade para garantir políticas internas consistentes, a implementação de um manifesto antirracista e a definição de estratégias e metas de beneficiários, fornecedores e colaboradores de grupos de vulnerabilidade social.
A aplicação de critérios de diversidade nos processos de seleção de programas de empreendedorismo social representa um dos mecanismos mais eficazes para enfrentar desigualdades estruturais e promover justiça social. Alinhada ao conceito de equidade, essa estratégia reconhece que diferentes grupos sociais requerem diferentes níveis de apoio e, portanto, adapta os processos seletivos para contemplar trajetórias marcadas por múltiplas vulnerabilidades e marcadores sociais (Voltolini, 2018).
Ao adotar critérios de seleção que priorizam a participação de empreendedores de grupos minorizados, como mulheres, pessoas negras e indígenas, moradores de territórios periféricos e LGBTQIA+, os programas de empreendedorismo social não apenas diversificam o perfil dos participantes, mas comunicam, simbolicamente, um compromisso com a justiça social por meio da representatividade e a redistribuição de oportunidades. Essa prática se alinha com a Teoria da Representatividade Simbólica, na medida em que a presença de pessoas desses grupos em espaços decisórios reforça identidades sociais positivas e amplia o senso de pertencimento (Pereira & Ramos, 2021; Pitkin, 1967).
O uso de perguntas e pontuações específicas nos formulários de inscrição, voltadas à coleta de informações sobre identidade social, territorialidade e experiências de vida, constitui um exemplo prático de mecanismo de inclusão. Essas estratégias operam como instrumentos de justiça social por meio do reconhecimento, viabilizando a valorização de trajetórias historicamente colocados ao redor dos centros dos papéis decisórios e de liderança na sociedade (Pereira & Ramos, 2021).
A implementação desses critérios dialoga diretamente com o conceito de interseccionalidade ao considerar a sobreposição de marcadores sociais de desigualdade e seus efeitos no acesso a recursos e oportunidades (Franquini, 2019). Desta maneira, os programas de empreendedorismo social se tornam mais sensíveis às múltiplas formas de opressão vividas pelos empreendedores da periferia, indo além de uma perspectiva homogênea de inclusão.
Apoio financeiro e infraestrutura
O apoio financeiro e infraestrutura foram temas transversais ao longo das entrevistas, os entrevistados E8 e E14 ressaltaram que programas com recursos financeiros a fundo perdido (financiamento não-reembolsável), investimento de capital semente e/ou bolsas de subsídio possibilitam uma segurança de renda para que empreendedores da periferia possam se dedicar integralmente aos seus negócios.
Entretanto, o apoio financeiro não se limita à capital inicial ou bolsa para os empreendedores, mas inclui recursos para infraestrutura básica, como dispositivos de acesso à internet e auxílio para transporte em eventos presenciais, destaca-se ainda a necessidade desses tipos de apoio para garantir a participação de empreendedores da periferia (entrevistados E4 & E5).
O apoio financeiro é observado como relevante para validar o negócio de forma rápida e evitar que os empreendedores da periferia desistam antes do tempo de retorno financeiro do negócio (entrevistado E5). E essa visão é complementada pelos entrevistados E4 e E7, que apontam que muitos empreendedores da periferia enfrentam dificuldades para acessar programas de empreendedorismo e manter o engajamento devido à falta de suporte financeiro e à necessidade de retorno imediato.
Esses tipos de apoios, ao viabilizar a permanência e engajamento dos empreendedores de grupos minorizados, se inserem no conjunto de mecanismos de inclusão que têm por objetivo criar condições concretas para que a diversidade esteja de fato representada, não apenas numericamente, mas com protagonismo e sustentabilidade. E a perspectiva de equidade é essencial para compreender a importância desses apoios (Franquini, 2019).
