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Fundamentos epistemológicos da ciência Didática: contribuições de Mikhail A. Danilov1
Epistemological foundations of the Didactic Science: Mikhail A. Danilov contributions
Fundamentos epistemológicos da ciência Didática: contribuições de Mikhail A. Danilov1
Educação Unisinos, vol. 20, núm. 2, pp. 234-244, 2016
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Recepção: 19 Julho 2014
Aprovação: 10 Setembro 2015
Resumo: O propósito deste artigo consiste em apresentar as principais contribuições do didata russo Mikhail A. Danilov (1899-1973) para a consolidação da Didática como ciência independente. Essas contribuições demarcam-se no que pode ser considerado o núcleo principal das categorias que definem a Didática científica: fundamentos filosóficos, conceito, objeto, leis, princípios científicos e tarefas dessa ciência. O referencial teórico tem sido a Dialética Materialista e a Didática Desenvolvimental. Os procedimentos metodológicos foram a análise crítica das obras do autor, a contextualização de seu pensamento com as fontes filosóficas, assim como com a obra de outros didatas que apresentam preocupações similares às do autor. O resultado foi uma nova síntese do pensamento didático de M.A. Danilov, cotejado com outras fontes e autores. O artigo apresenta as categorias principais da ciência Didática, tornando-se uma ferramenta para a formação pedagógico-didática de estudantes e professores em exercício.
Palavras-chave: fundamentos epistemológicos, ciência didática, categorias da didática, Mikhail A. Danilov.
Abstract: The aim of this paper was to show the main contributions of the Russian didactician Mikhail A. Danilov (1899-1973) for the consolidation of the Didactic as an independent science. These contributions are shown as the ones that are considered the main nucleus of the categories that can define the Scientific Didactic: philosophical fundamentals, concept, object, laws, scientific principles and tasks of this science. The theoretical referential has been the Materialistic Dialectic and the Developmental Didactic. The methodological proceedings were the critical analysis of the author publications: the contextualization of his thinking with the philosophical sources, as well as publications of other didacticians concerned about the same questions. The result was a new synthesis of the didactic thinking of M.A. Danilov, mixed by other sources and authors. The paper shows the main categories of the Didactic science, becoming a tool for the didactic-pedagogical formation of students and teachers at work.
Keywords: epistemological foundations, didactic science, didactic categories, Mikhail A. Danilov.
Mikhail Alexandrovich Danilov (1899-1973) é considerado um dos fundadores da Pedagogia e da Didática soviética. Em 1924, graduou-se na Faculdade de Física e Matemática do Instituto Pedagógico de Leningrado. Em 1926, ingressou no Partido Comunista da Rússia. A partir de 1931, trabalha e desenvolve pesquisas em importantes instituições e universidades russas. A partir de 1959, foi Membro Correspondente da Academia de Ciências Pedagógicas da URSS. Obteve seu doutorado em Educação em 1960, com uma tese relevante para o campo da Didática: "O processo de aprendizagem na escola soviética".
Em um contexto em que as instituições científicas da antiga URSS alcançavam sua maior estabilidade, acobertadas pela política oficial do Governo e do Partido Comunista, Danilov fez parte de um número significativo de cientistas e educadores do período soviético que teve a oportunidade de realizar o seu potencial e criatividade. Na década de 1930, a Pedagogia e a Didática sofriam preconceitos e eram desafiadas em nível filosófico e metodológico. Danilov aceitou o desfio, reabilitando a Didática como ramo especial da Pedagogia e ciência independente. Esse é o seu maior mérito.
O presente artigo apresenta ao leitor as principais contribuições de Danilov (1899-1973) para a consolidação da Didática como ciência independente. Essas contribuições demarcam-se no que poderíamos denominar o núcleo principal das categorias que definem a ciência Didática: fundamentos filosóficos, conceito, objeto, leis e princípios científicos dessa ciência. Os procedimentos de trabalho têm sido a análise crítica das obras, a contextualização do pensamento do autor com base nas fontes filosóficas, assim como com a obra de outros didatas que apresentam preocupações similares às de Danilov. Chegou-se a uma nova síntese sobre seu pensamento didático.
As relações Filosofia-Didática: qual é a matriz epistemológica da Didática científica?
A preocupação de Danilov com a elaboração de uma Didática científica o levou a explorar as relações entre Filosofia e Didática. O autor destaca que o advento do marxismo ocasionou uma transformação no pensamento científico e que essa mudança de pensamento se manifestou com toda sua força na Pedagogia. Nessa perspectiva, os criadores do marxismo proporcionaram o fundamento da Didática científica, passando a ser a filosofia marxista a matriz epistémica que orientou as pesquisas do didata. Essa matriz epistémica, na perspectiva do autor - e também na nossa -, deve fundamentar o acervo de conhecimentos da Didática atual. Do marxismo, Danilov tomou dois pilares fundamentais para suas elaborações científicas: o primeiro desses fundamentos é a natureza social do homem e o papel determinante das condições sociais no desenvolvimento do sujeito.
Partindo da dialética do mundo objetivo e de leis conhecidas do desenvolvimento social, Marx e Engels revelaram a natureza do homem, suas condições de formação e as do desenvolvimento social. As condições sociais exercem uma influência essencial sobre todo o processo de desenvolvimento, educação e ensino do homem. [...] Das condições de vida em sociedade e da educação depende que 'certa capacidade que existe por enquanto nos indivíduos só em qualidade de atitude', funcione como força real (Karl Marx) (Danilov, 1984a, p. 21-22, grifos meus).
