Resumo: Este estudo trata do processo de Inteligência Competitiva em organizações e busca identificar suas conexões epistemológicas com a Ciência da Informação, baseado em conceitos teóricos dessa área. Realiza-se estudo exploratório, tendo como metodologia a pesquisa bibliográfica para a elaboração de fundamentação epistemológica, com base nos aportes teóricos da Ciência da Informação. Apresentam-se conceitos de Ciência da Informação presentes na literatura, assim como, os conceitos de Inteligência Competitiva e as fases do ciclo da mesma; e, também, discute-se o processo de tomada de decisão nas organizações. Verifica-se a necessidade de interação com o ambiente externo como fator que abrange a relação entre a Inteligência Competitiva e a Ciência da Informação, considerando-se que a análise desse ambiente permite às organizações a tomada de decisões mais estratégicas para um melhor posicionamento competitivo no mercado. Conclui-se que a Ciência da Informação relaciona-se, epistemologicamente, com a Inteligência Competitiva, principalmente, ao se tratar do processo de tomada de decisão e na interação informacional com os ambientes organizacionais.
Palavras-chave:Ciência da InformaçãoCiência da Informação,Inteligência CompetitivaInteligência Competitiva,Tomada de decisãoTomada de decisão,Ambiente externoAmbiente externo.
Abstract: This study deals with the process of Competitive intelligence in organizations and seeks to identify its epistemological connections with the Information science, based on theoretical concepts of that area. It conducts an exploratory study, with the bibliographical research methodology for the development of epistemological foundation, based on the theoretical contributions of Information science. It presents concepts of the Information science present in the literature, as well as, concepts of Competitive intelligence and its cycle phases. It also discusses the decision-making process in organizations. It checks the need of interaction with the external environment as a factor that covers the relationship between Competitive intelligence and Information science, considering that the analysis of this environment enables organizations to make more strategic decisions for a better competitive position in the market. It concludes that the Information science relates, epistemologically, to Competitive intelligence, especially when it comes to the decision-making process and informational interaction with the organizational environments.
Keywords: Information science, Competitive intelligence, Decision-making, External environment.
Artigos
Inteligência Competitiva e Ciência da Informação: conexões epistemológicas para tomada de decisão nas organizações
Competitive Intelligence and Information Science: epistemological connections for decision-making in organizations
Atualmente, as organizações encontram-se em um ambiente de globalização, com constante evolução das tecnologias de informação e comunicação e marcado pela explosão da quantidade de informações. Tais organizações são obrigadas a organizarem-se para conseguirem se antecipar às mudanças do mercado e vislumbrar as oportunidades que se apresentam. Nesse ambiente, a Inteligência Competitiva (IC) facilita o processo, ao otimizar a coleta e a utilização da informação no processo decisório das organizações (QUEYRAS; QUONIAM, 2006).
Mesmo tendo início nas sociedades da antiguidade, como prática militar, a IC é um tema bastante atual e presente no mundo corporativo, com foco na tomada de decisão das organizações e, consequentemente, na competitividade do mercado.
A área da Ciência da Informação (CI) tem se dedicado, progressivamente, ao estudo da Inteligência Competitiva, tanto nacional quanto internacionalmente, levando em consideração que os bibliotecários e cientistas da informação são profissionais que se destacam no desenvolvimento da mesma.
Nesse sentido, este artigo busca contribuir para o estabelecimento de conexões epistemológicas entre o objeto de estudo, a Inteligência Competitiva e a área em que o mesmo se situa, a Ciência da Informação; utilizando-se conceitos de outras áreas, principalmente, da Administração, por meio de pesquisa bibliográfica com análise da literatura relevante sobre a relação entre os temas.
Nesse contexto de apresentação da Inteligência Competitiva como objeto de estudo, o artigo divide-se nas seguintes partes, a partir desta introdução: (1) procedimentos metodológicos, (2) conceituação e aspectos da área da Ciência da Informação, (3) conceituação e processo de Inteligência Competitiva, a tomada de decisão e o ambiente externo da organização e, por fim, (4) considerações finais.
