Artigos
Recepção: 22 Janeiro 2018
Aprovação: 17 Abril 2018
DOI: https://doi.org/10.19132/1808-5245251.345-367
Resumo: O trabalho tem como objetivo identificar as especificidades do documento arquivístisco a serem consideradas em seu tratamento temático. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica, para o levantamento dos dados e a análise de conteúdo para exploração e inferências. Foram identificados 46 trabalhos na literatura que apontavam especificidades na representação temática de documentos arquivísticos. Identicou-se três especificidades citadas nas pesquisas analisadas: (1) considerar o princípio da proveniência e a qualidade da organicidade; (2) relacionar a representação temática às funções de Classificação e Descrição Arquivística; (3) analisar a estrutura hierárquica na qual o documento está inserido, visto que documentos arquivísticos sempre farão parte de um conjunto documental. A partir dessa caracterização, é possível pensar na integração do documento arquivístico em sistemas de informação, considerando suas especificidades, sem comprometer sua autenticidade.
Palavras-chave: Tratamento temático da informação, Documento arquivístico, Organização, Representação da informação.
Abstract: The paper aims to identify the specificities of archival documents to be considered in its thematic representation. A bibliographical research was carried out to collect data collection and to analyze the content for exploration and inferences. We identified 46 papers in the literature that pointed out specificities in the thematic representation of archival documents. Three specificities cited by the authors were identified: I. To consider the principle of provenance and the quality of organicity; II. To relate thematic representation to the functions of Classification and Archival Description; III. Analyze the hierarchical structure in which the document is inserted, since archival documents will always be part of a set. Based on this characterization, it is possible to think about the integration of the archival document into information systems, considering its specificities, without compromising its authenticity.
Keywords: Subject Processing of Information, archival document, organization and representation of information.
1 Introdução
Diferentes áreas do conhecimento, que tem como objeto a informação, apresentam a possibilidade de tratamento documental integrado, com o intuito de reunir e facilitar a recuperação da informação pelo usuário. A integração é um desafio, padrões e metadados que contemplem as especificidades de cada uma dessas áreas do conhecimento são fundamentais. É importante o mapeamento das características específicas de cada contexto, como materiais bibliográficos, documentos arquivísticos e acervos museológicos, para que, conhecendo-as, seja possível reunir a informação em sistemas de gerenciamento que considerem suas diferenças. A Arquivologia, partindo do contexto digital, abre novas perspectivas de entendimento do documento arquivístico. Para além do seu suporte, é preciso considerar a informação que o documento apresenta e, consequentemente, a análise de seu conteúdo, baseada nas especificidades que o contexto dos arquivos impõe. O estudo pretende trazer o foco para esse elemento fundamental na organização e na representação da informação, sem preterir elementos de contexto e função, mas ressaltando que ‘o que trata o documento’ se constitui em um ponto de acesso significativo. Preterir a análise, síntese e representação do conteúdo documental nos arquivos pode resultar em limitações na recuperação desses documentos. Para além das ressalvas da área arquivística, existe um perfil de usuário que exige que seja ultrapassada a compartimentação das áreas do conhecimento, em busca de sistemas de informação que forneçam respostas mais completas e significativas. Esse perfil de usuário é impulsionado pelas tecnologias da informação e comunicação, em um mundo integrado, dinâmico e que coexiste no físico e digital. Yeo (2016) apresenta uma proposição relacionada à gestão de documentos em ambientes digitais que parece condizente com os usuários desses documentos, “[...] no mundo digital, os objetos podem ser agrupados e reagrupados à vontade, e deveria ser possível criar sistemas que acomodem diferentes agrupamentos e diferentes interpretações de objetos fronteiriços.” (YEO, 2016, p. 157). Isso quer dizer que objetos compartilhados por arquivos, museus e bibliotecas podem ser representados de forma relacional, respeitando suas particularidades e oferecendo aos usuários a possibilidade de criar suas próprias relações. Assim, os sistemas de informação ofereceriam diferentes significados e contextos aos documentos, e os usuários criariam as combinações desejáveis para a recuperação.