Partindo dessas considerações, Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) analisaram a educação relacionando-a com os demais fenômenos sociais, desentranhando assim o seu caráter de fenômeno histórico, que apresenta regularidades objetivas no seu desenvolvimento histórico-social. A filosofia marxista explicou o papel exercido pelas condições sociais de existência sobre o processo de desenvolvimento, educação e transformação do sujeito. Só que essa transformação é possível apenas por meio da atividade que os sujeitos realizam no seio da comunidade, no trabalho e no estudo. Fora da atividade social organizada dos homens, não é possível conceber sua formação e desenvolvimento físico e intelectual. Assim sendo, a diversidade de tipos de atividade desenvolvida pelos sujeitos humanos garante o desenvolvimento multifacetado do homem. Nessa linha de raciocínio, o marxismo fundamentou a regularidade principal do desenvolvimento do homem: no processo de sua influência ativa sobre a natureza, o homem a conhece, mas, ao mesmo tempo, se modifica a si mesmo. Seria ocioso se estender no enorme valor pedagógico dessas ideias, ao se constituírem premissas indispensáveis para pensar a Didática e seu papel na organização e condução do processo de ensino-aprendizagem na instituição educativa.
O segundo e igualmente importante fundamento da Didática científica se acha na teoria marxista do conhecimento, desenvolvida por Lenin (1870-1924). Não obstante, o ponto de partida de Lenin adivinha-se em Marx: "Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela a contemplação sensorial; mas, não concebe a sensoridade como uma atividade sensorial humana prática" (Marx, 1986, p. 8, grifos no original). Marx, ao explicar o reflexo humano como uma atividade cognoscitiva prática, abre o caminho de Lenin para o desenvolvimento da teoria do conhecimento. Por sua vez, Danilov assume esse alicerce como um dos pilares metodológicos da Didática, afirmando que "o fundamento metodológico da teoria do processo de ensino é a teoria leninista do conhecimento" (Danilov, 1984a, p. 23, grifos meus). Do mesmo modo, declara que esse é o princípio básico de compreensão do fundamento da Didática científica.
O conhecimento científico dos objetos e fenômenos que existem independentemente de que os conheça o sujeito, é o reflexo deles na consciência. Mas a natureza do conhecimento não se experimenta por um simples reflexo, entendido só como contemplação; em realidade, o conhecimento é um processo ativo, orientado a um fim, surgiu historicamente na atividade prática do homem, no seu trabalho social em comunidade (Danilov, 1984a, p. 22, grifos meus).
Ou seja, a possibilidade de conhecimento científico da realidade pelo sujeito baseia-se no fato comprovado de que o reflexo da realidade na cabeça do homem é ativo, e não simples contemplação. Os objetos e fenômenos têm existência objetiva, concreta, independentemente de que o sujeito os conheça ou não e independentemente da acessibilidade ao conhecimento por parte do homem. O reflexo antecipado da realidade pelo sujeito revela o caráter ativo do conhecimento. Isso se dá em qualquer atividade orientada a um objetivo, e especialmente na atividade criadora e transformadora da realidade. O nexo entre sujeito e objeto é ativo, devido à relação prática entre o sujeito e a realidade que o rodeia. Marx, nas Teses sobre Feuerbach, lembra-nos: "A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode conceber-se e entender-se racionalmente como prática revolucionária" (1986, p. 8, grifos no original).
No Resumo do livro de Hegel Ciência da Lógica, Lenin disse: "O mundo não satisfaz ao homem e o homem com a sua ação, com sua atividade, resolve transformá-lo" (inDanilov, 1984a, p. 23), mas nesse processo, reciprocamente, se transforma e se desenvolve a si mesmo. Nessa relação complexa entre a atividade cognoscitiva do sujeito e o objeto, há um elemento a mais de suma importância: no trabalho, o homem modifica a natureza no seu benefício, mas, para que o trabalho seja eficaz, é necessário conhecer a natureza do objeto sobre o qual se atua. Isso significa que a atividade cognoscitiva é o nexo que une a atividade prática do sujeito com a realidade (objeto) de transformação e conhecimento. Em outras palavras, o caráter ativo do sujeito e suas possibilidades de conhecer se dão devido à unidade existente entre o conhecimento e a prática humana. Trazendo esse arcabouço metodológico para a Didática, Danilov deduz que:
A elaboração das questões da Didática [...] analisa o papel fundamentalíssimo dos princípios básicos da teoria marxista-leninista do conhecimento para revelar os fundamentos teóricos e a natureza da ciência didática e, ao mesmo tempo, para resolver os problemas do ensino que não puderam ser esclarecidos nem pela Didática clássica burguesa, nem pela moderna (Danilov, 1984a, p. 24, grifos meus).
Segundo isso, com apoio nos princípios da filosofia marxista, a ciência Didática esclarece as categorias, leis, regularidades, princípios, contradições e forças motrizes do processo de ensino-aprendizagem. Entre os principais problemas do ensino que a Didática contribui a esclarecer, encontram-se, também, as relações entre os fines da educação e os conteúdos dessa educação; o problema das condições sociais nas quais deve ser realizada a educação; as particularidades do ensino em cada contexto social contemporâneo; as correlações que, no processo de ensino-aprendizagem, se estabelecem entre a sensibilidade e a racionalidade, entre o concreto e o abstrato, entre o afetivo e o cognitivo; assim como o papel da prática na atividade cognoscitiva dos alunos e a dialética do processo docente.
A Didática: conceito
A Didática é a parte mais sistematizada e de mais amplo espectro na Pedagogia. Apresenta características de disciplina científica independente, e seu objeto de estudo, na perspectiva de Danilov, são os processos de instrução e de ensino, estreitamente ligados à educação, que constituem sua parte orgânica.
Fica claro [...] que a didática define-se como a teoria da instrução e do ensino. Tendo em conta [...] que o processo de ensino sempre esteve vinculado com a educação ante tudo, com a educação intelectual e a educação moral, existem fundamentos para definir a didática como teoria da instrução, do ensino e ao mesmo tempo, da educação, o que compreende [...] a formação de uma concepção científica nos educandos. O objeto da didática [...] é o processo de instrução e ensino tomado no seu conjunto, é dizer, o conteúdo do ensino [...] os métodos e os médios de ensino, as formas organizativas do ensino, o papel educativo do processo docente, assim como [...] as condições que propiciam o trabalho ativo e criador dos alunos, e seu desenvolvimento intelectual (Danilov, 1984a, p. 10-11, grifos meus).
