Resumo: Este estudo teve como objetivo analisar a Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe - PE, a fim de investigar quais orientações sobre o ensino da oralidade são disponibilizadas no documento e investigar o entendimento e as opiniões de professoras dessa rede sobre o que é proposto no texto. Com base na abordagem sociointeracionista de ensino da língua, a pesquisa foi realizada por meio de análise documental da Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe - PE e de entrevistas semiestruturadas com oito professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os resultados mostraram que o documento disponibiliza orientações para o ensino da oralidade, contemplando diferentes dimensões do trabalho nesse eixo de ensino; as professoras concordavam com as orientações dadas, porém, tinham dificuldades para realizar atividades específicas para o ensino da oralidade e pouco domínio teórico sobre o tema.
Palavras-chave: currículocurrículo,oralidadeoralidade,ensinoensino.
Abstract: The aim of this study was to analyze the Curricular Proposal in the public school in Camaragibe, in the state of Pernambuco, in order to look into those teaching orientations on orality dealt with in the document as well as to investigate the teachers' understanding and opinions about what is proposed in the text. Based on the sociointerationist approach of language teaching, the research was carried out through documental analyzis and semi-structured interviews with eight teachers from this municipal public sector. Each teacher was interviewed five times, so that in every new meeting the given answers were deepened by the teachers. In the last meeting with each teacher a sharing reading of the curricular document was carried out between the researcher and the interviewed teacher and in some passages that dealt with the orality axis we did some pauses so that the teacher could explain how she understood the read passage and whether she agreed with it. The results have showed that the document made orientations for the teaching of orality available, the teachers agree with the given orientations, but they have difficulty in carrying out specific activities on orality and have little knowledge on the theme.
Keywords: curriculum, orality, teaching.
Artigos
A oralidade na proposta curricular de Camaragibe: o que pensam as professoras?
The orality in the Curricular Proposal of Camaragibe: What do teachers think?
Recepção: 26 Agosto 2014
Aprovação: 11 Março 2016
Esta pesquisa buscou investigar quais orientações sobre o ensino da oralidade são disponibilizadas no documento curricular de Camaragibe (PE) e investigar o entendimento e as opiniões de professoras dessa rede sobre o que é proposto no texto. Com base na abordagem sociointeracionista de ensino da língua, a pesquisa foi realizada por meio de análise documental da Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe - PE e de entrevistas semiestruturadas com oito professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Tal temática é relevante porque, na última década, muitos autores, como Belintane (2000), Marcuschi (2003), Dolz et al. (2004), Magalhães (2007), Nikleva (2008) e Sgarbi (2008), dentre outros, defendem a necessidade do ensino da oralidade na Educação Básica. Na verdade, embora tal temática seja crescente neste Século, Bakhtin (2000), já na década de 1920, lançou questionamentos e traçou pressupostos acerca da língua em uma perspectiva enunciativa, favorecendo as reflexões sobre as regularidades dos gêneros orais, tornando explícita a complexidade de muitos textos orais, por evidenciar que tanto a fala quando a escrita emergem em situações sociais diversas, configurando-se, em cada esfera social, de diferentes maneiras, em consonância com os tipos de interação social típicos de cada contexto social. Segundo Bakhtin,
Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhes o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim [...].
Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível (Bakhtin, 2000, p. 302).
No entanto, como afirma Magalhães (2007, p. 12), "ainda existe hodiernamente (acreditamos que com frequência) uma supervalorização da escrita na escola, levando a uma posição de supremacia das culturas letradas ou, até mesmo, dos grupos que dominam a escrita".
Esse fenômeno pode ser decorrente do fato de, apesar de haver muitos estudos sobre a fala, haver poucas pesquisas sobre seu ensino, tal como foi constatado no levantamento feito nos Anais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED). Verificamos, nesses documentos, que, entre 2000 a 2010, dentre 174 artigos, foram publicadas apenas oito pesquisas sobre esse eixo de ensino. Nos Anais do Congresso de Leitura do Brasil, constatamos que dos 389 artigos publicados nas edições de 2000 a 2010, apenas oito pesquisas eram direcionadas ou tinham alguma relação com o eixo da oralidade. Desse modo, pode-se afirmar que os professores têm poucas orientações da comunidade científica acerca de como tratar o ensino da oralidade.
Autores como Ávila et al. (2012) mostram, ao pesquisarem discursos docentes relativos ao trabalho com oralidade, que os professores investigados no estado do Piauí consideram importante que a escola prepare os alunos para a interação eficiente em situações de fala em contextos do domínio público. No entanto, os autores alertam que as ações de formação continuada não têm sido suficientes para que os professores desenvolvam trabalhos com os gêneros orais em sala de aula.
Em decorrência da falta de definições claras sobre tal eixo de ensino, resolvemos, como anunciado anteriormente, analisar a Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe - PE, a fim de investigar quais orientações sobre o ensino da oralidade são disponibilizadas no documento e investigar as opiniões de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, da mesma rede de ensino, sobre o que é proposto nesse documento. Para melhor aprofundamento do debate, iniciaremos nossa exposição com uma breve discussão sobre o currículo e sua relação com a prática docente.
