Resumo: A sociedade brasileira tem vivenciado um intenso embate hegemônico sobre as concepções de gênero e sexualidade articuladas nas políticas públicas de currículo e formação docente. Grupos políticos e religiosos conservadores têm desenvolvido um ataque agressivo ao que denominam “ideologia de gênero” na educação. A partir de uma análise dos processos de formação dos discursos pela igualdade de gênero e diversidade sexual nas políticas educacionais brasileiras ao longo das últimas décadas e da emergência de discursos reativos (neo)conservadores no contexto atual, o texto busca discutir as condições de (im)possibilidade desse confronto hegemônico. A análise é desenvolvida em diálogo com os debates pós-estruturalistas no campo da educação e, em especial, com a Teoria Política do Discurso de Laclau e Mouffe. O trabalho aponta que ambos os polos discursivos engajados no conflito atual são construções históricas contingentes e que o debate no campo da educação tem sido predominantemente realizado a partir do parâmetro comum das políticas de acomodação e gestão estratégicas das diferenças.
Palavras-chave: currículocurrículo,formação docenteformação docente,gênerogênero.
Abstract: Brazilian society has been experiencing an intense hegemonic clash over the conceptions of gender and sexuality articulated in the public policies of curriculum and teacher training. Conservative political and religious groups have settled an aggressive attack on what they call “gender ideology” in education. Analyzing the constitution of discourses promoting gender equality and sexual diversity in Brazilian educational policies over the last decades and the emergence of reactive (neo)conservative discourses in the current scenario, the text seeks to discuss the conditions of (im)possibility of this hegemonic confrontation. The analysis is developed in dialogue with post-structuralist education theories, and especially with Laclau and Mouffe’s Political Theory of Discourse. The paper points out that both the discursive poles engaged in the current conflict are contingent historical constructs, and that the debate in the field of education has been predominantly carried out from the common parameter of the policies of accommodation and strategic management of differences.
Keywords: curriculum, teachers training, gender.
Dossiê: Políticas de Currículo e Docência: significados, impasses e desafios no contexto Iberoamericano
Novas tentativas de controle moral da educação: conflitos sobre gênero e sexualidade no currículo e na formação docente
New attempts of moral control in Education: Conflicts on gender and sexuality in curriculum and teacher education
Recepção: 11 Setembro 2017
Aprovação: 14 Dezembro 2017
Durante a tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal do novo Plano Nacional de Educação (PNE), entre os anos de 2010 e 2014, eclodiu no parlamento nacional um acirrado debate que teve como ponto de discórdia a manutenção ou retirada da menção à “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” (Brasil, 2012) do artigo que tratava das diretrizes do PNE. Outro ponto de tensão dizia respeito ao uso da flexão em dois gêneros na redação de todo o texto, forma adotada no documento proposto a partir das conferências nacionais de educação e educação básica2, ou da utilização da forma genérica masculina, adotada no substitutivo proposto pelo Senado. No documento final aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidenta (Brasil, 2014) prevaleceu a flexão de gênero, mas foi retirada a referência que especificava a promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual. O mesmo debate se repetiu em diversas assembleias legislativas e câmaras municipais e resultou na exclusão da menção às desigualdades de gênero e orientação sexual em parte significativa dos planos estaduais e municipais de educação em todo o país (Reis e Eggert, 2017).
O pano de fundo que contextualiza essa controvérsia - que tornou-se notória mas não foi iniciada nem se reduz aos debates do PNE 2014 - é o confronto crescente entre os movimentos e discursos que afirmam a dignidade plena e defendem os direitos das mulheres e das pessoas LGBT e os movimentos e discursos conservadores - sobretudo de matriz religiosa evangélica e católica - que têm se fortalecido na última década e que assumiram a luta contra as reivindicações dos movimentos feministas e LGBT como um dos principais focos de sua atuação. A partir dos debates sobre o PNE no Congresso e na mídia, os movimentos, líderes e parlamentares conservadores passaram a utilizar amplamente o conceito de “ideologia de gênero” para desqualificar, caricaturar e construir um “pânico moral” (Miskolci, 2006) em relação ao discurso dos movimentos feministas e LGBT. Uma estratégia que tem um grande apelo no debate público - especialmente num cenário de extrema polarização política - e que tem se mostrado cada vez mais eficiente nas disputas legislativas e judiciárias atuais.
No campo da educação, para além da luta pela exclusão das demandas por igualdade de gênero e orientação sexual nos planos nacional, estaduais e municipais de educação, os grupos conservadores têm atuado diretamente no sentido de coibir a abordagem dessas temáticas nos materiais didáticos, nas formações e nas práticas docentes. A primeira ação política significativa nesse sentido foi a mobilização civil e parlamentar que bloqueou a utilização do material didático produzido pelo projeto “Escola Sem Homofobia”, ainda no ano de 2011, e que resultou em sua “suspensão” definitiva pelo governo (Leite, 2016).
