Artigos
Recepção: 19 Setembro 2016
Aprovação: 08 Novembro 2016
DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.19132/1808-5245230.31-49
Resumo: Objetiva analisar o perfil da produção latino-americana sobre Medicina Tropical na Web of Science (1945 a 2016), especificamente os artigos publicados em periódicos. Os procedimentos metodológicos adotados foram os seguintes: (1) coleta de dados: coletaram-se os dados da Web of Science a partir da consulta do termo “tropical medicine” no campo “tópico”; (2) processamento dos dados utilizando o Vantage Point; (3) identificação temática: os temas foram obtidos nas palavras-chave dos artigos. Foram priorizadas as palavras-chave que indicavam nomes das doenças e seus agentes causadores, haja vista a possibilidade de descobrir quais enfermidades recebem maior atenção dos pesquisadores; (4) análise de relações: esquematizaram-se as relações entre os temas, instituições produtoras de artigos e periódicos científicos por meio do software UCINET/NetDraw. Como principais resultados, percebeu-se que: as relações mais profícuas entre instituições e temas são estabelecidas por instituições brasileiras: Fiocruz (RJ) e leishmaniose (13); Fiocruz (MG) e leishmaniose (8); Universidade Federal de Minas Gerais e leishmaniose (8) e Universidade de São Paulo e leishmaniose (7). As doenças e agentes causadores com maior índice de aparição na produção analisada foram: leishmaniose (60), doença de Chagas (30), aids (23), malária (21), dengue (19), diarreia (13) e tuberculose (12). Brasil (59%), Peru (9,6%), Venezuela (7,5%) e Cuba (6,9%) são os países latino-americanos mais representativos em termos de produção. As relações de colaboração mais intensas entre os países são estabelecidas entre Brasil e Estados Unidos. O periódico mais representativo foi o Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, sendo o responsável por mais de dois terços da produção indexada.
Palavras-chave: Medicina Tropical, Produção Científica, América Latina, Web of Science, Cientometria.
Abstract: It aims to analyze the profile of Latin American production of Tropical Medicine on Web of Science (1945-2016), specifically the articles published in journals. The adopted methodological procedures were as follows: (1) data collection: they collected the data from the Web of Science from the query term “tropical medicine” in the “topic field”; (2) data processing using the Vantage Point; (3) issue identification: the subjects were obtained in the keywords of the articles. They prioritized keywords indicating names of diseases and their causative agents, given the possibility to find out what illnesses receive greater attention from researchers; (4) relationship analysis: the relationships between subjects, institutions producing scientific papers and journals were identified using the UCINET/NetDraw software. As main results, it was observed that: the most fruitful relationships between institutions and subjects are established by Brazilian institutions: Fiocruz (RJ) and leishmaniasis (13); Fiocruz (MG) and leishmaniasis (8); Federal University of Minas Gerais and leishmaniasis (8) and São Paulo University and leishmaniasis (7). The diseases and causative agents with the highest appearance rate in the production analyzed were: leishmaniasis (60), Chagas disease (30), aids (23), malaria (21), dengue (19), diarrhea (13) and tuberculosis (12). Brazil (59%), Peru (9.6%), Venezuela (7.5%) and Cuba (6.9%) are the most representative Latin American countries in terms of production. The most intense cooperation relations between the countries are established between Brazil and the United States. The most representative journal was Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, responsible for more than two thirds of the indexed production.
Keywords: Tropical Medicine, Scientific Production, Latin American, Web of Science, Scientometrics.
1 Introdução
Pesquisadores têm se voltado para solucionar problemas de doenças infecciosas, negligenciadas e tropicais. Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a publicação Accelerating progress on HIV, tuberculosis, malaria, hepatitis and neglected tropical diseases. Esse relatório é fruto de um pacto dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para acabar com a epidemia de aids, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas (DTN) até 2030, buscando também intensificar o combate à hepatite e outras doenças infecciosas.
Na publicação supracitada, a OMS realiza uma análise dos resultados obtidos em virtude da implementação das Millennium Development Goals[1] (Metas de Desenvolvimento do Milênio), desenvolvidas em parceria com os países-membros da ONU. A análise se limita a um dos itens descritos nas metas, especificamente, o combate à aids, à malária e a outras DTN. O foco foi entender os fatores-chave por trás da redução da incidência dessas doenças, enfatizando o papel desempenhado pela OMS nessas realizações (OMS, 2015).
