Resumo: Neste artigo, recortamos algumas análises desenvolvidas a partir de interrogações da pesquisa intitulada "Políticas Curriculares do Ensino de História: os jogos de tempo e jogos de linguagem". Essa pesquisa possui um recorte de análise que busca investigar os sentidos de sujeito e tempo na política curricular de história da rede municipal de uma cidade catarinense, construída pelos professores, no contexto das orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de História. Nesse recorte específico do artigo, analisamos os sentidos de tempo dessa política curricular e tomamos como empiria o currículo em vigência, elaborado em 2011, que é analisado a partir de sugestões das "cadeias de equivalências", "significantes vazio" e disputas por "hegemonias" trabalhadas por Ernesto Laclau (2011). No campo da Educação e do Currículo, nos aproximamos dos trabalhos de Alice Casemiro Lopes (2012), Alice Casemiro Lopes e Danielle dos Santos Matheus (2011), como também das produções de Elizabeth Macedo (2006, 2009) e, ainda, dos escritos de Carmen Teresa Gabriel (2011, 2013). Na primeira seção, fazemos uma breve cartografia das discussões sobre tempo no que importa para um breve panorama das discussões convencionadas sobre o tema em múltiplas áreas do conhecimento e, na sequência, destacamos as discussões do conceito de tempo consolidadas no campo da História, assim como as discussões relacionadas ao tempo e ao ensino da História. A partir desses argumentos, socializamos as análises acerca dos sentidos de tempo que são mobilizados nessa política curricular.
Palavras-chave: currículocurrículo,políticas públicaspolíticas públicas,ensino de históriaensino de história,tempotempo.
Abstract: In this article, we selected some analyses developed from questions of the entitled research Curriculum policies of the History teaching: the time games and language games. This project has a profile that investigates the senses of subject and time in the curriculum policy of History of the municipal schools of a Santa Catarina city, built by teachers, in the context of National Curriculum Parameters of History orientations. In this specific part of the article, we analyzed the senses of time of that curriculum policy and took as empiricism the current curriculum, created in 2011, that is analyzed from the suggestions of "chains of equivalence", "significant void" and disputes by "hegemonies" studied by Ernesto Laclau (2011). In the field of education and curriculum, we approached the research by Alice Casimiro Lopes (2012), Alice Casemiro Lopes and Danielle dos Santos Matheus (2011), as also the investigations by Elizabeth Macedo (2006, 2009) and the theories by Carmen Teresa Gabriel (2011, 2013). In the first section, we did a brief cartography of the discussions about time considering what matters to a short panorama of the established debates over the theme in multiple areas of knowledge. In sequence, we highlighted the discussions in the consolidated concept of time in the field of History, as well as the ones related to time and teaching of History. Based on those arguments, we socialized the analyses about the senses of time that are mobilized in this curriculum policy.
Keywords: curriculum, public policies, History teaching, time.
Artigos
As linhas ou alinhavos do tempo: jogos de linguagem e os sentidos de tempo nas Políticas Curriculares de História
The lines or basting thread of time: Language games and the senses of time on History Curriculum Policies
Recepção: 19 Dezembro 2014
Aprovação: 12 Agosto 2016
A reflexão sobre o tempo ou sobre as representações acerca do tempo tem ocupado os trabalhos de intelectuais há milênios. A categoria de tempo como um conceito carregado de sentido polissêmico é objeto da Filosofia, da Teologia, da Física, da História, da Psicologia e das Ciências Sociais, dentre outros campos de estudo. No entanto, ainda que existam tantas possibilidades de estudos e reflexões, é possível afirmar que as reflexões sobre o tempo são pouco concludentes e que não há consenso nos estudos, ao contrário, protagonizam disputas concorrenciais e epistemológicas de sentido. Esses estudos concentram-se, por exemplo, no tempo físico, objetivo, natural, biológico, astronômico, geológico, o tempo cronológico, o tempo subjetivo, o tempo social e o tempo histórico.
As reflexões deste artigo são um recorte de uma pesquisa de dissertação de mestrado, intitulada "Políticas Curriculares do Ensino de História: os jogos de tempo e jogos de linguagem"2, que problematiza as políticas curriculares para o Ensino de História, de 1997 a 2011, construídas no interior da rede municipal de ensino de Joinville, SC, e que tem como objetivo investigar e problematizar os jogos de linguagem utilizados nos textos dessas políticas curriculares que engendram sentidos de sujeito e de tempo. Especialmente nesta oportunidade, trataremos das análises sobre o tempo - esse objeto tão abstrato, com definições inconclusas e, na História e seu ensino, carregado de sentidos concorrenciais.
A pesquisa em questão possui como recorte cinco documentos curriculares, que marcam o movimento de construção dessas políticas nessa rede, desde que passou a ter seu documento base, o que coincide também com o período pós Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 1990. Para o recorte que nos propomos neste artigo, deteremo-nos nos sentidos de tempo da política curricular de história que está em vigência desde 2011.
