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Abandonados e Pervertidos, ou em perigo de o ser: biopoder e práticas de normalização dos menores enviados à Penitenciária de Florianópolis (Santa Catarina, década de 1930)
Abandonados y pervertidos (o con riesgo de serlo): biopoder y prácticas de normalización de los menores enviados a la Penitenciaría de Florianópolis (Santa Catarina) en la década de 1930
Helpless and perverted (or at risk to becoming so): biopower and normalization practices among minors sent to Florianópolis Penitentiary (Santa Catarina, 1930s)
Trashumante. Revista Americana de Historia Social, núm. 8, pp. 176-199, 2016
Universidad de Antioquia

Artículo de investigación


Recepção: 04 Dezembro 2015

Aprovação: 31 Março 2016

DOI: 10.17533/udea.trahs.n8a09

Resumo: O trabalho de organização dos prontuários de sentenciados da penitenciária Florianópolis, iniciado em 2012, vem possibilitando uma série de estudos voltados à temática do controle social. Entre as questões suscitadas, o problema dos menores em conflito com a lei tem sido uma preocupação. Da inauguração da instituição, em 1930, até a criação do Abrigo de Menores do estado, em 1940, os menores infratores sentenciados eram internados na penitenciária. O presente artigo objetiva problematizar a dinâmica institucional e as estratégias de biopoder e normalização voltadas aos menores em conflito com a lei durante a década de 1930.

Palavras-chave: menores, biopoder, penitenciária, controle social.

Resumen: El trabajo de organización de expedientes de presos condenados en la penitenciaría de Florianópolis, iniciado en 2012, ha alentado una serie de estudios volcados a la temática del control social. Entre las cuestiones suscitadas, el problema de los menores de edad en conflicto con la ley ha sido una preocupación. Desde la inauguración de la institución en 1930 hasta la creación del Albergue de Menores del Estado (Abrigo de Menores do Estado), en 1940, los menores infractores condenados eran internados en dicha Penitenciaría. En el presente artículo, se busca problematizar la dinámica institucional y sus estrategias de biopoder y normalización dirigidas a los menores en conflicto con la ley durante la década de 1930.

Palabras clave: menores de edad, biopoder, penitenciaría, control social.

Abstract: The task of organizing inmates’ records at Florianópolis Penitentiary, begun in 2012, has made possible many studies addressing social control. Among the emerging matters, the issue of minors against the law is a real concern. From this Institution’s opening in 1930 to the creation of a Minors’ Housing in 1940, underage offenders were sentenced to imprisonment at this penitentiary. This article brings into focus the institutional dynamics and its biopower and normalization strategies.

Keywords: minors, biopower, penitentiary, social control.

1. Na falta de estabelecimento apropriado...

O trabalho de salvaguarda realizado com os prontuários da Penitenciária de Florianópolis possibilitou o contato com documentos que desvelam vestígios das práticas institucionais destinadas aos menores em conflito com a lei na década de 1930. Os documentos em questão, depositados no Instituto de Investigação em Ciências Humanas da Universidade do Estado de Santa Catarina (IDCH), formam um acervo composto por aproximadamente 4.200 prontuários de detentos, os quais datam de 1930 até o fim da década de 1970. São fontes que apreendem os miseráveis, os desviantes, os bandidos, os indesejáveis, seja para melhor puni-los, regenerá-los ou estudá-los. A descrição de Arlette Farge sobre os arquivos policiais da Paris do século de XVIII remete aos documentos em questão. São “vestígios brutos” de vidas que não “pediram absolutamente para serem contadas dessa maneira, e que foram coagidas a isso porque um dia se confrontaram com as realidades da polícia e da repressão”.1 São os homens infames a que se refere Foucault, “vidas de algumas linhas ou de algumas páginas, desventuras e aventuras sem nome, juntadas em um punhado de palavras”.2

Os prontuários são dossiês da vida dentro da prisão. O registro base é o Prontuário Padrão, uma ficha presente em todos os documentos que traz dados relevantes e sucintos sobre o detento (nome, idade, escolaridade, nome dos pais etc.), além de um breve resumo da sentença e da vida do internado dentro da instituição, como as atividades realizadas nas oficinas e eventuais castigos sofridos. Cabe citar ainda a Carta Guia de execução penal, ou, no caso de menores, a Carta Guia do Juízo de Menores, na qual constam as informações necessárias à execução da pena: dados sobre o crime cometido e dados biográficos. Além dos citados, outros documentos podem ser encontrados nos prontuários, como atestado de Pobreza, atestado de bons antecedentes, boletim de objetos (documenta os pertences do sentenciado no momento em que ingressava à Penitenciária), fotografias do Gabinete de Identificação (geralmente 6 fotos, de frente e de perfil), impressões digitais etc. A documentação anexada pode variar de preso para preso, contendo em alguns casos pedidos de perdão ou comutação da pena, atestados de sanidade mental, cartas, bilhetes e outros escritos, endereçados à família, amigos, à direção da Penitenciária ou a autoridades locais.3 No caso de cartas pessoais, muitos escritos nunca chegaram a seus destinatários, mas foram anexados aos prontuários como prova da conduta do preso durante o cumprimento da pena.4 Todos esses dados potencializam a pesquisa histórica, deslocam certezas e produzem novos sentidos, tornando-se fundamentais para o que podemos chamar de Nova História da Prisão no Brasil.

O presente artigo objetiva trazer dados preliminares de uma pesquisa ainda em desenvolvimento, problematizando a dinâmica institucional que envolvia os menores em conflito com a lei na década de 1930 em Santa Catarina. A análise dessas fontes permitiu vislumbrar que, da inauguração da Penitenciária estadual em 1930 até a criação do Abrigo de Menores, em 1940, menores infratores entre 14 e 18 anos, sentenciados por terem cometido algum tipo de crime, eram condenados à prisão comum.5

Para propor essa tessitura foram analisados os 41 prontuários de menores enviados à Penitenciária de Florianópolis entre as décadas de 1930 e 1940.6 Alguns casos foram aprofundados, esmiuçados em suas potencialidades, tendo como critério a problematização de situações em que a prática institucional demonstra incongruências em relação á lei. Certamente essas 41 existências não correspondem ao número real de sentenciados menores enviados à prisão comum no período no estado. Atingir o real é sempre a busca eterna e a meta inatingível dos historiadores. Parte do acervo acabou perdendo-se ao longo do tempo, vitimado pelo descaso. A intenção aqui é acessar os vestígios do que chegou até o presente, fontes fundamentais para colocar em perspectiva o problema dos menores em conflito com a lei e a maneira como, através de suas práticas, a instituição também contribuía para a produção da própria noção de menoridade que se instituía no período.7

O trabalho de organização dos prontuários, iniciado em 2012 através do Projeto de extensão “Arquivos Marginais”, e atualmente com o projeto de pesquisa “Tempo presente e instituições de isolamento social em Santa Catarina: perscrutando histórias marginais”,8 vem possibilitando o aprofundamento de estudos voltados ao controle social, problematizando comportamentos, normas internas, relações de convívio, poder, formas de tratamento, de punição e, sobretudo, o cotidiano institucional. A lógica que perpassa as práticas institucionais analisadas procurava atender ao que Foucault chamou de “biopoder”, um poder que se encarrega da vida promovendo a gestão da população, criando mecanismos de prevenção a potenciais perigos.9 Regulamentado pela norma, este empreendimento visa, ao menos em seu discurso, restituir o sistema de normalidade através da regulação da população. Nesse período que cerca a consolidação do Código dos Menores de 1927, pode ser observado um incremento das práticas judiciárias que procuram tornar as instituições aparelhos reguladores na intenção de regenerar os desviantes e devolvê-los ao social, atuando através da disciplina e da regulação dos corpos. A análise da documentação institucional, principalmente dos prontuários, possibilita encontrar as fendas dentro desse discurso pretensamente coeso, evidenciando a incompatibilidade entre a legislação e as práticas institucionais. A ideia é ultrapassar uma visão instrumentalista e funcionalista da noção de controle social como simples racionalidade preocupada com a manutenção da ordem, pensando nos complexos mecanismos que, além de controlar, produzem comportamentos considerados adequados.10

Através da problematização daquilo que não está na lei, ou seja, as práticas institucionais, a impermeabilidade entre a teoria e a prática, é possível perceber a complexidade jurídico-institucional de se definir arranjos punitivos aos jovens em conflito com a lei, instituindo nesse processo a própria noção de menoridade. Problema que segue ecoando no social, conferindo uma função de atualidade ao presente estudo, que dialoga com condições históricas pregressas.