A pesquisa foi realizada em duas fases: análise documental e entrevistas.
Inicialmente, analisamos a Proposta Curricular de Camaragibe, no que se refere, mais especificamente, ao eixo da oralidade. Foram utilizados os seguintes procedimentos, com base nas orientações estabelecidas por Bardin (1977):
Leitura inicial do documento, para construção das categorias de análise;
Leitura detalhada da proposta curricular, para responder questões como:
□ Como a proposta curricular está organizada?
□ O documento contempla o trabalho com o eixo da oralidade? Quais são as teorias e os conceitos centrais mobilizados na proposta?
□ A proposta apresenta objetivos referentes ao trabalho com o ensino da oralidade? Quais são?
□ O documento apresenta orientações metodológicas para o ensino deste eixo? Quais são?
Síntese interpretativa dos resultados obtidos.
A segunda fase da pesquisa consistiu da análise de entrevistas. Participaram oito professoras da Rede municipal de ensino de Camaragibe - PE que lecionavam em cinco escolas da mesma rede e possuíam os perfis mostrados na Tabela 1.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, seguindo um roteiro previamente elaborado. De acordo com Manzini (2004), a entrevista semiestruturada possui questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa.
Nessa pesquisa, o guia de perguntas foi elaborado após a análise do documento curricular de Camaragibe - PE. As entrevistas aconteceram em cinco visitas às escolas da Rede Municipal que atendiam crianças dos anos Iniciais do Ensino Fundamental. Como material básico, utilizamos fotocópias do capítulo de oralidade da proposta curricular de Camaragibe, que foram entregues às professoras. Assim, os procedimentos de entrevista foram os seguintes:
perguntas para caracterizar as docentes (dados profissionais).
perguntas gerais sobre o ensino da oralidade (se elas achavam importante ensinar a oralidade, se elas ensinavam, como ensinavam e que dimensões da oralidade ensinavam).
perguntas para investigar quais dificuldades elas encontravam no ensino da oralidade.
leitura compartilhada do documento curricular, mais particularmente, da parte que fala sobre o ensino da oralidade, e, durante a leitura, perguntas sobre como elas interpretavam os trechos do documento, se concordavam com o que estava dito, e se contemplavam as orientações em suas aulas.
Considerando a importância da valorização dos diferentes conhecimentos e habilidades envolvidos no ensino e aprendizagem da linguagem oral, concebemos que é necessário compreender como esse ensino ocorre e quais são as suas dimensões. Para isso, acreditamos que é essencial refletir sobre os documentos oficiais e os livros didáticos, tendo em vista que esses são os documentos que norteiam e orientam o trabalho docente. Portanto, buscaremos discutir um pouco sobre como esses materiais têm tratado o eixo da oralidade.
O currículo, segundo Moreira e Candau (2007, p. 18), pode ser compreendido como
As experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades dos nossos estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas.
Nesse sentido, não se pode restringir as pesquisas sobre currículo apenas às análises sobre documentos curriculares, mas, sem dúvida, as propostas curriculares oficiais fornecem informações importantes sobre as tendências acerca das concepções sobre o ensino que circulam em determinado tempo histórico.
Em relação ao ensino da língua portuguesa, Marinho (1998) relatou que o currículo de Língua Portuguesa passou por diversas mudanças no que se refere às formas de ensino e de aprendizagem. Soares (1998) também comenta que, a partir da década de 1950, ocorreu uma alteração do perfil das propostas curriculares. A prioridade dada ao ensino da gramática, segundo a autora, era marca das décadas de 1950 e 1960, em continuidade às concepções que se estruturaram desde o século XVI até o XIX. Segundo Soares (1996), a partir do Século XVIII, os textos passaram a ser instrumentos de análise da comunicação oral e escrita, no entanto, buscava-se, com base neles, ensinar os recursos gramaticais e poéticos.
Quebrando esses paradigmas, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para os primeiros anos do Ensino Fundamental (Brasil, 1998) defendem que a língua seja vista como um instrumento de interação social. Desse modo, a finalidade de ensino passa a ser a expansão das possibilidades do uso da linguagem. Assume-se que as capacidades a serem desenvolvidas estão relacionadas às quatro habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever. A partir dessa discussão, buscamos compreender como essas mudanças paradigmáticas foram implementadas pelos livros didáticos.
Alguns pesquisadores, como Magalhães (2007) e Leal et al. (2011), discutem sobre as atividades presentes nos livros didáticos em torno do eixo oralidade.