O documento eleito para análise foi construído por meio de um processo de assembleias nas quais todos os professores da rede foram convocados a participar. Esse movimento democrático de assembleias evidencia, sobretudo, o espaço do currículo como campo de disputa e significações, ou seja, o documento em análise se caracteriza como um texto que materializa sentidos e dispara ações políticas pedagógicas a partir dos sentidos que engendra. Sentidos em disputa por hegemonia que são tensionados no jogo da representação posto no interior das políticas curriculares. Concordamos com as reflexões propostas por Alice Casimiro Lopes (2012), quando ela problematiza a capacidade de uma política representar os interesses dos envolvidos na escola, como protagonistas do processo de sua construção, e, a partir das análises sobre os limites das representações democráticas da autora, assumimos por políticas de currículo um espaço de constantes sentidos em disputa e contestação.
Em consonância com esse entendimento, o caminho teórico de análise privilegiado aqui são algumas proposições sugeridas por Ernesto Laclau (2011), especificamente as "cadeias de equivalências" e sua relação com essa disputa pelos sentidos hegemônicos. Para o cientista político e teórico do discurso Laclau (2011), os processos sociais de disputas por hegemonia são expressos no domínio de significação do espaço cultural, no nosso caso específico, o currículo de História. O processo de significação, de construção das "cadeias de equivalência", é, ao mesmo tempo, uma inclusão e uma exclusão, associa e dissocia significantes na medida em que preenche, provisoriamente, o "significante vazio". "A presença de "significantes vazios" - no sentido que temos definido - é a própria condição da hegemonia" (Laclau, 2011, p. 77), e, continua o autor, "a operação hegemônica seria a apresentação da particularidade de um grupo como a encarnação do "significante vazio" que faz referência à ordem comunitária como uma ausência, uma realidade não preenchida" (Laclau, 2011, p. 78). Isso porque, para que haja hegemonia, é preciso que haja, antes, espaço de disputa pela significação. Hegemonizar é cumprir a função de preenchimento do "significante vazio", no nosso caso específico deste artigo, a definição do sentido do tempo histórico que será ensinado no currículo de História. Em cada parte da textualidade no interior do currículo, acionar metáforas, catacreses, sinônimos ou qualquer categoria de palavras capaz de regular os sentidos para esse "tempo histórico" torna-se o próprio movimento de funcionamento político discursivo. Esse processo de significação só se realiza porque existem, antes, espaços políticos de disputa de poder, espaços que se circunscrevem em conceitos. O "tempo", tomado aqui como um "significante vazio", é esse espaço que revela disputas de poder por significação. Ao apresentar, como propõe Ernesto Laclau (2011), "cadeias de equivalências", associadas ou à linearidade, ou à repetição ou ao movimento dialético, aliena-se/funde-se, faz-se funcionar o sentido hegemônico (mesmo que possível de ser provisório) no imaginário escolar através da política curricular proposta.
Cumpre marcar, ainda, a proeminência das teorias do discurso de Ernesto Laclau para as pesquisas no campo do currículo. Destacamos a discussão teórico-metodológica construída por Oliveira et al. (2013), no sentido de evidenciar possibilidades e condições para a articulação da Teoria do Discurso de Laclau na realização de pesquisas empíricas em educação. Em zona de análise aproximada, destacamos também o trabalho de Burity (2010), que se utiliza de perspectiva discursiva para interrogar os vínculos entre a educação e o político.
No que diz respeito aos estudos de Currículo que buscam avançar na análise de problemáticas no sentido de produzir outras significações no campo e participar da arena política em que múltiplos sentidos do que vem a ser currículo são disputados, há que se chamar a atenção também para os trabalhos de Lopes e Matheus (2011) e Lopes (2012), como também para as produções de Macedo (2006, 2009) e, ainda, para os escritos de Gabriel (2011, 2013), que nos empresta algumas palavras e no ajudam a justificar nossas escolhas quando escreve que podemos
Pensá-lo (o Currículo) como um sistema discursivo e como terreno onde se travam lutas identitárias. Isso significa compreender o currículo dessa disciplina como um sistema demarcado no campo ilimitado da discursividade onde são fixados, em permanência, limites entre múltiplos nós, que como tais, produzem múltiplos outros por meio das lógicas da equivalência e da diferença (Laclau; Mouffe, 2004), que garantem a produção e fixação provisória dos limites entre esses diferentes sistemas discursivos em disputa (Gabriel, 2011, p. 129).