Descortinar a história dos menores enviados à penitenciária na década de 1930 é uma inquietação trazida pela história do tempo presente. Em 1927 os jovens tidos como imputáveis eram os menores de 14 anos; em 1979 passaram a ser os menores de 18 anos. Na década de 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determinou-se que crianças eram as pessoas de até 12 anos incompletos, e aqueles entre doze e dezoito anos, eram considerados adolescentes. O ECA confere medidas socioeducativas e não punitivas, pensando na proteção social e orientação como papéis do Estado, instituindo este segmento social como sujeitos portadores de direitos. Na atualidade é perceptível a demanda social por maior rigor no castigo aos menores infratores, “sendo a eles atribuída, no imaginário social (ainda hoje como há quarenta anos), uma espécie de equivalência ao fenômeno da violência urbana e seu crescimento”.11 Em 19 de agosto de 2015, depois de 22 anos tramitando em diferentes instâncias, foi aprovada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Conforme a PEC, aqueles entre 16 e 17 anos deverão cumprir a pena em estabelecimento separado dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e dos maiores de 18 anos.

Essa breve retrospectiva mostra que a discussão que procura definir um lugar para os menores em conflito com a lei ainda reverbera no social. Através da problematização daquilo que não está na lei, ou seja, as práticas institucionais, a impermeabilidade entre a teoria e a prática, é possível perceber a complexidade jurídico-institucional de se definir arranjos punitivos aos jovens em conflito com a lei ao longo da história. O presente artigo tenta, portanto, fazer uma história do passado nos termos do presente;12 um “presente ao qual pertencemos” e que nos leva a questionar arranjos compartilhados e naturalizados.13 Sob esta perspectiva, a pesquisa assume suas imbricações ligadas à história do tempo presente, colocando sujeito e objeto mergulhados em uma mesma temporalidade que, por assim dizer, ‘não terminou’, tangenciando a atualidade pela história.14

Os prontuários evidenciam uma série de práticas que permitem refletir sobre o tratamento destinado aos menores; mostram a impermeabilidade entre a lei e a prática punitiva. Sob esta perspectiva, o presente estudo está dividido em dois momentos. No primeiro serão abordadas as condições de possibilidade que tornaram legítima a entrada dos menores no espaço penitenciário em Santa Catarina e o lugar a eles destinado dentro do complexo - questões ligadas à noção de indivíduo pervertido e ao código de Menores de 1927, problematizando a relação entre as mudanças estruturais e organizacionais dentro da instituição e os dados presentes nos prontuários dos sentenciados. Em um segundo momento, será problematizada a ênfase a um regime diferenciado destinado aos menores em conflito com a lei: “disciplinar e educativo”.

2. Abandonados e Pervertidos ou em perigo de o ser...

No prontuário de uma menor de 15 anos que ingressou na Penitenciária da Pedra Grande em 1934, condenada a 7 anos de “prisão” por tentativa de assassinato dos pais, o Juiz procura definir o que se entendia por “indivíduo pervertido”:

se deve entender por indivíduo pervertido, pois esta condição pessoal só pode ser observada e declarada em caso, em particular, depois de um complexo de fatos e circunstâncias apreciadas pelo Juízo em exercício. Por texto da lei, se deduz porém, a noção de que o estado perigoso e pervertido, existe quando se pode presumir a infração penal, provada da natureza intelectual e da índole moral do menor, que este, pelo grau de perversão não é suscetível de reforma e provavelmente cometerá nova infração penal, se não lhe for cominada aplicada a pena ordinária. Para avaliação da gravidade do crime o legislador não tomou em consideração unicamente a importância do bem individual ou social sobre quem versa o risco de lesão, mas também as circunstâncias que rodearam o crime, a qualidade, quantidade, intensidade, das causas psíquicas, que produziram... O Juiz tem por missão, pois, apreciar mais o caráter, mais ou menos ante-social, do culpado, o grau de intensidade, do móvel implícito e injusto que o impeliu, do que a materialidade do fato, ao perigo subjuntivo à capacidade criminosa do agente, revelada por sua índole, perversa ou por seu mau comportamento e seus hábitos de vida, ou por antecedentes [?] pessoais, que denotam nele predisposição para o crime, ou fazem supor que cometera novos crimes.15

O caráter vago da expressão “perigo de o ser” tornava qualquer um passível de ser instituído enquanto pervertido em potencial e assim enviado a instituições de internamento.16 As teorias criminais do período, juntamente com ideias ligadas ao lócus social como responsável pela produção de criminosos, corroboravam a intervenção por parte do estado instituindo aqueles que seriam possíveis candidatos à internação. A “materialidade do fato”, ou seja, aquilo que efetivamente o sujeito fez, o crime praticado, perdia a relevância frente ao que ele representava ou poderia vir a representar. Levava-se em conta sua “capacidade criminosa”, sua “índole perversa”, seu “mau comportamento”, seus “hábitos de vida” e seus “antecedentes”. Todos esses pontos elencados fazem supor que a menor em questão “cometerá novos crimes”. Contudo, a aplicação da pena ordinária, determinada pelo Juiz, supostamente poderia evitar a continuidade desse estado perigoso e pervertido.

Conforme Londoño, a partir de 1920, a palavra “menor” “passou a referir e indicar a criança em relação à situação de abandono e marginalidade, além de definir sua condição civil e jurídica e os direitos que lhe correspondem”.17 O termo passou a indicar “principalmente crianças pobres abandonadas ou que incorriam em delitos”. Havia portando duas possibilidades para estes menores: aos abandonados, as casas de assistência vinculadas à Igreja Católica, sob a tutela do estado; aos delinquentes, as escolas de reforma e, na ausência destas, as prisões comuns.

A preocupação do estado com o gerenciamento da infância e juventude consideradas perigosas e pervertidas teve início no Brasil no final do século XIX, apontando a necessidade da criação de um aparato jurídico e institucional voltado a esta segmento da sociedade.18 A discussão foi pautada pela reverberação de ideias trazidas pela Escola Positiva, objetivando o controle da população no detalhe, que se ramificava em diferentes esferas através de uma rede de instituições que apreendiam determinados grupos sociais considerados prioridades nesse verdadeiro projeto governamental - uma lógica biopolítica de governo da vida, baseada na perspectiva de gestão de potenciais perigos, investindo em medidas de prevenção. Criam-se indivíduos que devem ser protegidos por sua fragilidade, considerados perigosos e pervertidos, tendo suas infrações presumidas em função de sua “natureza intelectual” e de sua “índole moral”, entendendo que esse sujeito “provavelmente cometerá nova infração penal”.

