Resumo: Busca-se, neste artigo, compreender a produção de documentos no dossiê de celetistas a partir da análise da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira enquanto instrumental legal portado de ações. Ações essas que, isoladamente identificadas, são associadas aos tipos documentais individuais que podem ser observados no universo de uma unidade documental composta, ou dossiê, sem perder a sua identidade. Assim, nossa investigação tem como objetivo compreender o dossiê de celetistas como unidade documental composta, formada por diversos tipos documentais produzidos individualmente a partir das ações expressas na Consolidação das Leis do Trabalho. Para tanto, adotou-se a metodologia de investigação qualitativa, com recurso à análise documental da Consolidação das Leis do Trabalho, tanto na tarefa de mapeamento das ações expressas quanto na identificação e análise dos tipos documentais produzidos. Ademais, apresentamos, por meio de uma revisão de literatura, os conceitos e abordagens necessários ao aporte teórico desta pesquisa. A partir do mapeamento das ações expressas na Consolidação das Leis do Trabalho e da sua associação aos tipos documentais produzidos, que consequentemente compõem o dossiê de um indivíduo celetista, é possível argumentar que, mesmo que agrupados em uma unidade documental composta, os tipos documentais presentes em um dossiê de celetistas possuem um contexto de produção único, o que se justifica na própria legislação pertinente.
Palavras-chave:ArquivologiaArquivologia, Dossiê de celetistas Dossiê de celetistas, Produção documental Produção documental, Diplomática contemporânea Diplomática contemporânea, Tipologia documental Tipologia documental.
Abstract: This article aims to understand the production of documents in the dossier of CLT workers, based on the analysis of the Consolidation of Brazilian Labor Laws (Consolidação das Leis do Trabalho) as legal instruments carried out of actions that, individually identified, are associated with individual document types that can be observed in the universe of a composite documentary unit, or dossier, without losing its identity. Thus, our investigation aims to understand the dossier of CLT workers as a composite documentary unit, formed by several documentary types produced individually from the actions expressed in the CLT. For that, the methodology of qualitative research was adopted, using documentary analysis of the CLT, both in the task of mapping the expressed actions and in the identification and analysis of the documentary types produced. In addition, we present the concepts and approaches necessary to the theoretical contribution of this research through a literature review. From the mapping of the actions expressed in the CLT and the association of these to the documentary types produced, which consequently compose the dossier of a collective individual, it is possible to argue that, even if grouped in a composite documentary unit, the documentary types present in a dossier of CLT workers have a unique production context, which is justified by the relevant legislation itself.
Keywords: Archival Science, Dossier of CLT workers, Documentary production, Contemporary diplomatic , Documentary typology .
Artigos
Produção documental em dossiê de celetistas: a tipologia documental como referencial
Documentary production in dossier of CLT workers: documentary typology as a referential
Recepção: 15 Agosto 2018
Aprovação: 15 Março 2019
O documento de arquivo é aquele produzido e/ou recebido por uma instituição pública ou privada no exercício de suas atividades ao longo de sua existência (PAES, 2004) em um processo de acumulação natural. Segundo Luciana Duranti (1994, p. 51), os documentos de arquivo carregam “características para estabelecer seu status”, sendo elas: imparcialidade, autenticidade, naturalidade, inter-relacionamento e unicidade.
No tratamento e na organização de documentos de arquivo, muito se pratica a utilização de dossiês e processos, mas pouco se teoriza a respeito; além disso, embora eles possuam definições semelhantes, guardam características que os diferem.
Camargo e Bellotto (1996, p. 62, grifo nosso) definem processo como uma “Unidade documental em que se reúnem oficialmente documentos de natureza diversa, no decurso de uma ação administrativa ou jurídica, formando um conjunto materialmente indivisível.” e dossiê como “Unidade documental em que se reúnem informalmente documentos de natureza diversa, para uma finalidade específica.” (CAMARGO; BELLOTTO, 1996, p. 32, grifo nosso).
Através da definição terminológica das autoras, é possível entender que tanto o processo quanto o dossiê tratam-se de uma reunião de documentos. Porém, tal reunião se configura como oficial no primeiro e informal no segundo.