As reflexões sobre o tempo, como vimos, não se situam apenas no campo epistemológico da História, mas é nesse campo e, por extensão, nas reflexões sobre o tempo histórico, que centraremos nossos esforços. Para subsidiar essas discussões, iniciamos fazendo uma breve incursão pelos outros estudos citados, com o auxílio de referenciais como Barros (2010), Reis (1996) e Agamben (2005) como forma de situar as reflexões acerca do tempo, com a pretensão consciente de que estaremos com uma grande questão nas mãos: construir uma problematização em algumas páginas, que concentre e sintetize de alguma forma alguns milênios de reflexão teórica, sendo que reconhecemos que, na construção textual, há a possibilidade de omissão ou valorização menor de determinadas discussões, assim como a prevalência de outras. Esse recorte, porém, possui uma orientação a partir de autores bastante conhecidos no curso de formação inicial dos professores de História da universidade comunitária local, que, por sua vez, "forma" a grande maioria dos profissionais do ensino de história da região - sujeitos que participaram da feitura desse currículo analisado. Após esses esforços, buscaremos marcar também alguns estudos que associam à reflexão a categoria de tempo histórico e o seu vínculo com o ensino de história, dada a centralidade dessa categoria ou desse conceito para a história ensinada. Munidos dessa caixa de ferramentas conceituais e de análise, debruçamo-nos sobre a empiria anteriormente anunciada - o currículo de História atualmente em vigor na rede municipal, na busca de problematizar os jogos de linguagem que engendram sentidos de tempo nesse documento curricular especificamente nos conteúdos relacionados às séries finais do ensino fundamental, ou seja, as séries nas quais o professor que atua na disciplina de história é profissional da área. Fechamos esta escrita com algumas considerações possíveis a partir das análises que empreendemos.
O termo tempo encerra um sentido polissêmico, pois são muitas maneiras de abordá-lo: de um lado, o tempo dos relógios, do calendário, o tempo astronômico; de outro, o tempo psicológico, subjetivo, do individual e coletivo. O tempo histórico, embora difira do tempo cronológico, astronômico, do tempo vivido, subjetivo, experienciado, guarda com essas dimensões relações que não podem ser ignoradas (Siman, 2003, p. 109).
Concordamos com Lana de Castro Siman a respeito da afirmação de que o termo tempo tem sentido polissêmico. No caso do tempo histórico, sobretudo as reflexões mais comuns da perspectiva da história ensinada, que é nossa preocupação central no estudo deste conceito, arriscamo-nos a afirmar que a própria ideia de história existe como interdependente de uma reflexão sobre o tempo, ou mais especificamente, sobre o tempo histórico. Em outras palavras, o conceito de tempo histórico é parte integrante e integradora do próprio conceito de história. Isso significa dizer que, para cada perspectiva teórica da História, ou concepção de História, há também uma diferente perspectiva e concepção de tempo. É a partir dessas ideias que construiremos, também, um panorama de estudos sobre o conceito de tempo histórico. Além disso, nesta seção do trabalho, buscaremos algumas aproximações da relação Currículo, História ensinada e tempo histórico.
No século XIX, uma escola histórica bastante difundida - e até a atualidade -, principalmente no que concerne à história ensinada, possuidora de uma relativa centralidade tanto na esfera curricular, quanto nas práticas docentes, é a chamada escola "metódica", ou "cientificista", ou "positivista".
Para Barros (2010), o projeto positivista seria uma versão conservadora do otimismo iluminista e de sua confiança no progresso, baseados na filosofia de Augusto Comte. Para o filósofo, segundo Barros, todas as sociedades humanas, seguindo o modelo europeu - mais avançado - estariam destinadas a passar por três estágios: o Estado Teológico, o Estado Metafísico e, por fim, o Estado Positivo.
Trata-se de uma noção de tempo histórico, além de "inspirado" no tempo iluminista, apesar de laicizado, baseado também no tempo cristão, principalmente a sua tripartição em presente, passado e futuro. É um tempo linear, progressivo, homogêneo e teleológico, apontando para um destino no qual a humanidade realizaria plenamente o estado positivo. Para José Carlos Reis,
Do ponto de vista "positivista" - positivista é aquele que submete o tempo humano aos ritmos naturais, apagando a diferença entre eles - o tempo do calendário se confunde com o próprio tempo histórico: as sociedades são postas linear e sucessivamente umas em relação às outras, os eventos são postos linear e sucessivamente uns em relação aos outros e localizados com precisão nessa sucessão. [... ] Concebido assim, o tempo histórico ganha uma objetividade, uma positividade, que desfaz todo enigma e oferece uma enganadora solução: ele é a sucessão das sociedades e eventos humanos medidos pela homogeneidade e regularidade do calendário (Reis, 1996, p. 239).
Uma concepção de tempo fundamentalmente relevante para a formação em história crítica, pautada no materialismo dialético, é a concepção hegeliana. Na dialética hegeliana, o tempo é fundado no sentido da negação. O presente nunca é, porque, no instante em que falamos dele, não é mais presente, mas um passado próximo, de acordo com o modelo aristotélico de instante pontual. O tempo nunca apreendido, que só pode ser registrado a partir da sua própria ausência. Para Agamben,
A implicação de representações espaciais e experiência temporal, que domina a concepção ocidental do tempo, é desenvolvida por Hegel no sentido de conceber o tempo como negação e superação dialética do espaço. Enquanto o ponto espacial é simplesmente dialética indiferente, o ponto temporal, ou seja, o instante, é a negação desta negação indiferenciada, a superação da "imobilidade paralisada" do espaço no devir. Ele é, portanto, nesse sentido, negação da negação (Agamben, 2005, p. 119).