Dentre os nove fatores elencados, dois chamam a atenção: a colaboração entre os países; e o papel da investigação e da inovação como causas do retrocesso das DTN no mundo. Com isso, a OMS (2015) constatou a existência de uma relação direta entre os investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PDI) e a produção de medicamentos, vacinas e instrumentos de diagnóstico. Ao vislumbrar o alcance das metas para 2030, novamente fala-se no avanço da agenda de investigação científica e na exploração das oportunidades de colaboração e integração entre os países.
Tais afirmativas embasam os pressupostos principais deste artigo: sem investimento em PDI e sem colaboração entre os países é improvável imaginar o controle das epidemias de DTN. Conforme afirma Sobral (2015), é necessário ir além das ações de caráter operacional e tático, e articular políticas estratégicas junto à academia para que soluções efetivas e duradouras possam ser alcançadas no que diz respeito aos problemas de saúde tropical, em especial nos países pobres, principais prejudicados com as epidemias de DTN.
Todavia, sabe-se que não é prioridade para os países de maior poder econômico, tais como os Estados Unidos e países europeus, a produção de conhecimento em Medicina Tropical (MT), exceto quando essas doenças se tornam ameaças para os seus territórios. Por outro lado, as doenças tropicais têm assolado diversas regiões da América Latina (AL); entretanto, não se percebe uma relação proporcional da gravidade do fato à produção de conhecimento nesses países. Dessa forma, questiona-se: que temas têm sido priorizados na produção científica dos pesquisadores latino-americanos sobre MT? Como se configura essa produção de conhecimento?
Diante dessas questões, o objetivo deste artigo é analisar o perfil da produção latino-americana sobre MT na Web of Science (WoS) no período total de cobertura da base (1945 a 2016). Para os fins deste estudo, considera-se que a base WoS seja adequada por três principais razões: a internacionalização crescente das pesquisas latino-americanas na base, em especial, do Brasil (COLLAZO-REYES, 2013); a política de indexação da WoS que privilegia os periódicos que cumprem os mais altos critérios de qualidade (ABADAL, 2012); e o padrão de organização da informação que favorece os trabalhos de prospecção de dados acadêmicos (CHADEGANI et al., 2013). Para melhor compreender o foco deste estudo, esclarece-se que foi objeto da análise o corpus coletado na WoS composto por artigos que, necessariamente, fizeram constar no título, palavras-chave ou abstract o termo “tropical medicine”.
2 Referencial teórico
Historicamente as doenças tropicais têm sido um percalço social para toda a AL. Segundo Dujardin et al. (2010), a região da AL e do Caribe são, juntamente com a África e a Ásia, mais afetadas pelas doenças tropicais do que outras regiões do mundo, devido à sua enorme diversidade ecológica, mudanças ambientais em curso e migrações massivas. Acrescenta-se aos fatores elencados as condições socioeconômicas, a proximidade da linha do equador (clima quente e úmido), as condições sanitárias e a ausência de políticas efetivas orientadas ao enfretamento de tais doenças.
Porém, as demandas sociais na área da saúde por pesquisa nem sempre são supridas a contento. No caso em julgo, percebe-se o descompasso entre a necessidade de avançar nas descobertas e as produções científicas sobre elas (HOTEZ et al., 2014). Ao realizar-se uma busca sobre o termo “tropical medicine” na WoS em 2016, constatou-se que o Brasil é o terceiro país com maior produção científica sobre o assunto. O número surpreende, tendo em vista que a coleção da WoS é reconhecida por favorecer as publicações americanas e europeias. Esse dado se alinha ao ponto de vista de Forattini (1997), quando afirma que os países desenvolvidos não se veem combatendo constantemente problemas de saúde tropical, e, por isso, a produção de conhecimento no assunto é baixa em relação a outros temas.
Lee e Lee (2013) afirmam que políticas nacionais e internacionais têm estimulado os autores a publicarem em bases de dados internacionais em língua inglesa, visando se inserir em espaços globais competitivos de ideologia neoliberal. Esse comportamento tem induzido os pesquisadores a publicarem sobre temáticas de amplitude universal, em detrimento do local. Todavia, sabe-se que as produções que versam sobre as doenças tropicais lidam com um recorte geopolítico bem definido, circunscrito ao conjunto de países subdesenvolvidos.