Para o desenvolvimento do estudo, foi realizada pesquisa bibliográfica com análise da literatura relevante sobre os temas em bases de dados tais como Portal de Periódicos da Capes, ScieloBR e BRAPCI. Antes de serem definidas as palavras-chave oficiais para a pesquisa, foram realizadas buscas preliminares para encontrar os melhores descritores, utilizando-se como estratégia de busca os termos “Inteligência Competitiva”, “Ciência da Informação” e “Epistemologia”. Verificou-se que, ao utilizar-se o termo “Epistemologia” em combinação com os termos “Inteligência Competitiva” e “Ciência da Informação”, a recuperação de documentos nas bases era ínfima ou nula. Optou-se, dessa forma, pela utilização apenas dos termos “Inteligência Competitiva” e “Ciência da Informação”.
Na base de dados BRAPCI, foi realizada busca com os termos “Inteligência Competitiva” AND “Ciência da Informação” em todos os campos, com recorte de data de 2000 a 2015. Foram recuperados 56 documentos, dos quais verificou-se que seis estavam repetidos, restando, assim, um total de 50 documentos totais para análise.
No Portal de Periódicos da Capes, a busca foi realizada utilizando-se, também, os termos “Inteligência Competitiva” AND “Ciência da Informação” em qualquer campo, qualquer idioma, com artigos como tipo de material e com limitação de tempo entre 2000 a 2015. Nessa busca, recuperou-se um total de 27 documentos.
Na base de dados Scielo BR, a busca foi realizada utilizando-se apenas o termo “Inteligência Competitiva”, visto que não foi obtido sucesso quando acrescentado o termo “Ciência da Informação”, não sendo delimitados campos de busca. Foi recuperado um total de 29 documentos.
Após as buscas, iniciou-se a análise dos documentos recuperados e verificou-se que diversos deles repetiam-se nos resultados das bases pesquisadas, sendo eliminados os duplicados. Ainda, analisou-se a pertinência e a aderência ao tema dos artigos recuperados, considerando-se se os mesmos abordavam a relação entre Inteligência Competitiva e Ciência da Informação.
Diversos dos artigos recuperados tratavam do processo de Inteligência Competitiva, mas não o relacionavam, epistemologicamente, com a Ciência da Informação, sendo assim, descartados. Verificou-se que tais artigos foram recuperados por serem da área da Ciência da Informação e publicados em periódicos da área, mas não por apresentarem relação entre os temas, sendo que tratavam de assuntos diversos, como por exemplo, análise bibliométrica em Inteligência Competitiva, Inteligência Competitiva em organizações de setores específicos, profissionais e competências em Inteligência Competitiva, entre outros. Por fim, dos artigos recuperados nas buscas em bases de dados, foram utilizados 14 no desenvolvimento deste estudo, visto que os mesmos eram aderentes ao tema pesquisado e ao objetivo de desenvolvimento do estudo.
Aos artigos selecionados, decorrentes das buscas nas bases de dados, foram acrescentados outros materiais de referência da área que tratam sobre os temas, tais como livros, teses, dissertações, etc. Também foram utilizadas as referências das referências dos artigos utilizados na pesquisa, como forma de obtenção de novos materiais pertinentes ao estudo.
Em seu estudo referente às sete teses equivocadas sobre conhecimento científico, Sousa (2006) afirma, em sua sétima tese, que o erro mais comum sobre o conhecimento científico é de que ele é indiscutível. Pelo contrário, para ser ciência é necessário estar aberto à refutação, alteração e substituição. Quando se discute uma tese, busca-se chegar à outra melhor elaborada. Esse ponto de vista pode ser relacionado, também, à Ciência da Informação, a qual possui um cenário de discordâncias quanto aos seus primórdios, seu objeto de estudo, entre outros.
A constituição da Ciência da Informação como um campo científico sempre foi uma questão em aberto, principalmente, pelo fato de que a informação possui um caráter estratificado e pelas diversas dimensões desse objeto informacional (GONZÁLEZ DE GOMÉZ, 2001).
Conforme Rabello (2012), além das divergências que ocorrem no âmbito profissional, é possível perceber as controvérsias existentes no contexto da epistemologia específica, com diferentes correntes quanto à origem do estatuto disciplinar da Ciência da Informação, com teóricos que defendem a origem na perspectiva europeia, outros na americana e outros, ainda, a complementação de ambas as perspectivas.
Relativo a isso, Pinheiro (2005) afirma que no Brasil a Ciência da Informação absorveu o pensamento europeu da documentação e também o norte americano das tecnologias de informação para recuperação da informação. O que pode ter ocorrido é que a evolução em cada país ou região pode ter focado em prioridades distintas, mas com justificativa básica e conceitos globais. Dessa forma, considerando os temas consolidados na área e também as novas tendências, existem algumas diferenças entre o que é produzido em Ciência da Informação no Brasil e em outros países, influenciado, inclusive, pelas condições específicas do país.
