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Da escrita ao toque: Elaborando experiências traumáticas com tutores de resiliência
Arthur Teixeira Pereira; Edna Lúcia Tinoco Ponciano
Arthur Teixeira Pereira; Edna Lúcia Tinoco Ponciano
Da escrita ao toque: Elaborando experiências traumáticas com tutores de resiliência
From writing to touching: Elaborating traumatic experiences with tutors of resilience
De la escritura al tacto: Elaborando experiencias traumáticas con tutores de resiliencia
Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol. 19, núm. 3, pp. 851-855, 2019
Universidade do Estado do Rio De Janeiro
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RESENHA

Da escrita ao toque: Elaborando experiências traumáticas com tutores de resiliência

From writing to touching: Elaborating traumatic experiences with tutors of resilience

De la escritura al tacto: Elaborando experiencias traumáticas con tutores de resiliencia

Arthur Teixeira Pereiraa
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brazil
Edna Lúcia Tinoco Poncianob
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brazil
Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol. 19, núm. 3, pp. 851-855, 2019
Universidade do Estado do Rio De Janeiro
Smith R.Halfon L.Malkovich J.Chbosky S.. As vantagens de ser invisível. 2012. São Paulo. Paris Filmes

Recepção: 30 Outubro 2018

Revised document received: 27 Agosto 2019

Aprovação: 28 Agosto 2019

Uma discussão sobre o processo de desenvolvimento de um introvertido na adolescência pode ser elaborada a partir do filmeAs vantagens de ser invisível, destacando-se fatores como a relação interpessoal e a prática da escrita na elaboração de experiências traumáticas. O protagonista Charlie (Logan Lerman) apresenta traumas no seu desenvolvimento, indicando uma trajetória de sofrimento e elaboração de experiências traumáticas, com a participação, principalmente, dos amigos, de um professor, de uma médica e da escrita. São pessoas que representam formas de tutoria/cuidado que facilitam as respostas resilientes (Cyrulnik, 2015), cuja essência define-se pelo "relacionamento progressivo e constante com um ‘outro significativo' que apoia e ativa a iniciação de processos de resiliência naquele que enfrenta a dor e o trauma" (Yunes, Fernandes, & Weschenfelder, 2018, p. 85), impulsionando fatores de proteção e fortalecendo recursos como o da escrita.

Na escola, Charlie conhece Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller). Cada um, a seu modo, atravessa problemas específicos. Embora Sam seja introduzida como uma jovem comunicativa e popular, revela, após aproximar-se de Charlie, vivências de relacionamentos abusivos, atravessados por suas relações familiares. Sam desperta em Charlie um interesse amoroso quase imediato. Patrick, por sua vez, é extrovertido, desafiador e enfrenta problemas com a expressão de sua homossexualidade.

A solidão é a primeira característica marcante de Charlie (Izbicki, Brandão, Carvalho & Melo, 2015), ao relatar, em uma carta, ter interagido somente com sua família nas férias. Quanto ao início das aulas, escreve: "Só espero que eu faça um amigo". Isto demarca a dificuldade do jovem de se relacionar com as pessoas ao redor, além de revelar a principal forma de elaboração de suas emoções - a escrita -, pois é por meio das cartas que ele narra suas experiências. A escrita pode servir como meio de expressar as emoções, permitindo ao adolescente a construção de um lugar próprio, além de se reconhecer nele (Freitas & Silva, 2014). Desse modo, a solidão pode ser positivada como forma de consciência e de diálogo interno sobre seus problemas. Todavia, Charlie apresenta retraimento social, fenômeno com diferentes faces, dentre elas, a timidez (Nunes, Faraco, & Vieira, 2012), evidente em diversas cenas do filme que apresentam Charlie isolado, sem se comunicar com os demais alunos.

Esse padrão é deslocado quando conhece Patrick. Ainda que sofrabullyinge rejeição devido à homossexualidade, Patrick se relaciona amorosamente com Brad (Johnny Simmons), que não assume o relacionamento. Charlie se aproxima de Patrick, vivenciando uma relação de intimidade e de aceitação entre amigos, que permite a ambos a reafirmação de si, a inserção em um grupo e a consolidação da orientação sexualO retraimento da sexualidade é comum em adolescentes homossexuais, devido aos conflitos enfrentados pelo medo de sofrer preconceitos e não ser aceito, tornando a revelação da identidade sexual um desafio (Costa, Machado, & Wagner, 2015; Mata, Silva, Domingos, Jesus, & Merighi, 2018), mas que é vivida com maior facilidade no encontro de amigos, tutores de resiliência. Outra relação importante é a com o professor de inglês, o Sr. Anderson (Paul Rudd), que se aproxima e estimula o aproveitamento de Charlie em sua disciplina, por meio da escrita, reforçando esse recurso.

A problemática dos relacionamentos abusivos está presente ao longo do filme em diferentes personagens. Além dos casos supracitados de Sam e Patrick, que é agredido por ser homossexual, há também a irmã de Charlie, Candace (Nina Dobrev), e sua tia Helen (Melanie Linskey), que também sofriam abusos e agressões de seus namorados. O filme mostra como as relações familiares afetam o desenvolvimento emocional dos(as) adolescentes, perpetuando um padrão de abuso e de violência (Ponciano & Seild-de-Moura, 2016).

