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Diferenças na produção, no compartilhamento e no (re)uso[1] de dados de pesquisa: a percepção de pesquisadores de Química, Antropologia e Educação
Érika Rayanne Silva de Carvalho; Fernando César Lima Leite
Érika Rayanne Silva de Carvalho; Fernando César Lima Leite
Diferenças na produção, no compartilhamento e no (re)uso[1] de dados de pesquisa: a percepção de pesquisadores de Química, Antropologia e Educação
Differences in production, sharing and (re)using research data, from researchers’ perspective of Chemistry, Anthropology, and Education
Em Questão, vol. 25, núm. 3, pp. 321-347, 2019
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Resumo: Discussões sobre as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e re(uso) de dados de pesquisa sob o espectro das diferenças disciplinares têm sido relevantes ao processo de comunicação científica, especialmente, à luz da Ciência Aberta. O objetivo deste estudo foi identificar as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação. No campo metodológico, é uma pesquisa de natureza descritiva, em que foi adotada a estratégia de investigação qualitativa e o método de levantamento. Os participantes do estudo foram docentes permanentes dos Programas de Pós-Graduação em Química (três pesquisadores), Antropologia (três pesquisadores) e Educação (quatro pesquisadores) da Universidade de Brasília (UnB). A coleta dos dados procedeu mediante entrevistas semiestruturadas e a utilização do software NVivo (edição Starter) auxiliou os procedimentos de análise dos dados coletados. Os resultados do estudo demonstraram diferenças entre as três disciplinas, em relação aos aspectos que influenciam a produção/obtenção de dados, aos fatores que estimulariam ou inibiriam o compartilhamento de dados e aos fatores que estimulariam ou inibiriam o (re)uso de dados. Entre as conclusões, destaca-se que tais diferenças disciplinares constituem requisitos fundamentais para o desenvolvimento ou aperfeiçoamento de sistemas de informação que gerenciam dados de pesquisa.

Palavras-chave:Comunicação científicaComunicação científica, Ciência aberta Ciência aberta, Dados de pesquisa Dados de pesquisa, Diferenças disciplinares Diferenças disciplinares, Gestão de dados de pesquisa Gestão de dados de pesquisa.

Abstract: Discussions about the production/achievement practices, sharing and (re)using research data under the spectrum of the disciplinary diferences have been relevant to the scholarly communication process, mainly in the light of Open Science. The study aimed to identify production/achievement practices, sharing and (re)using research data in Chemistry, Anthropology and Education. Methodologically, the research nature is of a descriptive nature, adopting a qualitative investigation strategy and survey method. The participants of this study were different tenured professors from the postgraduate program in Chemistry (three researchers), Anthropology (three researchers) and Education (four researchers) at the University of Brasília (UnB). The data collection proceeded through semi-structured interviews with these researchers and NVivo software (Starter Edition) assisted the data collected analysis procedures. The results obtained in the study demonstrated diferences among the three disciplinary, concerning aspects influencing the data production/achievement, stimulating or inhibiting factors of the data sharing and stimulating or inhibiting factors of the research data (re)use. Among the conclusions, it is emphasized that such disciplinary differences are fundamental requirements for the development or improvement of information systems that manage research data.

Keywords: Scholarly communication, Open science, Research data, Disciplinary differences, Research data management.

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Artigos

Diferenças na produção, no compartilhamento e no (re)uso[1] de dados de pesquisa: a percepção de pesquisadores de Química, Antropologia e Educação

Differences in production, sharing and (re)using research data, from researchers’ perspective of Chemistry, Anthropology, and Education

Érika Rayanne Silva de Carvalho1
Universidade de Brasília, Brasil
Fernando César Lima Leite2
Em Questão, vol. 25, núm. 3, pp. 321-347, 2019
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepção: 08 Janeiro 2019

Aprovação: 02 Maio 2019

1 Introdução

A Ciência Aberta tem contribuído para uma nova configuração do sistema de comunicação científica, caracterizada não somente pelo compartilhamento de resultados de pesquisas, mas, também, pelo compartilhamento e reuso de dados produzidos ou obtidos durante sua realização. O termo Ciência Aberta pode ser submetido a diversas interpretações, como reiteram Friesike e Fecher (2014). Segundo os autores, a Ciência Aberta pode ser compreendida à luz do direito democrático de acesso às pesquisas financiadas por recursos públicos, dos esforços para aproximar pesquisadores e a audiência da sociedade, dos atores que participam do processo de comunicação científica, tais como decisores políticos, programadores de plataformas digitais e editores, entre outras perspectivas.