Após o golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o vice-presidente Michel Temer assumiu o governo apoiado por uma forte coalizão de direita e passou a impor uma série de reformas drásticas explicitamente orientadas pela agenda conservadora em diversos setores, inclusive no campo da educação. Nesse contexto, o próprio Ministério da Educação (MEC) reconfigurou o Conselho Nacional de Educação (CNE) - que passou a ser composto predominantemente por representantes dos interesses de grupos empresariais - e retirou sumariamente todas as referências a gênero e orientação sexual da proposta de Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que estava em fase de finalização. Como observa Frangella (2016), a proposta da BNCC implica não somente na definição de “conteúdos curriculares” mínimos, mas, envolve todo um projeto de redefinição dos modelos de formação, atuação docente, avaliação e responsabilização.
No âmbito da sociedade civil, o movimento “Escola sem partido” tem construído uma forte articulação política para aprovar uma lei que altere a LDB de modo a impedir que escolas públicas e docentes “promovam suas preferências ideológicas” ou a “aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero” (Amorim e Salej, 2016, p. 33). Paralelamente a esse movimento, vários grupos conservadores têm incentivado pais e estudantes a enviarem notificações extrajudiciais aos docentes para proibir-lhes de tratar sobre “ideologia de gênero” nas escolas. Assim como, a denunciarem e processarem judicialmente docentes e gestoras que insistirem em abordar essa temática e/ou em questionar os modelos de gênero e sexualidade estabelecidos.
Os diversos fatos e ações citados anteriormente nos permitem perceber claramente os contornos do que pode ser caracterizado como um embate hegemônico (Laclau e Mouffe, 2015) entre os discursos que assumem e afirmam o caráter normativo dos modelos de masculinidade, feminilidade, relacionamento afetivo e sexualidade considerados “tradicionais” e “naturais”, e os discursos que recusam essa naturalização e defendem perspectivas pluralistas. Esse embate atravessa e se desenrola em diversos contextos sociais, mas, tem se realizado de forma especialmente aguda - com nuanças e dinâmicas próprias - no campo da educação. A partir do cenário apresentado, da análise de documentos representativos desses discursos e do diálogo com outros trabalhos que tem buscado investigar tais fenômenos, este artigo busca explorar o debate sobre as seguintes questões: (i) Quais as condições e processos que possibilitaram a emergência e a configuração da hegemonia de um discurso de defesa da “igualdade de gênero” e da “diversidade sexual” na educação brasileira? (ii) Quais as condições e processos que possibilitam e orientam a formação dos “novos” movimentos e discursos conservadores que têm buscado reestabelecer a hegemonia e a normatividade da moral considerada “tradicional”?
A tentativa de normatização da sexualidade sempre esteve presente nas políticas de educação desde os primórdios da modernidade. Com vistas à construção de um padrão de identidade nacional, marcadores sociais de diferença como raça, sexualidade e gênero estavam entre os principais focos das estratégias educacionais no Brasil até meados do século passado (Stepan, 2005). Ao mesmo tempo em que se ampliava a educação pública, avaliava-se e ordenava-se segregativamente estudantes e docentes, com base num regime da sexualidade dotado de uma racionalidade biomédica; uma moralidade legitimada na preparação para o casamento heterossexual e para a reprodução; e de políticas públicas que visavam a constituição de um conjunto de entidades abstratas e transcendentais como “família”, “raça” e “nação” (Carrara, 2015; Bonato, 1996).
A partir da década de 1960, emergem experiências pontuais de educação sexual em escolas do sudeste do país debatendo o “tabu da virgindade”, os métodos anticoncepcionais e o “amor livre” (Sayão, 1997). Pequenos reflexos da influência dos movimentos de libertação sexual e feministas em efervescência nos Estados Unidos e na Europa. No entanto, com o golpe militar em 1964 e a atuação do movimento católico integralista - cujo lema era “Deus, Pátria e Família” - as escolas foram impedidas de dar continuidade a esses trabalhos.
A partir do final da década de 1970, diversos acontecimentos mobilizam demandas e processos de articulação (Laclau, 2013) que levam à emergência de um discurso oficial pela “igualdade de gênero” e pela “diversidade sexual” nas políticas públicas de educação. Entre estes acontecimentos destacam-se: o debate sobre sexualidade na mídia; a epidemia hiv/aids; a participação da sociedade civil organizada na cena política nacional; a consolidação de núcleos de pesquisa em educação, gênero e sexualidade e os acordos internacionais no campo de direitos humanos.
