Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Acidentes de trabalho: percepção do adolescente
Accidentes en el Trabajo: percepción del adolescente
Accidents at work: perception of the adolescent
Enfermería Actual de Costa Rica, núm. 36, pp. 79-94, 2019
Universidad de Costa Rica, Escuela de Enfermería

Artículo


Recepção: 19 Junho 2018

Aprovação: 20 Outubro 2018

DOI: 10.15517/revenf.v0i36.33657

RESUMO: Pesquisa que objetivou analisar a vivência de adolescentes trabalhadores acerca de acidentes de trabalho. Tratase de um estudo qualitativo com intervenção educativa, realizada em uma escola estadual, com 19 adolescentes que desempenhavam atividade laboral, com idades entre 14 e 18 anos. Para a coleta de dados utilizou-se um questionário e roteiro de entrevista aplicado em duas etapas, antes e após a intervenção por meio de rodas de conversa. Os dados foram analisados com base na análise de conteúdo temática de Bardin (2011) que permitiu identificar a vivência dos adolescentes sobre acidentes no trabalho no que se refere ao comportamento de risco e pensamento mágico, além de demonstrar sua percepção sobre o tema a partir da experiência nas rodas de conversa. Conclui-se que este trabalho é importante para os adolescentes, pois oportunizou a construção de um novo conhecimento acerca dos riscos de acidentes de trabalho ao qual possam estar expostos e assim tomar decisões acerca do cuidado com a sua saúde.

Palavras-chave: accidentes-de-trabalho, adolescente, prevenção-de-acidentes.

RESUMEN: Esta investigación tuvo como objetivo analizar la vivencia de adolescentes trabajadores sobre accidentes de trabajo. Se trata de un estudio cualitativo con intervención educativa, realizado en una escuela estatal, con 19 adolescentes que desempeñan actividad laboral, con edades entre 14 y 18 años. Para la recolección de datos se utilizó un cuestionario y una entrevista aplicada en dos etapas, antes y después de la intervención a través de ruedas de conversación. Los datos se analizaron con base en el análisis de contenido temático de Bardin (2011) lo que permite identificar la vivencia de los adolescentes en accidentes en el trabajo en lo que se refiere al comportamiento de riesgo y el pensamiento mágico; además, de demostrar su percepción en el tema a partir de la experiencia en las ruedas de conversación. Se concluye que este trabajo es importante para los adolescentes, pues se creó la construcción de un nuevo conocer sobre los riesgos de accidentes de trabajo al cual puedan estar expuestos y así, poder tomar decisiones sobre el cuidado con su salud.

Palabras clave: accidentes-de-trabajo, adolescente, prevención-de-accidentes.

ABSTRACT: The objective of this research was to analyze the experience of adolescent workers about work accidents. It is a qualitative study with educational intervention, carried out in a state school, with 19 adolescents who work, with ages between 14 and 18 years. For data collection, a questionnaire and an interview applied in two stages were used, before and after the intervention through conversation wheels. The data was analyzed based on the thematic content analysis of Bardin (2011), which allows identifying the experience of adolescents in accidents at work in terms of risk behavior and magical thinking; in addition, to demonstrate his perception in the subject from the experience in the conversation wheels. It is concluded that this work is important for adolescents, because it created the construction of a new knowledge about the risks of work accidents to which they may be exposed and thus, be able to make decisions about the care with their health.

Keywords: accident-prevention, teenager, work-accidents.

Introdução

A adolescência caracteriza-se como um período de transformação entre a vida infantil para a adulta, em que acontecem intensas e profundas mudanças, físicas, biológicas, psíquicas e sociais. São considerados adolescentes segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) sujeitos que estão na faixa etária de 10 a 19 anos e segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), entre 12 e 18 anos 1),(2.