Sayão e Sales (2014) afirmam que esse novo contexto é reconhecido por esforços em atribuir maior transparência às atividades científicas, tornando-as mais colaborativas e eficientes. Além disso, os dados de pesquisa têm introduzido mudanças em relação ao ciclo tradicional da comunicação científica, na medida em que possibilitam aos pesquisadores diferentes maneiras para desenvolver e disseminar suas pesquisas.

Entre os aspectos relevantes a serem considerados na discussão e prática relacionada com dados de pesquisa, está a noção de diferenças disciplinares. Elas dizem respeito às variações entre as práticas relacionadas com a produção, o compartilhamento e o uso da informação durante a condução da pesquisa em diferentes disciplinas ou mesmo áreas do conhecimento. Nesse sentido, a produção, o compartilhamento e o (re)uso de dados de pesquisa estão igualmente submetidas às diferenças disciplinares.

Ao abordar tais diferenças, Borgman (2012) destaca que geralmente nas Ciências Físicas e Biológicas, os próprios pesquisadores produzem ou extraem dados por meio de observações e experimentos. Por outro lado, no contexto das Humanidades, é comum que os dados sejam obtidos por meio de registros da cultura humana presentes em arquivos, documentos ou artefatos. Porém, a noção de dados ainda é bastante recente nesse campo.

A variação quanto à natureza, às fontes e às temáticas dos dados de pesquisa evidenciada por Borgman (2012) é um aspecto que também deve ser considerado na prática de compartilhamento desses dados, tendo em vista o seu reuso em diferentes disciplinas. Por esse ângulo, a política de gestão de dados de pesquisa elaborada pela biblioteca da Universidade de Melbourne (2013) não restringiu a apresentação dos dados de pesquisa a experiências realizadas no ambiente de laboratório, comumente adotadas em disciplinas da área de Ciências Exatas. À luz disso, a política abordou os dados de pesquisa no âmbito das artes, integrando artefatos como produtos da expressão humana ao longo do tempo. Os dados, por sua vez, assumem formas de textos, objetos de artes plásticas e cênicas, músicas e até mesmo dos processos de criação dos artefatos.

O reuso de dados de pesquisa, por seu turno, também é uma prática relativa a pesquisadores e instituições em diversas áreas do conhecimento, e que está fundamentalmente relacionada à prática da pesquisa científica. Nesse âmbito, Mueller (2005) afirma que diferenças disciplinares incidem sobre o nível de colaboração científica, os paradigmas adotados, a produção textual e os canais de publicação. Segundo a autora, as pesquisas em Ciências Normais ou Experimentais caracterizam-se sobretudo pela colaboração entre equipes, por se basearem em paradigmas universalmente reconhecidos e pela produção textual prioritariamente publicada em periódicos internacionais e em língua inglesa. Por outro lado, a pesquisa científica realizada no campo das Ciências Sociais e das Humanidades geralmente produz textos mais extensos, que não são necessariamente publicados como artigos de periódico, uma vez que muitos desses tornam-se livros ou capítulos de livros, publicados em autoria única. Além disso, nessas áreas podem coexistir diferentes teorias ou correntes de pensamento, e métodos de pesquisa.

Estudos recentes na literatura científica demonstram a condução de pesquisas no contexto das práticas de produção/obtenção, compartilhamento e reuso de dados de pesquisa em diferentes disciplinas. A título de exemplo, pode-se destacar a abordagem de Borgman (2015) sobre a diversidade na produção de dados de pesquisa, ocasionada principalmente em razão de domínios de investigação apresentarem diferentes objetivos em seus projetos de pesquisa e várias maneiras de conduzir a coleta e a análise de dados. Nesse sentido, os estudos de Kim e Zhang (2015) são igualmente relevantes, uma vez que os autores propuseram um modelo baseado na teoria do comportamento planejado com vistas a examinar como crenças de atitude de pesquisadores na área de Science, Technology, Engineering, Mathematics (STEM), bem como normas disciplinares e disponibilidade de repositórios de dados, influenciam atitudes em relação ao compartilhamento de dados de pesquisa. Outrossim, destaca-se o estudo de Yoon e Kim (2017), no qual os autores analisaram fatores que exercem influência sobre cientistas sociais em relação ao reuso de dados de pesquisa por meio da utilização de modelo teórico baseado na teoria do comportamento planejado e no modelo de aceitação de tecnologia.