Magalhães (2007, p. 123) constatou, por meio das análises realizadas, que "os livros didáticos consideram atividades de oralidade quaisquer exercícios, reflexões, considerações que envolvam a língua falada, via modalidade oral ou não". Nesse sentido, segundo a pesquisadora:
Os livros abordam geralmente relações entre modalidade oral e escrita, relacionando as variantes e os registros mais distensos à oralidade, enquanto a norma culta padrão e o registro tenso à escrita, fato que proporciona uma maior valorização desta. Esquecem-se de que a oralidade mais formal (mais cuidada, padrão) tem também de ser desenvolvida em ambiente escolar (Magalhães, 2007, p. 86).
Leal et al. (2011), discutindo a mesma temática, mostraram alguns avanços que se referiam à presença do eixo oral nos livros didáticos, ao analisarem quatro coleções aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático de 2004 (Brasil, 2004), voltados aos anos iniciais do Ensino Fundamental. As autoras buscaram inicialmente identificar as diferentes dimensões do ensino da oralidade, depois verificaram se essas apareciam nas coleções analisadas.
Leal et al. (2011) encontraram, nas quatro coleções, 2.638 atividades relacionadas com o trabalho no eixo da oralidade. Tais atividades foram classificadas em quatro categorias: (i) oralização do texto escrito; (ii) reflexões sobre variação linguística, (iii) vocabulário e relações entre fala e escrita; (iv) produção e compreensão de textos orais. As autoras constataram que, embora todas as coleções tivessem atividades voltadas para a aprendizagem de habilidades relativas à oralidade, a predominância era de propostas de situações informais: conversas em grupo, interpretação oral de textos. Poucas situações contemplavam planejamento, realização e avaliação de uso de gêneros mais formais. Outra ressalva feita pelas autoras às obras analisadas foi "a ausência de propostas em que as crianças possam analisar textos orais na modalidade oral e não como um texto 'transcrito'..." (Leal et al., 2011, p. 13).
Consideramos, portanto, que existem avanços na discussão sobre esse eixo de ensino tanto nos documentos oficiais quanto nos livros didáticos, sendo necessário entender melhor os modos como os docentes estão lidando com tais debates.
Autores como Magalhães (2007) e Signorini (2001) evidenciam que, apesar de a fala estar presente em diferentes esferas sociais e assumir, nessas esferas, papel crucial nas interações humanas, com maior frequência, inclusive, que a escrita, na escola, ela não tem tido muita atenção dos profissionais. Não há, via de regra, reconhecimento de que essa instituição tenha como uma de suas prioridades auxiliar os estudantes a ampliar suas habilidades de uso da fala.
Leal et al. (2010), em uma pesquisa que analisou a prática de cinco professoras do segundo ano do segundo ciclo do Ensino Fundamental de escolas públicas do Recife, investigaram os modos como essas professoras orientavam seus trabalhos no eixo da oralidade. Foram observadas 75 aulas. Os resultados encontrados mostraram que as professoras se preocupavam com o ensino da oralidade na escola, porém, os gêneros orais nas aulas foram sempre a conversa informal e a discussão.
As autoras perceberam que as docentes "contemplavam, em sala de aula, situações de tratamento da argumentação oral" (Leal et al., 2010, p. 22). Contudo, essa prática era espontaneísta, ou seja, eram realizadas atividades de forma intuitiva, sem um planejamento sobre quais habilidades orais deveriam ser ensinadas ou sobre o modo como tal ensino deveria acontecer. Diante desses resultados, percebemos que, para as docentes investigadas, havia uma ideia de que atividades que estimulam a fala em situações informais são suficientes para o trabalho com a linguagem oral. Tal concepção também está presente em livros didáticos.
A partir dos dados encontrados, podemos dizer que, embora a incidência de trabalhos voltados para o ensino da oralidade nas práticas das professoras e nos livros didáticos seja mais recorrente nos dias atuais, ainda há pouca sistematização desse ensino, sendo necessário orientar melhor os professores acerca desse eixo do trabalho pedagógico. Por tal motivo, propusemos esta pesquisa, que poderá contribuir para aprofundar tal debate.
Para realizarmos a análise dos nossos dados, tomamos como categorias as dimensões de ensino da oralidade de Leal, Brandão e Lima (2011), apresentadas anteriormente: (i) valorização de textos de tradição oral, (ii) variação linguística e relações entre fala e escrita, (iii) oralização do texto escrito, (iv) produção e compreensão de gêneros orais. Portanto, as reflexões a seguir serão aportadas por essas dimensões.
A proposta Curricular de Língua Portuguesa de Camaragibe foi elaborada em 2009 e possui 50 páginas. É baseada na concepção de língua como enunciação, pois valoriza a interação do aluno com o outro e com a própria língua, de acordo com suas práticas socioculturais. Está subdividida em eixos de ensino da Língua: apropriação do sistema alfabético de escrita; leitura e produção de textos escritos; linguagem oral; análise linguística.
Inicialmente, a proposta fala das mudanças ocorridas nas últimas décadas no ensino de Língua Portuguesa. Afirma que essas mudanças foram influenciadas pelas concepções sociointeracionistas propostas por Vygotsky, que concebe a língua como espaço de interação. Indica a necessidade do trabalho com os diversos gêneros discursivos, a partir do pressuposto de que os gêneros são instrumentos culturais construídos ao longo da história para atender às variadas funções sociocomunicativas.