Observa-se que nesse período, é comum ocorrer a inclusão do adolescente no mercado de trabalho. Porém, quando estes desenvolvem atividade laboral com funções de riscos e sem nenhum treinamento, há repercussões desfavoráveis em sua saúde, podendo ocasionar doenças e acidentes que, muitas vezes, resultam em séquelas 3.

As causas referentes aos Acidentes de Trabalho (AT) neste grupo etário podem estar associadas à imaturidade, desatenção, circunstâncias inadequadas do trabalho, falta de prevenção e o não uso de equipamentos de segurança 4.

O comportamento de risco para AT nessa população podem estar relacionado a algumas características psicológicas comuns à adolescência. Onde observam-se atitudes de conduta contraditórias e sensação de estar protegidos de qualquer evento. Permitindo-nos compreender melhor este período da vida, o qual alguns adolescentes sentem o desejo de vivenciar o novo e expor-se ao risco 5.

Em algumas regiões do Brasil, o trabalho pode ser visto culturalmente como forma de retirar os adolescentes da rua e com objetivo de evitar possíveis envolvimentos com a delinquência e criminalidade. O trabalho também tem o intuito de tornar o adolescente mais responsável e contribuinte da renda familiar 6.

De acordo com os dados do “Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, há 3,4 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de idade trabalhando no Brasil”. Torna-se importante ressaltar o que significa esta atividade laboral na vida do adolescente, visto que essa diminui o tempo disponível para o lazer, a família e a educação 7.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) configura como proibido o trabalho aos adolescentes menores que 14 anos, sendo que entre 14 e 16 anos as atividades laborais são permitidas em regime de aprendiz, e, acima de 16 anos o trabalho é lícito no Brasil, desde que seus direitos trabalhistas e previdenciários sejam respeitados 2.

Porém, observa-se que muitos adolescentes executam atividade laboral na informalidade, sem nenhuma vigilância, sujeito a funções que podem gerar transtornos em sua saúde 3), (4.

Dados referentes ao ano de 2013, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), registraram 24.401 ocorrências de acidentes no emprego com jovens de até 19 anos, sendo 77,57% homens. Contudo sabe-se que há subnotificações nessa faixa etária, relacionada possivelmente, ao emprego informal 3),(8.

Nesse sentido, é importante ressaltar que as consequências de um acidente laboral na vida de um adolescente podem acarretar em agravos e sequelas permanentes em sua saúde, como incapacidades, limitações funcionais, morte entre outros que podem modificar seu futuro. No entanto, estes transtornos podem ser evitados através de ações de prevenção como programas educativos 3),(4.

Em função disso, faz-se necessário um programa educativo e preventivo, a fim de se evitar que adolescentes sofram AT. O processo educativo se verifica quando o que se foi ensinado resulta em aprendizado, tornando o aprendiz capaz de recriar e refazer o ensinado. Sendo assim, a roda de conversa, uma modalidade de prática educativa, que possibilita o exercício do pensar compartilhado, permite que os presentes reflitam sobre suas experiências transformando o conhecimento adquirido em prática 9),(10.

Assim acredita-se que investigar a vivência de adolescentes que exercem atividade laboral, no que se refere ao acidente sinalizou para medidas de proteção e minimização destes. Aliado a isso esta pesquisa possui relevância, pois permitiu aos adolescentes que vivenciaram as rodas de conversa, intervenção realizada durante a coleta de dados, uma reflexão acerca dos riscos que estão expostos e como minimizá-los.