Considerando o exposto, pode-se notar o quão importante torna-se a realização de estudos que se dediquem aos dados de pesquisa sob o espectro das diferenças disciplinares relacionadas, principalmente, às práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso desses dados. Em razão disso, foi realizado estudo que pretendeu buscar resposta à questão: Quais são as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisadores da Química, Antropologia e Educação? Este artigo almeja relatar resultados de investigação que teve como objetivo geral identificar as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisa nas três disciplinas selecionadas. De modo a alcançar o objetivo, foram analisadas as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso de dados, bem como os aspectos socioculturais que as influenciam.

Os resultados deste estudo contribuem para o enriquecimento de discussões a respeito de práticas de produção/obtenção, compartilhamento e re(uso) de dados de pesquisa no âmbito de diferentes contextos disciplinares. Do mesmo modo, tais resultados contribuem para iniciativas de gestão de dados de pesquisa, uma vez que oferecem insumos para o desenho e implantação de sistemas de informação que correspondam às práticas das disciplinas estudadas.

2 Procedimentos metodológicos

Em decorrência de seu objetivo geral – identificar as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação –, a pesquisa foi estruturada sob a concepção construtivista. De acordo com Creswell (2010), o construtivismo social é uma concepção predominantemente adotada em estudos de cunho qualitativo, no qual é basilar a construção do mundo subjetivo dos participantes das pesquisas. Nesse contexto, é importante considerar a percepção de pessoas a respeito de dado fenômeno, suas experiências pessoais e culturais.

No que se refere ao propósito, o estudo é de natureza descritiva por três de suas características presentes em seu objetivo. A primeira é por ter se detido a descrever o fenômeno da produção, compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisa nas três disciplinas. A segunda diz respeito ao estágio de desenvolvimento do conhecimento sobre o fenômeno, visto a percepção de que há referencial teórico e estudos anteriores relacionados a essas práticas. A terceira é a inexistência da necessidade de estabelecer relações de causa e efeito ou teste de hipótese, como é comum em estudos explicativos.

O método de pesquisa adotado foi o levantamento, o qual, conforme preconiza Creswell (2010), é um método muito usado para a obtenção de descrição de determinada realidade com base em uma amostra. A técnica para coleta dos dados foi a entrevista semiestruturada, realizada com pesquisadores durante o mês de dezembro de 2017. Para tanto, foi elaborado roteiro de entrevista composto por vinte e duas perguntas, abrangendo as dimensões presentes no objetivo geral do estudo. As questões foram estruturadas em blocos temáticos que remeteram ao contexto disciplinar das disciplinas (Química, Antropologia e Educação) no que se refere à realização da pesquisa científica, às práticas de produção/obtenção, ao compartilhamento e ao (re)uso de dados de pesquisa. Dessa forma, foi possível assimilar aspectos socioculturais que as influenciam.

Todas as entrevistas foram gravadas com auxílio de gravador digital e transcritas. O software NVivo (edição Starter) foi utilizado para a atribuição de códigos nas falas de entrevistador e entrevistados nos textos transcritos. A análise dos códigos possibilitou a seleção de trechos afins que foram agrupados em categorias temáticas, conforme cada uma das disciplinas estudadas. Após organização dos dados dentro de categorias, os mesmos foram interpretados e discutidos à luz da literatura. De acordo com Flick (2009), a codificação e a categorização são técnicas comumente adotadas em pesquisas cujos dados coletados derivam de entrevistas, grupos focais e observações. Em síntese, esses processos referem-se à localização de trechos relevantes das entrevistas, análise, comparação e atribuição de nomes ou códigos aos trechos selecionados.