A equidade, nesse contexto, implica em reconhecer que o ponto de partida entre os empreendedores não é o mesmo e, portanto, exige a disponibilização diferenciada de recursos para garantir condições justas de participação dos empreendedores da periferia. A oferta de bolsas de subsídio, capital semente, apoio à mobilidade urbana, conectividade e equipamentos tecnológicos não deve ser entendida como benefício adicional, mas como um pré-requisito de justiça social alinhada à equidade ao assegurar a redistribuição de recursos conforme as necessidades diferenciadas dos participantes. A ausência desses mecanismos de apoio pode resultar na evasão dos participantes antes mesmo que seus negócios se tornem sustentáveis e bem sucedidos (Pereira & Ramos, 2021; Voltolini, 2018).
Metodologia e trilha formativa adaptadas
Os entrevistados reconhecem a importância da metodologia do programa ser adaptada à realidade dos empreendedores da periferia para ampliação dos níveis de aprendizagem e engajamento no programa, considerando adaptações na linguagem e no conteúdo para ultrapassar possíveis barreiras linguísticas e educacionais (entrevistados E7 & E13).
Um passo primordial no planejamento de um programa para o público de vulnerabilidade social precisa ser a realização de diagnósticos e conversas para aprofundamento das necessidades e construção de uma metodologia que se alinhe ao contexto, desafios e potencialidades dos territórios e dos empreendedores da periferia, valorizando também as experiências de vida dos participantes e os saberes locais (entrevistados E1 & E10).
Quando se trata da trilha formativa, os entrevistados enfatizaram sobre a importância de uma abordagem de conteúdos que promova o reconhecimento da pessoa empreendedora como agente de impacto social, o autoconhecimento, por meio da reflexão sobre comportamento e crenças limitantes, e o fortalecimento da autoestima e percepção sobre o potencial de seus negócios. Também deve ser utilizado referências e exemplos relevantes para os empreendedores da periferia reduzindo a distância entre os conteúdos e a realidade dos territórios periféricos (entrevistados E5, E11, E12 & E14).
A adaptação metodológica dos programas de empreendedorismo social pode ser interpretada como um mecanismo para a promoção da inclusão e da equidade, além de reforçar práticas alinhadas à justiça social. A inclusão não se limita à presença física dos indivíduos nos programas, mas está relacionada à adaptação dos programas para múltiplas necessidades e contextos dos empreendedores da periferia para efetiva participação e senso de pertencimento no processo formativo (Voltolini, 2018).
Uma trilha formativa que promova o reconhecimento da identidade social, a autoestima e a valorização da potência dos territórios periféricos alinha-se diretamente nas dimensões da justiça social. O fortalecimento da identidade social positiva dos participantes amplia o engajamento e potencializa os impactos do programa, sobretudo quando os conteúdos estimulam o autoconhecimento, a consciência crítica e o protagonismo dos empreendedores da periferia como agentes de mudança (Pereira & Ramos, 2021; Pessanha, 2019).
A aplicação do conceito de interseccionalidade também se revela fundamental na construção de trilhas formativas, ao permitir que as metodologias considerem as sobreposições de raça, gênero, território e classe como determinantes nas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento (Franquini, 2019). Quando essas variáveis são integradas ao desenho do percurso formativo cria-se um ambiente de aprendizagem mais inclusivo, dialógico e transformador.
As metodologias adaptadas precisam ser compreendidas como mecanismos de inclusão com potencial de transformação estrutural no ecossistema de impacto, por meio da escuta ativa, respeito às particularidades e diálogo entre saberes locais, essas trilhas formativas contribuem para romper barreiras educacionais e simbólicas que historicamente excluíram os grupos minorizados dos espaços formais de desenvolvimento.
Diversidade na equipe e representatividade
A diversidade na equipe e representatividade foi amplamente discutido, destacou-se que a promoção da diversidade não deve se limitar apenas aos critérios de seleção e priorização por empreendedores participantes de grupos minorizados, mas estar presente em toda a estrutura dos programas, desde a equipe gestora até os mentores e facilitadores, criando ambientes inclusivos, acolhedores e inspiradores, onde os empreendedores se sintam reconhecidos e representados (entrevistados E4, E5 & E12).