Nesse contexto, o trabalho tem como objetivo identificar quais são as especificidades do documento arquivístico, no que se refere ao Tratamento Temático da Informação (TTI), que precisam ser consideradas na integração dos processos de Organização e Representação da Informação. Especificidades são entendidas como características que diferenciam o tratamento temático dos documentos arquivísticos do realizado em outros contextos. O documento arquivístico, nesse trabalho, é compreendido no mesmo sentido do Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 73), como “Unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato.” e o TTI envolve os processos de “[...] análise, descrição e representação do conteúdo dos documentos [...]” (BARITÉ, 1998, p. 124).
É possível verificar nas revisões bibliográficas analisadas (GARCIA, 2005; MONÇÃO, 2006; OLIVEIRA, 2009; MEDEIROS, et al., 2015) que, além de escassa, a literatura, de maneira geral, trata de forma superficial as questões relacionados à representação temática de documentos em arquivos. Partindo da caracterização das necessidades do contexto arquivístico, propõe-se o aprofundamento do tema. Assim, por meio da literatura, busca-se identificar e caracterizar as especificidades do TTI em documentos arquivísticos.
2 Tratamento temático de documento arquivístico
Serão apresentados, de forma breve, alguns estudos na área da Arquivologia que têm se preocupado com a representação temática. Nesse panorama, é possível verificar que não existe um consenso quanto ao termo mais adequado para representar esse processo, sendo utilizados nos estudos analisados indexação, representação de assunto, representação temática; optou-se por usar a terminologia dos autores.
A tese defendida, em 1979, por Richard H. Lytle, intitulada Subject retrival in archives: a comparison of the content indexing methods, é considerada o primeiro trabalho a utilizar metodologias da biblioteconomia para representar conteúdo de documentos arquivísticos (RIBEIRO, 1996; OLIVEIRA, 2009). Lytle (1980a; 1980b) publicou dois artigos relatando suas pesquisas e utilizou dois métodos de indexação, o Provenance Method e o P Method e Content Indexing ou CI Method. O P Method é baseado no que se conhece sobre o arquivo, pessoas e organizações envolvidas nas suas atividades, seu contexto e/ou funções, ou seja, sua proveniência. Já o CI Method deriva da representação de assuntos da biblioteconomia, em que o documento é analisado independente de informações relacionadas à proveniência. Apesar de o autor reconhecer que a análise pode mesclar os dois métodos, em seu estudo, ele objetivou analisá-los de forma dissociada, a fim de compará-los. Lytle (1980a; 1980b) chegou à conclusão de que os dois métodos apresentam limitações e problemas, porém, o P Method se mostrou mais assertivo, fornecendo melhores resultados de busca. O CI Method é dependente de uma boa linguagem de indexação que, se não for bem construída ou não abarcar os termos da área de forma consistente e profunda, não será uma ferramenta adequada para a representação dos documentos.
Oliveira (2009) apresenta uma importante retrospectiva das décadas de 1980 e 1990, mostrando a preocupação em países como França, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Portugal e Brasil com a representação e a recuperação da informação nos arquivos. A produção bibliográfica sobre a temática, considerando-se duas décadas, é escassa. Já o trabalho de Ferrez, Araújo e Rondinelli (1987 apud OLIVEIRA, 2009) é relevante, porque aponta, de forma breve, as práticas de indexação nos arquivos e o ineditismo do assunto no Brasil, nesse período.
Alexandre Garcia (2005), na pesquisa bibliográfica desenvolvida para a obtenção do título de mestre na École Nationale Supérieure des Sciences de l'information et des bibliothèques, França, discute a representação temática nos arquivos. O autor refere-se, especificamente, à indexação, afirmando que ela oferece possibilidades mais aprimoradas para o usuário do arquivo. Garcia (2005) afirma que existe uma crença de que a representação por assunto não é a mais adequada aos arquivos, devido a sua natureza, organizada por fundos, funções/atividades ou tipologias documentais, fazendo com que o acesso se dê por esses elementos. No entanto, o autor observa que os arquivistas (se refere aos franceses e canadenses) se interessam em aprofundar seus conhecimentos sobre indexação, buscando em outras áreas do conhecimento, como a Biblioteconomia, por exemplo.