Quando Sam e Charlie compartilham um momento afetivo íntimo, em que Sam acaricia a perna dele, algo do passado de Charlie desperta. Esse toque (carinhoso/sexual) ressoa em todo seu corpo e revive a lembrança dos gestos sexualmente abusivos de sua tia Helen, durante sua infância, e ele rememora o que ocorreu durante a convivência com sua tia, demonstrando ter dissociado essa experiência, até então (Harris et al., 2016). Somando-se ao fato de se sentir muito só, com a ida de seus amigos à universidade, Charlie entra em estado de choque e passa a se culpar pela morte da tia, andando sem rumo pela casa e com os pensamentos desorganizados, retomados pelo trauma do abuso. Assim, ele é internado, até conseguir reelaborar todas as memórias em uma conversa com a Dra. Burton (Joan Cusack), outro tutor de resiliência. Após receber alta, Charlie consegue se recolocar na vida, descrevendo que se sente mais preparado para o novo ano letivo; ademais, passa a se comunicar melhor com seus familiares e a disfrutar mais dos momentos com os amigos, demonstrando ter elaborado as experiências vividas.

O filme exibe com leveza e complexidade o desenvolvimento de um adolescente tímido, cujo modo de ser e apreender o mundo vão se transformando ao construir novas relações. Pode-se considerar, a partir da história de Charlie, como o contato com outras pessoas e realidades pode impactar o desenvolvimento e a saúde mental de adolescentes, instrumentalizando-os no enfrentamento de experiências traumáticas, com a ajuda da escrita e de tutores de resiliência. A relação interpessoal é um elemento importante para a compreensão dos processos de desenvolvimento do(a) adolescente. Com ajuda da escrita, uma ferramenta com efeitos terapêuticos, a consciência e elaboração de emoções e de experiências traumáticas tornam-se abordáveis, de modo a diminuir a dissociação, conforme apresentado por Charlie. A partir de vários "toques", que recebe na interação com tutores de resiliência, e ao utilizar a escrita como forma de elaboração, um adolescente pode se transformar positivamente. Tendo no filme um exemplo, trata-se de uma articulação importante, à medida que é um campo de estudo pouco explorado, embora a escrita seja utilizada como uma ferramenta terapêutica (Pennebaker & Evans, 2014). Por fim, enfatizamos que a articulação entre relações interpessoais e escrita constitui um campo promissor para mais investigações empíricas que embasem intervenções com adolescentes, que podem ser utilizadas na prática clínica.

Material suplementar
Referências
Costa, C. B., Machado, M. R., & Wagner, M. F. (2015). Percepções do homossexual masculino: Sociedade, família e amizades.Temas em Psicologia,23(3), 777-788. doi:10.9788/TP2015.3-20
Cyrulnik, B. (2015).Resiliência: Como tirar leite de pedra. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Freitas, E. A. R., & Silva, L. C. A. (2014). Escritas de si mesmo: Os adolescentes e seus blogs.Psicologia Clínica,26(2), 139-157. Recuperado dehttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652014000200009&lng=en&tlng=pt
Harris, L. S., Block, S. D., Ogle, C. M., Goodman, G. S., Augusti, E. M., Larson, R. P., & Urquiza, A. (2016). Coping style and memory specificity in adolescents and adults with histories of child sexual abuse.Memory,24(8), 1078-1090. doi:10.1080/09658211.2015.1068812
Izbicki, S., Brandão, L. C., Carvalho, L. M., & Melo, M. H. S. (2015). Rejeição entre pares - diálogo com o filme The Perks of Being a Wall flower.Estudos e Pesquisas em Psicologia,15(2), 764-783. doi:10.12957/epp.2015.17711
Mata, N. D. S., Silva, M.H., Domingos, S. R. F., Jesus, M. C. P., & Merighi, M. A. B. (2018). Homosexual adolescents and their relations with relatives: a phenomenological study.Online Brazilian Journal of Nursing,16(4), 409-419. doi:10.17665/1676-4285.20175845
Nunes, S. A. N., Faraco, A. M., & Vieira, M. L. (2012). Correlatos e consequências do retraimento social na infância.Arquivos Brasileiros de Psicologia,64(1), 122-138. Recuperado em 02 de outubro de 2018, de Recuperado em 02 de outubro de 2018, dehttp://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000100010&lng=pt&tlng=pt
Pennebaker, J. W., & Evans, J. F. (2014).Expressive writings: Words that heal. Washington: Idyll Arbor.
Ponciano, E. L. T., & Seild-de-Moura, M. L. (2016).Quem quer crescer? Relacionamento pais e filhos(as) da adolescência para a vida adulta. Curitiba: CRV Editora.
Yunes, M. A. M., Fernandes, G., & Weschenfelder, G. V. (2018). Intervenções psicoeducacionais positivas para promoção de resiliência: O profissional da educação como tutor de desenvolvimento.Educação (Porto Alegre),41(1), 83-92. doi:10.15448/1981-2582.2018.1.29766
Notas
Autor notes
a Arthur Teixeira Pereira: Graduando de Psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua Dário Marques, lote 34, Jardim Metrópole, CEP 25575-060, São João de Meriti - RJ, Brasil. Endereço eletrônico: arthurtp11.2009@gmail.com
b Edna Lúcia Tinoco Ponciano: Professora Adjunta do Instituto de Psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Uerj. Rua Nogueira da Gama, 35/203, São Cristóvão, CEP 20910-150, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. Endereço eletrônico: ednaponciano@uol.com.br
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