Cada eixo de ensino é tratado individualmente, contudo, são todos relacionados uns com os outros, com apresentação de suas características, as habilidades e os conhecimentos específicos que devem ser contemplados no ensino, exemplos de situações de sala de aula, sugestões didáticas.
No tópico dedicado ao eixo Linguagem Oral, a proposta traz como objetivo geral um trabalho sistemático de produção e compreensão de gêneros orais, além da reflexão sobre eles. Traz ainda a importância do trabalho com a relação entre fala e escrita e da reflexão sobre as variações linguísticas. Sobre tal eixo, trataremos adiante mais detalhadamente.
Como nosso interesse foi analisar a proposta curricular, para investigar as orientações dadas para o ensino da linguagem oral, fizemos uma releitura detalhada do documento e preenchemos um quadro que elaboramos com todas as orientações relativas direta ou indiretamente ao eixo da oralidade. Posteriormente, nesse mesmo quadro, incluímos os comentários das professoras sobre o currículo, mapeando as relações entre o que estava dito no documento, o que as professoras diziam ensinar e suas opiniões sobre as orientações presentes no documento. As categorias usadas para a organização dos dados foram as mesmas construídas por Leal et al. (2011) para o ensino da oralidade, que são: valorização de textos de tradição oral; oralização do texto escrito; variação linguística e relações entre fala e escrita; produção e compreensão de gêneros orais.
Essa dimensão do ensino da oralidade está firmada com base no pressuposto de que a escola deve valorizar os textos de tradição oral como forma de valorizar o repertório cultural transmitido de uma geração a outra e valorizar as pessoas que propagam esses textos.
O documento curricular analisado propõe que em todos os anos de escolarização sejam realizadas intervenções didáticas que contemplem alguns agrupamentos de gêneros textuais. Dentre esses agrupamentos, há um que reúne os textos de tradição oral, poemas e músicas (Camaragibe, 2009, p. 317). São citados alguns gêneros importantes para o ensino nos anos iniciais, como: parlendas, trava-línguas, canções, provérbios, entre outros. Não há, no documento, orientações mais específicas acerca de como o trabalho com esses gêneros pode contribuir para o ensino da oralidade. Apesar da ausência dessa discussão, é informado, no quadro da listagem dos conhecimentos e habilidades, que é preciso ensinar as crianças a "valorizar os textos de tradição oral, reconhecendo-os como manifestações culturais" (Camaragibe, 2009, p. 337).
De uma forma geral, percebemos que todas as professoras concordavam com a orientação proposta no parágrafo anterior, reconhecendo a importância desse ensino. No entanto, nenhuma delas relatou claramente experiências em que tenha trabalhado com tais textos. Na entrevista inicial, em que foi questionado se as professoras ensinavam oralidade e foi pedido que elas relatassem suas experiências, apenas duas delas relataram atividades envolvendo tais gêneros, mas as respostas foram vagas, como, por exemplo, aparece na fala da professora P4:
Eu concordo, é quando fala aqui de parlendas, e geralmente no início da aula, aí eu nunca chego assim e digo logo "vamos corrigir a tarefa", tem toda aquela coisa de o repertório de cada dia é... a recepção aonde cada aluno vai sentar cada dia, aí no início da aula fazemos a oração e às vezes acontece de eu iniciar uma parlenda e eles continuam fazendo isso pra mim. Também estou trabalhando a questão da oralidade, notícias também...
Foi possível perceber, portanto, que, tal como ocorre no documento curricular, essa dimensão é citada como importante no processo pedagógico, mas não há descrições claras do que fazer para que se alcance o que é posto como desejável no ensino da oralidade.
Quanto à segunda dimensão proposta (variação linguística e relações entre fala e escrita), Bagno (1998, p. 168) afirma:
Estudar, ensinar e aprender uma língua, em uma perspectiva sociolinguística, são tarefas para aqueles que conseguem perceber a dinamicidade a que ela está exposta e derrubar o mito de que somente a língua padrão é a única forma correta de pensar esse ensino/aprendizagem.
Também na década de 1990, Ramos (1999) faz o alerta de que o trabalho com oralidade na escola pode minimizar o preconceito linguístico, que provoca a exclusão de uma camada da população. Segundo a autora, ao partir da reflexão sobre formas não prestigiadas socialmente, pode-se sinalizar para os estudantes que sua forma de falar é reconhecida e valorizada. Além disso, o tratamento didático dessas variações poderia ajudar os estudantes a entender as razões de natureza social, e não linguística, para a existência do preconceito contra os que utilizam as variedades não padrão.
Fávero et al. (2005) também evidenciam a importância desse enfoque no trabalho docente, salientando que é papel do professor mostrar que existe uma grande variedade de usos, dos níveis mais formais aos informais, nas modalidades falada e escrita.