Hicks (2005), nos arquivos federais e estaduais australianos, e Silva (2013), no Arquivo Nacional do Brasil, apresentam estudos aplicados de indexação, mostrando a preocupação dos profissionais com o acesso pelo conteúdo.
Monção (2006), em sua dissertação, analisa o evento I soggetti e altri apparati di indicizzazione in archivistica: ipotesi di lavoro, realizado em 1998 na cidade de Pisa, na Itália, que tinha como objetivo discutir questões relativas ao tratamento de conteúdo dos documentos arquivísticos. Na sua grande maioria, os trabalhos apresentados eram de autores italianos (sete dos dez analisados) e apontavam o assunto como informação complementar na representação e na organização dos documentos arquivísticos.
Pret e Cordeiro (2015) realizaram uma pesquisa bibliográfica nos periódicos The American Archivist e Archivaria, americano e canadense, respectivamente, com o intuito de compreender de que forma a Arquivologia tem tratado temas como gestão documental, protocolos, arquivos correntes, usos dos documentos arquivísticos e indexação. No que concerne à indexação, concluem que esse tema tem recebido pouca atenção na literatura da área de Arquivologia, diante da sua importância no processo de recuperação da informação, especialmente, no arquivo corrente e no protocolo.
No rol de trabalhos que discutem a representação temática nos arquivos também está o de Ribeiro (2011). A autora apresenta duas importantes especificidades da indexação nos arquivos, partindo e aplicando os pressupostos gerais da indexação. Uma das especificidades que Ribeiro aponta é a que se relaciona aos níveis de descrição, que denomina níveis de análise, identificando quatro: sistema de informação (arquivo), série, documento e acto informacional. A outra especificidade diz respeito à compreensão do conteúdo dos documentos, Ribeiro (2011, p. 54) afirma que nos arquivos é “[...] praticamente impossível definir os 'domínios cobertos pela indexação.” por tratarem de assuntos muito diversos. E continua dizendo que, “[...] interessa ter em conta o contexto em que a informação foi produzida e no qual é usada, a sua função e os elementos informativos que os documentos contêm, designadamente aqueles que mais vezes são solicitados pelos utilizadores.” (RIBEIRO, 2011, p. 54). Ressaltando, dessa forma, o conhecimento do contexto como fator fundamental no desenvolvimento da representação temática em arquivos.
Dois importantes eventos que ocorreram em 2015, no Brasil, o Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (Enancib) e a International Society for Knowledge Organization (ISKO-Brasil), tiveram trabalhos que trataram da temática. Andrade, Silva e Miranda (2015), partindo da perspectiva do usuário de sistemas de informação de arquivo jurídico, propõem uma modelagem que contempla elementos do conteúdo. Cândido, Moraes e Sabbag (2015) testam uma metodologia para a representação da informação, facilitando a identificação da função e/ou atividade, denominada Percurso Gerador de Sentido. Já Lima e Cunha (2015) desenvolvem um trabalho teórico que relaciona ontologias e taxonomias nos sistema de informação, especialmente arquivos. Vital e Bräscher (2015), por sua vez, discutem a necessidade de aprofundar metodologias para a organização e representação da informação em arquivos e propõem os modelos conceituais como possibilidade a ser estudada. Por fim, Medeiros e outros et al. (2015) realizam uma pesquisa bibliográfica em uma base de dados internacional – Library and Information Science Abstracts (LISA) – e em bases nacionais (Brasil), para identificar a bibliografia que trata da representação de assunto na Arquivologia. Barros (2015) aborda a relação da Arquivologia com a indexação, a partir de duas funções arquivísticas, classificação e descrição. O autor analisa as intersecções com a indexação e a vê como um processo complementar aos outros dois, que ocorre após o documento ter sido classificado e descrito.
É importante ressaltar que a maior parte das pesquisas que tratam da representação temática em arquivos, acima apresentadas, preocupou-se em mapear de que forma a literatura vem tratando esse tema e o quão relevante ele é para os arquivos. Esse fato constitui-se em um indicativo de que é necessário avançar em direção ao aprofundamento de métodos e metodologias que subsidiem essa atividade no contexto arquivístico.