Para Rendón-Rojas (2012, p. 8), o objeto de estudo da Ciência da Informação é construído e, ao mesmo tempo, novo, sendo a transdisciplinaridade a causa da existência de diversos enfoques e propostas sobre esse objeto, no qual “[...] convergem técnicas bibliotecárias, teorias da comunicação, linguística, filosofia, lógica, administração, arquivamento, museologia, computação, entre outras, dando origem a um novo objeto de estudo.”. Ainda, a complexidade desse objeto permite abordá-lo por meio de diferentes aspectos, podendo-se
[...] analisar desde uma perspectiva estruturalista, funcionalista, pragmática, social, dinâmica, estática, sistêmica, centrada nos sujeitos, nos objetos, nos processos, etc. (RENDÓN-ROJAS, 2012, p. 8).
Nesse cenário, os diversos conceitos de Ciência da Informação podem permitir, ao menos, a percepção da evolução da área desde sua origem como campo de conhecimento, nos anos 60.
Diversos autores (BORGES et al., 2003; PINHEIRO, 1998; PINHEIRO, 2005; RABELLO, 2012; SARACEVIC, 1996; SHERA; CLEVELAND, 1977) citam uma das primeiras definições de Ciência da Informação, elaborada por Borko o qual afirma que é uma “[...] disciplina que investiga as propriedades e comportamento da informação, as forças que regem seu fluxo e os meios de processá-la, a fim de alcançar acessibilidade e utilização ótimas [...]”, sendo que essa nova área que surgia, possuía um corpo de conhecimentos referentes “[...] à origem, coleta, organização, armazenagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e uso da informação.” (BORKO, 1968, p. 3, tradução nossa). Essa definição foi baseada na definição estabelecida na Conferência do Instituto de Tecnologia da Geórgia 1961/1962.
Algumas definições de Ciência da Informação, elaboradas de acordo com sua evolução desde sua origem, podem ser visualizadas no Quadro 1, a seguir.
Para Shera e Cleveland (1977), a definição de Ciência da Informação do Instituto de Tecnologia da Geórgia, uma das primeiras, é a que ganhou mais aceitação, visto que a maioria das outras são variações sobre ela. Para os autores, se gasta muita energia para definir informação e ciência, pois parece haver um consenso de que para a Ciência da Informação ser aceita como uma disciplina acadêmica é preciso existir forte embasamento teórico estruturado em torno de noções consistentes de informação. No entanto, o problema da falta de um quadro teórico não pode ser resolvido somente chegando a um acordo sobre definições.
Ainda sobre as definições, Borges et al. (2003) afirmam que, considerando que a Ciência da Informação é uma área que está em constante construção, ela tem tido dificuldades na lida com as diferentes terminologias e os diversos sentidos atribuídos ao termo informação, o qual é utilizado por inúmeras disciplinas.
No entanto, a produção de conhecimento com vistas à elaboração de uma base teórica mais sólida permitirá à Ciência da Informação a aproximação de seu reconhecimento social, consolidando seu espaço no campo das Ciências Sociais (RABELLO, 2012).
Algumas das definições mostram as relações interdisciplinares da Ciência da Informação. Para Pinheiro (1998), a abordagem interdisciplinar pressupõe um conceito de Ciência da Informação, já Rabello (2012) afirma que a interdisciplinaridade pode ser um dispositivo para o estudo dos fenômenos relacionados ao difuso objeto da área - a informação.
Saracevic (1996) afirma que a Ciência da Informação segue os mesmos passos evolutivos de diversos campos do conhecimento. O autor aponta três características que constituem o modelo para compreensão da Ciência da Informação e seus problemas: a Ciência da Informação é, por natureza, interdisciplinar, mas a sua evolução interdisciplinar encontra-se distante de se completar; a Ciência da Informação está, rigorosamente, ligada à tecnologia da informação, assim como ocorre em outros campos; a Ciência da Informação é participante ativa e deliberada na evolução da sociedade da informação, considerando que possui uma forte dimensão social e humana, a qual ultrapassa a tecnologia.