Essa maneira de compreender a Didática merece uma reflexão detalhada. Para começar, alguns termos precisam ser esclarecidos; o primeiro é o de instrução. Instrução vem do latim instruere, que significa inserir, introduzir, ensinar, distribuir, etc. Mas também significa acervo de conhecimentos adquiridos, caudal de sabedoria, etc. Ou seja, que tem implícita a ação ativa do sujeito na sua autoinstrução. Especificamente em russo, instrução (инструкция) significa ensino-aprendizagem, juntamente, e, às vezes, apenas ensinar. Os didatas russos quase sempre empregam o termo instrução no sentido da unidade dialética ensino-aprendizagem. E, de modo enfático - como é o caso de Danilov -, usam instrução e ensino, para não deixar lugar a dúvidas de que se referem à dupla significação do termo. Nas línguas latinas, nomeadamente em espanhol e português, não existe um só termo que expresse a unidade dialética ensino-aprendizagem. Daí que os tradutores tenham traduzido instrução (инструкция) como ensino e aprendizagem. A expressão ensino e aprendizagem não é exata, porque quebra a unidade dinâmica desse processo e remete à ideia de que ele é bilateral, de dupla mão, no qual existe um professor que ensina e uns alunos que aprendem sem que o processo seja um só.
Está posto que o problema de que estamos tratando não é apenas de tradução. A nosso ver, há duas dimensões a mais nessa problemática, uma de caráter filosófico e outra de caráter psicológico. Abordemos primeiro a questão filosófica. Na dialética materialista - e nas ciências que a assumem como matriz epistêmica -, usa-se o método de análise das unidades, explicitado por Marx em O Capital. Esse método não descompõe os objetos de estudo nos seus elementos, senão em unidades dialéticas indecomponíveis. O termo instrução (инструкция) expressa o caráter unitário desse processo. Por isso, diz Danilov que o objeto da didática é o processo de instrução e ensino tomado no seu conjunto. Visto o problema do lado da Psicologia Histórico-Cultural, deve-se concordar que toda essa Didática parte de um princípio descoberto por Vigotski: o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento e o guia. Ou seja, que o ensino (instrução) e o desenvolvimento são dois processos interfuncionais, sendo que o aluno se desenvolve intelectualmente à medida que apreende de maneira ativa e consciente. Se instrução, aprendizagem e desenvolvimento constituem uma tríade dialética, como separar ensino de aprendizagem? Com essas bases, pode-se afirmar que o processo de ensino-aprendizagem constitui o objeto de estudo da Didática e, ao mesmo tempo, é a sua principal unidade de análise. Toda a Didática está contida nessa relação e pode ser explicitada a partir dessa megaunidade.3
Quando o autor disse que a Didática é a teoria da instrução e do ensino, não devemos entender que esta é apenas uma ciência teórica, descolada da prática. Pelo contrário, como se comprova no estudo da obra de Danilov, a sua reflexão científica está sustentada na análise dos dados de inúmeras pesquisas experimentais que, nos campos da Psicologia e da Didática, vinham sendo realizadas na antiga URSS, desde a década de 1930. Danilov herdou valioso acervo de dados empíricos nos quais se baseia para a elaboração de seu pensamento didático. Resumindo, quando o autor disse que a Didática é a teoria da instrução e do ensino, está-se referindo ao alto nível de formalização da teoria didática, a qual tem como fundo os dados validados pela experiência prática.
Indo uma vez mais à citação apresentada, é importante ressaltar que Danilov estabelece uma relação unitária entre instrução, ensino e educação. Essas três categorias da Didática - que, por rações de conveniência prática, também podem ser estudadas como processos independentes - constituem uma tríade dialética. O ajustamento dessa tríade permite redimensionar o campo da Didática para problemas mais amplos da formação humana, relacionados com a educação. Vale a apena lembrar que educação (образование), etimologicamente, significa criação, trazer para acima, fazer crescer, levar por diante, tirar (do desenvolvimento). A educação vai além dos aspectos cognitivos, dos hábitos, das habilidades para adentrar no âmbito dos valores, das formas de conduta social e pessoal, dos juízos morais, da sensibilidade, da cultura, da política e da cidadania. Mas, na complexidade desse processo, uma finalidade é clara: a necessidade de formação de uma concepção científica do mundo nos alunos. Está claro que, para Danilov, uma concepção científica do mundo significa uma compreensão dialético-materialista da natureza, da sociedade e do pensamento humano. Assim sendo, não escapa a nosso autor que a via principal de educação das novas gerações, tanto como de formação de uma concepção científica do mundo, é o processo de ensino-aprendizagem que se realiza na escola e na sala de aula. Só um pensamento profundamente dialético como o de Danilov podia aferir, na sua verdadeira essência, o conceito de Didática.
Objeto da Didática
Na concepção de Danilov (1984a), o fenômeno fundamental que a Didática estuda é o processo de ensino-aprendizagem, pois nele se dão as interinfluências permanentes - e muitas vezes desconhecidas - entre o objetivo e o subjetivo. A essência das relações recíprocas e permanentes entre o objetivo e o subjetivo consiste em que a multidimensionalidade e complexidade da experiência social "transforma-se em conhecimentos, habilidades e hábitos do aluno, em ideais e qualidades do homem em formação, em seu desenvolvimento intelectual, ideológico e cultural geral" (Danilov, 1984a, p. 26).
A didática estuda o processo de ensino, em cujo desenvolvimento tem lugar a assimilação dos conhecimentos sistematizados, o domínio dos procedimentos para aplicar ditos conhecimentos a prática, e o desenvolvimento das forças cognoscitivas dos educandos. Seu objeto de investigação é o processo de ensino tomado em seu conjunto, e sua tarefa básica, a revelação das regularidades gerais de dito processo que tens um caráter objetivo, e a posta em primeiro plano das condições em que se manifesta (Danilov, 1984a, p. 34, grifos meus).