Com o declínio gradual da ditadura militar, vários intelectuais e artistas exilados voltam ao país e trazem consigo as influências dos novos movimentos sociais - feministas, homossexuais, negros, ambientalistas. Em meados da década de 1970, a homossexualidade foi tema de matérias publicadas nas principais revistas de circulação nacional, de campanhas publicitárias e de peças teatrais (Trevisan, 2004). O movimento homossexual organizou-se no Brasil. Durante os anos de 1980, houve grande veiculação de informações sobre sexualidade em programas de televisão. Este também foi o período de descoberta do vírus da imunodeficiência humana - HIV. Os discursos sobre homossexualidade se multiplicaram. Ao mesmo tempo em que houve um acirramento da homofobia - a aids era chamada de “câncer gay” - a política identitária gay se fortaleceu e, sob a demanda da prevenção à doença, organizações não-governamentais, setores políticos, escolas, grupos comunitários, igrejas e mídia falaram e escreveram compulsivamente sobre o tema.
Estes eventos colocaram em xeque a heteronormatividade e denunciaram sua “identidade fantasística” (Butler, 2003). Estabeleceu-se um cenário de deslocamento. A urgência em enfrentar o “problema de saúde pública” forçou instâncias governamentais e sociedade civil a articularem seus discursos em torno do significante “prevenção a dst/aids”. Decisões, leis, medidas administrativas, enunciados científicos emergiram.
Os Ministérios da Educação e da Saúde publicam a Portaria Interministerial n° 796, de 29 de maio de 1992 recomendando a implantação de projetos educativos sobre a transmissão e prevenção do HIV em todos os níveis de ensino. Também, foi o período de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental. Foi a primeira vez que a educação/orientação sexual apareceu oficialmente numa proposta curricular nacional. Os PCN propuseram (muito superficialmente) uma tentativa de rompimento com a abordagem puramente biologicista da sexualidade:
[...] a abordagem sobre o corpo deve ir além das informações sobre sua anatomia e funcionamento, pois os órgãos não existiriam fora de um corpo que pulsa e sente. O corpo é concebido como um todo integrado de sistemas interligados e inclui emoções, sentimentos, sensações de prazer/desprazer, assim como as transformações nele ocorridas ao longo do tempo. Há, que se considerar, portanto, os fatores culturais que intervêm na construção da percepção do corpo, esse todo que inclui as dimensões biológica, psicológica e social (Brasil, 2001a, p. 139-140).
O tema “relações de gênero” foi introduzido propondo-se que fosse articulado às áreas de história, educação física e a situações de convívio escolar, porém a discussão ficou restrita ao debate sobre papéis sexuais:
O professor [sic] deve então sinalizar a rigidez das regras existentes nesse grupo que definem o que é ser menino ou menina, apontando para a imensa diversidade dos jeitos de ser. Também, as situações de depreciação ou menosprezo por colegas do outro sexo demandam a intervenção do professor a fim de se trabalhar o respeito ao outro e às diferenças. [...] Nos conteúdos de história podem ser trabalhados os comportamentos diferenciados de homens e mulheres em diferentes culturas e momentos históricos, o que auxilia os alunos a entenderem as determinações da cultura em comportamentos individuais (Brasil, 2001a, p. 145-146).
Significantes como “combate à discriminação” e “respeito ao outro” fortemente presentes no discurso pedagógico oficial da primeira década do século XXI já aparecem nos PCN.
O trabalho com Orientação Sexual supõe refletir sobre e se contrapor aos estereótipos de gênero, raça, nacionalidade, cultura e classe social ligados à sexualidade. Implica, portanto, colocar-se contra as discriminações associadas a expressões da sexualidade, como a atração homo e bissexual, e aos profissionais do sexo (Brasil, 2001b, p. 316).
Embora a menção a esses aspectos sinalize deslocamentos no discurso pedagógico oficial sobre sexualidade, de forma geral, os PCN assumiram um posicionamento sobre educação/orientação sexual fortemente vinculado à lógica da prevenção a doenças e à “gravidez precoce” (Altmann, 2001). Seu processo de elaboração revelou-se excessivamente centralizador, excluindo instâncias político-institucionais do debate; além de prescritivo de conteúdos e situações didáticas, chegando de forma verticalizada nas escolas (Carvalho, 2004; Bonamino e Martínez, 2002; Lüdke, 1998).
No exercício de percorrer a trajetória dos discursos oficiais pela “igualdade de gênero” e pela “diversidade sexual” nas políticas públicas de educação, observarmos também a multiplicidade de agentes que participam das disputas e processos de articulação pela hegemonização de sentido. Nos anos de 1990 verifica-se no Brasil um quadro de reconfiguração dos movimentos sociais e a tendência desses grupos à formação de organizações não-governamentais (ong). Observa-se, também, a propensão destas organizações se articularem em redes e atuarem através de fóruns, plenárias, conselhos (Scherer-Warren, 2006; Pinto, 2006). É o caso, por exemplo, do Fórum Social Mundial e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Neste contexto, novas demandas educativas foram geradas, entre elas: a educação ambiental, para a cidadania, para a paz, em direitos humanos, para a prevenção às dst/aids, para a igualdade de gênero, para a diversidade sexual.