Em sua origem, a Ciência da Informação tinha como maior desafio enfrentar o grande volume de informações que surgia. A partir dos anos 70, entra em cena o usuário, até então considerado um ator secundário, provocando uma mudança no foco dos estudos que passaram a tratar dos usos e necessidades de informação. Surge uma nova linha de estudos voltada para o usuário que necessita da contribuição das Ciências Cognitivas, visto que não buscava investigar apenas o comportamento do usuário, mas também questões sobre o cérebro e a mente (BORGES et al., 2003).
Pelo fato de ainda não possuir um corpo teórico consistente e bem definido, a Ciência da Informação acaba por intensificar esforços para aproximação com outras disciplinas, visando emprestar conceitos, teorias e métodos, o que é comum em áreas interdisciplinares (BORGES et al., 2003).
Pinheiro (1998) afirma que alguns estudos reconhecem que esta área acaba por incorporar mais contribuições de outras áreas do que transferindo para essas um corpo de conhecimentos que tenha sido gerado dentro de si mesma. Além disso, os estudos na Ciência da Informação, frequentemente, abrangem teorias e não áreas, tais como a teoria da informação (teoria matemática da comunicação) de Shannon e Weaver e a teoria geral de sistemas de Bertalanffy. De acordo com a autora, Mikhailov, Chernyi e Gilyarevskyi foram os pioneiros na identificação de áreas interdisciplinares da Ciência da Informação, em estudo de 1969, relacionando-a com a Semiótica, a Psicologia e a Biblioteconomia.
No entanto, num estudo da epistemologia histórica, Pinheiro (1998) afirma que a Ciência da Informação possui seu próprio estatuto científico, considerando que é uma ciência social e é de natureza interdisciplinar, apresentando interfaces com a Biblioteconomia, Ciência da Computação, Ciência Cognitiva, Sociologia da Ciência e Comunicação, entre outras. Ainda, para a autora, a Ciência da Informação tem raiz na bifurcação da Documentação/Bibliografia e da Recuperação da Informação, sendo seu objeto de estudo, a informação de difícil apreensão, visto que está inscrito em diversos contextos, tais como científico, tecnológico, educacional, político, artístico e cultural.
Ainda sobre a interdisciplinaridade da área, Saracevic (1996) destaca quatro campos que mantém relações interdisciplinares com a Ciência da Informação: Biblioteconomia, Ciência da Computação, Ciência Cognitiva e Comunicação. Apesar de existirem diversas outras áreas relacionadas com a Ciência da Informação, o autor afirma que elas não contribuem com tanta relevância quanto as quatro citadas anteriormente.
Silva (2013), ao tratar de potenciais construtos perspectivo-históricos de interdisciplinaridade da CI, sintetiza uma visão sobre sete percepções interdisciplinares da área com áreas e subáreas, conforme pode ser visualizado no Quadro 2.
No estudo sobre o domínio epistemológico da Ciência da Informação citado anteriormente, com base na análise de artigos científicos da área, Pinheiro (2005) faz uma comparação entre os resultados encontrados no Brasil e no exterior. A autora verificou que no exterior predominam, de modo geral, disciplinas de cunho tecnológico, tais como sistemas de informação, tecnologias de informação e sistemas de recuperação da informação. No Brasil, no entanto, os temas mais frequentes estão relacionados à teoria da Ciência da Informação, Bibliometria, representação da informação, política de informação e necessidade e usos de informação.
O avanço da globalização e das Tecnologias de Informação e Comunicação influenciam, diretamente, nas tendências de novas disciplinas, com destaque para a Inteligência Competitiva, Gestão do Conhecimento e outras voltadas para a Web, sendo que a produção brasileira mostra-se atualizada quanto a essas questões. Essas novas disciplinas proporcionam novas relações interdisciplinares para a área e consolidam aquelas que já existem, ocasionando uma transformação epistemológica na Ciência da Informação (PINHEIRO, 1998).
Por fim, Saracevic (1996) afirma que a Ciência da Informação parece chegar a um ponto crítico em sua evolução, sendo necessário um reexame da sua problemática e das suas soluções, o que acontece também com muitos outros campos. Há uma crescente competição motivada pelo imperativo tecnológico que força o desenvolvimento e a aplicação de diversos produtos e serviços de informação, apontando para uma mudança na qualidade e na quantidade de comunicação e da informação comunicada. Nesse sentido, muda também o papel econômico das atividades de informação, sendo sua importância relacionada ao progresso social, aos avanços organizacionais e à vantagem competitiva.