2.1 Metodologia
A pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa, quanto ao objetivo, e caracteriza-se como exploratória. Como procedimento, para responder ao objetivo proposto foi realizada uma pesquisa bibliográfica e uma análise de conteúdo. As fontes de informação utilizadas para a coleta de dados, assim como as estratégias de busca, estão apresentadas na Tabela 1. Como a literatura na temática já havia se mostrado escassa, não foi feito recorte temporal, assim como não foi especificado o tipo documental, delimitou-se trabalhos nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. A pesquisa bibliográfica foi realizada entre março e abril de 2016.
A escolha das fontes de informação pesquisadas justifica-se pelo fato de serem representativas da produção brasileira e internacional em Ciência da Informação, além de periódicos representativos da área arquivística.
Os resultados compõem três categorias:
a) resultado geral da busca: resultado apresentado nas bases de dados após a inserção dos termos e das estratégias de busca;
b) trabalhos que abordam a temática: a partir da categoria 'resultado geral', foi feita a leitura do resumo dos trabalhos e verificaram-se quais abordam a temática, isto é, quais tratam de representação temática no contexto arquivístico;
c) selecionados: a partir dos trabalhos que abordam a temática, foi feita a leitura integral na busca por especificidades, ou seja, elementos que distinguem a representação temática realizada em documentos arquivísticos. Foram selecionados para compor a amostra, os trabalhos que atenderam aos objetivos da pesquisa, isto é, apontavam para especificidades na representação temática de documentos arquivísticos.
A partir desse levantamento, os trabalhos selecionados foram lidos e deles foram retirados extratos em que as especificidades eram citadas, para que fosse possível realizar inferências, seguindo os procedimentos da análise de conteúdo, conforme explicado na próxima seção.
2.2 Resultados
Com a pesquisa bibliográfica realizada – apresentada no Quadro 1 – obteve-se um total de 82 resultados. Dentre eles, 46 abordam a temática, e, após leitura e análise, identificou-se que oito apresentavam especificidades para o processo de representação temática de documentos arquivísticos e foram selecionados para compor a amostra. Os resultados das buscas nas bases de dados, feitas com termos na língua inglesa, também retornaram trabalhos na língua francesa. Esses trabalhos, apesar de não estarem nos idiomas delimitados, foram analisados, e dois deles fizeram parte dos selecionados, por contemplarem os objetivos da pesquisa. Além dos oito selecionados nas fontes de informação pesquisadas, foi incluído um trabalho da autora Fernanda Ribeiro (2011) que atende aos requisitos dessa pesquisa e que não havia sido, até então, abarcado por ser capítulo de livro.
Na busca pela caracterização geral desses trabalhos, verifica-se que, dos nove trabalhos analisados, quatro foram publicados no Brasil, dois na Espanha, um nos Estados Unidos, um no Canadá e um na França; desses, seis são da década de 2000 e os outros três da década de 1990. Os três trabalhos da década de 1990 são os dos Estados Unidos, do Canadá e o da Espanha. Seis trabalhos são artigos publicados em periódicos científicos, dois foram publicados em anais de eventos e um é capítulo de livro. Todos os trabalhos têm uma abordagem teórica, ou seja, objetivam discutir pressupostos conceituais e metodológicos da representação temática em arquivos.
Para a identificação da(s) especificidade(s) foi feita a 'Exploração do material', de acordo com a metodologia da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2010). De cada trabalho, foi retirado o extrato que trata de características específicas da representação temática de documentos arquivísticos, e feita a tradução livre, quando necessária. Com base nos extratos, realizou-se uma síntese das especificidades indicadas, conforme Quadro 2.
Será apresentada uma breve síntese de cada um dos trabalhos analisados. Dooley (1992) não trata, especificamente, do conteúdo, mas das características que individualizam documentos arquivísticos e ajudam a entendê-los; cita a proveniência, a função e a conexão com outros documentos. O autor apresenta pontos de acesso importantes na identificação tanto da proveniência, quanto do conteúdo, como tempo, lugar e forma do documento.
Esteban Navarro (1995) aponta que a individualização do documento arquivístico se dá apresentando sua origem, como ele é produzido e sua função, assim como as relações que estabelece com os outros documentos, formando conjuntos. Isto quer dizer que a individualização se dá a partir da organicidade e da proveniência.