A variação linguística é uma dimensão contemplada na proposta. No documento, é dito que é muito importante que os alunos valorizem a fala e suas variações, sabendo que a sociedade, em alguns momentos, cobrará modos diferentes de se comunicar e expressar, que atendam às regras gramáticas ditadas pela sociedade, a norma padrão:
Além do trabalho voltado à produção e compreensão de gêneros orais e reflexões sobre suas relações com a escrita, são contemplados, também, no eixo da oralidade, objetivos relativos à reflexão sobre o fenômeno da variação linguística. Consideramos que é indispensável conduzir os alunos a uma tomada de consciência acerca dos diferentes preconceitos que permeiam as relações sociais, assumindo que o preconceito linguístico é um deles (Camaragibe, 2009, p. 335).
De acordo com Leal et al. (2011), esse trabalho deve ser realizado paralelamente ao trabalho de reflexão sobre as relações existentes entre a fala e a escrita, para que os alunos percebam que a fala é tão importante quanto a escrita e que também é regida por regularidades.
A proposta insere a seguinte afirmação, que condiz com essa discussão:
Precisam, por exemplo, reconhecer que há semelhanças entre um texto oral, em que ensinam um colega a participar de uma brincadeira, e um texto escrito, em que são divulgadas as instruções de uma brincadeira em um almanaque, e que há diferenças entre essas duas modalidades (Camaragibe, 2009, p. 335).
No que diz respeito à variação linguística, todas as professoras entrevistadas concordaram com a proposta curricular de que é necessário trabalhar com variação linguística na escola, porém, algumas demonstraram pouco conhecimento sobre esse conceito, como podemos perceber na fala da professora P3:
Porque a gente pode trabalhar com leitura, livros que falam melhor que a gente desses preconceitos, feito a menina bonita do laço de fita, que trata muito bem desses preconceitos... e a gente trabalha essa questão, porque na sala de aula tinha uma menina bem negrinha, e ela não tinha nome, os meninos chamavam de negrinha, então a gente deve trabalhar essa questão com os livros, porque aí pra eles, não é você que está falando e sim um livro... também tinha um menino mudo...
Pode-se perceber que a docente não compreende o preconceito linguístico como um preconceito de fala, pois ela relatou que trabalhava com o preconceito linguístico referindo-se ao uso de livros para trabalhar o preconceito de raça, e de deficiência auditiva. Ao explicarmos que se tratava de preconceito linguístico, ou seja, de preconceito com as várias formas de falar existentes, ela disse: "é eu trabalho também, a partir dos livros".
Também foi possível perceber que algumas professoras acreditavam na necessidade de trabalhar com a variação linguística como um suporte para mostrar a importância do uso da norma padrão, das normas gramaticais e do vocabulário, preocupando-se com a correção da fala dos alunos. Podemos perceber isso no trecho de entrevista da professora P5:
É a questão do preconceito linguístico, realmente existe na sociedade um preconceito muito grande com as pessoas de outra região, que não sabe o que falar, a questão do falar errado, que têm que falar a norma culta. É você policiar eles? É, é sim! Mas também é você respeitar as diferenças, sabendo que aquilo é um hábito de vivência deles, e a gente tem que apresentar a... a norma correta.
Apenas duas professoras relataram o trabalho com a variedade linguística, mostrando aos alunos as diferenças dialetais existentes, contudo, podemos perceber em um dos trabalhos relatados que uma das estratégias utilizadas foi uma transcrição de um dialeto rural para uma linguagem formal:
A gente trabalhou com um cordel cantado, que é Vaca Estrela e Boi Fubá, não sei se você conhece! Aí eu trabalhei com eles esse cordel, que tem uma linguagem bem rural, né? A gente ouviu a música, cantamos, que é um trabalho com a oralidade, analisou o texto e o trabalho que eu pedi depois foi que eles transcrevessem o texto com as palavras de como seria a linguagem formal daquele dialeto regional, no caso da linguagem do autor, né? (P1).
Foi realizado um trabalho de variação linguística, porém, a docente não valorizou o dialeto e nem houve uma reflexão sobre as diferenças encontradas nas duas formas de falar, a diferença entre as regiões. Não foi desenvolvida uma reflexão sobre a variação linguística, que, como ela mesma havia falado, é algo que existe e que a linguagem varia de acordo com vários aspectos. Foi mostrada apenas a diferença do vocabulário de uma linguagem informal e uma formal.
Sobre a dimensão "relação entre fala e escrita", o resultado foi semelhante. Todas as professoras disseram que concordavam com a proposta, reconhecendo a importância do trabalho com atividades de relação entre fala e escrita nas quais os alunos precisam perceber as semelhanças e diferenças entre essas duas modalidades, contudo, apenas quatro docentes narraram algum trabalho realizado acerca das relações entre fala e escrita. Uma atividade muito interessante foi relatada pela professora P1:
Foi essa questão das instruções de brincadeiras, eu tava trabalhando toda a parte que envolve o folclore, entre eles tava a brincadeira popular e cada um tinha que trazer uma brincadeira de casa, tinha que pesquisar sobre uma brincadeira antiga, um grupo de brincadeiras antigas e outro atuais, para fazer a comparação. Na hora do recreio a gente vivenciou cada uma delas, e quem trouxe tinha que explicar as regras do jogo oralmente...