O caráter oficial em que se reúnem documentos no processo diz respeito às diretrizes que giram em torno da própria autuação processual, como o exemplo do Manual de Gestão de Protocolo do Governo do Estado do Rio de Janeiro (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2013), que determina que um processo, obrigatoriamente, deve conter capa, termo de abertura, páginas sequencialmente numeradas, entre outros aspectos que definem a reunião oficial de documentos conforme apontado por Camargo e Bellotto. Vale ressaltar que, para cumprir as atividades que lhe deu origem, o processo deve sempre tramitar oficialmente aos órgãos, setores ou indivíduos envolvidos.
Já dossiê é definido pelas autoras supracitadas como uma reunião informal de documentos para uma finalidade específica, ou seja: por não haver nenhuma característica oficial em torno do agrupamento físico dos documentos que compõem um dossiê, entende-se que individualmente cada um possui seu próprio sentido, diferente do processo, em que todos os documentos que fazem parte de sua estrutura material só possuem sentido quando fisicamente unidos e cronologicamente incorporados (por isso a numeração sequencial nas páginas). Ademais, cumpre pontuar que dossiê não tramita.
Os documentos reunidos em processos e dossiês são entendidos por meio de seu contexto de produção, e isso pode ser justificado a partir da Tipologia Documental. Segundo Heloísa Bellotto, a Tipologia Documental é uma área da ciência documentária que se concentra no estudo da relação do documento “[...] com o contexto orgânico de sua produção e de atuação dos enunciados do seu conteúdo, quando considerados dentro dos conjuntos lógicos denominados séries arquivísticas.” (BELLOTTO, 2002, p. 11).
A Tipologia Documental apropria-se do estudo diplomático para identificar a espécie documental que, associada à ação/atividade que produziu um documento, forma o tipo documental.
Por definição, espécie documental é a “Configuração que assume um documento de acordo com a disposição e a natureza das informações nele contidas.” (CAMARGO; BELLOTTO, 1996, p. 34), e tipo documental é a “Configuração que assume uma espécie documental, de acordo com a atividade que a gerou.” (CAMARGO; BELLOTTO, 1996, p. 74).
Nesse sentido, embora reunidos por uma finalidade específica, os tipos documentais presentes em dossiês são passíveis de tratamento e gestão individualmente, sem interferir no sentido do dossiê como um todo. Tal afirmativa é justificada, nesta pesquisa, através do estudo dos dossiês de celetistas, em que será possível identificar os tipos documentais produzidos através das ações/atividades expressas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instrumento legal trabalhista aprovado em 1943, no Governo Vargas.
De modo a compreender tal legislação, é importante ressaltar que os contratos de trabalho em instituições privadas, e em parcela das públicas, são regidos pela CLT, e seus empregados são chamados celetistas. A CLT define regras claras quanto ao regime de trabalho e por isso toda e qualquer ação referente às relações de trabalho demanda uma produção documental desde a contratação até a rescisão do empregado.
Assim, este artigo tem como objetivo compreender o dossiê de celetistas como unidade composta por diversos tipos documentais produzidos a partir das ações/atividades expressas na CLT, bem como contextualizar a referida lei e a obrigatoriedade de sua aplicação no cenário trabalhista brasileiro, mapear as ações/atividades expressas nos artigos da CLT capazes de produzir documentos que comporão o dossiê de celetistas, além de identificar e analisar, através de tais ações/atividades, os tipos documentais que compõem um dossiê de celetista.
Adota-se a metodologia de investigação qualitativa, com recurso à análise documental da CLT, sendo ainda necessário contextualizá-la no cenário trabalhista brasileiro ao longo da história.
Apresentamos, por meio de uma revisão de literatura, os conceitos e abordagens necessários ao aporte teórico desta pesquisa, qual seja a Diplomática clássica, expandindo-se para a Diplomática contemporânea, e a evolução do objeto de estudo de ambas, isto é, o documento diplomático e o tipo documental, respectivamente.
A etapa de análise documental consistiu na identificação das ações/atividades que produzem documentos que compõe o dossiê de celetista, por meio de uma leitura analítica da CLT em seu Título I para fins introdutórios, em seus Títulos II e IV que, respectivamente, tratam sobre normas gerais de tutela de trabalho e contrato individual de trabalho, e também os Capítulos III e IV do Título III, que tratam sobre proteção do trabalho da mulher e proteção do trabalho do menor, partes essas que envolvem simultaneamente empregador e empregado.