Considerando o exposto, o estudo teve como objetivo analisar a vivência de adolescentes trabalhadores acerca de acidentes de trabalho.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo qualitativo, com intervenção, realizado em uma escola estadual de um município do centro oeste de Minas Gerais. Participaram na primeira etapa do estudo 19 adolescentes e na segunda e terceira etapa 18. Um adolescente abandonou a escola para trabalhar em tempo integral. Os critérios de inclusão dos participantes incluem alunos que desempenham atividade laboral renumerada há, no mínimo, 6 meses realizada no setor formal ou informal, com faixa etária de 10 a 19 anos regularmente matriculados na escola cenário. E os que apresentaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE assinado pelos pais, juntamente com o Termo de Assentimento assinado pelo adolescente, os participantes com 18 ou 19 anos, somente apresentaram o TCLE assinado por eles. A coleta de dados foi composta por três etapas, sendo todas no ambiente escolar, em ambiente privativo, no horário de aula, no qual o aluno se encontrava (Figura 1). A primeira etapa da pesquisa constou da aplicação de um questionário (Q1) contendo 28 questões com informações sobre os dados pessoais, socioeconômicos e anamnese ocupacional. Neste momento também foi realizada uma entrevista utilizando-se um roteiro semiestruturado, com perguntas sobre a percepção do adolescente sobre acidentes de trabalho, suas causas, como evitá-los.

Na segunda etapa, foi realizada a intervenção que aconteceu por meio de três rodas de conversa. Esta é um processo educativo no qual o educador aprende enquanto ensina pelo diálogo de seus educandos, por meio do pensar compartilhado, onde ambos refletem criticamente, contrapondo o modelo tradicional onde o educador é detentor do conhecimento e tem a função apenas de transmitir. Além disso, esse método educativo possibilita a participação dos presentes e fortalece o vínculo grupal, forte característica da adolescência.

Para guiar as rodas de conversa seguiu-se a abordagem da relação dialógica em Pedagogia do Oprimido proposta por Paulo Freire9, que preconiza o diálogo como forma de aprendizagem e reflexões, possibilitando que o individuo construa sua própria história. Os temas das rodas de conversa foram sobre conceito de acidentes de trabalho, identificação de fatores de riscos e prevenção de acidentes, sendo uma roda por semana. Todas elas foram gravadas e posteriormente construiu-se narrativas 11.

A terceira etapa ocorreu uma semana após a intervenção, onde realizou-se nova entrevista, utilizando-se o mesmo roteiro semiestruturado da primeira etapa, porém com perguntas adicionais a respeito da avaliação do adolescente acerca das rodas de conversa. Todas as entrevistas foram gravadas, usando o aplicativo Smart Voice Recoder versão 2.3, baixado pelo android no celular.

Para garantir o anonimato, os adolescentes participantes da pesquisa foram nomeados com nomes de personagens adolescentes de filmes juvenis da atualidade, como Harry Potter, Hermione, Percy Jackson.

A análise dos dados obtidos nas entrevistas e durante a intervenção seguiu a orientação de Bardin (2011). Foi feita análise temática de conteúdo, respeitando os seguintes passos: pré-análise, leitura exaustiva e identificação de núcleo de sentidos que agrupados permitiram identificar categorías 12.

Os dados oriundos do questionário como sexo, idade, renda familiar, entre outros foram analisados a partir de estatística descritiva, através do programa Microsoft Excel.

Com a construção das categorias os resultados interpretados foram discutidos a partir de literatura sobre o tema.

Considerações éticas

A pesquisa foi autorizada pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade Federal de São Del Rei Campus Dona Lindu, CAAE: 38850314.5.0000.5545.


Figura 1-
elaboração própria
Fonte: Desenho do Estudo

Resultados

Os participantes estavam na faixa etária de 14 a 18 anos e cursavam ensino médio no período matutino em uma escola do município de um centro oeste de Minas Gerais no ano de 2015.

A maioria dos participantes é homem (13), possuem vínculo empregatício (11) no setor formal, 11 declararam renda familiar de 1 a 3 salários mínimos e contribuem com o orçamento doméstico.

Sobre ter recebido treinamento para o trabalho, a maioria dos adolescentes (10) disse que não recebeu instrução. Referente ao uso de algum equipamento de segurança individual 12 respondeu não utilizar.

Entre os participantes do estudo, 4 relata já ter sofrido algum tipo de acidente ou doença decorrente do trabalho e 18 deles disseram gostar do serviço. A (Tabela 1) apresenta as características dos participantes do estudo.