Para a presença de profissionais diversos na equipe e na tomada de decisões, observa-se como relevante que as organizações desenvolvam políticas de recrutamento, seleção e desenvolvimento de carreira para a contratação e ascensão em cargos de liderança de pessoas negras, periféricas, mulheres e de outros grupos minorizados. A equipe diversa reflete em um entendimento da realidade da periferia e olhar empático, o que possibilita a construção de programas alinhados aos desafios e necessidades dos empreendedores da periferia, gerando conexões mais genuínas entre a equipe e os empreendedores apoiados pelo programa (entrevistados E4, E6 & E12).
O desenvolvimento de uma equipe diversa em programas de empreendedorismo social atua como um mecanismo simbólico e operativo de justiça social, ao contribuir simultaneamente para a redistribuição de oportunidades profissionais, o reconhecimento de identidades sociais e a ampliação da representação nos espaços decisórios (Pereira & Ramos, 2021; Pitkin, 1967).
Sob a ótica da Teoria da Representatividade Simbólica, a inserção de pessoas negras, mulheres, moradores de territórios periféricos, pessoas com deficiência e de outros grupos minorizados em posições de liderança comunica uma mensagem pública de pertencimento e validação social (Pitkin, 1967). Essa presença visível não apenas amplia a identificação e o engajamento dos participantes com o programa, como também atua diretamente no fortalecimento da autoestima e da identidade social positiva dos empreendedores da periferia apoiados (Pereira & Ramos, 2021).
A diversidade na equipe também reforça o princípio de inclusão ao possibilitar uma escuta qualificada e um entendimento mais profundo das realidades vividas pelos empreendedores da periferia, além de se relacionar ao princípio de equidade, na medida em que a inclusão de profissionais de grupos minorizados nas estruturas organizacionais contribui para a distribuição mais justa de poder, renda e prestígio simbólico no ecossistema de impacto (Voltolini, 2018). Além disso, ao internalizar políticas de recrutamento e ascensão profissional voltadas à equidade racial, de gênero e territorial, os dinamizadores de impacto deixam de ser apenas promotores externos de diversidade e se tornam agentes institucionais comprometidos com a transformação de suas próprias estruturas.
Recomendações de mecanismos de inclusão de empreendedores da periferia
Para além das práticas adotadas pelas organizações da amostra da pesquisa, e a partir das suas vivências no ecossistema de impacto social, os entrevistados recomendaram mecanismos para mitigar a desigualdade social, racial e de gênero e ampliar a participação de empreendedores sociais da periferia nos programas de empreendedorismo social. Os temas recorrentes foram identificados, agrupados e analisados em três mecanismos, que são apresentados a seguir:
Redes para Conexão com o Mercado
O mecanismo mais recomendado pelos entrevistados foi a criação e o fortalecimento de redes de apoio para conectar empreendedores da periferia com potenciais clientes, investidores e outros atores do ecossistema. Os entrevistados ressaltaram que a conexão com o mercado é fundamental para a sobrevivência e sucesso dos negócios da periferia, contribuindo diretamente para a ampliação de oportunidades de venda, geração de renda e desenvolvimento dos negócios, pois os empreendedores da periferia não têm as mesmas redes de contato que empreendedores de fora da periferia (entrevistados E2, E4, E6, E8, E9, E12, E13 & E14).
A criação e o fortalecimento de redes para conexão com o mercado configuram-se como um mecanismo de inclusão central que deve ser deliberadamente promovido por programas de empreendedorismo social que reconhecem o papel estruturante da conexão para o desenvolvimento econômico e sustentável de negócios de impacto da periferia. Para além do acesso a clientes e investidores, essas redes representam oportunidades de ampliação do capital social, visibilidade e reconhecimento no ecossistema de impacto, aspectos frequentemente negados a indivíduos pertencentes a grupos minorizados (Franquini, 2019).
A justiça social envolve não apenas a redistribuição, mas também o reconhecimento e a representação das pessoas nos espaços sociais e econômicos. Dessa forma, a conexão de empreendedores da periferia com o mercado é um mecanismo para a redistribuição de oportunidades, reconhecimento e pertencimento, que amplia a visibilidade, legitima saberes e fortalece identidades sociais em ambientes de decisão, negócios e parcerias, espaços nos quais a presença de empreendedores de grupos minorizados tem sido reduzida ou subutilizada (Baggio et al., 2019; Pereira & Ramos, 2021).