Avaliar, qualificar, medir e determinar se o internado poderia retornar à sociedade: eis algumas características da prática institucional. Conforme o prontuário de um menor recolhido à Penitenciária de Florianópolis em 1937: “[...] não se trata ainda de indivíduo irremediavelmente perdido para a Pátria e a Sociedade. Tudo indica que é um desprotegido de fortuna, que da vida só conheceu misérias e tristezas. Mostra-se arrependido. Não é um delinquente experiente”.19

Os menores ainda não estavam irremediavelmente perdidos para a pátria e a sociedade, ainda não eram “delinquentes experientes”. Neste sentido, além dos sentenciados convencionais, e, portanto, adultos, o foco voltava-se para os menores. O discurso positivista instituía a menoridade enquanto categoria especial, à qual “deveria corresponder uma justiça e instituições de internamento específicas”.20

Com o Código de 1927, os menores foram instituídos enquanto categoria especial, a qual não poderia ser submetida a nenhum tipo de processo penal. Conforme Alvarez,

a questão atual do equacionamento jurídico e institucional da situação dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil, a partir, sobretudo, da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, pode ser colocada em perspectiva a partir da retomada da análise da emergência do primeiro Código de Menores do país de 1927.21

Questões como o abandono, a delinquência e o crescimento de crianças trabalhando em fábricas tornaram necessárias medidas legais que possibilitassem a criação de instituições e de uma legislação específica sobre o tema. Trata-se do primeiro mecanismo legal sobre o assunto no país, cujo objetivo era regular o trabalho de crianças e adolescentes, além de definir o destino dos menores infratores, garantindo que o processo penal tradicional só atingisse os maiores de 18 anos. A criação do Código incitou a criação dos chamados Juizados de Menores nas capitais de diferentes estados brasileiros.

Dentro dessa política de controle social, aqueles entre 14 a 18 anos seriam submetidos a processo especial, que os condenaria ao internamento nas escolas de reforma, conforme os parágrafos 2 e 3 do artigo 69: § 2º Si o menor não fôr abandonado, nem pervertido, nem estiver em perigo de o ser, nem precisar do tratamento especial, a autoridade o recolherá a uma escola de reforma pelo prazo de um n cinco annos. § 3º Si o menor fôr abandonado, pervertido, ou estiver em perigo de o ser, a autoridade o internará em uma escola de reforma, por todo o tempo necessario á sua educação, que poderá ser de tres annos, no minimo e de sete annos, no máximo.22

Aqueles entre 16 e 18 anos que cometessem crimes considerados graves ou que fossem tidos como perigosos, poderiam ter como destino as prisões comuns, com separação dos presos adultos. O Código acaba criando uma brecha, indicando que todos entre 14 e 18 anos poderiam ser enviados às prisões comuns quando não existissem instituições adequadas :

Art. 87. Em falta de estabelecimentos apropriados á execução do regimen creado por este Codigo, os menores de 14 a 18 annos sentenciados a internação em escola do reforma serão recolhidos a prisões comuns, porém, separados dos condemnados maiores, e sujeitos a regime adequado; disciplinar o educativo, em vez de penitenciario.23

O termo “internação”, presente em todos os prontuários de menores, corrobora o caráter “jurídico-assistencialista” do Código de Menores, atendendo a uma política que visava a gestão da população. Através de legislação própria e da ação tutelada do Estado, os menores deveriam receber tratamento dentro das instituições que os abrigavam - eram tidos como “pacientes”. A internação desses pacientes em uma prisão comum foi uma condição de possibilidade instituída pelo próprio Código de menores. Nesses espaços eles eram também chamados de presos, detentos, sentenciados, obedecendo as regras da nova casa, ou seja, o mesmo tratamento destinado aos adultos. Em Santa Catarina, somente em 1940 o Abrigo de Menores, inaugurado pelo presidente Vargas, assume a missão de fornecer a formação e o cuidado aos menores do sexo masculino considerados carentes e abandonados.24

A constituição de instituições de caráter sanitarista se consolida em Santa Catarina entre 1930 e 1940. Nesse período, a penitenciária do Estado sofreu reforma em suas instalações (1936), foi criado o Abrigo para Menores (1940), bem como o Leprosário Santa Tereza (1940) e o Hospital Nereu Ramos (1943), este último destinado aos tuberculosos e portadores de outras doenças infectocontagiosas. O estado estava em consonância com o projeto nacional de criação de uma rede de instituições de assistência, um ideal de progresso fundamentado na gestão da população, preocupado com a regeneração dos desviantes. Tais espaços tornam-se aparelhos reguladores a serviço de práticas médico-judiciárias.

Na década de 1930, a Penitenciária de Florianópolis foi o destino dos menores entre 14 e 18 anos em conflito com a lei. O crime mais cometido por estes sentenciados foi o de homicídio, seguido de furto e roubo.25 O tempo de prisão estabelecido pelo Juiz de Menores variou de 1 a 11 anos; contudo, devido às solicitações de redução de sentença, o tempo maior de permanência na instituição foi de 5 anos.

Conforme apontado, a expressão “perigo de o ser” era muito vaga e dava ao Juiz de Menores o poder de estabelecer quem seria enquadrado nessa caracterização. O artigo 80 do referido Código previa o retardamento ou antecipação da pena conforme o julgamento do Juiz:

Art. 80. Tratando-se de menor do 14 a 18 annos sentenciado á internação em escola de reforma, o juiz ou tribunal póde antecipar o seu desligamento, ou retardal-o até ao maximo estabelecido na lei, fundando-se na personalidade moral do menor, na natureza da infracção e circumstancias que a rodearam no que possam servir para apreciar essa personalidade, e no comportamento no reformatorio, segundo informação fundamentada do director.26

Uma internação poderia ser por “todo o tempo necessário a sua educação”, tempo esse que seria medido e determinado pelo Juiz de Menores e que não poderia ultrapassar os 21 anos, segundo o Código de Menores de 1927. Essas nuances permitiam um amplo poder a esta figura jurídica, que decidia o destino dos menores em conflito com a lei.

Os prontuários mostram a gestão do tempo de internamento dos menores principalmente evidenciada através da Carta Guia do Juízo de Menores. O documento perpassa os prontuários e faz uma verdadeira exaltação à “consagração legal da sentença indeterminada”:

o Juiz pode antecipar seu desligamento ou retardá-lo [...] fundando-se na personalidade moral do menor [...] No tratamento de menores delinquentes foi suprimida entre os povos de melhor cultura, a comutação de pena, e adotada a aplicação de medidas de segurança, disciplina, educação e reforma. Estas podem, só podem ser eficazes, quando aplicadas a prazo vencível segundo a índole e o grau da corrupção moral do menor, sendo, portanto, indispensável deixar ao arbítrio do juiz alonga-las, encurta-las, suspende-las, revoga-las segundo a conveniência do caso em apreco. Ao juiz é impossível predeterminar, no momento da sentença, dentro de que prazo se dará a regeneração do jovem criminoso, do mesmo modo que ao médico não é possível predizer os dias o doente ficará “curado”.27

Os menores aguardavam a autorização do Juiz para poderem sair da instituição, mesmo que o tempo de sua pena já estivesse se esgotado e mesmo já ultrapassando a idade limite estabelecida pela lei - 21 anos. “O paciente no ano corrente completou 18 anos, […] o paciente continua internado, prisão ilegal. Não pode estar sujeito ao código de menores nem passar a condição de delinquente comum ”.28

A separação entre menores e adultos é constantemente recomendada nos registros encontrados nos prontuários: “Na falta de estabelecimento apropriado, e de acordo com o art. 87 do código aludido, mando seja o menor recolhido à Penitenciária da Pedra Grande, com separação dos condenados maiores e sujeição de regime adequado: disciplinar e educativo”.29 A preocupação visava atender ao Código de Menores de 1927; contudo, nem sempre era possível na prática institucional. Em seus primeiros anos de funcionamento, a penitenciária sofreu com problemas estruturais resultantes de uma obra inacabada. Faltavam os portões externos e as portas laterais, o que permitia a livre circulação dentro do espaço e certamente dificultava qualquer separação entre os corpos a serem disciplinados. Soma-se a esses problemas estruturais a constante troca de diretores: nos cinco primeiros anos de funcionamento, a instituição teve cinco direções diferentes. A dificuldade em se implantar o sistema penitenciário desejado e os embates entre as direções e o Conselho Penitenciário na tentativa de controlar o cotidiano dos presos inviabilizavam o objetivo inicial de criar uma instituição moderna. Até então, apesar ter nome de penitenciária, a Pedra Grande ainda funcionava como as antigas cadeias públicas, abrigando detentos comuns que se misturavam: mulheres, alienados, menores a presos comuns.