Caso tenhamos ainda dúvidas de que o processo de ensino-aprendizagem é a principal unidade de análise da didática, e, consequentemente, seu principal objeto de estudo, vale a pena voltar a citar Danilov:
A didática está chamada a investigar o que ocorre no processo de ensino, ou seja, na interação entre o ensino e o estudo e em revelar em que condições a mencionada interação garante o movimento da consciência dos educandos desde a própria origem da tarefa cognoscitiva até sua solução, o trânsito do desconhecimento ao conhecimento, da falta de habilidade, o de o hábito imperfeito, a formação de habilidades racionais e de hábitos precisos e rápidos para aplicar os conhecimentos na prática (Danilov, 1984a, p. 34-35, grifos meus).
Da citação feita, é preciso reforçar um dos destaques: trata-se das implicações das condições socioeducativas em que se realiza o processo de ensino-aprendizagem nos resultados dos alunos. Em quaisquer condições de aprendizagem, não se produz o movimento da consciência dos educandos. Isso significa que uma das tarefas principais do professor é cuidar das condições internas desse processo, normalmente integradas pelos espaços institucionais, mobiliário, livros didáticos e outros materiais docentes, organização da turma, condições higiênicas do local e dos alunos, alimentação, saúde, etc.
Caracterização do processo de ensino-aprendizagem
No processo de ensino-aprendizagem, quando adequadamente organizado e conduzido, desenvolvem-se as potencialidades intelectuais dos alunos, assim como suas experiências vitais e vivências com elas relacionadas. O desenvolvimento dos alunos se objetiva em qualidades concretas da personalidade, no desenvolvimento da inteligência e do talento, na contribuição positiva à prática social, na construção de uma vida melhor. Caso essa transformação objetiva dos alunos não aconteça, o processo de ensino-aprendizagem - objeto de estudo da Didática - não está sendo efetivado. Danilov (1984a, p. 26) caracteriza-o da seguinte maneira:
O processo de ensino é uma sequência de atividades sistemáticas inter-relacionadas do professor com os alunos, encaminhadas a assimilação sólida e consciente de um sistema de conhecimentos, habilidades e hábitos, para aplicá-los na vida ao desenvolvimento do pensamento independente, da capacidade de observação e de outras capacidades cognoscitivas dos alunos, ao domínio dos elementos culturais do trabalho intelectual e aos fundamentos de uma concepção científica do mundo.
Isso justifica a ideia do autor acerca de que a Didática precisa se ocupar de outro problema principalíssimo: o estabelecimento apropriado das interações entre os principais componentes do processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista a necessidade de que os alunos realizem a melhor assimilação dos conhecimentos e seu adequado desenvolvimento intelectual. O primeiro desses componentes em que a Didática participa junto ao resto da sociedade são os fins da Educação. Os fins da Educação, em cada uma das etapas históricas do desenvolvimento social, determinam as diretrizes (ideias reitoras), os objetivos, os conteúdos, os métodos, as condições de ensino, as formas organizativas, os sistema de avaliação, etc. A correta interação desses componentes no processo de ensino-aprendizagem deve permitir a participação ativa e consciente dos alunos na aquisição dos conhecimentos, dos métodos da ciência para a apropriação e criação de novos conhecimentos, tanto como do desenvolvimento de interesses e habilidades para uma vida criadora.
O processo de ensino-aprendizagem caracteriza-se, nessa perspectiva, por garantir não apenas que os alunos se apropriem dos conhecimentos, hábitos e habilidades herdados pela sociedade no seu movimento histórico, senão também o desenvolvimento intelectual, integral, e a formação de uma concepção científica do mundo. Para isso, os alunos precisam realizar a atividade de estudo de maneira consciente e desenvolver a sua independência cognoscitiva.
Na realização das atividades que demanda o proceso de ensino-apendizagem é importante que se manifestem as potencialidades espirituais do aluno: o seu intelecto, a sua vontade, os seu sentimentos. O desenvolvimento multilateral dos alunos e sua capacidade para agir de forma independente dependem, principalmente, do modo como está organizado o processo decente em geral, e de maneira particular, do carácter da atividade cognoscitiva e prátca que os alunos realizam nesse processo (Danilov, 1984b).
Na diversidade de suas múltiplas formas de concreção, o processo de ensino-aprendizagem apresenta duas dimensões contraditórias: (a) de uma parte, uma organização e planejamento rigorosos, assim como uma orientação consciente para objetivos previamente definidos, a qual é tarefa do professor; (b) de outra parte, a estimulação ininterrupta dos alunos para que realizem as suas atividades de aprendizagem e a criação das condições e meios para que despreguem suas ações criativamente, tanto de forma coletiva como individualmente. O avanço das atividades dos alunos desestabiliza o planejamento do professor, ao passo que este chama à ordem e conduz o processo. A dinâmica do processo de ensino-aprendizagem consiste na interpenetração desses princípios opostos. Nessa relação contraditória, o processo avança, ziguezagueia e se consolida, sendo que quase sempre os objetivos e a organização do professor terminam por se impor. Mas é preciso que o docente compreenda a luta entre as forças que dinamizam o processo de ensino-aprendizagem. Danilov conclui que:
A dialética do processo docente consiste na interação do papel diretor do pedagogo e da atividade criadora dos educandos; na adequação da estrutura lógica do material docente ao nível superior das possibilidades cognoscitivas dos alunos; no acrescentamento dos estímulos ideológicos e da independência de seu pensamento (Danilov, 1984a, p. 34).
Os principais indícios de sucesso do processo de ensino-aprendizagem não são apenas a quantia dos conhecimentos assimilados e dos hábitos e habilidades acrescidas pelos alunos, senão o seu desenvolvimento intelectual, a sua constante apropriação da essência dos objetos, fenômenos e processos estudados, a sua motivação por aprofundar os conhecimentos e a formação de uma concepção científica do mundo.