Na identificação dos tipos documentais (após o mapeamento das ações/atividades) e na consequente tarefa de ‘dar nome’ a eles, utilizamos, por vezes, do Plano de classificação e a tabela de temporalidade de documentos da administração pública do Estado de São Paulo: atividades-meio, do Arquivo Público do Estado de São Paulo (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2005), por se tratar de um instrumento público que traz tipos documentais específicos ao contrato de celetistas, aproximando-se do escopo deste estudo. E, ainda, o glossário de espécies documentais presente em Bellotto (2002).
A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada em 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas, foi um marco na história recente do Brasil, mudando completamente a relação empregador/empregado, trabalhador/Estado, Estado/empregador. A obrigatoriedade da formalização do trabalho ‒ a normatização e reunião de direitos até então esparsos em diversas leis para inúmeras categorias ‒ permitiu ao trabalhador um espaço pelo qual há décadas vinha lutando: ser um cidadão cujo emprego e direitos eram garantidos por lei e pelo Estado.
A formalização do emprego e dos direitos do trabalhador, instituídos pela CLT, obrigaram e obrigam os empregadores a conceder aos seus empregados uma série de benefícios, como assinatura de contrato de trabalho, férias, multa por rescisão e pagamento do salário estipulado pelo contrato, todos tendo que ser comprovados pelo contratante. Essas ações geram uma série de documentos formais e padronizados que garantem ao Estado o cumprimento dos direitos e obrigações por parte do empregador e do empregado.
Nesse sentido, torna-se importante contextualizar, ainda que de maneira breve, as relações de trabalho no processo histórico brasileiro.
As relações de trabalho pré-abolicionistas (1500–1888) carregavam grande desprezo às necessidades do trabalhador que, sob tratados desiguais de “remuneração”, mantinha-se em situação de pobreza, garantindo assim a continuidade das relações hierárquicas sociais. Segundo Ângela de Castro Gomes,
Durante muitos séculos, no Brasil e no mundo, a pobreza fora entendida como um fato inevitável e até útil, uma vez que consistia em estímulo ao trabalho. Os “pobres” tornavam-se operosos por força da necessidade, enquanto cabia aos “homens bons” a responsabilidade social por sua existência e pelo progresso da nação. (GOMES, 1999, p. 53).
Com a abolição da escravatura e o início da República (1888‒1889):
A pobreza passava a ser considerada um obstáculo para o desenvolvimento da nação e deixava de ser considerada inevitável, já que a ignorância desta ‘questão social’ e o imobilismo do Estado começam a ser apontados como as razões de sua permanência. (GOMES, 1999, p. 54).
A partir da revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assume a Presidência da República através de um golpe de Estado, desencadeando o fim da República Velha, deu-se início a chamada Era Vargas. Nesse período, o Estado passa a incorporar as massas populares ao processo político, com um maior comprometimento com questões sociais, principalmente em relação ao trabalho, sendo possível “[...] identificar de forma incisiva toda uma política de ordenação do mercado de trabalho, materializada na legislação trabalhista, previdenciária, sindical e também na instituição da Justiça do Trabalho.” (GOMES, 1999, p. 55). A lógica do Estado passou a ser a valorização do trabalho a fim de combater a pobreza, além de desestimular os movimentos grevistas advindos da Europa. Segundo Cezar, “A classe política brasileira já entendia a necessidade de avançar em termos de garantias sociais dos trabalhadores como forma de desestimular golpes de movimentos radicais de esquerda ou de direita.” (CEZAR, 2012, p. 14).
Getúlio Vargas utilizou-se de uma política populista que, além de impedir golpes contra seu governo, garantiu o enfrentamento da crise de 1929 através do estímulo à classe trabalhadora crescente. O estímulo de Vargas aos trabalhadores deu-se por meio de direitos trabalhistas garantidos por decretos e leis a partir de 1930, já que, desde a Primeira Guerra Mundial, não era possível identificar grandes avanços nessa área. Mesmo assim, as leis trabalhistas existentes até o ano de promulgação da CLT, em 1943, eram esparsas e não dialogavam entre si. Além disso, muitas das leis eram destinadas às classes trabalhadoras específicas ou temas específicos, deixando de englobar parte dos trabalhadores.