Somam-se a isso os problemas de superlotação. Em ofício assinado pelo Chefe da Secção Penal, de 18 de junho de 1934, já se mencionada o problema: Ultimamente, em virtude da superpopulação presidiária, a enfermaria da casa e uma das salas de oficina, foram transformadas em presídio, onde dormem, em comuns, 14 sentenciados. Estão recolhidos no Manicômio 12 dementes e a cadeia pública 4 correcionais, 3 pronunciados e 3 sentenciados, que, com mais de 81 condenados recolhidos aos cubículos da Penitenciária perfazem o total de 117 presidiários.30

Em uma Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 16 de julho de 1936 pelo Governador Nereu Oliveira Ramos, a situação é reiterada: “a lotação normal do estabelecimento está excedida quase de dobro. Construída para 80 sentenciados, existem atualmente 135. E entre estes alguns menores, que exigem cuidados e tratamentos especiais”.

Apesar dos problemas administrativos e estruturais, o cuidado na separação entre maiores e menores é um tema recorrente nos registros presentes nos prontuários. Estes precisavam de “cuidados e tratamentos especiais”. Nos documentos analisados, todas as Cartas Guia emitidas pelo Juiz de Menores frisam a necessidade desse apartamento. Essa preocupação aparece também em documentos que indicam as atividades realizadas pelos menores durante o internamento, nas várias oficinas existentes na Penitenciária naquele período. Contudo, o que se observa era que os menores eram tratados da mesma forma que os sentenciados adultos, dividindo com estes os mesmos espaços.

Os registros que permitem entender qual o espaço destinado aos menores dentro da instituição são fragmentários; apenas breves vestígios indicam possíveis locais como “ala”, “sala sul da antiga enfermaria”, “cubículos na seção feminina”, “enfermaria”, “cubículos na casa velha”, por exemplo. Conforme o trecho citado, tais espaços foram transformados em locais destinados ao confinamento devido à superlotação da penitenciária, anunciada já em 1934. Havia ainda a preocupação com o lugar destinado às menores do sexo feminino - cabe salientar que apenas 2 dos 41 prontuários aqui analisados são de meninas. Certamente uma das razões para essa ausência era a falta de espaço próprio: “na penitenciária atual não nos é possível alojar sentenciadas do sexo feminino dado o ambiente e sobretudo falta de cômodos ”.31

As mudanças estruturais e administrativas dentro do espaço penitenciário iniciam em 1935, quando assume a direção o advogado Edelvito Campelo D’Araújo.32 O diretor propôs a primeira grande reforma estrutural, ocorrida em 1936, e ainda uma reestruturação administrativa. A construção de novos pavilhões, a implantação de novas oficinas, a instalação de um Gabinete de Identificação subordinado à Seção de Medicina e Criminologia, a alteração do regulamento interno e a contratação de novos profissionais foram algumas das mudanças realizadas por Araújo nos dez anos e que dirigiu a penitenciária, entre 1935 e 1945.

Também em 1935 foi criado em Santa Catarina o Juízo Privativo de Menores, órgão que passa a administrar os problemas da infância e juventude, consideradas desamparadas e delinquentes.33 A importância conferida ao Juiz de menores, conforme colocado anteriormente, seu poder de decidir sobre o tempo de confinamento do sentenciado de acordo com a análise de sua índole e potencialidade a recorrer à delinquência, perpassa as fontes analisadas. A documentação referente ao Juízo de Menores está presente em todos os prontuários analisados posteriores a 1935, através de uma Carta Guia que apresentava o menor e detalhava a infração cometida e a sentença emitida pelo “Exmo. Juiz Privativo de Menores”.

Esses novos arranjos podem ser percebidos nos prontuários. É possível observar um maior detalhamento de informações durante os cinco primeiros anos da gestão de Araújo, entre 1935 e 1940,34 certamente também reflexo da criação do Juízo de Menores no estado.35 Alguns documentos foram preenchidos a posteriori, ou seja, o sentenciado ingressou na Penitenciária, mas seu registro foi feito apenas anos depois, na gestão de Araújo, o que corrobora essa tentativa de organização do espaço empreendida pelo diretor.36 Na capa dos três prontuários mais antigos referentes a menores, anteriores à criação do Juízo de Menores, consta a data de entrada como sendo em 1934, contudo os registros mais antigos datam de 1937, o que mostra que os documentos foram criados a posteriori. Em um deles, a solicitação para que uma detenta seja identificada se dá por ocasião de seu pedido de livramento condicional, quando o diretor solicita ao Gabinete de Identificação “as providências necessárias no sentido de ser a mesma identificada neste Presídio”.37

3. Sujeição a regime adequado: disciplinar e educativo

No intuito de atender ao Código de Menores, é constantemente reiterado nos registros dos prontuários que estes estivessem “sujeitos a regime adequado; - disciplinar e educativo, em vez de penitenciário”. Cabe aqui problematizar como se dava o regime imposto aos menores sentenciados em sua tessitura. Novamente, a documentação analisada desvela a impermeabilidade entre a lei e a prática. Na prática institucional, aos menores era destinado o mesmo tratamento dado aos presos adultos, não havendo diferenciação no tratamento e nas atividades empregadas. Além de muitas vezes ocuparem os mesmos espaços, seguiam as mesmas rotinas internas e sofriam os mesmos castigos, na tentativa institucional de disciplinar e regular seus corpos.

Em 1938, o então diretor Edelvito Campelo d’Araújo apontava as dificuldades de se aplicar junto aos menores o regime disciplinar e educativo indicado pelo Código de Menores. Ao longo da década de 1930, reiteradamente a Penitenciária foi instituída como o local impróprio para os menores, onde se daria a promiscuidade entre estes e os detentos adultos, servindo de “escola para o crime”, conforme apontava o diretor.

Segundo Araújo, os menores internados na Penitenciária:

[...] viviam a perturbar seriamente a disciplina da casa, com atritos diários e depredações contínuas. Já no adendo que, em 26 de março de 1938, fiz ao relatório do Sr. Chefe da extinta Secção Penal, salientei a inconveniência da reclusão desses menores, mostrando a impossibilidade da aplicação dos meios regenerativos indicados, como o do trabalho, em face da formal proibição de contatos com reclusos maiores. […].38

Em um ofício encaminhado à Penitenciária pelo Juiz de Menores da capital, referente ao pedido de apelação de um menor sentenciado, também é possível perceber essa mesma preocupação e a ciência do Juizado de que a prática institucional tecida em Santa Catarina não atendia ao Código de Menores.