Figura 1
Análise de dados na pesquisa qualitativa
Fonte: Adaptado de Creswell (2010, p. 218).

A análise dos dados foi baseada nas etapas do processo de análise de dados de pesquisas qualitativas proposto por Creswell (2010). Constituem essas etapas a organização e preparação dos dados para análise, a leitura completa dos dados, a codificação dos dados, a utilização do processo de codificação para gerar descrições e categorias, a indicação de como a descrição e os temas serão abordados na narrativa analítica e a interpretação dos dados. O autor destaca a contínua validação de dados pelo pesquisador, que ocorre desde a organização e preparação dos dados, até a sua interpretação. A Figura 1 apresenta tais etapas, de baixo para cima e hierarquicamente.

As falas das entrevistas transcritas foram codificadas de modo a representar os principais assuntos ou temas que abordavam. A partir da associação temática entre os códigos atribuídos às falas, foi possível identificar categorias, apresentadas na Figura 2.


Figura 2
Categorização dos dados
Fonte: Elaborado pelos autores.

A população do estudo foi composta por pesquisadores atuantes em programas brasileiros de pós-graduação em Química, Antropologia e Educação. A título de operacionalização conceitual, a escolha das três disciplinas na pesquisa foi feita com base no conceito de “culturas epistêmicas” de Cetina (1999). Segundo a autora, esse conceito reconhece as divisões culturais existentes na comunidade científica, uma vez que grupos de pesquisadores se diferenciam de outros grupos quanto à organização da pesquisa, às oportunidades profissionais e aos próprios sistemas de classificação do conhecimento, que distinguem as disciplinas. Portanto, para fins deste estudo, considerou-se que cada uma das disciplinas analisadas – Química, Antropologia e Educação – representam divisões culturais da comunidade de pesquisadores nas áreas das Ciências Exatas, Ciências Sociais e Humanidades, respectivamente.

Os participantes do estudo foram selecionados por meio de amostragem intencional não probabilística. Para tanto, foram realizadas buscas na Plataforma Sucupira, ferramenta criada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), referência para o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) na obtenção de informações relacionadas aos programas de pós-graduação do Brasil (CAPES, 2017). Os resultados das buscas possibilitaram a identificação dos docentes permanentes de programas de pós-graduação da Universidade de Brasília (UnB) em cada uma das três disciplinas selecionadas para o estudo. Com uma lista dos nomes dos docentes agrupados por disciplina, foi possível enviar e-mails convidando-os a participar das entrevistas. Os docentes que aceitaram o convite foram os participantes do estudo.

Destarte, os participantes do estudo foram docentes permanentes dos programas de pós-graduação de Química (três pesquisadores), Antropologia (três pesquisadores) e Educação (quatro pesquisadores) da UnB. Tal recorte em relação aos participantes do estudo justifica-se, sobretudo, em razão de dois aspectos principais. O primeiro aspecto disse respeito ao fato de o estudo possuir natureza qualitativa, na qual não há preocupação direta em nível de representatividade quantitativa de participantes, uma vez que o importante é extrair suas experiências, práticas e visões de mundo. O segundo aspecto é relacionado com o fato de que docentes permanentes de programas de pós-graduação de universidades são indivíduos fundamentais na condução de pesquisas científicas, ao passo que o contexto acadêmico é tradicionalmente referenciado como lócus de intensa produção da ciência.

O Quadro 1 apresenta o perfil dos pesquisadores entrevistados, considerando gênero, área de concentração das pesquisas que realizam e tempo de atuação como docentes na universidade. Estes dois últimos dados foram obtidos, respectivamente, por meio dos sites dos programas de pós-graduação em Química, Antropologia e Educação da UnB e pelo acesso ao currículo Lattes dos pesquisadores.

Quadro 1
Perfil dos pesquisadores entrevistados, considerando gênero, disciplina, área de concentração da pesquisa e tempo de atuação como docente na universidade

Fonte: Elaborado pelos autores.