Várias ongs que trabalhavam com educação/orientação sexual se tornaram assessoras de instâncias governamentais nessa área. Em pesquisas anteriores (Oliveira, A., 2009) identificamos que as mesmas desenvolveram programas, livros, cartilhas, vídeos, participaram da elaboração dos PCN, ministraram seminários e cursos de formação continuada para educadores/as da rede pública de ensino em todo território nacional. Multiplicaram-se, portanto, os setores autorizados a falar, ditar normas, definir padrões a respeito da sexualidade e do gênero: “ao lado de instituições tradicionais como o Estado, as igrejas ou a ciência, agora outras instâncias e grupos organizados reivindicam, sobre ela, suas verdades e sua ética” (Louro, 2001, p. 541).
Estudos sobre a “ongnização” dos movimentos feministas latinoamericanos (Alvarez, 1998; Pinto, 2003), ressaltam a tendência de transição de uma postura anti-estatista para uma relação negociadora com o Estado e as agências internacionais. Também salientam que este foi um período de grande investimento de organismos nacionais e internacionais em políticas de gênero para a “modernização social e econômica dos países”, lógica fortemente atrelada a uma agenda de políticas públicas inspirada num modelo de economia neoliberal e de democracia liberal. Como destaca Alvarez (1998), parece que algumas ong tornaram-se para o Estado e para as organizações inter-governamentais “parceiras convenientes” da sociedade civil, abrindo mão de suas identidades híbridas: intervenção na política (através da elaboração e implementação de políticas públicas) e no político (representando a sociedade civil na luta por mudanças no campo cultural, simbólico e das relações de poder). Tal negociação gerou um contexto de acomodação discursiva - adaptação às exigências do interlocutor - que operou como censura, dificultando uma linha de argumentação autônoma que explicitasse os nós discursivos mais problemáticos: a sexualidade, a família e o conceito de gênero.
Data da década de 1990, também, o crescente interesse acadêmico brasileiro pelo tema “gênero e sexualidade”, atingindo, em 2002, seu auge de diversificação e multiplicação (Citeli, 2005; Facchini et al., 2013; Fachinni, 2016). Especificamente na área de educação, um marco histórico foi a aprovação, durante a 27ª Reunião Anual da ANPED, ocorrida em 2004, do Grupo de Trabalho em Gênero, sexualidade e educação (GT-23), ampliando a articulação entre diferentes grupos de pesquisa do país, secretarias de educação, ong e concedendo reconhecimento à área de estudo na Pós-graduação.
A assinatura de acordos internacionais na área de direitos humanos no âmbito da ONU, de forma semelhante, teve grande influência na elaboração de um discurso oficial pela “igualdade de gênero” e pela “diversidade sexual” nas políticas públicas de educação no Brasil. A Constituição de 1988, por exemplo, tratou da questão da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade ao direito à vida, à liberdade, à segurança e à igualdade e fixou os direitos humanos como um dos princípios que deveriam reger as relações internacionais do Brasil.
Em 1996, o país implantou o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH I que atribuiu ao campo o status de política pública governamental. No PNDH II, lançado em 2002, os direitos econômicos, sociais e culturais foram elevados ao mesmo patamar dos direitos civis e políticos, o que inseriu na pauta das políticas públicas o enfretamento à violência contra a mulher e o direito à liberdade de orientação sexual.
O tema “direitos humanos” se expande do campo da educação não-formal e passa a englobar a educação formal, ampliando sua significação (Ramos e Frangella, 2013). Neste contexto, destaca-se a elaboração e instalação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que tem entre os seus princípios o “combate do racismo, sexismo, discriminação social, cultural, religiosa e outras formas de discriminação presentes na sociedade brasileira” (Brasil, 2003, p. 17). Igualmente, uma série de propostas para a educação escolar contidas no Programa Brasil sem Homofobia (Brasil, 2004), no Plano Nacional de Política para as Mulheres (Brasil, 2005a), no Programa Nacional de Direitos Humanos II (Brasil, 2002) e no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (Brasil, 2009).
Em consonância com esses movimentos, um novo regime de sexualidade emerge nas últimas décadas do século XX, fundamentado na ideia de direitos sexuais como parte dos direitos humanos. O exercício da sexualidade, anteriormente associado a obrigações conjugais, reprodutivas e/ou cívicas passa a fundamentar-se na ideia de realização pessoal, saúde e bem-estar. O sexo deixa de ser visto como estritamente biológico e passa a ser concebido como uma tecnologia de si, que as pessoas são capazes de governar. A linguagem biomédica dá lugar à sócio jurídica. As estratégias políticas de regulação dos sujeitos só se justificam se baseadas na promoção da cidadania ou da saúde (Carrara, 2015).
Todos esses acontecimentos geraram demandas para o campo da educação, exigindo a constituição de um espaço discursivo oficial que respondesse especificamente às questões colocadas pela nova conjuntura. É nesse contexto que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD/MEC é criada ainda em 2004 e amplia sua abrangência em 2011, sendo redesignada como Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).