Destarte, pesquisadores latino-americanos se deparam com um dilema: devem privilegiar estudos sobre problemas locais e contribuir para as especificidades de sua região, mesmo cientes de que serão reduzidas as chances dos seus artigos serem aceitos em periódicos indexados em reconhecidas bases internacionais, ou devem pesquisar temáticas universais com maior probabilidade de aceitação em periódicos com alto fator de impacto?
Em estudo sobre a produção científica em MT no Nordeste do Brasil, Sobral e Silva (2015) perceberam que, por exemplo, o sistema de avaliação de programas de pós-graduações do Brasil não privilegia a produção científica em periódicos brasileiros, havendo poucos periódicos nacionais nos estratos qualis mais altos, o que, de alguma forma, induz os pesquisadores a buscarem alternativas mais valorizadas, e assim, direcionarem suas publicações para temas de interesse global.
Em via inversa surgem iniciativas que visam inserir a produção local em um contexto globalizado, valorizando as publicações dos países em desenvolvimento em ambientes dominados pelas comunidades europeias e norte-americanas. A esse respeito, Packer (2014) cita a integração do SciELO Citation Index (SciELO CI) à plataforma da WoS, afirmando que esta atende às seguintes finalidades:
A primeira é promover a presença do SciELO em um dos índices bibliográficos e bibliométricos de referência internacional para ampliar a visibilidade e credibilidade dos periódicos. A segunda é operar a indexação dos periódicos SciELO, em particular a contagem de citações em um universo amplo de periódicos, compreendendo os indexados na Rede SciELO e na plataforma WoS. Assim, os artigos publicados pelos periódicos no SciELO CI terão contabilizados (sic) as citações que recebem de outros artigos do SciELO, do WoS e das outras bases de dados. Da mesma forma todas as citações concedidas pelos artigos SciELO serão contempladas nas contagens de citações das outras bases de dados. (PACKER, 2014, p. 1).
Nota-se então uma convergência, ainda discreta, porém em construção, dos mecanismos de veiculação da produção científica local e global. Todavia, mesmo com todos os benefícios aparentes, Velez-Cuartas, Lucio-Arias e Leydesdorff (2016) alertam para o risco implícito nesse processo, que é a perda de independência dos mecanismos locais de produção científica em função da força dos mecanismos globais. Os autores, ao discutirem a inserção do SciELO CI na WoS, afirmam que não foi unânime a recepção da comunidade científica.
Para a Thomson Reuters[2], enquanto uma organização empresarial, tal integração se configura como uma possibilidade de ampliar o espectro de suas informações e tornar o seu produto mais competitivo no mercado global de informação em Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I), haja vista que a proprietária da WoS é uma organização com fins lucrativos, que busca constantemente rentabilizar o seu negócio a partir da fidelização de mercados emergentes de informação científica.
Desse modo, a indexação da produção de países em desenvolvimento tende a aumentar, pois essas nações são clientes (efetivos ou em potencial) de produtos de informação em CT&I, e sua fidelização e desenvolvimento científico estão associados à necessidade destes estarem representados nas principais bases e, consequentemente, nos principais rankings científicos.
Ainda que seja baixa a incidência de publicações dos pesquisadores latino-americanos em periódicos americanos e europeus indexados, é cada vez mais comum a indexação dos melhores periódicos de cada país nas principais bases, estimulando assim o fenômeno da expansão global, conforme descrito por Van Noorden (2014). O mesmo autor ressalta que a participação da produção científica dos países latino-americanos nos principais serviços de indexação é percentualmente inferior à participação desses países no Produto Interno Bruto (PIB) global, o que sugere um longo percurso a ser percorrido para que as condições de igualdade sejam efetivamente estabelecidas.
Para a área de DTN, mesmo com a necessidade de promover uma AL livre, criativa e com processos próprios de produção e comunicação da informação em CT&I, capazes de contemplar as especificidades culturais e as necessidades próprias da região, sem se submeter a regimes de poder informacional que a coloquem em posição coadjuvante ou de submissão, há a necessidade de trabalhar em grupo e se inserir nos ambientes hegemônicos como forma de ampliar a sua representação e acompanhar o conhecimento mainstream, obviamente, subvertendo a sua lógica para aplicações de caráter mais social que venham a beneficiar a população mais pobre, alocada nos países latino-americanos. Em suma, para a AL urge a necessidade de desenvolvimento de uma ciência de ponta, porém, com foco na solução dos problemas locais.