3 Análise e discussão dos resultados

Os resultados são analisados e discutidos em três grandes seções:

a) produção/obtenção de dados de pesquisa e aspectos que a influenciam;

b) práticas de compartilhamento de dados de pesquisa e fatores que estimulam ou inibem pesquisadores a realizá-las;

c) práticas de (re)uso de dados de pesquisa e fatores que as estimulam ou as inibem.

Todas as seções tratam dos mesmos aspectos nas disciplinas de Química, Antropologia e Educação. Não é possível relatar neste artigo a totalidade das descobertas resultantes da investigação realizada. Por esta razão, as seções subsequentes apresentam as sínteses dos resultados logrados, sendo que seu detalhamento pode ser verificado em Carvalho (2018).

3.1 Produção/obtenção de dados de pesquisa

A síntese das falas dos entrevistados em relação às práticas de produção/obtenção de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação são apresentadas no Quadro 2. Nele são abordados aspectos relacionados com os modos a partir dos quais os pesquisadores produzem ou obtêm os dados em suas pesquisas e com características desses dados.


Quadro 2
Diferenças disciplinares na produção/obtenção de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação
Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme ilustrado no Quadro 2, observa-se que entre os pesquisadores da Química, é comum o uso de instrumentos específicos para coletar dados na pesquisa, principalmente, em razão dessa disciplina primar pela precisão dos dados obtidos. Tais dados caracterizam-se, sobretudo, por serem numéricos, modelos matemáticos e descrições de compostos químicos. Por outro lado, entre os pesquisadores da Antropologia constatou-se que os dados de pesquisa são produzidos/obtidos de várias maneiras, por meio de observação participante, realização de entrevistas, pesquisas bibliográficas e produção de diários de campo. Por conseguinte, o tipo de dado produzido é diverso, incluindo discursos, gravações, imagens, dados quantitativos e qualitativos. Todavia, verificou-se o predomínio de dados qualitativos em detrimento a dados quantitativos. Do mesmo modo, também se constatou a diversidade quanto aos dados de pesquisa produzidos/obtidos entre os pesquisadores da Educação, visto que os dados constituem recortes de discursos, resultantes de surveys, pesquisas documentais, entre outros, tal como ilustrado nas falas a seguir.

Então, a gente obtém, no caso, a realização de pesquisa por meio de instrumento com obtenção de dados numéricos e aí, com isso a gente associa os dados numéricos com a química (Pesquisador da Química).

A gente trabalha muito pouco com dados quantitativos, é mais uma abordagem qualitativa por meio de entrevistas muito abertas, é claro que temos um roteiro de tema [...] Então, passa muito mais por dados qualitativos, mas é possível fazer antropologia com dados quantitativos (Pesquisador da Antropologia).

Em filosofia e história da educação é mais comum você ter pesquisa documental. Já para a área de sociologia e antropologia da educação e psicologia da educação nós trabalhamos muito com pesquisa empírica, trabalho de campo, levantamento de dados, tanto pesquisa qualitativa, como pesquisa quantitativa, como realização de surveys [...] então, a gente tem uma área, que eu diria, com uma pluralidade de métodos de pesquisa (Pesquisador da Educação).

Os resultados obtidos demostram que a produção/obtenção de dados em Química, Antropologia e Educação está diretamente relacionada ao tipo de pesquisa realizada em cada uma dessas disciplinas. Nessa perspectiva, os resultados vão ao encontro dos achados do estudo de Sidler (2014) a respeito das práticas de pesquisadores na publicação de trabalhos no campo das Ciências (constituído por disciplinas exatas ou rígidas) e nas Humanidades, no contexto da Ciência Aberta. De acordo com o autor, quanto mais uma disciplina se assemelha às Ciências, prevalece a produção de dados numéricos, geralmente, coletados por meio de computadores ou em laboratórios. Correlativamente, as considerações de Sidler (2014) podem ser transpostas para outras disciplinas que se assemelhem ao campo das Humanidades, no qual há o predomínio de dados textuais, visuais ou derivados de estudos históricos.