A SECAD é associada ao significante “Educação de Qualidade para Todos”, fortemente disseminado desde a publicação da “Declaração Mundial de Educação para Todos” (1990), cujos princípios são monitorados pela UNESCO. A SECAD se propõe a articular discursos educacionais diversos: pela educação de jovens e adultos, de LGBT, indígenas, quilombolas, do campo, de negros e negras, de proteção à criança e ao adolescente - criando uma cadeia de equivalência entre os mesmos e, ao mesmo tempo, um espaço estratégico de gestão das “diferenças” e de cumprimento de metas traçadas em acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
A questão estratégica é garantir uma educação para todos, sabendo que isso é uma mudança de vetor, com impactos de médio e longo prazo, mas que pode e deve ser feita hoje. A SECAD é construída com a perspectiva de contribuir para esta mudança na política pública: conseguir compatibilizar o conteúdo universal da educação com o conteúdo particularista, diferencialista, portanto, de ações afirmativas para grupos, regiões e recortes específicos. Temos que acelerar a velocidade da oferta de educação de qualidade para todos e fazer isso com velocidade maior para aqueles que estão estruturalmente excluídos do sistema de ensino... (Brasil, 2005b, p. 8).
O discurso pela inclusão social emerge fortemente atrelado à lógica da administração das desigualdades sociais, da elaboração de políticas públicas em parceria com instituições não-governamentais e da alocação de recursos em projetos de formação docente. Observa-se a consolidação de uma relação de equivalência entre as demandas de políticas para mulheres e para pessoas LGBT. No volume “Gênero e diversidade sexual na escola: reconhecer as diferenças e superar preconceitos” (Brasil, 2007) estes aspectos ficam mais claros:
Considerando os planos de ação já existentes - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e Programa Brasil sem Homofobia (BSH) - a tarefa do Ministério da Educação é fazer com que a sua implementação, a médio e longo prazos, promova o enraizamento dessa agenda de enfrentamento ao sexismo e à homofobia nos sistemas de ensino e na sociedade. No curto prazo, é indispensável atuar, de forma coerente e consistente, sobre as ações já em curso, visando a superar concepções limitadoras em que corpos, sexualidades, gêneros e identidades são pensadas a partir de pressupostos disciplinadores heteronormativos e essencialistas (Brasil, 2007, p. 35).
Na citação a seguir, a ênfase no diálogo entre diferentes instâncias e na ideia de parceria tem destaque. A ordem de citação e o espaço dedicado a cada setor dão pistas que a parceria desenvolvida com os movimentos sociais foi fundamental para as atividades da Secretaria.
A formação de gestores/as, educadores/as e demais profissionais da educação em temáticas relativas a gênero e diversidade sexual é estratégica para que as ações mencionadas nos eixos anteriores tenham êxito [...] É importante reconhecer que a maioria das iniciativas de educação para a igualdade de gênero e o respeito à diversidade sexual teve como protagonistas o movimento social. Assim, não haveria como conferir solidez às iniciativas governamentais nestas áreas sem antes ouvir e buscar a colaboração desses setores, estabelecendo com eles parcerias. No caso das ações com foco mais centrado em gênero, a atuação da Secretaria foi em grande parte instigada pelo diálogo e parceria estabelecidos desde o início com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República [...] A atuação do Conselho Nacional de Educação (CNE) tem sido decisiva para o aprimoramento da atuação do Ministério como orientador de políticas curriculares, como foi o caso da regulamentação da Lei n. 10.639/03, que trata das relações étnico-raciais na educação [...] A Secad fomenta a aproximação entre universidades e sistemas de ensino, por meio do estímulo à elaboração de projetos conjuntos para a formação de profissionais da educação (Brasil, 2007, p. 38).
Os trabalhos da SECAD se concentraram em três eixos de ação: (i) planejamento, gestão e avaliação; (ii) acesso e permanência e (iii) formação de profissionais da educação. Entre as ações ligadas ao primeiro eixo destacam-se o apoio na elaboração de monografias sobre relações étnico-raciais, gênero e orientação sexual e a distribuição de materiais didáticos. O segundo eixo tinha como objetivo ampliar o ingresso e a permanência de mulheres, LGBT, quilombolas e indígenas em todos os níveis e modalidades de ensino. Apesar do documento (Brasil, 2007) afirmar que foram desenvolvidos trabalhos nesta área, não os descreve.
O terceiro eixo dedicava-se à formação de profissionais da educação. De acordo com o relatório foram elaborados e executados quatro editais de fomento à formação continuada entre os anos de 2005 e 2007, sendo um sobre prevenção à gravidez na adolescência e três na área de “diversidade sexual”: Formação de profissionais da educação para cidadania e diversidade sexual, Diversidade sexual e igualdade de gênero na escola e Gênero e diversidade na escola (GDE).