A partir da interpretação materialista da dialética hegeliana realizada por Marx, funda-se outra concepção de história teorizada no século XIX e largamente difundida tanto da perspectiva curricular quanto da prática docente - o materialismo histórico. No entanto, para Giorgio Agamben,
Até hoje o próprio materialismo histórico furtou-se assim a elaborar uma concepção de tempo à altura de sua concepção de história. Em virtude dessa omissão, ele foi inconscientemente forçado a recorrer a uma concepção de tempo que domina há séculos a cultura ocidental, e a fazer então conviver, lado a lado, em seu próprio âmago, uma concepção revolucionária da história com uma experiência tradicional de tempo. A representação vulgar do tempo como um continuum pontual e homogêneo acabou então desbotando sobre o conceito marxista de história (Agamben, 2005, p. 111).
Das ideias de Karl Marx e Friedrich Engels sobre a história, sintetizadas na primeira frase do Manifesto do Partido Comunista (1999) "A história de todas as sociedades que tem existido até nossos dias é a história da luta de classes", ou, em outras palavras, o que movimenta a história, o seu motor, é a contradição entre quem detém os meios de produção e quem detém apenas a sua força de trabalho, sendo que, para Barros,
Para os fundadores do Materialismo Histórico existem duas histórias entrelaçadas: a "história da luta de classes' e a 'história dos modos de produção'. Uma está dentro da outra. Os modos de produção sucedem-se na história como grandes épocas ou sistemas econômico-sociais, aos quais corresponde um determinado universo cultural e ideológico perfeitamente ajustado à base econômico-social. As classes sociais em luta estão sempre relacionadas a posições específicas dentro do modo de produção que as fez surgir, e do seu confronto de interesses surgem as contradições que movimentam a dialética do materialismo histórico - não mais uma dialética idealista, como a de Hegel, mas uma dialética materialista, na qual as grandes transformações sempre começam na base econômico-social, a partir do desenvolvimento das forças produtivas (Barros, 2010, p. 203).
A concepção marxista de tempo histórico, nesse sentido, conforme vimos, permanece sendo um tempo progressivo, homogêneo e teleológico. A direção da história, no entanto, se dá no sentido de uma sociedade sem classes, a sociedade comunista. Ou seja, assim como no sentido linear judaico-cristão, existe com o comunismo um ponto de chegada, um juízo final, um paraíso, porém, para chegar a esse fim, o "desenho" do tempo, que antes era em linha e depois a linha em degraus, torna-se, agora, espiral, dialética, herdeira do sentido de negação dialética hegeliana.
No século XX, a teoria da história sofre uma ampla mudança com o surgimento da Escola dos Annales, na França. A partir dos anos 1920, os historiadores pertencentes ao grupo dos Annales passam a construir possibilidades de ruptura com o modelo de tempo contínuo, homogêneo e progressista, dominante na historiografia. Para Reis,
Se a história dos Annales pode se pretender nouvelle é porque presentou, de fato, uma nova concepção de tempo histórico. Desde Febvre a Bloch, a história é nova porque realizou uma mudança substancial no que está no coração do pensamento histórico: a noção de tempo. A discussão sobre o paradigma dos Annales deve, portanto, partir dessa questão crucial para o historiador (Reis, 1994b, p. 19).
O autor escreve também que esse novo tempo histórico se diferencia do tempo filosófico, pois não se trata de um tempo progressivo, mas, sim, pluridirecionado, como também não se trata de um tempo global, mas múltiplo. Trata-se, nesse sentido, de um tempo plural, heterogêneo e descontínuo, e, sendo assim, a perspectiva de um tempo teleológico, com sentido para a salvação, progresso, liberdade, sociedade sem classes ou qualquer outro sentido se torna questionável.
No interior das numeráveis contribuições da escola dos Annales para a teoria da história e para a reflexão sobre o conceito de tempo histórico, a contribuição mais citada é, indubitavelmente, a de Fernand Braudel. Em sua tese de doutorado, denominada O Mediterrâneo nos tempos de Filipe II (Braudel, 1983), como também na obra Gramática das Civilizações (Braudel, 2004), Braudel inova as reflexões a respeito do tempo histórico, baseado fundamentalmente no conceito de ritmo. Nas palavras de Reis,
Na análise temporal de Braudel, o conceito essencial é o de ritmo. O tempo histórico não se revela no tempo calendário, no genealógico ou no arqueológico, que continuam a ser referências básicas, mas nos ritmos de vidas particulares. O Mediterrâneo é um conjunto de ritmos temporais e Braudel pretende ser seu maestro, isto é, ele quer fazer aparecer em uma sinfonia, que é uma certa unidade, os ritmos heterogêneos de suas expressões (Reis, 1994a, p. 78).
Para Reis (1994a, p. 105), Braudel pressupõe que qualquer objeto histórico investigado deve ser situado em uma rede de ritmos e durações temporais diferenciadas, ou seja, em uma dialética da duração. Os ritmos de duração com as quais Braudel teoriza são os tempos longo, médio e curto. Desses três ritmos, o mais relevante, do ponto de vista da teoria de Braudel, é a longa duração. É a partir da ideia de longa duração que ele construirá a diferenciação de tempo sócio-histórico e elaborará as estruturas temporais de menor duração. Trata-se, mais uma vez, de uma concepção de história tripartite, dessa vez, dividida entre a longa duração da vida material e social, as lentas mudanças ou a média duração das conjunturas econômicas e a curta duração dos eventos políticos. Essa concepção de tempos plurais é indubitavelmente uma crítica ao tempo linear e homogêneo da história metódica. Em síntese,
Fernand Braudel fez a tripartição do tempo histórico em "um tempo geográfico, um tempo social e um tempo individual". Cada um deles segue um ritmo próprio: assim, o primeiro é quase imóvel; o segundo, lento; o terceiro, fugaz como a vida do indivíduo (Rocha, 1995, p. 242).