Leis da Didática
Sendo a Didática a teoria da formação e instrução das novas gerações, o seu fim principal é esclarecer as regularidades gerais do processo de ensino-aprendizagem, assim como fundamentar as leis que regem esse processo tomado no seu conjunto. O anterior "exige determinar que leis atuam na aprendizagem e, por conseguinte, na assimilação por parte dos alunos de todos os conhecimentos nos quais se refletem a natureza, a sociedade e o pensamento humano" (Danilov, 1984a, p. 30). Essa tarefa é possível sempre e quando nas diferentes disciplinas escolares se ponha de manifesto o geral e característico de cada uma delas. A Didática científica acredita que é possível a tarefa de desentranhar as regularidades do processo de ensino-aprendizagem no seu conjunto, assim como elaborar a teoria de dito processo.
Como diz Danilov, a tarefa principal da Didática é estabelecer as regularidades do processo de ensino-aprendizagem, assim como as leis que o fundamentam. Mas é preciso estabelecer uma distinção entre regularidade e lei científica. As regularidades são os nexos estáveis, as relações essenciais, que evidenciam a existência da lei. Como as regularidades são manifestação da lei, e, portanto, estão ligadas a ela, o conceito principal nessa relação é o de lei.
Do mesmo modo, o conceito de lei está unido ao conceito de essência. Lenin (1870-1924), um dos principais impulsores da dialética materialista, afirma que ambos os conceitos são do mesmo tipo, da mesma ordem, "ou mais bem do mesmo grão, e expressam o aprofundamento do conhecimento, pelo homem, dos fenômenos, do mundo". O autor define a lei da seguinte forma: "A lei é o fenômeno essencial", e logo: "A lei é o reflexo do essencial no movimento do universo" (Lenin, 1979, p. 145, grifos meus). Por sua vez, Rosental e Iudin (1981, p. 1981) definem a lei da seguinte forma:
Conexão interna e essencial dos fenômenos, que condiciona o desenvolvimento necessário, regular, dos mesmos. A lei expressa uma determinada ordem da conexão causal, necessária e estável entre os fenômenos ou entre as propriedades dos objetos materiais, relações essenciais e iterativas determinantes de que a mudança de uns fenômenos provoque uma mudança completamente determinada de outros fenômenos.
Conclui-se que a lei é a natureza ou qualidade interior dos fenômenos, das mudanças, movimentos e transformações, as etapas gerais do processo de formação e de auto-organização dos sistemas, pertençam eles à natureza, à sociedade ou à cultura espiritual da sociedade. Em outras palavras, lei é a forma de manifestar-se um determinado vínculo ou nexo regular em um fenômeno particular ou em uma série deles. A lei expressa o concreto-geral e seu momento abstrato-universal.
Podem numerar-se, ainda, outras três características das leis científicas: (i) as leis se manifestam sempre em determinadas condições sociais ou naturais. Caso as condições em que se manifesta a lei sejam transformadas ou deixem de existir, a lei não se revelará. Quando se asseguram as condições propícias para que a lei se realize, assegura-se também que as decorrências da lei passem da esfera do possível à esfera do real; (ii) as leis científicas têm existência objetiva e se manifestam independentemente da vontade e da consciência dos homens. Isso significa que não podem ser criadas pelos homens, porque elas são expressão das relações estáveis existentes entre as propriedades dos objetos e das tendências do desenvolvimento dos fenômenos ou processos; (iii) finalmente, as leis científicas são cognoscíveis mediante o passo do fenômeno à essência por meio da abstração das relações essenciais, deixando de fora numerosas características secundárias, individuais e não essenciais dos fenômenos ou processos estudados. Ou seja, que só se chega ao conhecimento da lei por meio da abstração científica (Rosental e Iudin, 1981).
Como a Didática é, de fato, a ciência principal no conjunto das ciências pedagógicas, as leis gerais da Pedagogia se manifestam também no processo de ensino-aprendizagem e, por conseguinte, na Didática. Danilov define assim a lei pedagógica:
A lei pedagógica é o nexo objetivo, necessário, geral e essencial, e a interdependência entre as tarefas, conteúdo e métodos do processo pedagógico e seus resultados, que se manifestam na variação dos conhecimentos, habilidades, convicções e conduta dos educandos (1984a, p. 29).
Dessa maneira, na Pedagogia se colocam em primeiro plano as leis gerais da educação e do desenvolvimento dos sujeitos humanos. As ditas leis se manifestam também na Didática. Por sua vez, as leis da Didática são também, por extensão, leis pedagógicas. Danilov estuda as seguintes leis da Pedagogia e da Didática, sendo que as duas primeiras se inserem melhor no campo da Pedagogia:
(a) Lei da dependência da educação e do ensino das condições sociais em que estas se realizam. Esta lei foi descoberta por Marx e Engels. Segundo ela, a educação e o ensino dependem, na sua totalidade, das condições sociais, políticas e econômicas em que estas se desenvolvem. Essas condições determinam o tipo e a qualidade da educação que se oferece em cada etapa histórica do desenvolvimento social.
(b) Lei da relação da educação com a vida. Esta lei define o conteúdo do material de estudo (conteúdos de ensino), assim como os métodos a serem empregados, as formas de organização do processo docente, os materiais escolares, as tecnologias educativas que podem ser usadas, etc. Da mesma maneira, essa lei determina que os seres humanos precisam ser educados para a vida, para viver em sociedade, para trabalhar e criar, para serem cidadãos plenos.
(c) Lei da correspondência entre o ensino escolar e o nível de desenvolvimento científico alcançado pela sociedade. Esta lei tem caráter geral e manifesta-se como tendência, envolvendo o ensino institucionalizado, na sua totalidade, e o conjunto de todas as esferas do conhecimento em um dado momento histórico. A forma concreta como essa lei se manifesta, ou seja, como o ensino escolar se ajusta ao nível de desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cultura "constitui tarefa investigativa complexa para os representantes de muitas ciências, seguindo o papel reitor da pedagogia" (Danilov, 1984a, p. 30).
(d) Lei da unidade entre o ensino e a educação. Esta lei, como as anteriores, expressa uma verdade objetiva: o processo de ensino-aprendizagem, por todos os médios a seu alcance, sejam os conteúdos, as habilidades e hábitos que são formados, o conteúdo ideológico e filosófico das matérias escolares, etc., formam nos escolares as atitudes perante os conhecimentos e perante o meio natural e social, e, em última instância, as ideias e as forças motrizes da autoeducação.