Outra professora disse que achava importante trabalhar as diferenças entre a fala e a escrita, dando um exemplo com a receita culinária, com reflexões sobre as diferenças entre as duas modalidades.
Outras professoras que relataram experiências mostraram dificuldades conceituais acerca do tema. A professora P3 relatou que trabalhava essas relações entre fala e escrita selecionando alguns gêneros, como poema e poesia, para que os alunos lessem e apresentassem em grupo. Fica implícito na fala que ela considerava que poema é um texto escrito e poesia é um texto oral. Ela disse que trabalhava as diferenças e semelhanças entre as duas modalidades, no entanto, o relato da atividade mostrou que era uma atividade de oralização de texto escrito, já que os alunos selecionavam poemas e faziam a leitura em voz alta.
A professora P8 informou que trabalhava com os alunos da seguinte forma: diante de uma atividade que eles respondem oralmente, ela pedia que em seguida eles escrevessem suas respostas,
porque se pensa que o outro sabe o que está querendo dizer por escrito e não é bem assim, aí eu peço que ele releia, veja, aí eles relêem, era isso? Porque eu entendi isso, você queria dizer isso? Não, eu queria dizer isso assim, assim, assim, aí eu faço: tá vendo como é diferente? aí eu mando: vai lá e faz de novo o teu escrito, oralmente eles são bem melhores do que escrevendo e eles percebem a diferença do escrito deles pra fala, porque eles explicando são ótimos (risos), quando se faz uma pergunta eles respondem uma maravilha, aí bota no papel, ninguém entende o que queria dizer...
A docente percebia que existem diferenças e semelhanças na fala e na escrita, compreendia a dificuldade que os alunos tinham para fazer essa relação, relatando um trabalho de reflexão junto com os alunos sobre essas duas dimensões, mas tinha uma concepção dicotômica de que a oralidade é simples e a escrita é complexa, evidenciando que não entendia a enorme diversidade entre gêneros orais e entre gêneros escritos.
Os dados mostraram que as professoras, ao tratarem sobre as relações entre fala e escrita evidenciavam confusões conceituais e visão limitada acerca dessas relações, contradizendo o que proposto por Signorini (2001, p. 11), que estabelece que a função complementar do oral e do escrito nas práticas de letramento traduz-se, principalmente, "pela sobreposição e imbricamento dessas duas modalidades numa mesma atividade de comunicação social". Há, nessa perspectiva, a necessidade de considerar a imensa complexidade das relações entre as duas modalidades nas diversas situações sociais de interação.
Como pode ser verificado, havia, entre as professoras, a concordância de que há variação na fala e relações entre fala e escrita, mas havia dificuldades conceituais que atrapalhavam o planejamento e realização de atividades relativas a tal dimensão do ensino.
Esta dimensão envolve ações como a leitura em voz alta; a recitação de poesias; a representação teatral, em que um determinado texto foi decorado; a notícia televisiva, em que o jornalista lê um texto; dentre outras situações. É uma abordagem que articula os eixos de oralidade e de leitura, pois envolve tanto o desenvolvimento da fluência da leitura quanto de algumas habilidades típicas da comunicação oral.
Para alguns autores, como Marcuschi (2003), a oralização da escrita não seria uma dimensão do ensino da oralidade, pois não há, nesses casos, produção de um gênero oral. Assumindo uma posição diferente dessa, Dolz et al. (2004) acreditam que estão envolvidos nessas atividades aspectos como: a altura da voz, a velocidade, o gerenciamento das pausas nas apresentações, etc. Além desses aspectos, a oralização envolve, ainda, a gestualidade e o olhar, dentre outros, que estão na interseção entre oralidade e escrita.
De acordo com Dolz et al. (2004), na didática em que se privilegia o ensino da expressão oral, o importante não é apenas evidenciar o oral e trabalhar exclusivamente aspectos da fala, mas conhecer diversas práticas orais e as relações que esta mantém com a escrita.
Apesar de a proposta não abordar a dimensão oralização do texto escrito, cinco entre as oito professoras entrevistadas mencionaram atividades que podemos relacionar com essa dimensão: leitura em voz alta, leitura de texto e escrita de resumo para posterior leitura para toda a turma.
O trabalho didático que objetiva o ensino de gêneros orais, com foco na produção, compreensão e análise é a principal dimensão do trabalho no eixo da oralidade, tal como vem sendo defendido por muitos autores, dentre os quais os que já foram citados nos tópicos anteriores deste artigo.