Tabela 1
Características dos participantes do estudo, Divinópolis, MG, Brasil, 2015. (Frequências absolutas = fi, n=19)

A análise das entrevistas foi composta por 18 adolescentes trabalhadores que compareceram na terceira etapa, esta permitiu identificar a vivência dos adolescentes sobre acidentes no trabalho no que se refere ao comportamento de risco e pensamento mágico, além de demonstrarem sua percepção sobre o tema a partir da experiência nas rodas de conversa. Tal análise resultou em 3 categorias, sendo: comportamento de risco para acidentes de trabalho, pensamento mágico sobre acidentes de trabalho e percepção sobre acidentes de trabalho construída a partir das rodas de conversa.

Comportamento de risco para acidentes de trabalho

Em seus discursos, os adolescentes relataram o que pensam sobre o comportamento de risco para acidentes de trabalho, principalmente no que se refere à falta de atenção nas atividades e ao descumprimento de regras.

Nesse sentido, foi possível identificar a falta de atenção nas atividades laborais. Segundo os participantes, o comportamento acidental está associado à desatenção que pode ocorrer durante as tarefas realizadas, seja por brincadeiras, distração ou descuidos relacionados ao uso de celular no ambiente de trabalho e conversas paralelas, como é possível verificar nos enunciados:

Ficar brincando no horário de serviço ao invés de estar concentrado no que tem que fazer. (Harry Potter)

Falta de atenção no que está fazendo, às vezes por está no celular não presta atenção. (Hermione)

Aconteceu acidente comigo por causa de distração... (Rony)

A análise apontou há um descumprimento de regras durante a execução do trabalho, onde os adolescentes afirmam que frequentemente não utilizam os equipamentos de segurança devido à rapidez da tarefa, desânimo, esquecimento, por causarem desconforto e por não terem o desejo de utilizar, como é possível verificar nos fragmentos de discurso:

Tem vez que fico com preguiça de pegar a luva, porque as vezes é só pegar um trem e passar para o outro lado. (Luke)

Comigo igual os dois falaram, um cortezinho pequeno, um quemadinho. Não estava utilizando as luvas, não gosto de usar luvas porque elas são meio duras. (Nico)

Na hora do serviço não entra na cabeça que tem que usar os equipamentos, a gente esquece, não quer usar. (Jazon)

Pensamento mágico sobre acidentes de trabalho

A sensação de invulnerabilidade, esse pensamento mágico de que nada vai acontecer consigo mesmo é uma característica da própria fase da adolescência, o que aumenta a chance da ocorrência de acidentes ocupacionais, somado ao fato do desconhecimento sobre acidentes de trabalho e prevenção. Os enunciados a seguir demonstram essa percepção:

[...] no meu trabalho eu mexo mais com papéis essas coisas assim, eu até não sei o que é para prevenir, porque lá não tem como acontecer. (Luna Lovegod)

Lá onde trabalho não tem perigo, não tem nada de mais. (Thyler)

[...] no meu serviço não tem riscos, a gente mexe mais com computador esses trens. (Margo)

Percepção sobre acidentes de trabalho construída a partir das rodas de conversa

A análise permitiu identificar que alguns estudantes desconsideravam os AT com consequências leves como sendo acidentes, reforçando a necessidade de instruções sobre AT. Após as rodas de conversa os adolescentes demonstram ter adquirido conhecimentos sobre o assunto, podendo ser verificado nos enunciados a seguir:

“No começo eu pensava que acidente de trabalho era só quando eu precisava ir ao médico”. (Percy Jackson)

[...] porque antes, já aconteceu um acidente comigo, um cortezinho assim, eu não sabia que era um acidente de trabalho. (Harry Potter)

[...] antes eu não sabia que um corte era um acidente de trabalho e que muitos pequenos acidentes geram grandes, foi de muita ajuda. (Dina)