Apoio Psicológico
Os aspectos psicológicos podem afetar o desempenho e resultados dos empreendedores, sobretudo os empreendedores da periferia que enfrentam desafios emocionais significativos causados pelas desigualdades sociais no ecossistema de impacto, falta de rede de apoio, impacto emocional do racismo, peso da necessidade de retorno imediato do negócio e expectativas familiares que o negócio possibilitará a geração de renda e transformação das suas realidades financeiras, entre outros fatores. Diante desse cenário, os entrevistados destacaram a importância do apoio psicológico para empreendedores da periferia e recomendaram que o suporte emocional se torne parte integrante dos programas de empreendedorismo social (entrevistados E2, E5 & E14).
A inclusão, neste sentido, é compreendida como um processo que reconhece as múltiplas necessidades dos participantes, considerando que as barreiras à permanência e ao desenvolvimento dos empreendedores da periferia não são apenas de acesso a recursos, apoio e oportunidades, mas também emocionais. O apoio psicológico é uma estratégia de acolhimento e de cuidado que fortalece o senso de pertencimento e reduz o sentimento de inadequação muitas vezes vivido por empreendedores da periferia que não se enquadram no estereótipo dominante do perfil empreendedor, geralmente associado a homens brancos de classes mais altas (Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto; Quintessa et al., 2020).
A necessidade desse tipo de suporte se intensifica quando analisada sob a perspectivas da interseccionalidade, pois indivíduos atravessados simultaneamente por marcadores sociais de desigualdade, como raça, gênero, território e classe, enfrentam pressões emocionais mais severas (Franquini, 2019). Os programas de empreendedorismo social que ignoram esses atravessamentos tendem a reproduzir lógicas meritocráticas que culpabilizam o indivíduo por desistências e baixos desempenhos, em vez de oferecer estruturas de apoio adequadas à sua realidade.
Do ponto de vista da justiça social, o apoio psicológico atende tanto à dimensão da redistribuição, ao garantir condições de permanência, de reconhecimento, ao validar emocionalmente as trajetórias dos empreendedores da periferia e combater estigmas internalizados ao longo de suas vidas, e de representatividade, na medida em que contribui para que esses empreendedores se sintam legitimados a ocupar espaços de decisão e protagonismo (Pereira & Ramos, 2021).
Quando institucionalizado nos programas de empreendedorismo social como um serviço regular, o apoio psicológico configura-se como um mecanismo de inclusão que fortalece a permanência, o engajamento e a autonomia dos empreendedores da periferia. Ao reconhecer que a saúde mental é também uma dimensão da equidade, os programas reafirmam o compromisso com práticas transformadoras e com um ecossistema de impacto mais humanizado e inclusivo.
Políticas Públicas de Empreendedorismo
Por fim, os entrevistados recomendaram o fomento e implementação de políticas públicas de empreendedorismo para o desenvolvimento e fortalecimento de negócios e empreendedores da periferia (entrevistados E3, E8, E12 & E13). Os entrevistados E8 e E12, apontaram a necessidade de políticas diferenciadas para lidar com a interseccionalidade e as múltiplas vulnerabilidades de empreendedores da periferia. Já o entrevistado E13 recomenda políticas com foco no desenvolvimento de estratégias de crédito facilitado e de redução de barreiras de acesso ao mercado para empreendedores da periferia.
Essa recomendação constitui um vetor estratégico para a promoção da justiça social em seus três pilares: redistribuição, reconhecimento e representação (Pereira & Ramos, 2021). No contexto brasileiro, em que as desigualdades sociais são historicamente marcadas por estruturas racializadas, territoriais e de gênero, é imperativo que políticas públicas de empreendedorismo atuem de forma intencional para romper barreiras sistêmicas e fomentar a autonomia econômica de grupos minorizados (Franquini, 2019).