Segundo Pedrique et al. (2013), dos 850 medicamentos e vacinas aprovados para todas as doenças em 2000-2011, apenas 4% foram para as DTN — incluindo a malária, tuberculose, doenças diarreicas e outras doenças da pobreza[3]. Desse modo, evidencia-se o desinteresse da indústria farmacêutica pelo tema, que induzidos pela necessidade de lucratividade, direcionam seus investimentos e esforços em CT&I no desenvolvimento de medicamentos e vacinas com maior potencial de rentabilidade. No mais, verifica-se que doadores públicos e filantrópicos respondem por 90% do financiamento para pesquisa e desenvolvimento em DTN, enquanto que a indústria farmacêutica é responsável por apenas 9% (MORAN et al., 2009). Isso reafirma a falta de comprometimento da indústria farmacêutica com os problemas de saúde dos países pobres.
Aqui, chama-se a atenção para o fato de que além das DTN há uma ciência tropical negligenciada, o que reforça as dificuldades dos países latino-americanos, africanos e asiáticos. Porém, admite-se que sozinhos esses países encontrarão dificuldades para alcançarem as soluções que necessitam, tendo em vista o seu estágio atual de desenvolvimento em CT&I. Para atenuar o problema, a recomendação da OMS (2015) é compor um esforço coletivo que envolva trabalhadores de saúde das comunidades locais e pesquisadores interessados em doenças tropicais de todo o mundo. Sem um esforço global organizado, sistematizado e acompanhado é improvável que sejam alcançadas no curto prazo as soluções necessárias para os problemas de DTN.
3 Procedimentos metodológicos
Os procedimentos metodológicos deste trabalho se dividiram em quatro consecutivas etapas:
a) coleta de dados: coletaram-se os dados da WoS a partir da consulta do termo “tropical medicine” no campo “tópico”, contemplando todo o período de cobertura da base (1945 a 2016). A busca resultou em 3.129 registros. Desses, ao restringir-se a artigos de periódicos produzidos com participação de pesquisadores latino-americanos[4], restaram 332, que compuseram o corpus do trabalho. Optaram-se pelos artigos publicados em periódicos devido ao fato destes representarem o conhecimento revisado por pares, consolidado, em um nível de amadurecimento mais avançado. Ademais, ressalta-se que os artigos de periódicos costumam ter cobertura maior de palavras-chave atribuídas pelas revistas, diferentemente dos trabalhos publicados em anais de eventos, que nem sempre dispõem desse recurso. Como uma das ênfases do trabalho foi a análise temática, tal diferencial influenciou na seleção dos manuscritos publicados em periódicos científicos para composição do corpus;
b) processamento dos dados: nessa etapa utilizou-se o software Vantage Point (VP)[5]-[6], uma ferramenta de mineração de textos para a organização do conhecimento resultante de busca em bases de dados. Suas principais funcionalidades para essa pesquisa foram: limpeza dos registros, padronização, estabelecimento de relações entre os dados, cruzamento dos campos e geração de rankings e representações gráficas;
c) identificação dos temas: utilizou-se a metodologia de Sobral e Silva (2015), que propõe destacar as palavras-chave por doenças e seus agentes causadores no intuito de investigar quais patologias estão no centro da atenção dos pesquisadores. Os descritores foram padronizados em língua portuguesa com o auxílio de um tesauro construído no VP;
d) análise de relações: como ferramenta para a análise do conjunto de relações estabelecidas entre pessoas, instituições e outras entidades que convivem em meio social, a técnica ou metodologia de “Análise de Redes Sociais” (ARS), amplamente divulgada por Wasserman e Faust (1994), é tida como ideal. Desse modo, esquematizaram-se as relações entre os temas, instituições produtoras de artigos e periódicos científicos, por meio do software UCINET/NetDraw[7]-[8].
4 Resultados e discussão
Os resultados estão estruturados na seguinte ordem: (1) relações entre as doenças e agentes causadores (temas) com as instituições produtoras dos artigos; (2) colaboração entre países; e (3) periódicos científicos e suas relações com as doenças e agentes causadores (temas).