Nesse sentido, a partir dos estudos de Biavaschi (2007, p. 205-220[1]apud LUZ; SANTIN, 2010, p. 276), é possível visualizar as leis que regulamentavam as relações de trabalho existentes no período de 1930-1943, conforme figura abaixo:
A necessidade de consolidar a legislação trabalhista esparsa e reforçar o compromisso do governo Vargas com a classe trabalhadora motivou, no começo do ano de 1942, Alexandre Marcondes Filho, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio do governo Vargas, além do próprio presidente, a iniciar o estudo para a criação da CLT, que, em um primeiro momento, receberia o nome de Consolidação das Leis do Trabalho e da Previdência Social. A compilação das leis trabalhistas deu-se através de uma comissão composta pelos juristas: José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro, Dorval Lacerda Marcondes e Arnaldo Lopes Süssekind. O trabalho da comissão foi finalizado ao final de 1942 e, em 1º de maio de 1943, pelo Decreto-Lei n. 5452, a CLT foi aprovada.
Atualmente, a CLT se organiza em 13 títulos, sendo que eventualmente alguns destes títulos subdividem-se em capítulos, que eventualmente se subdividem em seções. Os artigos da CLT são os que trazem consigo o texto propriamente dito e, por isso, são a menor unidade de subdivisão na CLT.
Dentre os temas de suma importância para o direito trabalhista abordados na CLT, cabe pontuar: a identificação profissional, jornada de trabalho, salário mínimo, férias anuais, segurança e medicina do trabalho, proteção ao trabalho da mulher e do menor, previdência social e regulamentação sindical, e especificações sobre a Justiça do Trabalho.
Quanto a sua aplicação, a CLT define em seu artigo primeiro: “Esta Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nela previstas.” (BRASIL, 1943, não paginado). Define, em seu artigo segundo, que “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” (BRASIL, 1943, não paginado); e, em seu artigo terceiro, que “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” (BRASIL, 1943, não paginado). Ou seja, a obrigatoriedade de contratação pelo regime CLT é dada a todas as categorias profissionais que, de forma constante e contínua, prestam serviço a um empregador, com exceções apontadas pelo artigo sétimo da lei:
Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas;
b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais;
c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições;
d) aos servidores de autarquias paraestatais, desde que sujeitos a regime próprio de proteção ao trabalho que lhes assegure situação análoga à dos funcionários públicos. (BRASIL, 1943, não paginado).
Ao longo de sua existência, a CLT sofreu diversas alterações em seu texto ‒ a última no ano de 2017, a partir da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, sancionada como um marco do golpe ao governo então vigente e à massa trabalhadora.
O que cabe colocar é que tais alterações, mesmo que tenham modificado a CLT em muitos aspectos de seu texto original, não a desfiguraram como diploma legal normativo do direito trabalhista individual e coletivo no Brasil, principalmente na esfera privada.
Por estabelecer, à Justiça do Trabalho, procedimentos referentes às multas administrativas e débitos trabalhistas, a CLT garante ao trabalhador o exercício pleno das atividades concernentes à sua categoria profissional sem que haja qualquer dano físico, moral e financeiro a sua vida, o que por si só já demonstra a importância desse instrumento legal no cenário brasileiro.
Para refletirmos sobre a Tipologia Documental e o tipo documental, é necessário compreendermos como se deu a expansão do objeto de estudo da Diplomática clássica[3] para o objeto de estudo da Diplomática contemporânea.
Carucci (1987[4], apud BELLOTO, 2002, p. 17) diz que “O objeto dos modernos estudos da Diplomática é a unidade arquivística elementar, analisada enquanto espécie documental, servindo-se dos seus aspectos formais para definir a natureza jurídica dos atos nela implicados, tanto relativamente à sua produção, como a seus efeitos.”. Assim, segundo Bellotto (2002, p. 18, grifo da autora) “[...] o objeto da Diplomática é a estrutura formal do documento. O documento deve conter a mesma construção semântica de discurso para a mesma problemática jurídica.”.
Conforme aponta Rodrigues (2008, p. 166) “A tipologia documental, também chamada por alguns teóricos de diplomática contemporânea, é uma área nova, produto de uma revisão do desenvolvimento e da atualização dos princípios formulados pela diplomática clássica.”.
Bellotto (2002) relaciona os objetos da Diplomática e da Tipologia documental argumentando a segunda enquanto a ampliação da primeira. A autora diz:
A Tipologia Documental é a ampliação da Diplomática em direção à gênese documental, perseguindo a contextualização nas atribuições, competências, funções e atividades da entidade geradora/acumuladora. Assim, o objeto da Diplomática é a configuração interna do documento, o estudo jurídico de suas partes e dos seus caracteres para atingir sua autenticidade, enquanto o objeto da Tipologia, além disso, é estudá-lo enquanto componente de conjuntos orgânicos, isto é, como integrante da mesma série documental, advinda da junção de documentos correspondentes à mesma atividade. [...]