Em primeiro lugar, dá-se ao menor a designação genérica de presidiário, o que ele propriamente não é, expressão que deve ser citada quando se tratar de menor delinquente. Depois, constata-se que o mesmo foi metido num cubículo, como preso comum, depois encaminhado à lavanderia e mais tarde levado para os trabalhos externos chamados de utilidade pública. E isso é educar? Ora, a lei determina que, em falta de estabelecimento apropriado, o menor deve ser recolhido à prisão comum, mas COMPLETAMENTE SEPARADO dos presos adultos, dando-se-lhe um regime EDUCATIVO e disciplinar, (Código de Menores, art. 77 e 87). [...] essas exigências e determinações foram cumpridas? Não, absolutamente não. O regime a que esteve sujeito o menor foi educativo? Nunca. Como temíamos, o menor ficou esse tempo todo na Penitenciária vivendo em comum com os presos adultos, em completa promiscuidade, e deles aprendendo tudo aquilo que a sua alma de matuto e de moço ingênuo ignorava.39

Atendendo ao Código, procurava-se definir um tratamento jurídico-penal especial para este segmento da população considerado perigoso e pervertido, reservando medidas normalizadoras e moralizadoras aos delinquentes.40 Estas medidas deveriam corresponder a um regime “ disciplinar e educativo ”, nem sempre claro dentro das práticas institucionais da Penitenciária de Florianópolis. As categorias instituídas a estes menores são ambíguas: são chamados muitas vezes de “ presos ”, fala-se muito em prisão, mas também em internamento, sendo que em muitos casos o menor era chamado de “ paciente ”, conferindo ao tempo de reclusão o caráter terapêutico que objetivava a regeneração.

No caso de Santa Catarina, não foi localizado nenhum documento específico que estipulasse a rotina dos menores de forma diferenciada dos pesos adultos. O modelo de prontuário era exatamente o mesmo dos adultos; em alguns casos era indicado “menor” na capa. Os menores estavam condicionados ao Regimento Interno da Penitenciária, o mesmo destinado aos presos adultos, prevendo rotinas rígidas, trabalho nas oficinas e castigos. A regeneração se daria através da “laborterapia” e da “educação moral, intelectual e profissional”. Conforme o Regulamento Interno (1931), o tempo dentro da Penitenciária era distribuído da seguinte maneira: “a) trabalho officinal 8 horas, b) Instrucção, hygiene, recreio e alimentação 8 horas, c) Repouso 8 horas”. Maiores ou menores, a volta à sociedade dependeria fundamentalmente de seu desempenho no trabalho junto às oficinas, no seu bom comportamento e no seu desempenho na Escola dos Menores.

A respeito do trabalho, é possível perceber a implementação de novas oficinas a partir da gestão de Edelvito Campleo D’Araújo: marcenaria, vassouraria, sapataria, oficina de vime, alfaiataria, encadernação, colchoaria. Nos prontuários dos menores é possível encontrar vários registros ligados às oficinas, muitas vezes indicando os menores como aprendizes e mesmo como chefes em suas seções. O trabalho dos sentenciados ocorria também em outros espaços não previstos no Regimento, como na conservação das estradas, na limpeza dos gramados e jardins, e na pedreira, que funcionava junto à Penitenciária.

A proximidade entre menores e maiores era apontada como um problema que tornava a Penitenciária um lugar inapropriado para a “regeneração e educação” deste segmento social. Em ofício endereçado ao Juiz de Menores, o Diretor da Penitenciária informava que o menor não poderia “adquirir um ofício porquanto tem de ficar separado dos presos comuns e na Penitenciária, atualmente, só existem oficinas organizadas na seção de presos adultos”.41 Existem registros da presença de menores nas oficinas durante toda a década de 1930, evidenciando que certamente a realização das atividades nestes espaços acabava possibilitando o contato entre estes e os presos adultos. Somente dessa forma seria possível a estes “adquirir um ofício”. De acordo com o registro em um dos prontuários: “Acreditamos [...] que a sua reclusão nesta casa foi de todo proveitosa, mas grado não ser ela o estabelecimento apropriado para a sua regeneração e educação. Aqui recluso ele, bem como os demais menores, não poderão adquirir um ofício por lhes ser defeso e conviverem em meio aos sentenciados adultos”.42

O trabalho dos menores nas oficinas é descrito com detalhes nos prontuários; em alguns casos, tais registros revelam que estes exerciam as mesmas tarefas que os sentenciados maiores. Alguns chegaram a ocupar posições de liderança, como chefes das turmas das oficinas; poderiam ainda ser responsáveis pelo pagamento de funcionários e ter livre acesso à área externa, como no caso do menor B.A.B., que ingressou na Penitenciária aos 17 anos:

A 24 desse mês (maio), foi designado para prestar serviços na lavanderia, onde permaneceu até 30 de setembro. A 1o de outubro foi transferido para a oficina de encadernação, mantendo-se no aprendizado dessa oficina até 31 de dezembro. A 1o de setembro de 1936, foi transferido da oficina de encadernação para a de móveis de vime, nela permanecendo até 22 de março de 1938. Dada a sua dedicação e interesse pelos trabalhos dessa oficina, galgou todos os postos. Nesses serviços trabalhou ele, em parte externa auxiliando o cozimento de cipó liça, madeira e vime, para a confecção dos móveis. A 23 de março de 1938, foi removido da oficina de móveis para a copa. Pelo seu bom procedimento e pela sua dedicação aos trabalhos foi a 1o de julho elevado ao posto de chefe da turma de sentenciados que ali trabalham, permanecendo ainda nesse mesmo cargo. Na direção da copa, é o encarregado do pagamento de refeições aos funcionários, na parte externa, onde se locomove independentemente de escolta.43

Lavanderia, oficina de móveis de vime, encadernação, copa: todos esses espaços eram também frequentados pelos presos comuns. A participação nas oficinas era apontada muitas vezes com uma demanda dos próprios menores: o sentenciado “prometeu modificar sua conduta e pediu a sua designação para um serviço, alegando que a ociosidade da cela o enerva a ponto de sentir-se continuamente doente”.44 Existe uma constante ênfase a um regime onde o trabalho, juntamente com a educação, era um dos meios indicados para a regeneração. Em Relatório do diretor da penitenciária presente em um prontuário de 1938:

Dando ao sentenciado o tratamento indicado a corrigir-lhe as tendências delituosas, cuidando da sua regeneração pela laborterapia e pela educação moral, intelectual e profissional, transformando-o num elemento de ordem econômica, de forma a bastar-se a si mesmo na sua volta à sociedade, podemos assegurar, nesta fase do nosso trabalho e estudo, que nosso esforço já começa a colher os primeiros frutos, quer no que se refere à vida moral, profissional, disciplinar e hygienica do encarcerado.45

O objetivo era transformar presos em elementos de “ordem econômica”, devolvendo-os à sociedade como sujeitos produtivos. O discurso que potencializava o trabalho como componente fundamental na reabilitação dos desviantes perpassa a teia de instituições de assistência e controle criada durante a Era Vargas (1935-1945).46 A gestão dos desviantes através da bandeira dos direitos sociais é incrementada através da proliferação de espaços destinados a sua regeneração, através da disciplina e regulação dos corpos. Aos menores, entendidos nesse período como crianças e adolescentes pobres ou abandonados que perambulavam pelas cidades, cabia às instituições retirá-los ou livrá-los da delinquência, do conflito com a lei. Conforme os dados indicados nos prontuários, entre os menores sentenciados verifica-se um alto percentual de lavradores, seguido de jornaleiros47.