Gagnon-Arguin (1997) afirma que qualquer descrição de um documento arquivístico, incluindo seu conteúdo, precisa vinculá-lo ao seu contexto de criação, e que respeitando os diferentes níveis de descrição, a representação contemplará essa premissa.
A pesquisa de Lopez e Carvalho (2013) fez parte do universo analisado porque, apesar de tratar de documentos iconográficos, apresenta especificidades para documentos arquivísticos, em geral. Os autores ressaltam a identificação das funções arquivísticas e administrativas no processo de estabelecimento dos assuntos do documento.
Cordeiro (2013) também analisa documentos iconográficos e frisa que o contexto de produção influenciará o processo de representação. A autora indica o 'método de contextualização', citando algumas questões que precisam ser respondidas para que o contexto seja compreendido, como por exemplo: Quem produziu o documento? A quem é dirigida a mensagem de seu documento? A partir de que argumentos organizam o seu discurso?
Guitard (2013, p. 208) ressalta a unicidade do documento arquivístico, o que não é plenamente justificável. A unicidade é dada pelo contexto e função que o documento exerce, mais do que pelo fato de ter apenas uma cópia, como afirma “Todos os documentos produzidos ou recebidos por um criador, que é um fundo de arquivo, consiste de documentos existentes em uma cópia única, e cada documento tem uma e apenas uma posição na organização hierárquica do fundo.”. Quanto à indexação, o autor afirma que, nos arquivos, ela será realizada em conjuntos documentais, respeitando a organização hierárquica, sempre do geral para o específico. Sendo realizada a indexação de um fundo (geral), os termos de representação também serão genéricos. Esse é o mesmo entendimento já expresso por Ribeiro (2011), em que associa cada nível de descrição à profundidade da indexação.
Schmidt e Smit (2013, p. 584) discutem a representação do conteúdo dos documentos, sem menosprezar os aspectos de contexto; ao contrário, dividem os elementos em dois conjuntos, “[...] as de contexto, que estão “fora” do documento, sendo a proveniência e as funções, e as de conteúdo, que estão “dentro” do documento, sendo o conteúdo substantivo e as datas tópica e cronológica.”. No quadro 2, foram apresentados somente os aspectos de “dentro do documento”, que se referem especificamente ao conteúdo. As autoras afirmam que, apesar de separados, esses aspectos precisam ser pensados em conjunto para não comprometer a caracterização do documento arquivístico, e para evitar que características “[...] como unicidade, organicidade, indivisibilidade, por exemplo, sejam reduzidas, além do Princípio da Proveniência.”. (SCHMIDT; SMIT, 2013, p. 584).
Oliveira (2009) é outra autora que aponta o conhecimento do contexto como fator essencial na representação temática em arquivos e que caracteriza o princípio da proveniência.
Com essa análise, percebe-se que os autores analisados marcam a diferenciação do documento arquivístico com a defesa de suas características, consideradas individualizadoras, como a unicidade, a organicidade e a autenticidade.
Na análise dos extratos, apontam-se algumas considerações:
Primeiro, o princípio da proveniência e a qualidade da organicidade são citados e representam a relação dos documentos com os contextos de produção, função e atividade, ou seja, a análise do documento vinculada ao conjunto do qual fazem parte. No Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística ((ARQUIVO NACIONAL (Brasil), 2005, p. 136), o princípio da proveniência é definido como, “Princípio básico da arquivologia segundo o qual o arquivo, produzido por uma entidade coletiva, pessoa ou família não deve ser misturado ao de outras entidades produtoras. Também chamado princípio do respeito aos fundos”. Esse conceito parece um pouco limitante quando se considera os documentos eletrônicos, nos sistemas de informação e nas relações com múltiplas direções estabelecidas entre o(s) documento(s), seu(s) criador(es) e a instituição(ões) produtora(s).