Da mesma forma, as relações interdisciplinares da Ciência da Informação estão mudando, destacando-se ainda mais a Ciência da Computação e a Inteligência Artificial nas aplicações e a Ciência Cognitiva, nos trabalhos teóricos e experimentais. Além disso, alguns princípios e técnicas da Recuperação da Informação estão sendo difundidos em aplicações fora da área da Ciência da Informação, e diversos campos que não são diretamente ligados à informação como objeto de estudo ou aplicação estão se introduzindo na área (SARACEVIC, 1996).
Diante do exposto e considerando as concepções apresentadas pelos autores citados, é possível verificar que não existe um consenso entre eles quanto a algumas questões da área da Ciência da Informação. As divergências podem ser verificadas ao tratarem, historicamente, das origens da Ciência da Informação, sendo que alguns autores afirmam que teve origem europeia, outros americana e outros, ainda, defendem que ambas as perspectivas deram origem à área.
Também podem ser observadas algumas convergências entre os autores, principalmente, no que se refere à importância da existência de um aporte teórico sólido e noções consistentes de informação para a consolidação da área. No entanto, alguns autores afirmam que não basta apenas um consenso sobre definições para alcançar essa consolidação, até mesmo pelo fato de que já se mostrou imperativa a dificuldade de se chegar a isso, considerando o difuso objeto da área que é utilizado por diversas outras áreas.
Quanto às relações interdisciplinares, são diversos os campos citados que se relacionam com a Ciência da Informação, embora alguns desses campos repitam-se com mais frequência e são citados pelos autores como os que mais se destacam, tais como Biblioteconomia, Ciência Cognitiva, Ciência da Computação, Sociologia e Comunicação. Esse aspecto interdisciplinar pode estar longe de se completar, sendo que a Ciência da Informação acaba por se aproximar ainda mais de outras áreas, incorporando mais do que gerando conceitos e teorias.
Em relação aos conceitos de Ciência da Informação, há uma concordância de que a área possui um objeto difuso e, por esse motivo, as definições não são singulares. Mesmo assim, a maioria das definições apresentadas, conforme Quadro 1, possuem aspectos semelhantes a uma das primeiras que surgiram, do Instituto de Tecnologia da Geórgia.
De acordo com Capuano et al. (2009, p. 22), existem dois pontos convergentes para o estabelecimento de conexões epistemológicas entre a Inteligência Competitiva (IC) e a Ciência da Informação (CI), sendo: “[...] (1) o processo de tomada de decisão nas organizações e (2) a interação informacional da organização com o ambiente externo”; aspectos que serão mais bem detalhados ao serem abordadas as características da Inteligência Competitiva, a seguir.
Considerando o objeto de estudo que será abordado nesse trabalho, é possível verificar de acordo com o Quadro 2, que o mesmo situa-se na área interdisciplinar da Administração, juntamente com a Gestão da Informação e Gestão do Conhecimento, entre outros. Dessa forma, pode-se considerar que a área da Administração será uma das áreas interdisciplinares da Ciência da Informação que será amplamente explorada durante o desenvolvimento do estudo, utilizando-se fundamentos da mesma.
Ainda, considerando-se todas as definições de Ciência da Informação apresentadas, a que melhor se adapta ao objeto da pesquisa é a definição de Borko (1968). Apesar de ser uma das primeiras definições de Ciência da Informação, é a mais pertinente a ser utilizada, visto que apresenta maior abrangência ao tratar da investigação dos fluxos informacionais, bem como, a melhor forma de acessibilidade e utilização da informação. Além disso, a definição de Saracevic (1996) também contempla aspectos a serem tratados no trabalho ao evidenciar as vantagens das tecnologias informacionais, que, atualmente, são indispensáveis no processo de Inteligência Competitiva. Essas abordagens estão presentes na resolução de problemas de gestão em organizações, incluindo questões de vantagem competitiva, na qual a Inteligência Competitiva atua.
O ritmo do desenvolvimento tecnológico e o crescimento do comércio global fez com que o ambiente de negócios mudasse rapidamente, não sendo mais possível confiar apenas na intuição para a tomada de decisão. As consequências de uma decisão errada podem comprometer a competitividade de uma organização e fazer com que ela não sobreviva no mercado (STRATEGIC AND COMPETITIVE INTELLIGENCE PROFESSIONALS, c2016). Assim, o desafio na era da informação não está relacionado apenas à questão de armazenar a informação, mas também ao fluxo das informações que são destinadas aos tomadores de decisão (QUEYRAS; QUONIAM, 2006).