Cabe ainda marcar, apesar da relevância das contribuições da escola dos Annales e principalmente de Braudel para a reflexão sobre o tempo histórico, as críticas às concepções formuladas por esses historiadores, advindas principalmente de intelectuais marxistas. Para estes, apesar do reconhecimento de que os Annales teorizaram um tempo histórico estrutural baseado na economia e na sociedade, o objetivo não era a mudança política estrutural, mas, sim, a sua conservação. Nas palavras de Reis,
Os marxistas consideravam o tempo da Nouvelle Histoire conciliador, maquiavelicamente construído, absorvendo conquistas revolucionárias com vistas à defesa e manutenção da ordem capitalista em vigor. Este tempo seria determinista, apolítico, objetivista, intelectualista, engajado à direita e, para alguns, teoricamente mal construído (Reis, 1994b, p. 149).
Pode-se afirmar que, no Currículo da História ensinada no ensino fundamental, o conceito de Tempo Histórico possui uma relativa centralidade. Costumeiramente, nos currículos aos quais tivemos acesso, o tempo [histórico] como objeto de estudo é parte dos estudos, funcionando como uma "introdução aos estudos históricos" e este, nesses currículos e na maioria dos livros didáticos selecionados pelos últimos PNLDs (Programa Nacional do Livro Didático), é parte explicitamente do primeiro assunto do sexto ano - ou seja, logo no início da caminhada dos estudantes nas séries finais do Ensino Fundamental se discute de maneiras marcadas a ideia de tempo e a continuidade dos estudos em História permanece predominantemente baseada nos fatos, narrados privilegiando uma ou outra concepção de tempo histórico.
Após as construções teóricas sobre o tempo que elaboramos até aqui, é lugar comum afirmar a complexidade, inclusive cognitiva, do conceito de tempo histórico, ainda assim, do ponto de vista do currículo, o conceito vem sendo tratado em ordem secundária em relação a outras importâncias no Currículo de história. No entanto, para Maria Aparecida Bergamaschi,
Mais importante que um conteúdo de história de caráter fatual é necessário que, no Ensino Fundamental, os alunos construam noções temporais básicas para localizarem-se e organizarem-se no tempo histórico, diferenciarem e relacionarem temporalidades, identificarem referências e medições temporais, perceberem a existência de diferentes ritmos e épocas e compreenderem que tempo é uma convenção social" (Bergamaschi, 2000, p. 3).
Nos dizeres de Miranda (2003, p. 78), "embora se apresente como uma das experiências mais elementares do homem comum, o tempo é uma das realidades conceituais mais complexas da história da humanidade". E, ainda, "A construção da ideia de temporalidade segundo regras cultural e historicamente dadas é algo que não explica, no entanto, por si só, a construção da ideia de tempo no indivíduo, o que implica uma construção cognitiva subjetiva" (Miranda, 2003, p. 181).
Como uma das múltiplas possibilidades de socialização do indivíduo que colaboram na construção de conceitos e percepções sobre o tempo, a escola pode ser considerada um lugar privilegiado dessa construção, na medida em que o currículo opera com esse conceito em múltiplas direções, seja no conteúdo propriamente dito, seja na concepção temporal com que o currículo é construído, seja nas possibilidades e impossibilidades que ele faz operar objetivamente no que diz respeito às atividades curriculares na escola. Sendo assim, uma análise das concepções de tempo no currículo pode ajudar a refletir acerca das práticas de ensino de história.
Ainda no sentido das preocupações referentes à complexidade do conceito de tempo para o ensino de história, faz-se relevante citar as contribuições da professora Sandra Regina Ferreira de Oliveira, em especial no que diz respeito às concepções e apropriações do conceito de tempo por crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental. Notadamente, os escritos aqui referenciados nos oferecem importantes reflexões desse segmento de estudo, principalmente as publicações de Oliveira (2003) e Oliveira e Cainelli (2013). Comungando de tais preocupações, que, aliás, justificam e embasam a necessidade da presente pesquisa, concordamos com a autora quando ela escreve que
Na escola, trabalha-se tanto com o passado como com a História. Ao aceitar essa prerrogativa, podem-se questionar quais as diferenças entre um e outro. Para diferenciá-los, é necessário que professores e alunos compreendam "alguma coisa sobre a natureza e o estatuto do conhecimento histórico" (Oliveira e Cainelli, 2013, p. 104).
Isso significa dizer que passado e história não são sinônimos, ou que a história não se resume ao passado, o que implica em reconhecer que as relações com o tempo na escola e no Currículo precisam e merecem ser problematizadas com ampla seriedade, o que nos ajuda a endossar nossos próprios esforços neste trabalho.