Esse é o caso de A.F.A., menor que ingressou na Penitenciária aos “14 anos mais ou menos de idade”,48 condenado a 7 anos de “internação” por homicídio. Conforme os registros presentes em seu prontuário, o menor “nunca frequentou escola, a não ser na Penitenciária, onde aprendeu a ler e a escrever. Sempre viveu entre lavradores, pertencendo à mesma posição social que sua família. [...] Família pobre, de posição social inferior, com dois membros apenas, uma avó e um primo, sabendo ler e escrever.”49

Certamente o envolvimento dos sentenciados na escola e nas oficinas possibilitava o aprendizado de novos ofícios. Acreditava-se na relação direta entre o aprendizado dentro na Penitenciária e o retorno à sociedade: “Prestou bons serviços internos e externos, alfabetizou-se, aprendeu o ofício de Alfaiate [...] possuído dos melhores propósitos de ingressar no convívio social cheio de melhor boa vontade para se tornar um cidadão digno de seus pares”.

A educação é um elemento reiteradamente apontado como primordial para tornar o sentenciado “cidadão digno de seus pares”. No que tange à escolaridade, com base no campo “Instrução”, presente nos prontuários dos 41 menores: 11 constam como sabendo ler e escrever, em um não consta a informação e os demais, 29 internados, aparecem como tendo instrução “nula”.50 Registros apontam que alguns sentenciados acabaram se alfabetizando durante o internamento, na Escola da Penitenciária.

A Escola da Penitenciária estava prevista no Regimento interno (1931): “Art. 57 - Haverá uma escola com programma adotado nas do Estado e a freqüência da mesma é obrigatória para todos os conheccidos, salvo, a juízo do Director, os de avançada idade e os de mau comportamento”.51 Nos registros observados nos prontuários, é possível apontar a existência de um espaço chamado “Escola de Menores”, supostamente um lugar diferente da “Escola da Penitenciária”, destinada aos adultos. São vários os registros relacionados a notas, indicando disciplinas como: comportamento, aplicação, aproveitamento, português e aritmética.

A frequência e o bom comportamento na escola perpassam os registros sobre a vida destes menores dentro da Penitenciária: “Atesto que o aluno Mario de Oliveira, matriculado sob o número 18 no 3o ano da Escola de Menores da Penitenciária da Pedra Grande, tem se mostrado muito assíduo nas aulas, nas quais sempre revelou boa aplicação e ótimo comportamento”.52 E ainda: “Atesto que o menor M. durante o período que frequentou as aulas de minha escola, demonstrou bom comportamento e ótima aplicação”.53

Nesse regime que visava a regeneração, os comportamentos eram constantemente vigiados e avaliados. O Regimento Interno da Penitenciária estabelecia um Tribunal de Comportamento, composto pelo Diretor, chefes de seção, professor e vigilante chefe, cujo objetivo era classificar os “condenmados”:

Art. 35 - Os condenmados serão classificados trimestralmente em três grupos: superior, médio e inferior, segundo o comportamento e aptidões dos mesmos. Entram na primeira classe os de bom e regular comportamento e aptidões na segunda, os de médio e sofrível e na terceira os refratários ao bom caminho.54

Os menores também estavam submetidos a este tribunal. Em alguns prontuários é possível encontrar o registros dessa avaliação:

Classificação - Pelo Tribunal de Comportamento foi classificado a 13 de outubro de 1936, devido a sua pouca permanência neste Presídio, no 2o grupo - Médio, Na reunião havida em 1937, esse mesmo tribunal, classificou-o no 1o grupo - Superior. Classificação: em 1936 foi Classificado pelo Tribunal de Comportamento, no 2o grupo médio - em 1937, foi pelo referido Tribunal, classificado no 3o grupo - inferior. Classificado no 3o grupo (inferior) pelo Tribunal de Comportamento realizado em 1/out de 1937.55

O parecer dado pelo tribunal poderia auxiliar o Poder Judiciário em decisões ligadas a benefícios aos sentenciados, como a progressão de regime, demonstrando a eficiência do tratamento, possibilitando a gradual regeneração do sentenciado através do cumprimento de sua pena. Indivíduos já sentenciados, ou seja, já julgados por um tribunal, tinham sua existência “colocada sob a observação de uma espécie de microtribunal, de pequeno tribunal permanente” composto por autoridades da própria instituição que iriam puni-los constantemente de acordo com seus comportamentos.56

Na tentativa de regular os comportamentos e garantir a disciplina, aos menores também cabiam os mesmos castigos infringidos aos presos comuns. Estes estavam previstos no Regimento. Conforme o Artigo 42: “Os condemnados quando commenterem faltas graves, soffrerão a pena disciplinar de solitária por 8 a 15 dias, a pão e água com um dia intercalado”.57 De acordo com o artigo 41, os castigos corporais eram proibidos.

Os registros de castigos perpassam os prontuários dos menores:

Foi castigado por ter cometido as seguintes faltas: arrombado a porta de seu cubículo, foi castigado em 30 dias de isolamento celular diurno e noturno e dez dias a pão e água, com um dia intercalado”. Por ter desrespeitado o vigilante - 10 dias de isolamento celular.58 Por mau procedimento, determinei fossem postos em isolamento, durante 5 e 15 dias, respectivamente os sentenciados menores 450 e 410.59

Em um dos casos analisados, o Juiz de Menores solicita providências da direção da Penitenciária, visto que um dos menores teria infringido o regulamento da instituição:

tenho a honra de passar às suas mãos, afim de que V. Senhoria se digne tomar as providências que lhe parecerem convenientes, uma carta que me foi dirigida, por via postal, pelo sentenciado menor WC.A. Por isso julgue infringir o regulamento dessa Penitenciária a remessa direta de correspondência pelos sentenciados.60

O registro corrobora a ideia de que os menores respondiam ao mesmo regulamento destinado aos presos adultos. Enviar cartas sem o consentimento da direção era uma falta grave, conforme o regulamento:

33) não escreverão nem receberão cartas, senão nos dias designados. 34) a correspondência poderá ser augmentada ou diminuída de acordo com a conducta do sentenciado.

[...]

47) as cartas inconvenientes não serão entregues nem remettidas.61

Os castigos muitas vezes estavam relacionados à escola, envolvendo, além do isolamento, a suspensão de recreio:

O comportamento desse menor tem sido dos piores. Além de faltas menores em que seguidamente incorre e é repreendido, o seu prontuário registra quatro de maior gravidade. Foi castigado em 26 de setembro e 10 de outubro, com privação de recreio por 5 e 15 dias respectivamente; em 8 de novembro foi isolado por 5 dias e em 19 de dezembro perdeo o recreio por 15 dias, sendo no entanto, perdoado em véspera de natal. As faltas que comete, sempre periódicas, são o bastante para atestar a sua resistência aos empenhos que temos feiro para reformar-lhe o caráter. Tem frequentado a escola, onde tem comportamento e aplicação regulares.62

Qualquer tentativa de resistência dos sentenciados às normas impostas poderia ser punida com “solitária por 8 a 15 dias, a pão e água”. Atos considerados de rebeldia eram devidamente registrados pelos guardas e soldados responsáveis pela vigilância e anexados ao prontuário do sentenciado, podendo resultar em castigos.

Ora recolhido na enfermaria externa deste Presídio à disposição do MM. Dra. Juiz de Direito Privativo de Menores desta capital, tal a sua rebeldia, já danificou a fechadura da porta da célula. O soldado escalado para o serviço de guarda naquele Presídio é obrigado a passar a noite em claro a fim de evitar alguma surpresa.63

Romper o silêncio, desrespeitar seus superiores, praticar obscenidades, danificar portas e paredes, negar-se a se “perfilar e fazer continência militar quando em presença do diretor” etc. Tais demonstrações de obediência e respeito eram exigidas também em relação ao tratamento destinado aos guardas e soldados.