Para entendimento da Figura 1, faz-se necessário esclarecer que o tamanho dos nós (figuras geométricas) é proporcional, tanto à frequência dos termos quanto à incidência de produções das instituições indexadas na WoS. As linhas mais espessas indicam as relações mais intensas na produção científica, e as menos espessas, o contrário. As relações identificadas como mais intensas entre tema e instituições foram: Fiocruz (RJ) e leishmaniose (13); Fiocruz (MG) e leishmaniose (8); UFMG e leishmaniose (8); USP e leishmaniose (7); Fiocruz (RJ) e doença de Chagas (7); Fiocruz (RJ) e dengue (6); e, UFBA e leishmaniose (6).
As dez doenças e agentes causadores com maior índice de aparição da produção analisada foram: leishmaniose (60), doença de Chagas (30), aids (23), malária (21), dengue (19), diarreia (13), tuberculose (12) e Plasmodium (10), hepatite (8) e Aedes aegypti (6). Quanto à produção institucional, as dez instituições mais representativas foram: Fiocruz – RJ (52), Univ São Paulo – SP (30), Univ Fed Bahia – BA (21), Univ Peruana Cayetano Heredia – Peru (21), Univ Fed Minas Gerais – MG (20), Inst Med Trop Pedro Kouri – Cuba (16), Fiocruz – MG (14), Fundacao Med Trop Amazonas – AM (13), Cent Univ Venezuela – Venezuela (11) e Fiocruz – BA (10).
Corroborando os resultados supracitados, González-Alcaide et al. (2013), a partir da análise de 735 autores, participantes de 154 núcleos de investigação no tema de leishmânia na PubMed platform[9] (1945-2010), identificaram a liderança brasileira nessa temática de pesquisa e a configuração de ampla e diversificada rede de pesquisadores do Brasil atuando colaborativamente na temática, sendo referências mundiais no tema.
Segundo dados da OMS (2016), a leishmaniose apresenta três formas principais de manifestação: leishmaniose visceral (LV), leishmaniose cutânea (LC) e leishmaniose mucocutânea (LM). No primeiro tipo (LV), estima-se que de 200.000 a 400.000 novos casos ocorrem anualmente no mundo. Mais de 90% dos novos casos ocorrem em seis países: Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Sudão do Sul e Sudão. No segundo tipo (LC), aproximadamente 95% dos casos ocorrem nas Américas, na Bacia do Mediterrâneo, no Oriente Médio e na Ásia Central. No terceiro tipo (LM), aproximadamente 90% dos casos ocorrem na Bolívia, no Brasil e no Peru, o que demonstra que nos três tipos, os países da AL são bastante afetados.
Em outro estudo, González-Alcaide et al. (2012) analisaram a produção científica sobre doença de Chagas a partir de dados da PubMed platform (1940-2009). Neste, identificaram que o Brasil é a principal referência da América do Sul no assunto, além de se revelar como o país com o maior grau de pesquisadores envolvidos nas principais redes de colaboração sobre a temática no mundo. O tímido desempenho da Venezuela e da Colômbia em doença de Chagas foi anteriormente identificado pelo grupo liderado por González-Alcaide, que destacou ser necessário fomentar a investigação nesses países onde a doença prevalece; porém, há pouquíssimos pesquisadores-chave trabalhando no assunto.
No quesito institucional, a centralidade da Fiocruz (RJ) é histórica. A Fiocruz começou em 25 de maio de 1900, com a criação do Instituto Soroterápico Federal, na Fazenda de Manguinhos, Rio de Janeiro. Inaugurada originalmente para fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica, a instituição experimentou, desde então, uma intensa trajetória, que se confunde com o próprio desenvolvimento da saúde pública no Brasil (FIOCRUZ, 2016).
Sampaio (2015) lembra que a Fiocruz é a principal instituição não universitária de formação e qualificação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para a área de ciência e tecnologia no Brasil. Em sua pesquisa, Sampaio concluiu que a Fiocruz atua como instituição agregadora nos temas de leishmaniose e tuberculose, cobrindo as duas áreas de pesquisa, com fortes relações com outras instituições de ensino e pesquisa.
Na Figura 2, é perceptível o grau de colaboração entre os países e os seus respectivos quantitativos de produção. Vê-se que o Brasil assume uma posição de centralidade na rede, sendo o país mais produtivo (196 artigos) e com maior número de relações (vínculo com 12 países diferentes).