No que diz respeito ao contexto nacional, essa breve aproximação não poderia deixar de sublinhar a existência dos Parâmetros Curriculares Nacionais, ou seja, documentos que sobrepõe parâmetros a serem observados nas discussões curriculares em todo o país. A base de legitimação dos PCNs é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e seu princípio de "base nacional comum3", e, sob uma possibilidade de argumentação, pode-se pensar nos PCNs como uma forma de homogeneização das construções curriculares, em que chamamos a atenção para a pretensa "neutralidade" do documento, uma vez que ele não deixa explícita a concepção de história que fundamenta a proposta.
Dada a relevância dos PCNs para as práticas curriculares no Brasil, são importantes as reflexões de Marcos Silva, que afirma:
Daí os PCN/H revelarem uma face argumentativa preferencial: o apelo a grifes (Braudel e, depois, Thompson) e temas (tempo antilinear, pluralidade de abordagens) prestigiosos, mesmo quando a experiência efetiva do documento trata de negá-los (Silva, 1998, p. 593).
Ao que parece, as dificuldades em relação ao conceito de tempo histórico também habitam os parâmetros nacionais. A partir dessas breves reflexões, podemos suscitar outros questionamentos, como os de Lana Mara de Castro Siman (2003, p. 110): "Como ensinar os alunos a pensar historicamente, tomando a perspectiva da temporalidade como central desse "modo de pensar"? De quais referências teóricas no campo da história e da educação podemos nos valer?" E, ainda dos questionamentos de Rago,
Afinal, como deixar de lado a cronologia, as noções sequenciais de passado? Como abrir mão de toda uma formação que nos ensinou a dividir claramente o tempo, para subitamente embaralhá-lo a partir de uma atividade subjetiva da experiência e da percepção? (Rago, 2003, p. 47).
São questionamentos que povoam esta pesquisa e, neste artigo, direcionam também as análises do currículo em questão.
Importa-nos, a partir deste ponto, empreender uma análise no sentido de entender as concepções e sentidos de tempo que as políticas curriculares objetos de nosso estudo fazem funcionar nos documentos curriculares. Antes da análise em si, porém, faz-se relevante contextualizar a política curricular com a qual estamos lidando.
Afirmamos novamente que esse documento foi produzido de maneira coletiva, por todos os professores da rede, em um processo que envolveu algumas assembleias durante o ano de 2010 e início de 2011, o que nos dá pistas de que existem, nesse cenário, fóruns de discussões e acordos por hegemonia de sentidos. Todavia, continuamos concordando com Lopes (2012) com relação à desconfiança e aos limites dos sentidos teóricos da representação democrática. Passamos agora para uma breve descrição do documento.
Esse Currículo possui uma carta em sua abertura, que anuncia fragmentos do processo de produção do mesmo, assim como alguns detalhes que descortinam aspectos de sua epistemologia e, na sequência, uma tabela para cada ano escolar (do 1º ao 9º ano) que contém os conteúdos factuais/conceituais divididos por trimestre, além de um objetivo geral por trimestre.
Podemos iniciar as análises pelas ausências e silêncios do documento. São quatro parágrafos de abertura e anúncio e já, objetivamente, são apresentados os conteúdos. Há uma predominância de valorização dos conteúdos factuais, sendo que os conteúdos procedimentais aparecem nos verbos dos objetivos que analisaremos a seguir. Outro aspecto que nos chamou a atenção é o nome do documento: "Matriz Curricular de História - 1º ao 9º ano". No início do artigo anunciamos uma "Proposta Curricular", ou seja, um documento de caráter propositor. Todavia, o documento é referencial de rede, ou seja, deve ser aplicado igualmente em todas as escolas da rede em questão. Sendo assim, não se trata, de fato de uma proposta, mas de um documento prescritivo que deve ser obedecido por todos os professores em todas as escolas. A escolha pela palavra "matriz" evoca sentidos muito diferentes de "proposta". Enquanto a segunda é propositiva, mas considera o fazer docente, a autonomia e as possibilidades de reinvenções na realidade de cada escola, a primeira oferece um modelo propositivo para repetição. A matriz foi construída coletivamente pelos professores, o que nos dá pistas do local epistemológico do qual esses professores falam.
No referido texto de abertura, há a possibilidade de análise de sentidos de tempo por meio de alguns de seus discursos. De imediato, no primeiro parágrafo, lemos que "optou-se pela História Integrada, partindo de uma dimensão linear e cronológica". A opção pela história integrada pautada nos "temas de grande relevância para a História da Humanidade" reflete, já, que uma concepção de tempo guiará o currículo: a ideia de simultaneidade. Essa integração, trocando em outros termos, significa que a história de diferentes espaços será problematizada no currículo no mesmo tempo histórico, na perspectiva do entendimento do que acontecia em diversas partes do mundo em um mesmo período da história.