Leal et al. (2011, p. 7) afirmam que se deve, na escola, desenvolver habilidades bastante variadas, que vão desde atitudes de respeito ao que o outro fala, monitoramento de seu próprio tempo de fala, escuta atenta ao que o outro diz, até conhecimentos relativos à forma composicional de diferentes gêneros, como seminários, notícias orais, debates regrados, ou mesmo conhecimentos relativos aos papéis desempenhados pelos envolvidos em uma determinada situação de interação, como em um júri.
Geraldi (1984) alerta, também em relação a essa dimensão do ensino da oralidade, que os gêneros orais são regulares e, muitas vezes, em situações públicas, são difíceis de serem construídos. Segundo tal autor, a escola, portanto, deve preparar os alunos para a vivência na sociedade, sabendo-se que essas situações farão parte das suas práticas sociais. Essa discussão já foi levantada por diversos autores, como, por exemplo, Dolz et al. (2004).
As reflexões sobre as especificidades dos diferentes gêneros e a necessidade de contemplar aspectos variados do trabalho com eles também tem sido recorrente entre diferentes autores. Lima e Beserra (2012), por exemplo, discutem sobre o gênero debate, mostrando a complexidade das práticas de linguagem em que ele circula e o papel do professor como mediador da aprendizagem, podendo ajudar os estudantes a encontrar estratégias que permitam o desenvolvimento das habilidades necessárias à sua inserção em situações formais de debate, sobretudo, na fase de planejamento.
Leal e Seal (2012) e Melo et al. (2012), ao tratarem do ensino da oralidade, evidenciam a multiplicidade de possibilidades no trabalho com entrevistas, mostrando os diferentes tipos de entrevistas e os modos como as relações entre fala e escrita podem ser abordados em sala de aula. Leal e Seal (2012) mostram tais possibilidades concretizadas em propostas didáticas presentes em livros didáticos de História destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental, e Melo et al. (2012) enfatizam a dimensão multimodal desse gênero.
Outros autores também vêm fazendo a defesa de um ensino centrado no trabalho com os gêneros orais, destacando variados tipos de aprendizagem possíveis e relatando experiências que evidenciam tal potencialidade.
Na proposta curricular, tal dimensão é enfatizada, pois são várias as ocorrências de trechos em que detalhes do trabalho pedagógico com produção e compreensão de gêneros orais aparecem.
Um primeiro aspecto tratado na proposta curricular e com o qual todas as professoras disseram concordar é o que trata das situações de conversa / discussão em situações escolares para tomar decisões ou realizar / socializar saberes, de modo paralelo às situações com gêneros mais formais. O documento diz que
Diferentes situações de uso da oralidade são, assim, contempladas, desde as mais informais, que dizem respeito às interações cotidianas para resolver os problemas escolares e dar conta das tarefas propostas nas diferentes áreas de conhecimento, quanto as mais formais, semelhantes às práticas não familiares e não escolares, como a realização de entrevistas, debates regrados, notícias radiofônicas, dentre outras (p. 334).
Na entrevista inicial, a professora P7 afirmou que:
Já vivenciei essa situação. Por exemplo, eu fiz um trabalho com eles nesse semestre passado sobre Olhar o Brasil e ver a África. Então, eu apresentei até lá na Federal, então a gente entrevistou um africano natural, e eu tive toda essa preocupação, além de ele ser diferente, a cultura, aquela questão toda, a questão física também, a linguagem também, então a gente fez todo um estudo em cima do que seria a cultura, do que seria olhar o Brasil e ver a África, o que a gente trouxe de herança. A gente estudou isso na sala, elaborou as perguntas em sala de aula, perguntas individuais, aí depois perguntas coletivas, aí depois passou pela peneira e selecionamos 10 e no dia ele veio, sentou, a gente fez um grande círculo e os meninos fizeram perguntas, ele respondeu e foi muito bom.
No relato, é possível perceber que houve um trabalho que contemplou tanto o gênero entrevista, que requer uma preparação e monitoramento da fala, até as situações de discussão em sala de aula durante toda a execução do projeto.
Outro aspecto citado no documento é em relação às discussões sobre o planejamento de intervenções orais em situações públicas. O documento afirma que:
Nesses casos, espera-se que os alunos aprendam que as situações de fala pública precisam ser vivenciadas com estratégias de preparação. Assim, por exemplo, para realizar uma entrevista, a escola deve auxiliar os alunos, no que concerne à elaboração do roteiro de perguntas e antecipação de como irão tratar o interlocutor, que grau de formalidade irão adotar, etc. As apresentações ou recitações de textos, por sua vez, precisam ser ensaiadas, de modo a conseguir atrair e envolver, da melhor forma possível, a audiência (Camaragibe, 2009, p. 334).
Todas as professoras concordaram com tal afirmação e três docentes tinham, logo no início da entrevista, relatado experiências voltadas a tal objetivo. Essas professoras afirmaram que primeiro conversavam com os alunos, explicavam a estrutura de uma entrevista, os tipos de perguntas a serem realizadas, socializavam as perguntas e selecionavam as que julgavam mais adequadas. As docentes também diziam utilizar o debate de forma a favorecer o desenvolvimento da argumentação. Em um desses casos, a professora valorizava a apresentação pública, pois, além de os alunos apresentarem para sua própria turma, apresentaram também para o restante das turmas da escola.