(e) Lei da participação ativa e consciente dos alunos na sua educação. Segundo esta lei, quando são criadas as condições para que os alunos participem de forma ativa e consciente na atividade de estudo, apropriando-se eles mesmos dos conhecimentos, das habilidades e hábitos, transformam-se a si mesmos em um processo ininterrupto de desenvolvimento. No caso, os alunos são sujeitos e objetos de sua própria transformação.
Este constitui o conjunto das leis da Didática revisitadas por M.N. Danilov. Estudos posteriores e mais apurados - (Álvarez de Zayas, 2000; Fuentes, 2000) - por exemplo, consideram que o rigor teórico da ciência, assim como do núcleo de sua teoria essencial, permite estabelecer apenas duas leis didáticas: (a) a relação da escola com a vida, com o médio social: "[...] uma educação para a vida tem que ser produtiva (laboral), criativa (investigativa) e transformadora do contexto social"; (b) a relação entre a instrução e a educação. Os componentes do processo de ensino-aprendizagem (objetivos, conteúdos, métodos) "se relacionam dialeticamente entre si e determinam a lei que estabelece sua dinâmica" (Álvarez de Zayas, 2000, p. 19). A relação dinâmica entre os componentes desse processo permite instruir, educar e desenvolver os alunos simultaneamente. Obviamente, esse é um campo aberto para a investigação fundamental no campo da Didática.
Princípios da Didática
Vários autores de orientação marxista (Zankov, 1984; Klingberg, 1978; Danilov, 1984c) têm se debruçado sobre a problemática dos princípios didáticos. A esses princípios se lhes têm denominado, indistintamente, princípios de ensino e princípios didáticos. Uma importante contribuição ao esclarecimento dessa problemática foi realizada Leonid Vladimirovitch Zankov (1901-1977). O autor confere aos princípios didáticos importante papel regulador e orientador do processo de ensino. Zankov (1984) sistematiza um sistema de quatro princípios didáticos, elaborado como resultado de diversas pesquisas experimentais desenvolvidas na antiga URSS entre 1957 e 1969.4 A nosso ver, a originalidade do sistema de Zankov está no fato de que esses princípios constituem abstrações teóricas advindas da pesquisa didática experimental e que eles se aplicam tanto na pesquisa quanto no ensino experimental.
Por sua vez, o pedagogo alemão Lothar Klingberg (1926-1999) destaca que os princípios didáticos constituem expressão das leis que regem o ensino, e os conceitua da seguinte maneira: "Os princípios didáticos são aspectos gerais da estruturação do conteúdo organizativo-metodológico do ensino, que se originam dos objetivos e das leis que os regem objetivamente" (Klingberg, 1978 p. 243). Segundo esse autor, os princípios didáticos apresentam as seguintes características: (i) constituem os fundamentos da direção do ensino, convertendo-se em exigências à ação qualitativa dos professores; (ii) eles têm vigência geral, ou seja, aplicam-se em todas as disciplinas, níveis e modalidades da educação; (iii) são categorias essenciais da Didática, no sentido de que sua influência perpassa todos os aspectos e tarefas do trabalho do professor; e (iv) ao constituir orientações elementares para o planejamento e a direção do ensino e responder as leis didáticas, têm certo caráter obrigatório para os professores5 (Klingberg, 1978).
Um momento importante no desenvolvimento dessa teoria foi a formulação de Vasily Vasilyevich Davidov (1930-1998) sobre os princípios da escola do futuro.6 Esses princípios também são uma abstração e generalização teórica de mais de 25 anos de pesquisa experimental realizada na então União Soviética, sob a direção do autor. O pesquisador afirma que:
[...] a aplicação integral dos novos princípios psicológico-didáticos permite determinar de maneira concreta as características substanciais da futura escola e, ante todo, indicar as condições nas quais a formação dos médios do pensamento teórico-científico se converterá numa norma e não na exceção que se observa na escola de hoje (Davidov, 1986, p. 346).
A essência da proposta de Davidov tem como fundamento sua teoria da atividade de estudo e da educação desenvolvimental, concepções que tiveram amplas oportunidades de serem aplicadas nas décadas de 1970 e 1980 na então União Soviética. Consoante essas teorias, o seu sistema de princípios didáticos visa ao direcionamento de um sistema científico de ensino, cuja máxima aspiração é a formação do pensamento teórico nos alunos e o desenvolvimento integral da personalidade. Os princípios didáticos de Davidov têm o valor de haver passado satisfatoriamente o teste da prática pedagógica.
Por sua parte, Danilov trata extensamente essa problemática, apresentando um sistema de sete princípios didáticos. São os seguintes:
Unidade entre educação e ensino. Na concepção dialético-materialista, existe uma unidade inseparável entre educação e ensino, pois a educação sempre está contida no ensino. O ensino conforma de um modo específico a personalidade dos alunos, contribuindo a educar sua atitude perante a vida, o conhecimento, sentimentos morais, vontade, capacidades intelectuais. Os conhecimentos científicos, os métodos de ensino, a organização das atividades docentes e, obviamente, o exemplo do professor constituem as bases da influência educativa, ideológica e moral da educação dos alunos. A proclamação do princípio da unidade entre instrução e educação não significa a perda da singularidade qualitativa de cada um desses processos; trata-se, melhor, da inter-relação dialética entre eles.