O estudo evidenciou que as trocas de experiências entre os participantes nas rodas de conversa proporcionaram reflexões sobre a percepção do adolescente acerca do comportamento que pode gerar acidentes de trabalho, contribuindo para que os mesmos tomem atitudes e decisões para prevenção. Podemos perceber a contribuição do aprendizado neste espaço de diálogo nos enunciados a seguir:

Foi boa, porque a gente viu opiniões dos outros, viu como as outras pessoas pensam a respeito de acidente de trabalho. (Margo)

[...] tipo antes eu deixava faca no bolso, agachava sem nem mesmo pensar que poderia me cortar, descia a escada correndo, às vezes nem ia de tênis, ia de sapatilha mesmo. (Dina)

[...] me ensinou muitas coisas que eu não sabia, mostrou ali que às vezes até uma luva é eficiente, para estar fazendo aquele devido trabalho, para que não ocorra acidentes. (Anabeth)

Aprendi a prestar mais atenção, usar os equipamentos que tem que usar tomar cuidado sempre, descansar bem antes de trabalhar. (Rony)

[...] aprendi muita coisa sobre segurança no trabalho. Agora a gente sabe mais, presta mais atenção no serviço. (Luke)

[...] eu pensava que só de estar ciente do que eu estava fazendo e de ter prática bastante tempo, não poderia acontecer acidente comigo, mas eu vi que a qualquer momento você está sujeito a ter um acidente e o equipamento de segurança os EPIs é preciso mesmo, para te assegurar de problemas futuros e antes eu não pensava nisso, pensava que era bobagem, só mais uma lei”. (Jazon)

[...] foi uma maneira para eu adquirir mais conhecimento sobre o trabalho, como me prevenir, para não acontecer acidente comigo. (Harry Potter)

Discussão

Em relação às características dos participantes, os homens estão em maior proporção no mercado de trabalho, demostrando que eles inserem-se mais precocemente no meio laboral e desempenham ocupações com maior risco para acidentes ocupacionais como evidenciadas na presente investigação. Este resultado corrobora com outros estudos em que se identifica maior predominância do homem entre os adolescentes que trabalham, e que os mesmos desenvolvem funções de maior risco para acidentes devido ao perfil de emprego ofertados para homens 13),(14.

Ainda sobre características dos participantes da presente pesquisa, identificou-se uma grande parcela de adolescentes trabalhando na informalidade, sem nenhuma fiscalização. Resultados de um estudo 15 com adolescentes trabalhadores na faixa de 14 a 18 anos, evidenciaram que a maior parte dos acidentes ocorreu com participantes que não possuíam carteira assinada, demonstrando a necessidade de formalização do trabalho no sentido de se prevenir os AT.

A maioria dos adolescentes desta investigação informou contribuir na renda familiar e que o trabalho em sua vida possibilita independência financeira e ocupa o tempo ocioso. No entanto um estudo recente 16) refere que o trabalho precoce e a pobreza estão relacionados às questões de desigualdade social. Neste sentido, um estudo evidencia que indivíduos de classes econômicas médias e altas possuem chances de preparar-se e retardar sua entrada nas responsabilidades da vida adulta 17. Ao passo que a população com baixa renda pode ter a escolaridade prejudicada por ingressarem precocemente no mercado de trabalho. Nessa perspectiva a baixa escolaridade os submete a mão de obra que não exige qualificação e que fornece baixa renumeração, gerando um ciclo de pobreza, já vivenciado por seus pais. Nesse seguimento o estudo 18 destaca que trabalho na adolescência é complexo e que o principal determinante é a pobreza aliada a componentes secundários sendo eles a educação e a estrutura familiar. Portanto, pais com baixo nível de educação tem rendimento mensal insuficiente para assegurar o consumo de bens e serviços básicos para todos. Em relação à estrutura familiar, famílias chefiadas somente pelo pai ou pela mãe ou situação de desemprego são fatores que também justificam a entrada do filho no trabalho. Contudo, pesquisas justificam que as atividades laborais na adolescência podem representar uma experiência positiva e relevante, sobretudo, quando o púbere experimenta um processo de aprendizado, contribuindo para que ele desenvolva sentimentos de independência e alta valorização. E que também sejam asseguradas condições que possibilitam o exercício ocupacional sem prejuízo à saúde, escolaridade e lazer (19),(20.