Comunico-lhe haver recolhido hoje às 15 horas aproximadamente ao cubículo o sentenciado L.A.O. por ter acintosamente permanecido sentado em seu banco, na seção de vime, quando ali compareci em serviço de inspeção. Não fora sua maneira desabrida em prestar uma homenagem, aliás regulamentar a um seu superior, não estaria apresentando minha queixa a v.s., esperando que se digne a determinar qual a penalidade aplicável ao caso.64

A necessidade de “prestar homenagem” aos guardas, expressa no registro acima, não está prevista na lista de “deveres” dos sentenciados. Colocado como algo “regulamentar”, o guarda exige providências da direção para punir o menor em questão. A referida lista de deveres é extensa, composta de 63 itens que procuram dar conta de vários aspectos do cotidiano institucional. Cabe destacar alguns deles, ligados diretamente ao regime proposto, visando a educação e a disciplina como forma de regeneração : “6) Cuidar muito do asseio de seu corpo […], 8) Não poderá recusar o trabalho que lhe for cometido […], 19) Nas oficinas executarão com boa vontade suas tarefas […], 31) Nas escolas deve haver o maior respeito e aplicação.”65

São praticamente inexistentes nos prontuários dos menores registros pessoais que ajudem a desvelar como os sentenciados negociavam, resistiam ou compactuavam com os regulamentos e seus arranjos punitivos. É possível localizar indícios de comportamentos que não seguiam as normas. A única carta escrita por um menor localizada nos prontuários data de 1938 e mostra uma tentativa de burlar o crivo da direção da instituição. Trata-se certamente de uma “carta inconveniente”, conforme previsto no regulamento, a qual não foi entregue nem remetida, mas sim anexada ao prontuário. Nela, o menor pede notícias da família e também dinheiro a seu irmão.

Se você que fazer o favor de me mandar cem mil reis para mim não dado mais sim emprestado que quando eu sair daqui eu te pagarei assim que nos se encontrar porque tenho até para pagar cinco contos. Você sabe que eu tenho dinheiro que meu pai nem sabe. O meu dinheiro esta na mão de um homem de confiança, passado recibo e celado… com prazo de 21 anos para mim retirar e por isso não quero pedir para ele me mandar.66

Tais trechos encontram-se grifados em vermelho e acima consta a seguinte observação por parte da direção da Penitenciária: “Constatei que o menor com a presente carta quer obter dinheiro valendo-se de mentiras. Junte-se a carta ao prontuário”.

Considerações finais

Em reportagem do Jornal Correio da Manhã, de 24 de Janeiro de 1940, ano em que foi criado o Abrigo de Menores de Santa Catarina, é frisado que o espaço destinado aos menores “não deve ter semelhança alguma com as prisões communs, nem em seu regimen, nem em sua forma exterior, nem no seu nome”. Tal discurso foi reiteradamente repetido ao longo de toda a década de 1930, tecendo as incongruências entre a legislação e a prática punitiva. Na teia das políticas públicas do período, encontramos uma tessitura marcada pelo incremento das práticas judiciárias, por regulamentações que intencionavam gerir essa parte da população considerada desviante, visando atingir os ideias de um regime disciplinar e educativo. A tentativa de implementar o Código de Menores de 1927 conduziu uma prática institucional que por décadas tentou atender aquilo que estabelecia a lei, mas que esbarrava nos embates do cotidiano, limitado por suas possibilidades imediatas e paliativas.

A problematização dos registros encontrados nos prontuários desses menores permitiu extrapolar a percepção instrumentalista e funcionalista da noção de controle social como mero esforço para garantir a ordem. Em tais registros foi possível desvelar práticas e mecanismos complexos, marcados por contradições. A análise dessas práticas institucionais registradas nos prontuários dos menores enviados à Penitenciária de Florianópolis demonstra que o tratamento conferido a estes se aproximava daquele destinado aos presos comuns - em muitos casos, se igualava. O trabalho nas oficinas, a regulação dos gestos, dos horários para dormir e acordar, as atividades escolares, os castigos, são mecanismos que perpassavam as normas internas, as quais atendiam aos presos adultos e aos menores, muitas vezes também chamados genericamente de “presidiários”.

Nos prontuários estão armazenados rastros de existências que habitaram esses espaços estigmatizados. Vestígios que indicam aquilo que a instituição regulava como ordeiro ou questionável, bem como os caminhos trilhados dentro do confinamento. Esses vestígios institucionais aqui analisados desvelam o lugar a ser ocupado pelos maiores de 14 nos e menores de 18 em Santa Catarina na década de 1930, sujeitos instituídos como abandonados e pervertidos ou em perigo de o ser. A Nova História da Prisão no Brasil pode ser pensada a partir da possibilidade de acesso dos pesquisadores à riqueza documental presente nos prontuários de sentenciados. São registros que mostram o quão complexo era o cotidiano institucional e a impossibilidade de defini-lo apenas pela legislação vigente e regulamentos internos.