Além disso, corroboram-se aspectos da classificação disciplinar proposta por Kolb (1981), que agrupou as disciplinas em: (1) profissões da área social, (2) profissões baseadas em Ciência, (3) Ciência Natural e Matemáticas, (4) Humanidades e Ciência Social. Com base nesta classificação, é possível relacionar o modo pelo qual os dados de pesquisa são produzidos/obtidos na Química com algumas características das áreas de profissões baseadas em Ciência, Ciência Natural e Matemáticas. Nessas áreas, sobressaem o uso do método de experimento clássico e a construção de modelos teóricos. Segundo Galliano (1986), o método experimental é objetivo e aplica-se a uma realidade concreta a partir de uma concepção indutiva, na qual resultados podem ser generalizados.

Baseado nas falas dos entrevistados, o Quadro 3 apresenta a síntese dos principais aspectos que influenciam a produção/obtenção de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação.

Quadro 3
Aspectos que influenciam a produção/obtenção de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores.

Entre os resultados obtidos, destaca-se que pesquisadores das três disciplinas analisadas consideraram a utilização de recursos tecnológicos um aspecto relevante na produção/obtenção de dados de pesquisa. Nesse sentido, é possível relacionar tais resultados às considerações de Meadows (1999). De acordo com o autor, inicialmente, os computadores eram chamados de “devoradores de números” e havia um predomínio de utilização no campo das ciências rígidas, ainda que cientistas sociais os utilizassem em seus trabalhos. Posteriormente, a criação de sistemas processadores de textos mais eficientes foi um dos fatores de favorecimento à ampliação do uso de computadores em outras disciplinas. É o que se percebe no campo da Antropologia, onde foi constatado que pesquisadores têm utilizado amplamente recursos tecnológicos – gravadores, filmadoras e máquinas fotográficas – e no campo da Educação, uma vez que pesquisadores têm obtido muitos dados por meio do acesso a bases de dados, sítios e plataformas digitais. Isso pode ser ilustrado em trechos das falas de pesquisadores em Antropologia e Educação.

Tudo o que facilita ou que viabiliza captar e armazenar informação seria em princípio, e é positivo, desde que não prejudique a qualidade da interação com os sujeitos da pesquisa [...] se você, ao acionar vídeo ou gravador e etc., inibir muito o que as pessoas vão dizer, ou o que elas vão fazer, isso atrapalha. Mas se não tiver essa implicação, só vai ajudar: o vídeo e o gravador. (Pesquisador da Antropologia).

Geralmente, há um predomínio de dados que, às vezes, estão na base de dados nacional no Inep, dados do MEC, de uma forma mais geral, ou dados de uma instituição de ensino superior, dados da própria UnB. (Pesquisador da Educação).

Os resultados obtidos em relação ao uso de tecnologias na produção/obtenção de dados de pesquisa no campo da Química assemelham-se aos resultados encontrados por Hunt, Baldocchi e Van Ingen (2011) na área da Ecologia. De acordo com os autores, a utilização de recursos tecnológicos na Ecologia contribui para a obtenção de dados cada vez mais precisos, como aqueles coletados por meio de sensores remotos e satélites. Em referência ao presente estudo, os resultados alcançados demonstram que instrumentos tecnológicos são usados em pesquisas no campo da Química com a finalidade de obter dados precisos, por meio de instrumentos de mensuração de elementos químicos, de interfaces gráficas que apresentam espectros de fenômenos e outros relacionados à síntese de novos compostos.

3.2 Compartilhamento de dados de pesquisa

O Quadro 4 apresenta a síntese das práticas de compartilhamento de dados de pesquisa nas três disciplinas selecionadas, extraída das falas dos entrevistados e apresentada de acordo com as categorias temáticas criadas para a análise de dados, a saber, utilidade dos dados para outros pesquisadores, disposição para o compartilhamento, percepção do compartilhamento, obrigatoriedade de compartilhamento de dados por instituições científicas e destinação dos dados. Os aspectos mais relevantes de algumas dessas categorias são discutidos nesta seção.