As políticas públicas devem contribuir para o reconhecimento das identidades e saberes locais como legítimos e valiosos e fortalecimento da autoestima coletiva (Pereira & Ramos, 2021). Para tal, é estratégico a efetiva representação de pessoas de grupos minorizados nos processos de formulação e avaliação de políticas, por meio de conselhos, comitês e mecanismos de escuta qualificada, visando ampliar a legitimidade das ações estatais e contribuir para a construção de um ecossistema mais democrático e inclusivo.
A equidade deve ser outro princípio orientador destas políticas públicas, visando garantir que diferentes grupos sociais tenham acesso não apenas aos mesmos recursos, mas a recursos apropriados às suas realidades, como crédito facilitado e capacitação adaptadas ao contexto sociocultural dos empreendedores da periferia. A promoção da equidade exige uma atuação estatal que reconheça desigualdades históricas e construa caminhos para sua superação (Voltolini, 2018).
As políticas públicas estruturadas podem funcionar como mecanismos de inclusão ao institucionalizar práticas que garantam acesso a oportunidades, reduzam barreiras de entrada e promovam a permanência e o sucesso de negócios da periferia. Para isso, indica-se a importância do Estado atuar em articulação com organizações da sociedade civil, universidades e dinamizadores de impacto, formando redes de apoio que operem em múltiplos níveis e escalas.
Síntese do Conhecimento
A análise dos resultados evidenciou que práticas estruturadas de diversidade e inclusão em programas de empreendedorismo social são fundamentais para mitigar desigualdades socioeconômicas enfrentadas por empreendedores de grupos minorizados, especialmente os oriundos de territórios periféricos. A partir da pesquisa com profissionais atuantes em dinamizadores de impacto, foi possível identificar mecanismos de diversidade e inclusão que operam em dimensões estruturais, como critérios de seleção com foco na diversidade, apoio financeiro e metodologias adaptadas, e em dimensões simbólicas, como a diversidade da equipe gestora, fortalecimento da identidade social positiva e promoção de redes de conexão.
Os dados sugerem que estratégias como a adoção de critérios de seleção sensíveis a marcadores sociais, a disponibilização de recursos financeiros não reembolsáveis, a adaptação linguística e metodológica das trilhas formativas e a presença de equipes representativas, amplia a efetividade dos programas em termos de acesso, permanência e engajamento dos empreendedores da periferia. Além disso, práticas como o apoio psicológico e a implementação de políticas públicas emergem como dimensões complementares e necessárias para a promoção da equidade.
A análise também revela que a efetividade desses mecanismos está atrelada à capacidade das organizações em reconhecer e agir sobre as dinâmicas interseccionais que atravessam os empreendedores participantes, rompendo com abordagens universalistas e promovendo práticas intencionais de justiça social. Em síntese, os resultados reforçam a necessidade de uma atuação integrada, que articule ações concretas com transformações simbólicas, ampliando as possibilidades de construção de ecossistemas de impacto mais diversos, equitativos e inclusivos.
Dessa forma, a Tabela 2 sintetiza os principais resultados encontrados nesta pesquisa, seus objetivos e potenciais impacto na jornada dos empreendedores de grupos minorizados e no ecossistema de impacto social.
Considerações finais
Em termos gerais, os resultados obtidos nesta pesquisa evidenciam que os programas de empreendedorismo social que incorporam mecanismos estruturados de diversidade e inclusão apresentam maior potencial para mitigar desigualdades e ampliar a participação de empreendedores da periferia. A análise dos dados coletados permite uma reflexão aprofundada sobre práticas de diversidade, inclusão, equidade e justiça social e os resultados obtidos demonstram que, para além de princípios normativos, tais valores demandam mecanismos de inclusão concretos, como critérios de diversidade, apoio financeiro e metodologias adaptadas, que permitam a real participação de empreendedores de grupos minorizados.
Os resultados da pesquisa mostram que 93% dos entrevistados afirmaram que suas organizações adotam práticas e mecanismos para promover a diversidade e inclusão, o que reflete um avanço significativo em relação à conscientização sobre a importância desses temas no ecossistema de impacto. No entanto, a implementação dessas práticas ainda enfrenta desafios, especialmente no que diz respeito à interseccionalidade, as sobreposições entre raça, gênero, território e classe geram experiências específicas de exclusão e de múltiplos atravessamentos que influenciam a trajetória dos empreendedores da periferia, o que requer a criação de mecanismos e políticas integradas e multifacetadas para garantir que empreendedores da periferia se sintam pertencentes e valorizados no ecossistema de impacto social (Franquini, 2019).