As formações desenvolvidas fundamentaram-se na lógica da parceira com organizações não-governamentais, da articulação teórico-prática e da formação de multiplicadores, inserindo os cursistas em atividades teórico-reflexivas e de elaboração de projetos de intervenção em seus contextos de trabalho (Oliveira, A., 2009). A estratégia de formação de multiplicadores possibilita aos profissionais se perceberem e atuarem como agentes de mudança na escola e são eficientes quando respaldadas por uma equipe experiente que fornece suporte estrutural, material e pedagógico para implementação dos projetos. No entanto, as ong e/ou instituições de ensino superior não tinham este papel e a maioria das escolas e secretarias não contava com profissionais com formação específica para fazer o acompanhamento.
As formações focalizaram, principalmente, o debate sobre direitos de LGBT, enfrentamento à homofobia e ao sexismo. Raramente se discutia sobre os discursos a respeito da sexualidade já existentes e ativos no campo da educação e sobre como a desconstrução desses posicionamentos e elaboração de novos sentidos sobre educação, gênero e sexualidade envolve complexos processos de negociação de significados e articulações políticas, sempre precários e inacabados (Laclau e Mouffe, 2015). A falha em perceber a importância e em debater diretamente com estes discursos já existentes pode ter contribuído seriamente para a limitação do alcance dessas políticas diante do atual movimento de rearticulação e reação dos discursos sexistas e LGBTfóbicos.
Em estudo sobre a (re)articulação dos discursos pedagógicos oficiais sobre gênero e sexualidade no contexto escolar, Oliveira e Araújo (2010) percebeu, por exemplo, que na tentativa de articulação do posicionamento pedagógico oficial “pela diversidade sexual”, os/as docentes resgatam, ao mesmo tempo, as lógicas trabalhadas nos cursos de formação e os referenciais construídos em suas vivências familiares, escolares e religiosas, desencadeando discursos de caridade cristã, de cunho legalista, de vitimização dos/as estudantes LGBT. A maioria (re)significa o discurso pelos direitos humanos como um discurso pela tolerância, defendendo o acesso de pessoas LGBT à educação formal, desvinculado de uma reflexão sobre o papel político da escola, servindo, muitas vezes, para mascarar práticas pedagógicas heteronormativas.
É importante ressaltar, também, que além das ações de formação continuada citadas anteriormente, o MEC apoiou uma série de atividades - programas, concursos, cursos, seminários, conferências, publicação de livros, cartilhas, materiais audiovisuais - em parceria com outros ministérios, secretarias, movimentos sociais, universidades, instituições privadas e públicas (Mello et al., 2012; Vianna e Unbehaum, 2006; Guizzo e Felipe, 2015). Houve uma aposta na transversalização do debate e na elaboração de ações descentralizadas, com foco na coordenação, articulação e incentivo de políticas envolvendo os três níveis de governo e a sociedade civil. Como destaca Moehlecke (2009), essas estratégias divulgadas pelo MEC como canais de diálogo e participação coletiva, eram principalmente mecanismos para atenuar pressões e tensões que recaiam sobre o governo proveniente de grupos que se opunham ao aprofundamento desse debate.
Essas tensões vieram à tona especialmente a partir de novembro de 2010, durante um seminário no Congresso Nacional para apresentação dos resultados parciais do Projeto Escola Sem Homofobia (ESH), que estava em execução desde 2007. O projeto envolveu três eixos de ação: (i) a formação de um coletivo de políticas anti-homofobia em diferentes estados e municípios do país, sob a responsabilidade da ong Pathfinder do Brasil; (ii) a realização de uma pesquisa sobre homofobia nas escolas, sob a tutela da ong Reprolatina; e (iii) a elaboração e publicação de material didático para ser distribuído em escolas públicas, sob os cuidados da ECOS - Comunicação em sexualidade (Oliveira e Maio, 2017; Leite, 2016).
Durante o seminário uma série de denúncias sobre homofobia na escola e sugestões de políticas públicas foram relatadas pelos/as pesquisadores/as e militantes dos movimentos sociais, como resultado da pesquisa desenvolvida. O material didático produzido também foi apresentado e denominado pela equipe de “kit de material educativo” - composto por um caderno com o mesmo título do projeto, seis boletins, um cartaz de divulgação, uma carta de apresentação para a gestão da escola e para educadores/as e cinco audiovisuais. Este kit foi fortemente criticado por parlamentares religiosos - sendo jocosamente apelidado de “kit gay” - e se tornou o principal foco de conflito em torno do projeto Escola Sem Homofobia.