Sendo assim, o primeiro sentido que entendemos constituindo uma cadeia de equivalências para os sentidos de tempo no currículo é o sentido de tempo linear e cronológico. A evidência da opção pelo tempo linear se torna indubitável ainda nessa mesma frase analisada, quando se inscreve que "parte de uma dimensão linear e cronológica". A perspectiva linear está posta e o sentido da linha também: é um sentido cronológico, ou seja, a linha se dá do estudo dos fatos e temas da história mais distante do ponto de vista temporal, para os temas e fatos mais recentes. Dessa forma, os sentidos de "linearidade" e "cronologia" vêm constituindo a cadeia de equivalência para a definição do sentido de tempo até aqui. A cadeia de equivalências para a definição do sentido de tempo, assim, hegemoniza contingencialmente o sentido de tempo linear e cronológico. Linearidade esta que, ao ligarmos as reflexões empreendidas acima, a partir de Agamben (2005) e Barros (2010), entendemos o tempo linear surgido na lógica judaico-cristã e reiterada pelos iluministas e, posteriormente, pelos positivistas, basicamente, como um tempo que estabelece uma história com direção, seja ela a salvação, a liberdade ou o progresso, por exemplo.
Mas, nessa mesma formação discursiva, há a possibilidade de antagonismo nessa cadeia de equivalências, podendo formar uma cadeia concorrente, que ocorre a partir do sentido de integração, pois afirmar essa integração significa abrir espaço para a ideia de simultaneidade, o que, no mínimo, amplia a quantidade de linhas do tempo correndo juntas e nas quais os "deslocamentos temporais" (Tuma et al., 2010) são possíveis, já que a perspectiva de simultaneidade alimenta o "enquanto isso em outro espaço", promovendo deslocamentos não apenas espaciais, mas, também, temporais, na medida em que o processo histórico de cada povo em cada lugar segue ritmos diferenciados, dando possibilidades, também, de linhas diferenciadas, conforme as reflexões sobre temporalidades da Escola dos Annales, que, como vimos, segundo Reis (1994b), é essencialmente pluridirecionado e, também, segundo Rocha (1995), possui múltiplas de durações temporais.
Na sequência da frase analisada, temos: "contemplou-se temas considerados de grande relevância para a História da Humanidade". Ao refletirmos sobre os conteúdos considerados de grande relevância para a História da Humanidade, a frase já nos anuncia "para quem" esses conteúdos possuem grande relevância - para a História da Humanidade. Resta-nos questionar ainda "por quem" esses conteúdos foram eleitos como relevantes para a humanidade e sua história. A resposta está, também, na tradição da história ensinada, que é, da mesma forma, tradição na formação inicial do professor de história. Essa tradição é pautada em uma perspectiva eurocêntrica de História que inscreve uma concepção temporal baseada em fatos da cultura, economia, política, sociedade e mentalidade que promovem transformações na história europeia da qual tiramos a divisão em "Pré-História", História Antiga, História Medieval, História Moderna e História Contemporânea e que, ao que parece, em outros lugares que não o continente europeu, os tempos da história deveriam funcionar da mesma forma, ignorando as possibilidades de multiplicidades de durações teorizadas por Braudel (Rocha, 1995). Essa frase também acaba falando sobre uma intenção quase "pretenciosa" de dar conta de um todo muito grande, como a "História da Humanidade", todas as coisas relevantes que a civilização já fez ao longo do tempo. Como afirmamos, essa tradição pautada em eventos históricos europeus é bastante forte nos cursos de licenciatura em história brasileiros e afirmar isso significa dizer que os professores que constituíram esse currículo aprenderam história dessa forma e acabam por reproduzir essa mesma forma de entendê-la, ao menos no que diz respeito às discussões sobre o tempo, em suas aulas de história, pautados por esse currículo também construído (por eles) assim.
Nesta discussão, cabe olharmos o trecho "A metodologia escolhida reflete o entendimento do grupo no que se refere às necessidades da Rede Municipal". Podemos, a partir do trecho apresentado, refletir se as necessidades pelas quais se movem essas escolhas curriculares estão, de fato, relacionadas às contingências da Rede Municipal ou às impossibilidades dos próprios professores, já que não lhes foi dada alternativa em sua formação, que, sabe-se, em teoria, das citadas aqui, envolve a citada "metódica", ou "cientificista", ou "positivista", assim como também a crítica, pautada no materialismo dialético e a dos Annales, mas que, nas práticas curriculares, são, também, bastante lineares. Independentemente da resposta, a cadeia de equivalências continua se ampliando em direção favorável aos sentidos citados.
É passível de destaque, na análise, o trecho "os conteúdos elencados atendem as exigências legais, bem como seguem a proposta de várias coleções didáticas referenciadas pelo PNLD4". Na primeira passagem, é evidente a preocupação com os critérios legais da educação brasileira e regional em relação às construções curriculares; na segunda, a preocupação em relação aos livros didáticos daquela ocasião definidos pelo Ministério da Educação como adequados para a distribuição nas escolas.