De maneira geral, os países latino-americanos mais representativos na produção em MT foram: Brasil (59%), Peru (9,6%), Venezuela (7,5%), Cuba (6,9%), Colômbia (5,4%), México (5,4%) e Argentina (4,5%). As nações que não integram a AL, mas que alcançaram alto grau de colaboração com os países em questão e figuram entre os mais produtivos da rede, são: Estados Unidos (13,8%), Reino Unido (9,9%), Bélgica (3,9%), Espanha (3,9%), Alemanha (3%) e França (2,7%).
Os vínculos de produção de artigos mais espessos entre os países destacados na Figura 2, que apresentaram mais de seis artigos, são: Brasil e Estados Unidos (20 artigos), Brasil e Reino Unido (16 artigos), Peru e Estados Unidos (15 artigos), Alemanha e Venezuela (6 artigos). Tal comportamento corrobora a discussão antes apresentada no referencial teórico. É essencial que os países latino-americanos estabeleçam vínculos com nações de outras regiões, visando socializar conhecimentos e introduzir novas tecnologias e processos em suas investigações.
Adiante, buscou-se relacionar os periódicos científicos com as palavras-chave que representam as doenças e agentes causadores. Chamou a atenção na Figura 3 que o Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene concentra 77,8% das publicações. Esse periódico possui fator de impacto 1.839 no Journal Citation Reports (JCR) e estrato B1 na área de Medicina II do Web Qualis (CAPES). O referido periódico é editado pela Oxford University Press e suas especialidades são: saúde pública, ambiental, ocupacional e MT.
Em similar estudo, com 118 países, Sampaio (2015) havia apontado o destaque do Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene na temática de leishmânia na PubMed, ficando em segundo lugar com 543 publicações, superando por vasta vantagem a terceira colocada, Infection and Immunity (383 publicações), estando apenas atrás da primeira colocada, Molecular and Biochemical Parasitology (612 publicações).
A partir da Figura 3 percebe-se que o vínculo mais intenso ocorre entre a Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene e leishmaniose (54 relações). O periódico em questão ainda mantém vínculos espessos com as seguintes temáticas: doença de Chagas (21 relações), dengue (15 relações), malária (14 relações), aids (13 relações), diarreia (13 relações) e tuberculose (10 relações).
A importância do periódico Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene é percebida nos números indicados no Quadro 1, que revela a relação entre os países e o percentual de artigos publicados no referido periódico. Em outras palavras, expressa o nítido escoamento da produção a um periódico específico, salientando claramente o enunciado da Lei de Bradford[10].
5 Considerações finais
O presente trabalho buscou analisar a produção latino-americana sobre MT na WoS. Assim, foi possível verificar que leishmaniose, doença de Chagas, aids, malária e dengue são os temas mais representativos. Constatou-se também a liderança do Brasil para a AL no quesito MT, destacando-se o papel da Fiocruz e das Universidades Federais.
Outro comportamento importante foi a percepção de que o Brasil é o principal canal de comunicação com os países não latino-americanos, destacando-se em sua produção com os Estados Unidos e o Reino Unido.
Sobressai-se também o alto desempenho do periódico Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, que concentra nitidamente a produção representada com o termo “Tropical Medicine”. Em estudos futuros, utilizando estratégias de busca mais diversificadas, tais como o estudo de Nunez (2014), que expressem a amplitude de assuntos que representam a MT, pretende-se comprovar se os resultados aqui encontrados são correspondentes ao universo da MT ou se estão limitados ao corpus circunscrito desta pesquisa.
Vislumbra-se com a continuidade desta pesquisa explorar perspectivas de recuperação da informação mais complexas, utilizando outras bases de dados importantes para a área de saúde, além da WoS. Seguindo a linha de Sobral e Silva (2015), espera-se um aprofundamento na produção científica sobre doenças infecciosas, tendo em vista que o termo MT está cada vez mais obsoleto na literatura especializada da área, por motivo das transformações que o campo tem enfrentado.
Financiamento
Este trabalho foi financiado pela Capes (Bolsa de Doutorado — Demanda Social — UFBA).
Agradecimentos
Agradecemos ao Laboratório Otlet CI da Universidade Federal de Pernambuco pelo suporte nas atividades de tratamento de dados.
Referências
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Notas
Autor notes
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zenydu@gmail.com