De acordo com Barreto (1998; 2006), os fluxos informacionais referem-se ao processo dinâmico por meio do qual a informação é disseminada e obtida, sendo que um emissor e um receptor fazem parte do processo. Em outras palavras, os fluxos informacionais tratam de “[...] uma sucessão de eventos, de um processo de mediação entre a geração da informação por uma fonte emissora e a aceitação da informação pela entidade receptora [...]” (BARRETO, 1998, p. 122).
O fluxo informacional possui elementos, tais como as fontes, os canais, os atores e as TIC’s, bem como aspectos influenciadores, tais como as necessidades e motivações, as barreiras e os aspectos determinantes para a escolha das fontes e dos canais de informação (INOMATA, 2012).
A forma como as informações do ambiente organizacional são interpretadas, analisadas, acessadas e disseminadas pode influenciar, diretamente, no nível de produtividade e competitividade da organização. Nesse sentido, o processamento informacional assume papel decisivo no desempenho organizacional e passa a ser a base da gestão dentro das organizações (TEIXEIRA; VALENTIM, 2015).
Nesse mesmo contexto da era da informação, a Inteligência Competitiva permite trazer respostas para as organizações, otimizando o funcionamento interno de diversos serviços e oferecendo soluções para a tomada de decisão. É por meio da Inteligência Competitiva que “[...] aperfeiçoam-se a coleta, a análise e a armazenagem da informação para produzir informações de alto valor agregado, propondo, dessa forma, soluções para as organizações que procuram manter-se permanentemente competitivas” (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p. 74).
Barrancos e Duarte (2013, p. 124) afirmam que:
[...] o processo de Inteligência Competitiva é realmente interdisciplinar entre a Ciência da Informação e a Ciência Administrativa e dela faz parte a Gestão do Conhecimento como parte integrante interconectada para que aconteça a utilização do conhecimento individual e corporativo, de forma a refletir uma tomada de decisão mais acertada no âmbito das organizações.
De acordo com a Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva (ABRAIC) (c2012), a Inteligência Competitiva teve origem em métodos que eram utilizados por órgãos governamentais de inteligência a fim de identificar e avaliar informações ligadas à Defesa Nacional, sendo adaptado para a realidade das organizações com a incorporação de técnicas da Ciência da Informação (gerenciamento de informações formais), da Tecnologia da Informação (gerenciamento de redes e informações e mineração de dados) e da Administração (estratégia, marketing e gestão).
Para Teixeira e Valentim (2015, p. 102),
A inteligência competitiva organizacional surge como um processo estratégico que propicia converter dados, informações e conhecimento em diferenciais competitivos para a organização.
Na literatura, são identificados diversos conceitos de Inteligência Competitiva, sendo algumas abordagens mais estratégicas e outras mais operacionais, mas todas convergindo para a necessidade de se obter informações, principalmente, do ambiente externo das organizações.
No Quadro 3 são apresentados alguns dos conceitos localizados na literatura.
Na Inteligência Competitiva, de maneira geral, as informações devem ser coletadas, analisadas e disseminadas com vistas a subsidiar o processo de tomada de decisão. As etapas do processo de Inteligência Competitiva podem ser localizadas na literatura, com base em diversos autores.
De acordo com Miller (2002, p. 37), o ciclo da Inteligência Competitiva possui quatro fases, sendo elas: “[...] - a identificação dos responsáveis pelas principais decisões e suas necessidades em matéria de inteligência; - a coleta de informações; - a análise da informação e sua transformação em inteligência; - a disseminação da inteligência entre os responsáveis pelas decisões”.
Canongia et al. (2001) afirmam que o processo de Inteligência Competitiva compreende seis etapas, sendo elas: planejamento, coleta, tratamento, análise, disseminação e feedback.
Para a ABRAIC (c2012, doc. não paginado), o processo de Inteligência Competitiva é composto pelas etapas de:
[...] coleta e busca ética de dados, informes e informações formais e informais (tanto do macroambiente como do ambiente competitivo e interno da empresa), análise de forma filtrada e integrada e respectiva disseminação.
Para este estudo, serão utilizadas as fases apresentadas por Amaral (2006), visto que compreendem, de forma mais global, o processo de Inteligência Competitiva, conforme apresentado no Quadro 4.