Fontes

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Notas

67 Cómo citar este artículo: Viviane Trindade Borges, “Abandonados e Pervertidos, ou em perigo de o ser: biopoder e práticas de normalização dos menores enviados à Penitenciária de Florianópolis (Santa Catarina, década de 1930)”, Trashumante. Revista Americana de Historia Social 8 (2016): 176-199.
1 Arlete Farge, O Sabor do Arquivo (São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012) 13.
2 Michel Foucault, Estratégia, poder-saber (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010) 201.
3 Refiro-me aqui a documentos presentes nos prontuários dos detentos adultos. No que se refere aos registros pessoais, como cartas, encontramos apenas um caso nos prontuários dos menores aqui analisados. Certamente os escritos dos internos podem proporcionar ao pesquisador a visão daqueles que vivenciaram a experiência da prisão, principalmente quando confrontados com a documentação oficial. Na ausência desses vestígios, cabe ao historiador contemporâneo preocupar-se em pentear as histórias oficiais a contrapelo, conforme sugere Walter Benjamin, Obras escolhidas, vol. 1 (São Paulo: Editora Brasiliense, 1996) 225. Sob esta perspectiva, cotejando prontuários e outras fontes institucionais, procuramos problematizar a tessitura das práticas institucionais.
4 Conforme Art. 47 do Regulamento da Penitenciária, “as cartas inconvenientes não serão entregues nem remetidas”, por isso permaneceram nos prontuários. APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária, 1931.
5 Sobre a Penitenciária de Florianópolis, ver Antônio Luiz Miranda, “A penitenciária de Florianópolis: de um instrumento da modernidade à utilização por um Estado totalitário” (Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 1998); Fernanda Rebelo, “O gabinete do doutor Edelvito Campelo D’Araújo: a Penitenciária Pedra Grande como espaço de construção de um saber (1933-1945)”, História, Ciências, Saúde - Manguinhos14.4 (2007): 1217-1238; Lucas Baccin, “Dos dias que são tantos que nem posso contá-lo: os primeiros anos da Penitenciária da Pedra Grande - Florianópolis, 1930” (Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em História, Universidade do Estado de Santa Catarina, 2015). Das pesquisas desenvolvidas até o momento, cabe destacar o Trabalho de Conclusão de Curso e resultado da pesquisa de Iniciação Científica de Fernanda Cassettari, “Os menores atrás dos grandes muros: penitenciária da Pedra Grande (1931-1939)” (Monografia de Conclusão do Curso de História, Licenciatura e Bacharelado em História, Universidade do Estado de Santa Catarina, 2015). O estudo trata da criação da Penitenciária Estadual de Florianópolis, focando no caso de 22 menores infratores, encaminhados à instituição entre 1931 e 1939. Da defesa do trabalho em 2015 até o momento foram localizados mais prontuários referentes a estes menores; daremos destaque a estes no presente artigo. Sobre o Abrigo de Menores e a história dos menores em Santa Catarina, ver: Silvia Arend, Histórias de abandono. Infância e justiça no Brasil (década de 1930) (Florianópolis: Editora Mulheres, 2011); Daniel Alves Boeira, “Uma ‘solução’ para a menoridade na Primeira República: o caso do Patronato Agrícola de Anitápolis/SC (1918-1930)”, Blumenau em Cadernos 53 (2012): 53-76.
6 O número total de prontuários pertencentes ao acervo da Penitenciária de Florianópolis e salvaguardados através do Projeto Arquivos Marginais é de 4209 documentos, compreendidos entre 1930 e 1979. No que se refere à década de 1940, temos 519 prontuários; dentre estes, 41 correspondem a prontuários de menores.
7 Adriana de Resende B. Vianna, O Mal que se adivinha: Polícia e Menoridade no Rio de Janeiro (1910-1920) (Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999); Irene Rizzini, O século perdido. Raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Ursula / Amais, 1997); Irene Rizzini, A Criança e a Lei no Brasil. Revisitando a História (1822-2000) (Brasília / Rio de Janeiro: UNICEF / CESPI / USU, 2000). Atendendo a questões éticas, os nomes e os números dos prontuários serão mantidos em sigilo a fim de preservar as identidades dos envolvidos.
8 O projeto “Arquivos Marginais” atua na salvaguarda dos acervos do Hospital Colônia Sant’Ana e da Penitenciária de Florianópolis, com apoio da Universidade do Estado de Santa Catarina. O projeto “Tempo presente e instituições de isolamento social em Santa Catarina” teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), edital universal 14/2014.
9 Michel Foucault, Em defesa da sociedade (São Paulo: Martins Fontes, 2002); Michel Foucault, Segurança, território, população (São Paulo: Martins Fontes, 2008), Michel Foucault, Nascimento da biopolítica (São Paulo: Martins Fontes, 2008).
10 Marcos César Alvarez, “Controle social. Notas em torno de uma noção polêmica”, São Paulo em perspectiva 18.1 (2004): 170.
11 Alessandra Teixeira y Fernando Salla, “O lugar dos adolescentes no crime urbano em São Paulo” (37° Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, São Paulo, 2013).
12 Michel Foucault, Vigiar e punir: nascimento da prisão (Petrópolis: Vozes, 1987) 29.
13 Michel Foucault, “O que é o Iluminismo?”, Dossier Michel Foucault, org. Carlos Henrique Escobar (Rio de Janeiro: Taurus, 1984) 104-105.
14 Carlos Fico, “História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis: o caso brasileiro”, Varia História 28.47 (2012): 45.
15 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1934. Grifos da autora.
16 Rizzini, O século perdido.
17 Fernando Torres Londoño, “A origem do conceito Menor”, História da Criança no Brasil, org. Mary del Priore (São Paulo: Contexto, 1996) 129.
18 A respeito da história da infância e adolescência, ver: Vianna; Olga Brites, “Imagens da infância. São Paulo e Rio de Janeiro, 1930/1950”, Projeto História 19 (1999): 251-264; Osvaldo Agustín Marcón, “La responsabilidad del niño que delinque”, Revista Katáysis 11.2 (2008): 237-247; Arend; Marcos César Alvarez, “A questão dos adolescentes no cenário punitivo da sociedade brasileira contemporânea”, Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade 10 (2014):110-126.
19 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
20 Luís Ferla, Feios, sujos e malvados sob medida: a utopia médica do biodeterminismo, São Paulo (1920 -1945) (São Paulo: Alameda, 2009) 267.
21 Alvarez, “A questão dos adolescentes” 113.
22 Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1927 (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928) 487.
23 Collecção das Leis 489.
24 Arend.
25 Os dados levantados coadunam com algumas informações levantadas pelo IBGE sobre presos, apontando que, no início do século XX, “100% dos presos foram condenados por terem cometido crimes contra a pessoa. Entre os 2.833 condenados na época, 2.422 tinham cometido homicídio; 53, tentativa de homicídio; 223, lesão corporal e 135, violência carnal”. Cabe salientar que tais questões estão ainda sendo levantadas pela pesquisa e que serão exploradas em trabalhos futuros. Ver http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/29092003estatisticasecxxhtml.shtm (12/11/2015).
26 Collecção das Leis 488.
27 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937. Grifos da autora.
28 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1940.
29 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
30 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1934.
31 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937
32 A esse respeito, ver Fernanda Rebelo y Sandra Caponi, “A medicalização do crime: a Penitenciária de Florianópolis como espaço de saber e poder (1933-1945)”, Interface. Comunicação, Saúde, Educação 11.22 (2007): 193-206.
33 Arend 23.
34 Edelvito Campelo D’Araújo foi diretor da Penitenciária de Florianópolis entre 1935 e 1945.
35 Somente dois dos 41 prontuários analisados ingressaram em 1934, portanto um ano antes da criação do Juízo de Menores.
36 Prontuários cuja data de entrada que consta na capa é 1937 e o ingresso na Penitenciária ocorreu em 1935 ou 1934.
37 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
38 Relatório do Diretor da Penitenciária da Pedra Grande referente ao exercício de 1938. APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária.
39 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1936. Grifos do documento.
40 Alvarez, “A questão dos adolescentes” 120.
41 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
42 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
43 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938. Grifos da autora.
44 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
45 “Relatório do Diretor da Penitenciária da Pedra Grande referente ao exercício de 1938”. APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária.
46 A esse respeito, ver Jorge Ferreira, O imaginário trabalhista. Getulismo, PTB e cultura política popular, 1945-1964 (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005); Ângela de Castro Gomes, A invenção do trabalhismo (Rio de Janeiro / São Paulo: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro / Vértice, 1988); Cristina M. Oliveira Fonseca, Saúde no Governo Vargas (1930-1945). Dualidade institucional de um bem público (Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2007).
47 Trazendo dados do IBGE para fins comparativos, no inicio do século XX o maior percentual de presos (38,5%) era de agricultores, seguidos dos empregados no comércio e na indústria (10%). Apenas 6% dos condenados não tinham profissão. Ver http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/29092003estatisticasecxxhtml.shtm (12/11/2015).
48 Muitos não tinham documentação, nesses casos a idade era atribuída por um parente próximo ou pela própria instituição.
49 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1939.
50 Tal realidade se aproxima do panorama brasileiro no início do século XX a respeito dos presos. Conforme dados do IBGE, 70% dos condenados brasileiros eram analfabetos; 28% mal sabiam ler e escrever; 2% sabiam ler e escrever perfeitamente e apenas 0,2% tinha nível superior. Considerando que muitos menores perpassaram as prisões comuns nesse período, é possível uma análise comparativa através de dados referentes aos presos comuns.
51 APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária, 1931.
52 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1939.
53 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
54 APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária, 1931.
55 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
56 Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas (Rio de Janeiro: Nau, 2013) 118.
57 APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária, 1931.
58 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
59 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
60 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1935.
61 APESC, Florianópolis, Fundo Penitenciária, 1931.
62 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
63 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1937.
64 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
65 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.
66 IDCH, Florianópolis, Fundo Penita, 1938.


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