Nos conteúdos referentes aos anos finais do ensino fundamental, assim como no restante do documento, a política curricular analisada não anuncia objetivamente as discussões de tempo. Essas discussões estão no interior dos discursos do documento. Buscamos aqui entender as "cadeias de equivalência" que se montam no currículo e que, por meio de disputas por hegemonias de sentido, preenchem o significante vazio "tempo". Nas palavras de Macedo (2009), o processo de hegemonização pode ser assim sintetizado:
Ser hegemônico envolve falar em nome de um objeto universal impossível (a sociedade, por exemplo), muitas vezes à custa de demandas particulares. Essas demandas precisam ser esvaziadas de sentido, transformadas num significante vazio, o único capaz de encarnar a completude ausente. [... ] Que discursos se tornam hegemônicos é função das capacidades dos discursos plurais de se oferecer como resposta à crise social, de operar como um espaço de inscrição das demandas dos diferentes grupos, de compensar o deslocamento da estrutura social (Macedo, 2009, p. 91).
E isso somente é possível porque "a sociedade gera um vocabulário de significantes vazios cujos significados temporários decorrem de uma competição política" (Laclau, 2011, p. 66). Nessa perspectiva de análise, no sexto ano, os primeiros conteúdos são relacionados com a introdução aos estudos históricos e, dentre os temas discutidos, tempo e memória são elencados. Não há, no entanto, nenhuma forma de detalhamento de quais discussões de tempo são privilegiadas nesse estudo. Os sentidos de tempo, nessa perspectiva, são percebidos por meio da disposição dos conteúdos. Após esse primeiro tema, o próximo diz respeito aos períodos da "pré-história", em vários continentes, como também na América e no Brasil, na sequência a reinos e impérios da África antiga e, por fim, legados de civilizações antigas, tais como Índia, China e Grécia. Entendemos aqui a ampliação da "cadeia de equivalência" que hegemoniza o sentido de tempo linear e cronológico, na medida em que a organização dos conteúdos se dá em linha, do mais distante para o mais próximo, do ponto de vista temporal, mas há, também, a possibilidade de antagonismo na linha, já que a perspectiva de integração também está presente, o que nos faz entender que há uma simultaneidade de linhas.
No sétimo ano, a configuração dos conteúdos permanece na mesma lógica de organização: Roma Antiga e a transição para a Idade Média, a Europa Moderna, a chegada à América e os detalhes referentes ao Brasil e à América Colonial. Percebe-se aqui uma ampliação também do eurocentrismo no currículo, na medida em que apenas a Europa possui marcações de tempo e é a partir dessas marcações que a linearidade e a integração ocorrem. Nesse sentido, a "Europa Medieval" e a "Europa Moderna" abrem marcações de tempo, enquanto a América é estudada "antes da chegada dos europeus", que equivale à simultaneidade em relação à Europa Medieval e ao início da Europa Moderna. Ao que parece, a complexidade de tempos no estudo da América só existe a partir da chegada do Europeu, antes disso, a América é estudada sem tempos definidos, com exceção da América no sexto ano, em que há marcação temporal "pré-história".
Para o oitavo ano, a lógica de linearidade e integração permanecem em duração. A linha temporal problematiza a Europa dos séculos XVIII e XIX, a África Neocolonial e o Brasil Império. O nono ano também não destoa do que temos analisado, partindo da Europa e Brasil do final do século XIX e pautando seus conteúdos majoritariamente entre a Primeira Guerra e a Guerra fria, abordando temáticas relacionadas ao Brasil, à Ásia e à África.
Apenas na última temática da última série os conteúdos têm relação direta com a vida do estudante, pois se trata do Brasil pós-ditadura e do direito das minorias até a atualidade. A forma como os temas são organizados não permite deslocamentos temporais, nem tampouco o trabalho temático. Sendo assim, nos anos finais do ensino fundamental, a consolidação da cadeia de equivalências para a definição do significante vazio de tempo que analisamos como hegemônica - o sentido de tempo linear de temporalidades mais distantes para mais próximas - é confirmada, e, neste ponto, sem vislumbrarmos possibilidades de quebras ou antagonismos na cadeia hegemônica já que não há integração com nada - trata-se unicamente do contexto brasileiro e, assim, não há possibilidade de simultaneidade, nem de deslocamentos temporais ou espaciais. Aqui a linearidade se consuma como contingencialmente hegemônica.
Em síntese, como vimos, nos textos preliminares aos conteúdos e nos conteúdos das séries finais, os discursos com que montamos uma das "cadeias de equivalência" possíveis endossa um sentido hegemônico de tempo linear, integrado e cronológico, caracterizado, sobretudo, pela organização factual e cronológica da distribuição dos conteúdos durante o ano e as séries.
A possibilidade de antagonismo, neste sentido hegemônico, nesta cadeia de equivalências, no entanto, abre a possibilidade de outra cadeia, na medida em que a perspectiva de integração torna viável a simultaneidade e, nesse sentido, de múltiplas linhas e, assim, de deslocamentos temporais.
Essas disputas por hegemonia de sentidos com a formação de cadeias de equivalências concorrentes evidenciam o caráter de tensão das construções curriculares em seus discursos e a possibilidade de demandas virem a se tornar hegemônicas nessas disputas, que sempre fecham apenas contingencialmente os sentidos de tempo histórico no discurso da política curricular.