A reunião no Congresso Nacional foi tensa e permeada por confrontos. Nos meses posteriores o embate culminou em uma ação articulada - de deputados da bancada católica e evangélica, segmentos da mídia que se opunham ao governo e setores conservadores da sociedade civil - para suspender o Escola Sem Homofobia (ESH) sob a argumentação que o mesmo “aliciava crianças”. Diferentes especialistas e instituições - Conselho Federal de Psicologia, UNESCO, ONU - foram consultadas e emitiram pareceres favoráveis ao projeto. A polêmica se estendeu por meses e envolveu diferentes disputas e articulações políticas em torno de concepções e projetos de sociedade. Em novembro de 2011 o Escola Sem Homofobia foi finalmente suspenso pela Presidenta (Leite, 2016). Esse conflito marcou, então, o início do processo de radicalização da polarização entre uma nova frente conservadora e os defensores dos direitos das mulheres e LGBT. Essa polarização desempenhou um papel fundamental nos processos políticos e nos debates sobre políticas educativas que se desenvolveram nos anos seguintes e tem sido conduzida a um ponto crítico no contexto atual.
Como observado por diversas historiadoras da educação (Sellaro, 2009; Veiga, 2007), a noção de “modernização” assumiu uma posição privilegiada nos imaginários dominantes na educação brasileira desde o surgimento do movimento escolanovista no país, no final da década de 1920. A criação efetiva de um sistema de educação universal, público e laico, a profissionalização da docência e a adoção de métodos científicos de organização escolar, planejamento curricular e sobretudo de ensino passaram a ser considerados condições imprescindíveis para a consolidação de um modelo moderno de educação no Brasil. A modernização da educação, por sua vez, era defendida como a condição primordial e o fator mais importante para viabilizar a modernização - industrialização, urbanização, avanço tecnológico e democratização - do próprio país. Tecnicistas, construtivistas e marxistas tem divergido em diversos aspectos de seus projetos de educação, mas, em geral, concordam quanto ao caráter fundamental e predominantemente positivo da modernização.
Nesse contexto, a ideia de “conservadorismo” está historicamente relacionada, na educação brasileira, a uma posição de defesa de um modelo educativo pré-moderno, de matriz cristã-católica moralista, disciplinadora, rígida, dogmática e irracionalista. Esse imaginário é frequentemente evocado nos embates atuais no campo da educação para enfatizar o perigo representado pelos movimentos religiosos e “fundamentalistas” para a laicidade do Estado, da educação, as liberdades civis e as conquistas civilizatórias da modernidade (Oliveira, 2014). É necessário interrogar, todavia, até que ponto esse estereótipo - parcialmente reforçado pelas performances protagonizadas por vários líderes pentecostais e carismáticos - corresponde tão facilmente e diretamente à realidade dos “novos” movimentos conservadores que se apresentam no contexto brasileiro contemporâneo. Como se constituem e se configuram esses movimentos? Como eles se articulam com diferentes posições e discursos nos cenários político, econômico e educacional? Por que seu discurso tem se tornado um forte polo de identificação no cenário político atual? Será que a simples defesa e afirmação da laicidade do Estado é suficiente para contrapor sua tentativa de imposição de um padrão moral conservador na educação? Sem a análise séria e cuidadosa dessas questões, torna-se impossível compreender a força, o alcance e os limites dessa nova “onda conservadora” (Oliveira, G., 2009; Almeida, 2017).
Um primeiro aspecto a ser destacado em relação aos “novos” movimentos conservadores e a sua atuação no debate educacional é o fato de que eles têm articulado em torno de um mesmo eixo de equivalência (Laclau e Mouffe, 2015) diversos discursos e movimentos de origem bastante heterogênea entre si. Ao se assumir como dado natural que “os cristãos” - evangélicos e católicos - são os principais articuladores das campanhas contra a igualdade de gênero e de orientação sexual, por exemplo, despreza-se precipitadamente o fato de que há uma oposição histórica entre católicos e protestantes no Brasil, sobretudo entre os setores mais conservadores das duas vertentes cristãs. Despreza-se também, de forma igualmente problemática, o fato de que tanto o campo religioso protestante quanto o campo religioso católico são intensamente plurais, dinâmicos e contestados.
Mesmo que as igrejas e outras estruturas eclesiásticas, intereclesiásticas ou paraeclesiásticas busquem conduzir e/ou portar a voz dos fiéis, elas não são capazes de controlar plenamente a produção e a circulação dos discursos cristãos na atualidade. Se os movimentos e discursos conservadores apresentam-se atualmente como representantes da tradição, da fé ou da moralidade cristã nos debates sobre gênero e sexualidade, é fundamental buscar compreender em que parâmetros e condições essa apresentação se torna possível e, sobretudo, até que ponto ela não vem sendo ou pode ser contestada no interior do próprio campo cristão. Movimentos como as teologias da libertação, ecumênicas, negras, feministas, queer e outras - com seus diversos organismos de ação sócio-política - demonstram que as associações entre a religião cristã e as posições conservadoras são construções históricas contingentes, não consequências necessárias, como buscam estabelecer os próprios discursos cristãos conservadores. Nesse sentido, o problema não é a presença de discursos e movimentos articulados a partir de uma matriz religiosa nos debates públicos, mas, a tentativa de imposição de um padrão ou modelo único de religiosidade ou de moral ao conjunto da sociedade.