Enquanto a espécie documental é o objeto da Diplomática, a Tipologia Documental, representando melhor uma extensão da Diplomática em direção à Arquivística, tem por objeto o tipo documental, entendido como a “configuração que assume a espécie documental de acordo com a atividade que a gerou” (BELLOTTO, 2002, p. 19, grifo da autora).
A partir da colocação de Bellotto, é possível entender a importância do estudo diplomático no fazer arquivístico, que, ao analisar a forma do documento, traz elementos capazes de distinguir a espécie documental.
Duranti (2015) define a forma documental como um conjunto de representações utilizadas para enviar uma mensagem, podendo ser física ou intelectual. Segundo a autora, a forma física refere-se ao layout externo (extrínseco) do documento, enquanto a forma intelectual refere-se à sua articulação interna (intrínseca).
Os elementos extrínsecos estão associados ao material do documento e sua aparência externa, podendo ser o suporte, o texto, a linguagem, os sinais especiais, os selos e as anotações. (DURANTI, 2015). Já os elementos intrínsecos são, de acordo com Duranti, o protocolo, o texto e o escatocolo, assim definidos como:
Protocolo: subscrição; inscrição; saudação; assunto; fórmula de perpetuidade; apreciação
Texto: preâmbulo; notificação; exposição; disposição; cláusulas finais
Escatocolo: corroboração; [data]; [apreciação]; [saudação]; cláusula cortês; atestação; qualificação da assinatura; notas (DURANTI, 2015, p. 208).
Uma vez estabelecida a espécie documental por meio da análise da forma do documento, a Tipologia Documental é capaz de discernir sobre a ação/atividade que gerou o documento, construindo assim o tipo documental (espécie mais a ação/atividade).
Para tanto, conforme afirma Rodrigues:
Hoje o conceito de documento é mais amplo do que no passado, porque se passou a entender que ele reflita a própria complexidade do seu ambiente de produção, e para analisá-lo era necessário compreender a lógica de funcionamento do órgão que o produziu. [...]
Nesta perspectiva, as competências, funções e atividades desempenhadas, que se articulam no procedimento de gestão, são elementos inovadores, introduzidos na metodologia da diplomática contemporânea para identificar o documento de arquivo. (RODRIGUES, 2008, p. 133-134)
A fala da autora nos permite concluir que, ao analisarmos um documento, precisamos entender todos os fatores externos a ele em sua produção, visto que essa pode demandar uma série de fatores, como a legislação vigente, a ação/atividade geradora, os interessados na ação/atividade, por exemplo.
No universo de nossa pesquisa, utilizamos esses fatores externos ao documento, associando-os a uma espécie documental, para identificar os tipos documentais produzidos. Para esse efeito, a legislação vigente em torno da produção de documentos que compõem um dossiê de celetistas vem a ser a CLT; já as ações/atividades geradoras são individuais a cada documento e estão expressas nesse aparato legal, tendo ainda o empregador e o empregado enquanto interessados na ação/atividade.
Nesta seção, trabalharemos com o Título II – “Das Normas Gerais de Tutela do Trabalho”, o Título IV – “Do Contrato Individual de Trabalho”, e, do Título III, os Capítulos III – “Da proteção do trabalho da mulher” e IV – “Da proteção do trabalho do menor” da CLT, que trazem consigo artigos que tratam de ações/atividades produtoras de documentos que virão a compor o dossiê de celetistas.
O dossiê de celetistas é pensado aqui como uma unidade documental composta que registra a contratação e toda a vida profissional do indivíduo (empregado) celetista dentro da instituição empregadora. Dessa forma, o dossiê de celetistas é produzido e acumulado pelo empregador, devendo fazer parte de seu conjunto documental.
Ao longo do processo de mapeamento das ações/atividades expressas nos artigos da CLT, levantamos que, em alguns casos, um grupo de artigos diz respeito a uma mesma ação/atividade identificada como potencialmente produtora dos documentos que compõem o nosso universo de estudo. A seguir, apresentaremos o artigo, ou grupo de artigos, seguido da ação/atividade mapeada.