Assim como exposto por Tarapanoff (2001), a Inteligência Competitiva compreende também o monitoramento de informação externa, a qual afeta o mercado da organização. Dessa forma, o monitoramento externo deve ser contínuo e tornar-se parte do processo de gestão estratégica das organizações.
Para Valentim et al. (2003), a Inteligência Competitiva visa investigar, de maneira geral, o ambiente de inserção da organização, buscando oportunidades e reduzindo riscos. Nesse contexto, encontra-se o ambiente externo, no qual devem ser monitoradas, coletadas e analisadas informações para o planejamento estratégico da organização e, também, o ambiente interno que deve ser investigado para que sejam estabelecidas estratégias e ações de curto, médio ou longo prazo.
Na economia de informação, as organizações conseguem se manter competitivas ao desenvolverem a capacidade de “[...] adquirir, tratar, interpretar e utilizar a informação de forma eficaz.”. Ao liderarem essa competição, serão vencedoras, mas se não o fizerem, certamente serão vencidas pelas concorrentes (McGEE; PRUSAK, 1994, p. 3). Considerando o ponto de vista informacional, os decisores utilizam as informações retiradas do meio ambiente, para manter ou alterar as estruturas dos processos organizacionais, sendo que “[...] uma tomada de decisão racional e sistemática é, provavelmente, mais adequada à resolução de problemas quando as questões estão identificadas de forma clara” (CHOO, 2003, p. 38).
Nesse sentido, Corsatto e Hoffmann (2013, p. 28) afirmam que:
A inteligência competitiva ganha sua importância no processo de gestão de uma organização na medida em que apoia decisões estratégicas, incorporando à sua rotina de trabalho as etapas de identificação de necessidades, criação de bases de conhecimento, transformando informação em informação analisada, implementando a inteligência, promovendo inovações e gerando valores.
A Inteligência Competitiva ao coletar, processar e analisar informações procura agregar valor às mesmas para permitir, assim, decisões estratégicas. No entanto, existem diversos fatores relacionados ao macroambiente que devem ser considerados na Inteligência Competitiva, assim como exposto anteriormente, referente ao fluxo informacional. Na Inteligência Competitiva, deve-se levar em conta fatores políticos (decisões do Estado podem afetar o contexto da organização), econômicos (influência nos mercados nacional e internacional) e sociais (repercussão nos recursos humanos da organização) (QUEYRAS; QUONIAM, 2006).
Conforme Marcial e Suaiden (2013, p. 17), a finalidade da Inteligência Competitiva “[...] é apoiar o processo decisório, principalmente o estratégico, bem como contribuir com o processo de formulação estratégica e dos planos de marketing [...]”. Para isso, é necessária a produção de informação acionável, bem como, a guarda do conhecimento organizacional e a antecipação à mudanças no macroambiente.
As organizações necessitam saber o que acontece ao seu redor, buscando informações sobre as necessidades de seus consumidores, o que os concorrentes estão realizando, as regulamentações governamentais, entre outros. Nesse sentido, é preciso que se adequem e reajam ao ambiente externo, tratando de
[...] adaptar-se ao mundo exterior; investigar esse mundo em busca de transformações a que deve responder; moldar as condições exteriores, por meio de serviços e produtos da informação, visando a sua própria vantagem competitiva. (DAVENPORT, 2001, p. 248).
A análise dos fatores externos à organização permite melhor conhecer “[...] a concorrência, as últimas inovações, o estudo de pesquisa e desenvolvimento (P&D), os fornecedores, os clientes (inclusive clientes em potencial), os novos entrantes, os produtos e os serviços [...]”, permitindo que a organização posicione-se no mercado e mantenha a competitividade (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p. 80).
Para Davenport (2001), a investigação do ambiente externo possui alguns passos básicos, tais como: a identificação das necessidades externas de informação, o que poderá ter um positivo impacto na direção estratégica da organização; decisão de onde procurar a informação, com busca contínua de diversas fontes, incluindo aquelas não formalizadas ou exatas; condução da informação externa para dentro da organização, ultrapassando barreiras de adequação aos sistemas de informação, canais de comunicação e de comportamentos, para que a informação coletada se torne, verdadeiramente, útil; e utilização da informação externa de maneira mais eficiente que outras organizações.