Em relação aos acidentes de trabalho e doenças decorrentes, 4 alunos dessa amostra referiram ter sofrido essas situações, problemática essa, bastante preocupante, principalmente quando se trata dessa faixa etária em que a repercussão de um AT pode modificar completamente sua trajetória social. De fato, um estudo realizado na Província de Cusco (Perú), com 375 alunos trabalhadores situados na faixa etária de 10 a 17 anos, 72% referiram já ter sofrido lesões leves (cortes e abrasões), 3% relataram ter-se envolvido em lesões graves (amputações, luxação e fraturas) 21.

A análise desta pesquisa revelou os acidentes laborais relacionados ao comportamento de risco expresso pela distração ou descuido por estar brincando, conversando ou utilizando o celular no horário de trabalho. O crescente envolvimento dos adolescentes com as novas tecnologias influenciam seu padrão de comportamento, os celulares são vistos como atraentes por permitir fácil acesso ao meio externo, no entanto, pode-se tornar problemático quando se é utilizado em ambientes ocupacionais, pois estes podem causar distração, resultando em um acidente 22),(23. Sobre o fator descuido, pesquisa realizada em São Paulo, com 53 estudantes, sendo separados em dois grupos: 32 alunos com experiência laboral e 21 sem experiência demostrou que os adolescentes com experiência de trabalho relatam que os AT ocorrem devido ao descuido do trabalhador, correlacionando com o presente estudo, onde se verificou o mesmo resultado 24.

Ficou evidente nesta pesquisa a percepção dos adolescentes sobre o comportamento de risco frente ao descumprimento de regras. Uma pesquisa realizada com 312 adolescentes, 70 trabalhadores explicitaram ter se acidentado e afirmam a necessidade do uso de EPI no ambiente de trabalho, no entanto, a maioria não usa qualquer tipo de EPI 4. Ainda neste contexto a neurociência explica que a área do cérebro responsável pelo juízo, tomada de decisões e controle dos impulsos, no adolescente encontra- se em processo de maturação. Por isso, alguns indivíduos são impulsionados a correr riscos, sem nenhuma consciência do perigo iminente 25.

A análise permite inferir que o adolescente demonstra um pensamento mágico diante do AT. A sensação de invulnerabilidade, imortalidade e riscos à saúde são características muito fortes no adolescente, podendo agravar o risco para AT nessa faixa etária 5) ,(26. Nessa direção, um estudo sobre acidentes ocupacionais na adolescência relata que o gênero influência nessa sensação de onipotência ao afirmar que os meninos expõem-se a maior comportamento de risco para acidentes por apresentar características como ousadia perante a ameaça, imunidade frente ao perigo e intrepidez. Nesse aspecto, eles vivenciam ainda mais o pensamento mágico de risco para AT, tendo também um processo de socialização diferente das meninas 15.

A análise revela que os adolescentes reconstruíram sua percepção sobre AT após as rodas de conversa. Resultados semelhantes foram encontrados em uma pesquisa com 61 estudantes entre 14 e 15 anos, que participaram de um programa educativo sobre AT. Para avaliar o impacto do programa foi feita análise pareado de questionários aplicados em três etapas. Os resultados demostram que na segunda etapa dos 58 alunos que no início responderam incorretamente, 56 passaram a responder de forma correta27. Outro estudo realizado com meninas entre 10 a 19 anos, abordando o tema sobre gênero e sexualidade, evidenciou que o espaço das rodas de conversa possibilita que as participantes percebam-se como protagonistas de suas vidas e, por isso, capazes de questioná-las e reescrevê-las 28. Assim sendo, autores reafirmam a importância de utilizar as rodas de conversas como prática educativa, pois essa metodologia é um instrumento que permite o compartilhamento de experiências e o desenvolvimento de reflexão, e que a escola se torna um ambiente propício para se abordar vários assuntos referentes aos interesses dos alunos e dos profesores 29), (30), (31.