A partir das ações/atividades mapeadas, identificaremos os tipos documentais produzidos, conforme a seguir:
É comum a acumulação de cópias dos documentos de identificação do empregado no dossiê, e quanto a isso, a Lei 5.553, de 6 de dezembro de 1968, trata:
Art. 1º A nenhuma pessoa física, bem como a nenhuma pessoa jurídica, de direito público ou de direito privado, é lícito reter qualquer documento de identificação pessoal, ainda que apresentado por fotocópia autenticada ou pública-forma, inclusive comprovante de quitação com o serviço militar, título de eleitor, carteira profissional, certidão de registro de nascimento, certidão de casamento, comprovante de naturalização e carteira de identidade de estrangeiro.
Art. 2º Quando, para a realização de determinado ato, for exigida a apresentação de documento de identificação, a pessoa que fizer a exigência fará extrair, no prazo de até 5 (cinco) dias, os dados que interessarem devolvendo em seguida o documento ao seu exibidor.
§ 1º - Além do prazo previsto neste artigo, somente por ordem judicial poderá ser retido qualquer documento de identificação pessoal.
§ 2º - Quando o documento de identidade for indispensável para a entrada de pessoa em órgãos públicos ou particulares, serão seus dados anotados no ato e devolvido o documento imediatamente ao interessado. (BRASIL, 1968, não paginado, grifo nosso).
Assim, a anotação dos dados de identificação pessoal do empregado deve ser feita na ficha de registro de empregado, conforme disposto no parágrafo segundo do artigo segundo da lei supracitada, e tais documentos não devem constar no dossiê do empregado celetista.
A partir dos tipos documentais identificados como produtos das ações/atividades expressas na CLT, definimos, em termos práticos, o dossiê de celetistas enquanto uma reunião informal de documentos que visa agrupar tipos documentais de um mesmo empregado celetista.
No que tange ao acesso físico e recuperação dos tipos documentais que compõem um dossiê de celetistas, temos essa reunião de documentos como um facilitador, podendo ser considerada a “finalidade específica” citada na definição do termo dossiê de Camargo e Bellotto (1996, p. 32). Contudo, entender e respeitar cada tipo documental existente em um dossiê de celetistas é garantir que cada um deles terá seu prazo prescricional respeitado, sendo corretamente eliminado ou preservado.
Dito isso, é importante salientar que a organização do dossiê de celetistas por tipos documentais pode ser tanto física quanto intelectual, ou seja, expressa no Plano de Classificação de Documentos e na Tabela de Temporalidade de Documentos. Sua importância reside no fato de que um dossiê de celetistas assim organizado garante um aperfeiçoamento na tarefa de classificação de documentos e desenvoltura para a tarefa de avaliação de documentos, o que certamente poderá gerar otimização e melhor aproveitamento do espaço físico, visto que apenas os documentos de suma importância para o registro da vida funcional do empregado celetista serão preservados, de modo a garantir direitos mútuos entre as partes (empregado e empregador).
Os documentos de arquivo nascem no transcurso das ações/atividades de uma entidade pública ou privada, de uma família ou pessoa, por motivos administrativos ou legais. A partir do entendimento da ação/atividade geradora de um documento de arquivo, entendemos a essência de sua gênese e é nesse processo que a espécie documental se torna um tipo documental. (BELLOTTO, 2006). Quanto ao nome dos tipos documentais, Bellotto afirma que “[...] sua denominação sempre corresponde à espécie anexada à atividade concernente [...]” (BELLOTTO, 2006, p. 57).
Nesse sentido, a CLT pode ser vista, em sua integridade, como um potencial motivo administrativo-legal para produção de diversos documentos de arquivo, uma vez que dispõe, juridicamente, de normas gerais às relações empregatícias, às relações sindicais e à Justiça do Trabalho como um todo no âmbito brasileiro.
Quanto às normas relativas à relação empregatícia empregador-empregado, a CLT trata claramente, em seus títulos, capítulos, seções e artigos, sobre ações/atividades que especificamente, produzirão documentos de arquivo que, por uma finalidade especifica, irão compor o dossiê de um empregado celetista, conforme apresentado em nossa pesquisa. Tal finalidade específica pode ser entendida como o acesso facilitado aos documentos de um mesmo indivíduo (empregado) celetista.