Caráter científico do ensino.7 Este princípio tem sua fundamentação na teoria marxista-leninista do conhecimento, a qual explica que o mundo é cognoscível e traça o caminho dialético do conhecimento;8 assim como nos dados da psicologia e da didática, ciências que têm demonstrado a necessidade de ampliar permanentemente os conhecimentos científicos dos alunos. O princípio do caráter científico do ensino estabelece que aos alunos se lhes deve colocar sempre situações de aprendizagens para que sejam solidamente assimiladas. Nesse processo, utilizam-se métodos de ensino que, por seu caráter, se assemelham com os métodos das ciências cujos fundamentos e conteúdos estudam. Para isso, o professor organiza o ensino tendo em conta sistematicamente o limite superior das possibilidades dos alunos, com o propósito de elevar as exigências do estudo. Desse princípio emanam quatro exigências: a primeira exigência diz que, para garantir o domínio dos conhecimentos científicos, é necessário achar o conteúdo essencial e os princípios organizadores da ciência que se ensina. É necessário descobrir a lógica da disciplina docente, seus conceitos e relações principais, de tal maneira que se garanta o avanço para novos conhecimentos e conceitos científicos. A segunda exigência está relacionada com a formação de conhecimentos científicos duradouros. O anterior depende da maneira como são assimilados os conhecimentos, de sua recepção correta e não distorcida. Os vínculos e as relações essenciais dos conceitos estudados precisam ser refletidos de maneira fidedigna nas consciências dos alunos. A terceira exigência tem a ver com o fato de que as noções e conceitos aprendidos cumprem o seu papel cognoscitivo só quando estão modelados adequadamente de forma verbal, simbólica ou gráfica; ou seja, quando são termos científicos, tanto por sua essência como por sua forma de expressão. A quarta exigência diz respeito a que a assimilação dos conhecimentos científicos acontece em relação estreita com as teorias e as hipóteses que serviram de base para o ensino do conceito ou para a dedução da lei científica. Para isso, será necessário também confrontar os conceitos científicos com seus opostos, ou com aqueles que lhes são contraditórios. Para tudo isso resulta importante o estudo das condições e dos métodos que melhor facilitam a compreensão e a apropriação das leis e conceitos científicos, assim como a fundamentação de seu valor objetivo.
Sistematicidade do ensino e sua relação com a prática. A fundamentação deste princípio parte dos vínculos permanentes da ciência com a prática social e natural e, em última instância, com a vida. A inter-relação dos princípios da sistematicidade do ensino e o vínculo entre teoria e prática têm seu fundamento também na teoria marxista do conhecimento, na qual se dá valor metodológico principal à unidade entre teoria e prática. "O ponto de vista da vida, da prática, deve ser o primeiro e fundamental ponto de vista da teoria do conhecimento" (Lenin inDanilov, 1984c, p. 159). Esse princípio expressa a necessidade de combinar adequadamente o estudo dos conhecimentos sistemáticos, da formação de conceitos científicos, e o desenvolvimento paulatino de habilidades e hábitos (manuais e intelectuais), tanto como a aplicação dessas aquisições a vida, a solução de tarefas de caráter prático, assim como na realização de atividades laborais. A assimilação sistemática de conteúdos é considerada pelo autor como a linha principal e núcleo do processo de ensino, o qual se realiza na progressão desse processo e através de múltiplas formas de vinculação com a prática.
Caráter consciente e ativo dos alunos sob a guia do professor. A essência deste princípio consiste em que, durante o processo de ensino-aprendizagem, se precisa assegurar uma ótima relação entre a direção pedagógica e o trabalho criador e consciente dos alunos. A assimilação consciente dos alunos do novo material é fundamental, porque, nesse processo, se forma uma atitude criadora perante o estudo e perante a aplicação dos conhecimentos, se desenvolve o pensamento lógico e se forma a concepção científica do mundo. Se o aluno não aprende de maneira consciente e ativa, o saber adquirido não será duradouro e não se fomentará a visão científica do mundo. Tudo isso está vinculado, também, com o papel dirigente do professor, tanto no planejamento, na organização quanto na execução, avaliação e controle do processo.
Princípio da unidade do concreto e o abstrato. Danilov caracteriza este princípio da seguinte maneira:
O princípio da unidade do concreto e do abstrato significa que no ensino é indispensável [...] achar o ponto de partida nos fatos e observações do singular, ou nos axiomas, conceitos científicos e teorias, e determinar depois o trânsito regular da percepção do singular, da disciplina concreta, ao geral, ao abstrato, ou a inversa, do geral, do abstrato, ao singular, ao concreto (Danilov, 1984c, p. 165-166, grifos meus).
A citação recém apresentada permite fazer diversas considerações. A primeira questão a ser destacada é que a objetividade do ensino precisa ser analisada em relação estreita com a atividade dos alunos, a qual se fundamenta na teoria marxista-leninista do conhecimento. Para que a atividade dos alunos seja objetivada, há que pensar na enorme importância da correta organização da observação no processo de ensino. A escola precisa garantir que os alunos partam da observação correta dos objetos, fenômenos e processos da realidade. A objetividade que os alunos alcançam por meio da observação tem como fim criar nos alunos noções claras e precisas dos objetos e fenômenos que se estudam, o que acontece quando existe adequada correlação entre a observação e a abstração, entre a concretude e a generalização. Há que destacar que qualquer percepção, ou observação, resulta fértil só quando os alunos se sentem motivados a perguntar, se querem ver, conhecer, apreender.
Como destacado nessa citação, Danilov admite duas lógicas possíveis no caminho de assimilação dos conhecimentos. Uma lógica indutiva, material, concreta - também chamada de histórica -, que parte da observação dos fatos singulares para ascender ao pensamento abstrato, a qual conduz, inevitavelmente, à formação de generalizações indutivas. Nessa lógica, a percepção está fundida com o pensamento abstrato. Essa via tem a desvantagem de que requer muito tempo e resulta mais difícil que os alunos cheguem a generalizações amplas sobre uma série ou grupo de objetos. Não obstante, nos primeiros graus da escola fundamental, não se pode abrir mão totalmente dessa via. A outra lógica segue o caminho inverso, parte dos princípios teóricos, dos axiomas, da compreensão da lei. Esses conteúdos são expostos diretamente pelo professor ou são estudados a partir dos livros-texto. Depois que se assimilam os conceitos e as leis, parte-se para a observação-objetivação, para a experimentação, para a revisão dos casos particulares em que se conserva o essencial da lei ou do conceito. Os alunos realizam práticas de laboratório, tarefas científicas, etc. Essa via é muito mais expedita, requer menos tempo, permite formar generalizações mais amplas e conhecimentos científicos mais duradouros. Essa lógica é mais fatível a partir do segundo ciclo da escola fundamental, mas as pesquisas didáticas têm mostrado que a via dedutiva também pode ser usada nos primeiros anos desse nível de ensino.