As rodas se mostraram realmente eficazes para ampliar o conhecimento destes adolescentes sobre AT e contribuíram para mudanças de comportamento conforme expresso na fala dos participantes envolvidos nesta investigação.

Conclusões

A responsabilização dos acidentes laborais atribuídos ao comportamento dos trabalhadores, deixa invisível as condições inseguras nos ambientes de trabalho, configurando-se de grande risco ao tratar do adolescente trabalhador. São necessárias ações para tornar o trabalho do adolescente mais seguro, além de estratégias que abrangam aspectos nutricionais, lazer e esportes, estratégias para minimizar a evasão escolar e rendimento escolar, pensando que estes se encontram em um processo de desenvolvimento biopsicossocial. Considerou-se este trabalho importante para os adolescentes, pois oportunizou a construção de um novo conhecimento acerca dos riscos de AT ao qual possam estar expostos e assim tomar decisões com o cuidado de sua saúde. É importante ressaltar que é necessário o favorecimento de mais espaços de diálogo no ambiente escolar, envolvendo não somente profissionais de saúde, mas os próprios educadores que estão em convívio diário com os alunos, para que ambos possam discutir assuntos diversos que envolvam o adolescente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Arias, MJF., Sanabria,VM. Educação para a saúde no início da adolescência para enfrentar mudanças físicas e emocionais. Revenf. 2018; 1.

Fernandes, RFM., Meincke, SMK., Soares, MC., Emília, M., Bueno, N., Corrêa, ACL., Alves, CN. Maternidade na Adolescência: Motivos para planejá-la. Rev enferm UFPE. 2017; 11(5): 1776-1782.

Pimenta AA, Freitas FCT, Mendes AMOC, Navarro VL, Robazzi MLCC. Acidentes de trabalho ocorridos entre adolescentes. Texto contexto - enferm. 2013; 22(2): 279-284.

Costa CPM, Oliveira DC, Gomes AMT, Pontes APM, Santos CCE. A ocorrência de acidentes de trabalho na adolescência e o uso de equipamentos de segurança. Rev enferm. 2012; 20(4): 423-428.

Silva, ACA., Andrade, MS., Silva, RS., Evangelista, TJ., Bittencourt, IS., Gilvânia Patrícia Paixão, GPN. Fatores de risco que contribuem para a ocorrência da gravidez na adolescência: revisão integrativa da literatura. Rev Cuid. 2013; 4(1): 531-539.

Torres CA, Paula PHA, Ferreira AGN, Pinheiro PNC. Adolescência e trabalho: significados, dificuldades e repercussões na saúde. Interface Comunic Saude Educ. 2010; 14(35): 839-850.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010: Mais de 3 milhões de crianças e adolescentes trabalhavam no Brasil. Rio de Janeiro : IBGE. 2012.

Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho. Brasília: Subseção A; 2013.

Freire P. Pedagogia do oprimido. 57 Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2014.

Bezerra ARR. Contribuições da pedagogia freireana à roda de conversa sobre textos literários. VIII Colóquio Internacional Paulo Freire. 2013 Set 19-21; Recife, Brasil. Campus UFPE: Pernambuco. 2013.

Cavalcante FG, Minayo MCS. Estudo qualitativo sobre tentativas e ideações suicidas com 60 pessoas idosas brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva. 2015; 20 (6): 1655-1666.

Bardin L. Análise de conteúdo. 7º Edição. São Paulo: Edições 70. 2011.