Quando Cook (2012) trata da proveniência na pós-modernidade, defende que, no contexto eletrônico, é urgente redefinir e reinventar a noção de proveniência, indo do texto para o contexto de criação, nos parece que vai ao encontro do que os autores citam como importante analisar no processo de representação temática. Cook diz que,
O princípio de proveniência muda, de ligação de um registro diretamente ao seu único local de origem em uma estrutura organizacional hierárquica tradicional, para se tornar um conceito virtual e mais elástico refletindo essas funções e processos do criador que levaram o registro a ser criado, dentro e entre as organizações em constante evolução, interagindo com uma clientela em constante mudança, refletindo diferentes culturas organizacionais e gerenciais, e adotando convenções, muitas vezes idiossincráticas, de trabalho e de interação humana apropriadas para organizações horizontais, em rede, e (muitas vezes) de curto prazo. Em suma, proveniência está ligada à função e atividade e não à estrutura e lugar. A proveniência se torna mais virtual do que física. (COOK, 2012, p. 23)
Assim, essa definição de proveniência abarca os elementos citados pelos autores como necessários para a representação temática da informação nos documentos arquivísticos. Contudo, além da proveniência, a organicidade e a contextualização, realizadas por meio das atividades de classificação e descrição arquivística, também, determinam sua representação temática.
Em relação à organicidade, o e-Arq Brasil (Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ (Brasil), 2011, p. 21) a inclui na categoria de qualidade do documento arquivístico, dizendo que “O documento arquivístico se caracteriza pela organicidade, ou seja, pelas relações que mantém com os demais documentos do órgão ou entidade e que refletem suas funções e atividades.“. A organicidade é materializada na classificação arquivística que, por sua vez, é a base na qual a Descrição Arquivística é estruturada.
Já o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (ARQUIVO NACIONAL (Brasil), 2005, p. 127) define organicidade como sendo a “[...]relação natural entre documentos de um arquivo em decorrência das atividades da entidade produtora.”, e essa relação torna-se rotineira, na medida em que as atividades das quais os documentos derivam, acontecem, e podem estar estruturadas, previamente, constituindo-se os documentos em registros testemunhais dessas.
Segundo, a representação temática da informação de documentos arquivísticos está relacionada às funções de Classificação e Descrição Arquivística, ou seja, ela não acontece separada de outros processos de organização e representação da informação, existe uma codependência. Quando os autores salientam a importância de considerar o contexto de produção e uso dos documentos, a função e a atividade às quais estão vinculados, pode-se concluir que o contexto é dado por essas funções. Classificação e Descrição Arquivísticas analisam o contexto, função e atividades representam-nas nos planos de classificação e descrições, refletindo a organicidade dos conjuntos documentais, que é base para o tratamento documental nos arquivos.
Terceiro, a representação temática da informação de documentos arquivísticos precisa estar conectada aos níveis de descrição, ou seja, nos arquivos a análise é feita em conjuntos documentais (fundos, séries, processos, dossiês) e quando é realizada no nível do item documental, é fundamental analisar a estrutura hierárquica na qual está ligado, porque sempre fará parte de um conjunto.
3 Considerações finais
Essa pesquisa tem como pressuposto o fato de que documentos em arquivos apresentam especificidades que os diferenciam dos documentos em outros serviços de informação. Assim, identificaram-se, com base na literatura, autores que marcam a diferenciação do documento arquivístico com a defesa de suas características consideradas individualizadoras, como a unicidade, a organicidade e a autenticidade.
De forma sintetizada, a partir da literatura analisada, esses três pontos caracterizam as especificidades da representação temática da informação de documentos arquivísticos:
a) contempla o Princípio da Proveniência e a característica da Organicidade;
b) é realizada no contexto da Classificação e da Descrição Arquivística;
c) está vinculada aos níveis de descrição.
Evidenciar as especificidades dos documentos arquivísticos no processo de representação temática apresenta a possibilidade do desenvolvimento de representações mais significativas, proporcionando que a recuperação da informação seja contextual. Documentos arquivísticos existem relacionados às funções e às atividades que os originaram, assim, a análise contextualizada explicita esse significado, resultando em representações mais adequadas. A partir dessa caracterização, é possível pensar na integração do documento arquivístico em sistemas de informação que considerem suas especificidades, objetivando não comprometer sua autenticidade.
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Notas
Autor notes
luciane.vital@ufsc.br
marisa.brascher@ufsc.br