É interessante ressaltar que, a partir do absoluto controle conservador do Estado durante o período da ditadura (1964-1984) e do trauma social produzido pelo regime militar, os antigos movimentos sociais conservadores - de matriz religiosa ou secular - tornaram-se praticamente inexpressivos entre os anos de 1980 e 1990. Como observa G. Oliveira (2009), três fatores podem ser considerados centrais para a rearticulação e o fortalecimento dos movimentos cristãos conservadores a partir do final da década de 1990. Um deles foi o crescimento significativo da força política do Partido dos Trabalhadores (PT) - enquanto principal partido da esquerda brasileira - desde a campanha de 1989 até a eleição de Lula à presidência em 2002. Outro fator foi exatamente a emergência dos movimentos e discursos feministas e LGBT, questionando frontalmente as lógicas patriarcais e heteronormativas que sustentavam os padrões tradicionais de estruturação da sociedade. Um terceiro fator importante a ser destacado foi, ironicamente, a crescente popularização da Internet e das novas tecnologias de informação e comunicação.
A popularização do acesso à Internet, com sua estrutura mais horizontal de comunicação, permitiu que discursos então considerados extremados pela própria mídia de centro-direita, que estavam dispersos e desarticulados, passassem a se articular, a disseminar suas lógicas e a recrutar novos militantes em torno de espaços virtuais e também de novos movimentos. Uma diferença significativa entre os “novos” movimentos conservadores - que começaram a ganhar visibilidade pública nos anos 2000 - e os antigos movimentos do integralismo católico e do fundamentalismo protestante da primeira metade do século XX, portanto, é sua valorização e apropriação seletiva de alguns aspectos da cultura moderna e seu esforço explícito no sentido de “atualizar” ou “modernizar” os discursos conservadores (Oliveira, G., 2009). Essa atualização é produzida principalmente através da articulação entre as lógicas sociais (Oliveira et al., 2013; Glynos e Howarth, 2007) que legitimam as estruturas tradicionais de hierarquização e dominação social - de classe, raça, gênero, orientação sexual, etc. - e as principais lógicas sociais que caracterizam a sociedade midiatizada e o mercado neoliberal.
Os discursos “neoconservadores”, nesse caso, desenvolvem uma espécie de “crítica seletiva da modernidade” e tornam-se capazes de produzir uma distinção precisa - e nada acidental ou aleatória - entre os aspectos da modernidade os quais consideram indiferentes, adaptáveis ou mesmo favoráveis à lei e a tradição defendidas, e aqueles os quais acreditam que podem e devem combater de forma inegociável. [...] não elaboram nem enfatizam, por exemplo, as críticas à ganância, ao materialismo e mesmo ao mercado capitalista que eram características dos discursos tradicionalistas entre os séculos XIX e XX. [...] Também não destacam nem aprofundam, igualmente, as censuras à “sociedade tecnológica” nem à “arrogância” ou “soberba” da ciência que eram fortes no tradicionalismo “clássico”. Exceto no que diz respeito ao ateísmo militante e às pesquisas com embriões e/ou relacionadas a aspectos como a sexualidade e a reprodução. [...] O desafio central para os neoconservadores, nesse caso, parece estar relacionado a como encontrar o equilíbrio delicado entre a afirmação da lei e da tradição - a qual possa confrontar a subversão da ordem patriarcal e cultral do mundo contemporâneo - e a manutenção da viabilidade histórica e do grau de apelo simbólico e mesmo midiático conquistado nesse contexto (Oliveira G., 2009, p. 360-361).
Uma das características centrais desses novos movimentos conservadores, portanto, é sua abertura e capacidade de construir articulações com as lógicas do mercado, da indústria midiática e com os próprios discursos acadêmicos e científicos que possam ser “acomodados” com seu projeto conservador. Além de aproximar-se de uma linguagem e de uma estética jovem apropriadas para uma sociedade midiática e imagética. Os discursos enunciados por esses movimentos demonstram claramente que seu principal elemento de identificação é sua oposição ao “outro constitutivo”, personificado principalmente pela esquerda - secular e cristã - e pelos movimentos feminista e LGBT. É a ameaça “fantasmática” (Glynos e Howarth, 2007) que esses outros representam para a ordem social e para as posições de sujeito estabelecidas nessa ordem que mobiliza a identificação com os grupos (neo)conservadores.
Os movimentos e grupos sociais que questionam e desafiam as práticas educativas que reproduzem hierarquias e relações de dominação naturalizadas, entretanto, não são fantasmas que assombram somente os grupos conservadores cristãos ou seculares. São também os fantasmas que rondam o paraíso dos projetos de uma educação supostamente uniforme e universal. Nesse sentido, talvez a religião dos grupos neoconservadores esteja mais próxima do que se possa imaginar da realidade que se aponta atualmente na educação brasileira.
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