Resende MP, Cano MAT, Mauro MYC, Oliveira DCO, Marziale MHP, Robazzi MLCC. Ocupações exercidas por adolescentes e sua relação com a participação escolar. Act Paul Enferm. 2012; 25(6): 873-878.

Mota PT, Carvalho RLR, Duarte MEL, Rocha AM. Análise dos acidentes de trabalho do setor de atividade econômica comércio no município de Belo Horizonte. Rev Min Enferm. 2011; 15(3): 427-433.

Santos MEA, Mauro YC, Brito CG, Machado DC. Trabalho precoce e acidentes ocupacionais na adolescência. Esc Anna Nery. 2009; 13(4): 824-832.

Helal DH. Crianças e Adolescentes no Mercado de Trabalho Brasileiro: Padrões e Tendências. Pesq e Prát Psicossoc 2010; 5(1): 83-93.

Thomé LD, Telmo AQ, Koller SH. Inserção laboral juvenil: contexto e opiniões sobre definições de trabalho. Paidéia. 2010; 20(46): 175-185.

Mota TS. Uma análise dos determinantes do trabalho infantil no estado de Santa Catarina. Revista Necat. 2016; 5 (10): 97-124.

Sousa H, Frozzi D, Bardagi MP. Percepção de Aprendizes Sobre a Experiência do Primeiro Emprego. Psicol Ciênc e Prof. 2013; 33(4): 918-933.

Silva RDM, Trindade ZA. Adolescentes aprendizes: aspectos da inserção profissional e mudanças na percepção de si. Revista Brasileira de Orientação Profissional. 2013; 14(1): 73-86.

Schick C, Joachin M, Brinceño L, Moranga D, Radon k. Occupational injuries among children and adolescents in Cusco Province: a cross-sectional study. BMC Public Health. 2014; 14: 1-8.

Picon FA, Moreira LM, Spritzer DT. Dependência de tecnologia: o desenvolvimento de um website psicoeducativo. Rev Bras de Psicoterapia. 2012; 14(3): 18-24.

Balbanil APS, Krawczyk AL. Impacto do uso do telefone celular na saúde de crianças e adolescentes. Rev Paul Pediatr. 2011; 29(3): 430-436.

Nagai R, Lefèvre AMC, Lefèvre F, Steluti J, Teixeira LR, Zinn LCS, Soares NS, Fischer FM. Conhecimentos e práticas de adolescentes na prevenção de acidentes de trabalho: estudo qualitativo. Rev Saúde Públ. 2007; 41(3): 404-411.

Giedd JN. Maturação do cérebro adolescente. Enciclop sobre o Desenvolv na Prim Infânc. 2013:1-5.

Araújo TME, Carvalho KM, Monteiro RM. Análise da vulnerabilidade dos adolescentes à hepatite B em Teresina/PI. Rev Eletr Enf. 2012; 14(4): 873-882.

Lima MIM, Câmara VM. Uma metodologia para avaliar e ampliar o conhecimento de adolescentes do ensino fundamental sobre acidentes de trabalho. Cad Saúde Públ. 2002; 18(1): 115-120.

Sampaio J, Santos GC, Agostini M, Salvador AS. Limites e potencialidades das rodas de conversa no cuidado em saúde: uma experiência com jovens no sertão pernambucano. Comunic Saúde Educ. 2014; 18(2): 1299-1312.

Moura AF, Lima MG. A Reinvenção da Roda: Roda de Conversa: Um Instrumento Metodológico Possível. Rev Temas em Educação. 2014; 23(1): 98-106.

Melo MC, Cruz GC. Roda de Conversa: Uma Proposta Metodológica para a Construção de um espaço de Diálogo no ensino médio. Imag da Educ. 2014; 4(2): 31-39.

Gomes RMV, Câmara VM, Souza DPO. Modificação do conhecimento sobre acidentes de trabalho entre escolares residentes de uma área impactada por aterro sanitário. Rev Bras Epidemiol. 2016; 19(3): 632-644.



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por