Princípio da solidez dos conhecimentos e do desenvolvimento multilateral dos alunos. A fundamentação deste princípio está nas demonstrações realizadas pelas pesquisas da Psicologia e da Didática, as quais têm explicado que a assimilação dos conhecimentos relevantes leva, conjuntamente, ao desenvolvimento das potencialidades cognoscitivas dos alunos. A apropriação sólida dos conhecimentos, habilidades e hábitos só se alcança sob a condição de que, no processo de ensino-aprendizagem, sejam colocadas em tensão as potencialidades cognoscitivas dos alunos, em especial a imaginação criadora e a memória lógica. Isso supõe, ademais, a dinamização dos conhecimentos indispensáveis para realizar a tarefa de estudo. Só assim se potenciam, de maneira inter-relacionada, a aprendizagem sólida e o desenvolvimento mental dos alunos, fazendo prevalecer a formação do pensamento científico perante a memorização.
Para que o princípio anterior se alcance, é preciso, também, assegurar que os alunos tenham uma lógica clara da disciplina docente, da ordem e sequenciação de seus temas e, principalmente, da lógica interna de cada unidade didática (temas). Em cada uma das unidades de estudo, o professor deve distinguir quais são os conceitos, princípios organizadores e relações essenciais que os alunos precisam aprender. Sabe-se que tudo aquilo que se precisa que o cérebro assimile e fixe não pode ter muita extensão; por isso, trabalhar com pequenas, mas relevantes unidades de conteúdo é questão fundamental, se se quer garantir o êxito da aprendizagem. Mas, de início, tudo o que é secundário deve ficar fora. Em uma etapa posterior, depois de assimilado o conteúdo essencial, o professor deve proceder à consolidação e ampliação do caudal dos conhecimentos, introduzindo novos exemplos, exercitações, experimentações e aplicações da matéria de estudo. Nesse processo, o professor precisa esclarecer, também, os métodos e procedimentos que lavam à solução da tarefa de estudo, tendo em vista que os alunos devem se apropriar dos modos de realização da tarefa ou problema. O trabalho com as noções essenciais da ciência e com métodos adequados deve conduzir à formação do pensamento teórico e à solidez dos conhecimentos aprendidos. A exercitação e o trabalho independente dos alunos são também formas de consolidação do material apreendido. Como diz o autor: "para garantir a solidez dos conhecimentos é preciso [...] retornar aos conhecimentos antes assimilados e analisá-los desde um novo ponto de vista, de modo que os alunos, em outra medida, os utilizem de um modo novo" (Danilov, 1984c, p. 171). O princípio apresentado se resume ao fato de que o processo de ensino-aprendizagem deve ser organizado de tal maneira que a atividade mental dos alunos vá sendo tensionada gradualmente, para que, ao mesmo tempo se produza o desenvolvimento mental ininterrupto dos alunos.
Caráter coletivo do ensino e controle das particularidades individuais. Este princípio se fundamenta na necessidade de educar coletivamente os alunos, criando as condições para o trabalho organizado e ativo de cada um deles. Como se sabe, a personalidade humana é uma construção social, mesmo que cada um construa sua própria individualidade durante o processo de educação e instrução. Nessa perspectiva, o professor precisa cuidar da organização coletiva do trabalho e, ao mesmo tempo, atender cuidadosamente as particularidades individuais de seus alunos. É necessário que aprendam a trabalhar em grupo, a respeitar uns aos outros, a observar as alteridades, mas, ao mesmo tempo, respeitar as normas de comportamento social e coletivo. Para poder realizar o trabalho pedagógico, será necessário ter um diagnóstico adequado da turma como um todo, e de cada sujeito individualmente, considerando que todos os alunos não têm as mesmas potencialidades intelectuais, as premissas de êxito não são iguais para todos, não todos solucionam os problemas pelas mesmas vias, etc. Mas, simultaneamente, todos devem apreender e se desenvolver com a ajuda do coletivo e do professor. Nas turmas maiores, o coletivo parece ter um papel determinante, enquanto que, nos pequenos, o trabalho diferenciado deve ser mais apurado. Em resumo, esse princípio está focado na dialética do coletivo e do individual no ensino.
Como visto, diferentes autores têm formulado seus sistemas de princípios didáticos, sendo difícil determinar qual deles é melhor que os outros. Mas o importante é que cada um desses sistemas constitui uma abstração teórica da prática pedagógica experimental, e que adquirem caráter de categorias da Didática. Eles explicam a forma em que podem ser aplicadas situacionalmente as leis didáticas no ensino. Mas é preciso esclarecer, também, que não existe uma correlação exata entre as leis e determinados princípios, ou seja, que vários princípios podem operacionalizar uma mesma lei, e mais de uma lei pode se ver expressa em um mesmo princípio. O importante é que os princípios perpassam todo o sistema didático: objetivos, conteúdos, métodos, formas de organização, planejamento, tarefas de aprendizagem, execução e avaliação da aprendizagem, e que constituem uma ferramenta científica para o trabalho do professor. Bem aplicados, podem ter implicações positivas nos resultados da aprendizagem.
Resumindo, neste artigo, fizemos uma sistematização das principais contribuições de Danilov para a consolidação da Didática como ciência independente. Em especial, foram revistos os fundamentos filosóficos da Didática, seu conceito e objeto de estudo, a caracterização do processo de ensino-aprendizagem, as leis e princípios científicos da Didática. O trabalho foi realizado seguindo o princípio da contextualização do pensamento do autor com as fontes filosóficas que lhe serviram de base e com a obra de outros didatas igualmente preocupados com os mesmos temas.
Referências
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Notas