A análise das práticas implementadas nos programas pesquisados demonstra que critérios de diversidade nos processos de seleção são uma estratégia efetiva para a priorização de empreendedores de grupos minorizados, como mulheres, população negra e indígena, e residentes de territórios periféricos. Essa prática está alinhada com o conceito de equidade ao reconhecer a necessidade de diferentes níveis e tipos de apoio, recursos e oportunidades para proporcionar a inclusão de pessoas de grupos minorizados, ampliando o acesso de empreendedores da periferia (Voltolini, 2018). Essa abordagem rompe com modelos universalistas e meritocráticos que desconsideram os efeitos da exclusão sistêmica e responde à necessidade de redistribuição de oportunidades como princípio da justiça social.
Recomenda-se que a prática de priorização por pessoas de grupos minorizados não seja adotada apenas na seleção dos empreendedores participantes, mas em toda a estrutura do programa, desde a equipe gestora até os mentores e facilitadores. A presença de profissionais diversos na equipe reflete um entendimento mais profundo da realidade da periferia e contribui para a construção de programas alinhados aos desafios e necessidades dos empreendedores, fomentando a justiça social por meio da redistribuição de oportunidades profissionais, o reconhecimento de identidades sociais e a ampliação da representação nos espaços decisórios (Pereira & Ramos, 2021). Essa prática está em sintonia com a ideia de que a diversidade, inclusão, equidade e justiça social devem ser integradas em todas as etapas do processo, desde a concepção até a execução dos programas, e fortalece o compromisso dos dinamizadores de impacto com a transformação de suas próprias estruturas.
A metodologia e trilha formativa adaptadas à realidade dos empreendedores periféricos foram destacadas como boas práticas que também se alinham aos desafios e necessidades dos empreendedores da periferia e possibilita a ampliação de senso de pertencimento e engajamento nos programas de empreendedorismo social. Essa abordagem valoriza e reconhece as experiências de vida e saberes locais, permitindo que os empreendedores da periferia se sintam reconhecidos, fortalece a construção de identidades sociais positivas e reduz a distância entre os conteúdos do programa e a realidade dos territórios periféricos (Pereira & Ramos, 2021).
Outro aspecto relevante discutido pelos entrevistados foi o apoio financeiro e infraestrutura, evidenciando que apenas a ampliação do acesso aos programas de empreendedorismo social não é suficiente para garantir a permanência e o sucesso dos empreendedores da periferia. A pesquisa mostrou que programas que oferecem recursos financeiros a fundo perdido, investimento de capital semente e bolsas de subsídio são fundamentais na criação de condições para que os empreendedores de grupos minorizados possam se dedicar integralmente aos seus negócios, funcionando como mecanismos institucionais de inclusão. Essa discussão ressoa com a ideia de que a inclusão e a equidade devem ser acompanhadas de mecanismos concretos que corrijam as desigualdades históricas entre grupos minorizados e grupos dominantes (Franquini, 2019).
As recomendações apresentadas pelos entrevistados, como a criação de redes para conexão com o mercado, apoio psicológico e políticas públicas de empreendedorismo, complementam os mecanismos de inclusão mapeados e apontam para a necessidade de uma ação coordenada entre diferentes setores, organizações da sociedade civil, setor público e iniciativa privada. A criação de redes para conexão com o mercado é especialmente importante para romper com o isolamento estrutural dos empreendedores da periferia, atuando como instrumento de redistribuição de oportunidades, mecanismo de inserção econômica estruturada, visibilidade e reconhecimento para corrigir desigualdades sistêmicas de acesso a capital e ambientes de decisão, negócios e parcerias (Pereira & Ramos, 2021).