Segundo Choo (2003), as organizações modernas estão enfrentando um ambiente externo cada vez mais complexo e volátil, sendo que as mudanças no mesmo geram sinais que essas organizações precisam perceber. No entanto, alguns desses sinais seriam difíceis de detectar (fracos), outros seriam difíceis de analisar (confusos) e outros, ainda, não indicariam verdadeiras mudanças (espúrios). Nesse sentido, as organizações atendem a um fluxo de sinais criados por esse ambiente dinâmico, interpretando mensagens confusas e compreendendo pistas resultantes da procura de informação.
O ambiente das organizações também pode ser visto como um meio ecológico que seleciona tipos de organizações para a sobrevivência, considerando o ajuste entre as formas das organizações e as características ambientais. Nesse sentido, alguns tipos (espécies) de organizações sobrevivem e prosperam, enquanto outros adoecem e perecem (MORESI, 2001).
Os fatores internos devem ser considerados, principalmente, quanto ao “[...] conhecimento corporativo, os recursos humanos, os recursos financeiros e, finalmente, a estratégia.”, visando manter uma boa comunicação interna na organização (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p. 80).
Conforme Valentim e Souza (2013, p. 94), “A informação gerada internamente e externamente ao ambiente organizacional se constitui em um fator estratégico para que a organização possa atuar no mundo dos negócios”, sendo, dessa maneira, necessário desenvolver ações concretas referentes à cultura informacional, o que influenciará na tomada de decisão.
Para Moresi (2001, p. 18), “No processo decisório, o volume de informações e de dados colocados à disposição do decisor deve ser na medida certa.”, visto que, se houver excesso, aqueles dados e informações que forem pertinentes para a tomada de decisão serão encobertos por outros, considerados mascarados por aqueles considerados inadequados.
Por fim, concorda-se com Teixeira e Valentim (2015, p. 108) ao afirmarem que “[...] a informação tornou-se o centro do processo estratégico e de gestão [...]”, sendo que, quando analisada de forma adequada, leva a uma tomada de decisão assertiva e, consequentemente, intervém no diferencial competitivo das organizações.
Este estudo buscou contribuir para o estabelecimento de conexões epistemológicas entre a Ciência da Informação e a Inteligência Competitiva. Nesse contexto, iniciando-se pelo estudo de aspectos relevantes da Ciência da Informação, ao se observar o exposto pelos autores da área, verifica-se que não existe um consenso dos mesmos quanto às suas origens e nem quanto à sua definição. No entanto, há convergências quando se trata da necessidade de um aporte teórico substancial e percepções consistentes de informação, a fim de que a área se consolide definitivamente, mesmo diante de um objeto difuso tal qual é a informação e, também, quanto ao seu caráter interdisciplinar, que se relaciona com diversas outras áreas em maior ou menor proporção.
No contexto da sociedade da informação, as organizações têm na informação um dos seus principais recursos, que as auxilia no melhor posicionamento competitivo nesse ambiente. A Gestão da Informação e a Inteligência Competitiva são, sob o ponto de vista teórico, abordagens necessárias para a tomada de decisão das organizações, sendo que esta última utiliza métodos da primeira no tratamento dos fluxos informacionais (informações internas ou externas).
Aproximando o foco das relações entre a Ciência da Informação e a Inteligência Competitiva, aponta-se como argumentos de conexão entre as áreas: (i) a análise do ambiente externo às organizações, em conjunto como os conhecimentos desenvolvidos na Ciência da Informação, permite às mesmas conhecer com maior precisão seus concorrentes, fornecedores, consumidores, inovações, entre outros aspectos, para que possam tomar decisões estratégicas; (ii) a tomada de decisão acertada, baseada em informações relevantes e, adequadamente, geradas ou recuperadas, propicia à organização posicionar-se competitivamente, em seu mercado de atuação.
Sendo a informação a essência do processo de Inteligência Competitiva, não basta tratar de sua captação e armazenamento. Ao fazer uma análise das necessidades informacionais da organização e fazer a captação dessas informações, é necessário que as mesmas sejam otimizadas para utilização e aperfeiçoamento do processo decisório, culminando na vantagem competitiva da organização.
Assim, sendo a Ciência da Informação uma área eminentemente interdisciplinar, conclui-se que ela relaciona-se, epistemologicamente, com a Inteligência Competitiva; principalmente, quando se trata do processo de tomada de decisão nas organizações e da interação informacional das organizações com seus ambientes. Considerando, ainda, que a Inteligência Competitiva pode ser identificada em áreas transversais, tais como a Administração e a Engenharia de Produção, a interdisciplinaridade encontra-se nas possíveis conexões entre essas áreas.
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