Definido como unidade documental composta, da mesma forma que o processo, o dossiê é assim denominado por trazer uma sequência de itens documentais em sua composição. Ao tratar sobre unidades documentais compostas, Sonia Maria Troitiño Rodriguez diz:
Bom, se falamos em unidades documentais compostas, automaticamente estamos falando sobre itens documentais que se inter-relacionam de modo encadeado ou não (processos versus dossiês; códices autênticos versus códices inautênticos; etc.); mas que, de qualquer modo, possuem relação de dependência mútua, cuja ausência ou perda de uma de suas peças documentais provocaria uma lacuna na unidade de sentido – ou seja, no próprio documento, prejudicando a capacidade deste em refletir todo o trâmite documental ao que esteve sujeito e, consequentemente, a sua compreensão. (RODRIGUEZ, 2015, p. 177, grifo nosso).
Na realidade tratada no escopo deste trabalho, pudemos identificar que cada tipo documental, chamado pela autora de item documental, presente no dossiê de celetistas, traz consigo o seu próprio contexto de produção e, consequentemente, pode ser compreendido individualmente. Significando então que a perda ou ausência de qualquer item do dossiê não prejudica o significado dos demais, já que individualmente cada um foi gerado a partir de uma ação/atividade específica, diferente de um processo, por exemplo.
A partir disso precisamos pensar que, por mais que subordinados a uma unidade documental composta, os tipos documentais presentes em um dossiê de celetistas possuem dispositivos legais individuais que justificam sua existência e isoladamente respondem por si.
Exemplificando: em uma reclamação trabalhista relativa a um desvio de função, o Juiz do Trabalho irá solicitar apenas o tipo documental “contrato individual de trabalho” como prova por parte do empregador, visto que esse tipo possui, em seu conteúdo, a função pela qual o empregado celetista foi contratado, dentre outras informações relativas à relação empregatícia. É certo dizer então que não há necessidade de todos os outros tipos documentais presentes no dossiê do empregado celetista serem apresentados como prova, como o recibo de entrega de equipamento de proteção individual, já que apenas o contrato individual de trabalho será capaz de provar qual a função contratualmente estabelecida na admissão do empregado celetista.
Seguindo o exemplo citado acima, entendemos que, mesmo fora do dossiê, o contrato individual de trabalho cumpre seu papel como prova e não desconfigura o sentido do dossiê como um todo. É seguindo essa linha de pensamento que podemos definir a importância de uma organização voltada para os tipos documentais no dossiê de celetistas e não no dossiê como uma unidade indivisível.
Isso não significa que os documentos devem ser ordenados separadamente em séries documentais ‒ uma vez que o grupamento em dossiês auxilia na recuperação de documentos de um mesmo interessado ‒, mas sim que os documentos ali presentes devem ser intelectualmente compreendidos e tratados.
Entender o dossiê de celetistas a partir dos tipos documentais que o compõe é ir além do sentido literal de unidade documental composta, é olhar para as unidades documentais simples, os tipos documentais, e poder discernir sobre cada uma delas de modo orgânico, garantindo que cada uma seja corretamente classificada, avaliada e assim eliminada ou preservada. Tal garantia é fundamental para assegurar que os tipos documentais de valor permanente não serão eliminados, como exemplo da ficha de registro de empregado, que deve ser preservada por carregar consigo toda e qualquer informação relativa ao empregado celetista; e ainda que os tipos documentais de menor prazo de guarda sejam corretamente eliminados, de modo a assegurar mais eficiência e otimização no espaço físico de guarda do acervo.
Indo além das questões que envolvem os documentos em suporte físico, podemos entender que, em suporte digital, o dossiê de celetistas funcionaria de igual maneira, já que os tipos documentais são produzidos separadamente e assim armazenados, independente do suporte.
Por fim, vale ressaltar que, embora definidos como unidades documentais compostas na literatura arquivística, os processos e dossiês guardam importantes características que os diferem, conforme aqui apresentadas, dentre elas o fato de que o processo tramita e o dossiê não, o que nos permite inferir que os tipos documentais dentro de um dossiê são passíveis de tramitação e não o dossiê como um todo. Exatamente pelas significativas diferenças entre processo e dossiê, não seria mais correto pensar o dossiê exclusivamente como uma unidade de arquivamento, configurando-o como um conjunto documental subordinado ao conjunto documental de um indivíduo/entidade produtor? Talvez tal indagação seja suficiente para suprir os questionamentos acerca das diferenças práticas entre o dossiê e o processo.
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