O apoio psicológico emergiu como um mecanismo essencial para o desenvolvimento dos empreendedores da periferia, devido ao impacto emocional da desigualdade social, instabilidade financeira, falta de rede de apoio e racismo estrutural. O suporte psicológico precisa ser entendido como um mecanismo de inclusão e equidade para acolhimento e cuidado da saúde mental que ajuda os empreendedores da periferia a lidarem com desafios emocionais e fortalece a permanência, engajamento e autonomia nos programas de empreendedorismo social. Essa recomendação reflete a necessidade de abordar não apenas as barreiras estruturais, mas também as barreiras emocionais que afetam os empreendedores da periferia.
Os entrevistados recomendaram também o fomento e implementação de políticas públicas de empreendedorismo voltadas para o desenvolvimento e fortalecimento de negócios e empreendedores da periferia. Essas políticas devem considerar a interseccionalidade e as múltiplas vulnerabilidades enfrentadas por esses empreendedores e promover o acesso facilitado ao crédito, reduzir barreiras burocráticas e estimular a atuação de dinamizadores de impacto em territórios de vulnerabilidade. Essa recomendação está alinhada com a ideia de que os mecanismos institucionais de inclusão só se tornam sustentáveis quando há suporte estrutural e corresponsabilidade do poder público.
Os resultados da pesquisa dialogam fortemente com os referenciais teóricos apresentados, demonstrando que a promoção de diversidade e inclusão não se resume a diretrizes normativas e práticas de acesso, mas exige recursos alocados, escuta ativa, compromisso institucional com a transformação das estruturas de desigualdade e construção de estruturas de suporte baseadas na justiça social e seus princípios de redistribuição de recursos, reconhecimento e representação (Pereira & Ramos, 2021). A pesquisa reforça a ideia de que a diversidade não deve ser vista apenas como uma questão de justiça social, mas também como um fator estratégico para o desenvolvimento de soluções inovadoras e sustentáveis para os desafios sociais e ambientais e para a ampliação de possibilidades de geração de impacto positivo, sustentabilidade dos negócios da periferia e fortalecimento dos territórios mais vulnerabilizados.
Em termos de contribuição prática, este estudo contribui para o campo do empreendedorismo social ao ampliar o debate sobre a importância da diversidade e da inclusão no ecossistema de impacto social, fornecendo uma análise empírica sobre práticas efetivas de diversidade e inclusão e apresentando insights e recomendações para fortalecer programas voltados a grupos minorizados. Os achados desta pesquisa têm aplicabilidade direta para organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto, que podem utilizar este mapeamento como um guia prático para a formulação de editais, seleção de participantes, desenho de trilhas formativas e composição de equipes diversas.
No entanto, algumas limitações foram observadas, como o fato de que a amostra de entrevistados, embora representativa, se concentrou em profissionais atuantes em organizações dinamizadoras do ecossistema de impacto (dinamizadores de impacto), o que pode limitar a generalização dos resultados para outros contextos. Ainda que a pesquisa tenha fornecido importantes insights, estudos futuros poderiam aprofundar a análise a partir da perspectiva dos próprios empreendedores da periferia, permitindo uma compreensão mais abrangente de seus desafios e necessidades.
Além disso, futuros estudos podem explorar a interseccionalidade de forma mais aprofundada, considerando como diferentes marcadores sociais, como gênero, raça, classe e território, se sobrepõem e influenciam as experiências dos empreendedores da periferia. Outro caminho promissor seria investigar o papel e efetividade das políticas públicas no fomento ao empreendedorismo social em periferias, bem como avaliar o impacto de programas com diferentes mecanismos de suporte governamental na trajetória e sustentabilidade dos negócios de impacto da periferia.
Por fim, este estudo reforça a importância da diversidade e inclusão no ecossistema de impacto e destaca a necessidade da implementação intencional de estratégias e esforços contínuos para que os programas de empreendedorismo social se tornem espaços verdadeiramente equitativos. Para que tais programas cumpram seu papel de catalisadores de transformação social, os achados deste estudo sugerem que é relevante a adoção de mecanismos que não apenas ampliem o acesso, mas também garantam condições reais para que empreendedores da periferia transformem as suas realidades, prosperem e fortaleçam seus territórios.
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