Escutar com atenção textos de diferentes gêneros, analisando-os criticamente, também é uma orientação presente no documento curricular (Camaragibe, 2009, p. 336). As professoras concordaram com tal pressuposto, mas nenhuma explicou o que fazia para ajudar as crianças a desenvolver tal habilidade.
No documento, há detalhamento sobre quais agrupamentos de gêneros orais deveriam ser trabalhados. Propõe-se que sejam realizadas atividades para auxiliar as crianças a "produzir oralmente textos da ordem do narrar e relatar (história oral, depoimento, casos, anedotas, contos...), atendendo a diferentes finalidades e utilizando recursos próprios dos gêneros em uso" (Camaragibe, 2009, p. 336).
As professoras mostraram concordância com tal pressuposto. Na parte inicial da entrevista, duas professoras afirmaram que realizavam atividades como leitura de fábulas, poemas, contos de fadas, fazendo uso de recursos metodológicos como amplificador e microfone. Tais situações, como pode ser observado, priorizavam o trabalho de oralização de textos escritos. Não foram relatadas situações de contação de histórias, relatos pessoais ou outros gêneros orais em que as crianças precisassem narrar fatos.
"Produzir oralmente textos da ordem do descrever ações (instruções de brincadeiras, itinerários, prescrições de comportamento), atendendo a diferentes finalidades e utilizando recursos próprios dos gêneros em uso" (Camaragibe, 2009, p. 336) também é uma recomendação do documento. As professoras consideraram que era importante tal tipo de preocupação e três delas, logo no início da entrevista, já tinham relatado experiências com tais espécies textuais.
Há outro bloco de textos recomendados na proposta curricular com a finalidade de auxiliar as crianças a "produzir oralmente textos da ordem do expor e do argumentar (discussão, debate regrado, exposição didática / seminário), atendendo a diferentes finalidades e utilizando recursos próprios dos gêneros em uso" (Camaragibe, 2009, p. 337). As professoras também ressaltaram a relevância de tal ensino, e três professoras relataram atividades com tal intenção. Podemos citar o exemplo da professora P8:
Os seminários que a gente faz em sala de aula com eles, aí a gente trabalha os seminários, eles ensaiam pra depois sair de sala em sala apresentando o que foi feito sobre a água, a importância da água, o uso. Então, um grupo de alunos ensaiaram na sala e depois foram apresentar cartazes produzidos e trabalhar a oralidade desse jeito...
Alguns objetivos relativos à produção e à compreensão de textos orais aparecem no documento, mas sem maior discussão sobre como o professor pode colocar isso em prática na sala de aula. Talvez, por isso, as professoras não tenham citado nenhuma atividade relacionada a dois deles: "Escutar, com atenção, textos de diferentes gêneros, analisando-os criticamente" e "Avaliar se textos orais são pertinentes e consistentes, considerando as finalidades e características dos gêneros".
Segundo Moreira e Candau (2007), o currículo deve se tornar instrumento / espaço para pesquisa dentro da escola, ou seja, o professor deve estar em constante busca pela compreensão do currículo, tornando-se um professor pesquisador que busca o conhecimento necessário para materializar o currículo na sala de aula.
Nessa pesquisa, buscamos analisar um documento curricular e a relação de oito docentes com esse documento, investigando as opiniões acerca das orientações difundidas na proposta e os modos como tentam concretizar as orientações presentes no documento.
Com base na análise documental, pôde-se concluir que a Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe-PE contempla o ensino da oralidade, apresentando não apenas os princípios gerais, mas também as habilidades e conhecimentos a serem construídos e orientações didáticas. Considerando-se as quatro dimensões do ensino da oralidade definidas por Leal et al. (2011), foi possível constatar que o documento aborda três delas: valorização de textos de tradição oral; variação linguística e relações entre fala e escrita; produção e compreensão de textos orais.
Todas as professoras relataram em entrevista alguma atividade de ensino da linguagem oral, sejam elas em produção e compreensão de textos orais, variação linguística, valorização de textos de tradição oral ou oralização de textos escritos, o que nos revela o reconhecimento, por parte delas, da relevância que esse ensino tem. Porém, as atividades relatadas eram, em sua maioria, sem objetivos claramente definidos. Com maior frequência, eram usados gêneros informais, como conversas e diálogos.
As entrevistas nos revelaram também vários equívocos teóricos, evidenciando a necessidade de maior investimento no tema nas formações iniciais e/ou continuadas, bem como no cotidiano das escolas.
Diante de tudo que os resultados dessa pesquisa nos apresentaram, reforçamos, aqui, a necessidade de se realizar mais pesquisas que repensem os conteúdos, metodologias, recursos didáticos e condições de trabalho para que os professores desenvolvam um trabalho mais significativo na sala de aula com o eixo da oralidade.