Quadro 4
Diferenças disciplinares no compartilhamento de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os resultados obtidos mostram que pesquisadores nas três disciplinas analisadas consideraram que os dados de pesquisa que produzem/obtêm são úteis a outros pesquisadores e que há disposição para o compartilhamento desses dados. Apesar disso, a percepção dos pesquisadores foi que a prática do compartilhamento de dados de pesquisa ainda se restringe aos próprios grupos de pesquisa, a docentes e discentes, e aos pesquisadores que realizam pesquisas correlatas. Na Química, os entrevistados destacaram especificidades das pesquisas que realizam, abordando realidades pontuais, muitas vezes não pertinentes ao contexto de outras disciplinas. Por outro lado, pesquisadores da Antropologia destacaram que tal compartilhamento deve respeitar aspectos éticos, não sendo aconselhada a disponibilização indiscriminada de dados concernentes à própria intimidade do pesquisador. Ademais, pesquisadores da Educação pontuaram a necessidade de criação de repositórios de dados de pesquisa e o consentimento dos participantes da pesquisa para o compartilhamento dos dados. As falas dos entrevistados no âmbito das três disciplinas ilustram tais questões.

O que é produzido dentro da físico-química é aproveitado, na maioria das vezes, por físico-químicos [...] acredito que na química, como um todo, o aproveitamento de dados se dá dentro da própria área (Pesquisador da Química).

O que é publicizável, e o que é partilhável, é aquilo que o antropólogo consegue dar algum sentindo divulgável. Bom, o diário de campo como tem essa parte mais íntima são vários aspectos, é mais difícil o antropólogo compartilhar. Agora, gravações ou observações quantificáveis, tudo isso eu não vejo maior problema de divulgar. As gravações, com aquelas ressalvas que eu fiz sobre as questões de ordem ética ou moral. (Pesquisador da Antropologia).

Acho que eu poderia compartilhar desde que eu tivesse um espaço seguro, um tratamento e tudo mais. (Pesquisador da Educação).

Os resultados obtidos vão ao encontro de pesquisa feita pelos Serviços de Documentação da Universidade do Minho (SDUM, 2014), na qual é evidenciado que a prática de compartilhamento de dados de pesquisa é predominante dentro de uma mesma disciplina. No referido estudo, a amostra foi constituída por pesquisadores da Engenharia e Tecnologia, Ciências Sociais, Ciências Médicas, Ciências Naturais, Humanidades e Ciências Agrárias. Entre os resultados, destaca-se que o compartilhamento de dados em cada uma dessas áreas limitava-se aos próprios grupos de pesquisa os quais participavam os pesquisadores (57,5% dos participantes), e o aspecto mais preocupante nesse contexto (quase 80% dos participantes) estava relacionado à confidencialidade dos dados e ao registro de autoria.

Em geral, na Química e na Educação observou-se que uma eventual obrigatoriedade do compartilhamento dos dados estabelecida por agências de fomento à pesquisa, a instituições e a editores de periódicos seria aceita com naturalidade. Diferentemente, tal obrigatoriedade foi vista com anormalidade entre os pesquisadores no campo da Antropologia. Apesar disso, o compartilhamento de dados de pesquisa já tem sido um requisito para a publicação científica em diversas áreas do conhecimento, motivada pela necessidade de transparência e validação ou pela intenção de favorecer outros ciclos de produção do conhecimento por meio de sua reutilização. Neste último sentido, Federer (2016) afirma que pesquisadores utilizam grandes conjuntos de dados que eles mesmos não produziram, mas obtiveram de fontes públicas para a reutilização. Além disso, pesquisadores devem atender ao cumprimento de novas políticas de agências de financiamento à pesquisa e de periódicos científicos que lhes exigem o compartilhamento de dados e a elaboração do plano de gestão de dados. Por esta razão, é necessário que pesquisadores em diversas áreas desenvolvam novas habilidades e conhecimentos para o aproveitamento de oportunidades decorrentes desse recente contexto.

A síntese das falas dos entrevistados em relação aos fatores que estimulam ou inibem o compartilhamento de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação são apresentadas no Quadro 5.

Os resultados obtidos evidenciam que os estímulos ao compartilhamento de dados de pesquisa na Química estão relacionados com o aumento da visibilidade da pesquisa e com a melhoria da sua qualidade. No que tange aos inibidores dessa prática, podem ser destacados fatores relativos ao registro da autoria, dificuldades de comunicação em uma perspectiva interdisciplinar e o receio com a qualidade de outras pesquisas. Na Antropologia, por sua vez, ressaltam-se como fatores estimuladores do compartilhamento de dados a colaboração científica decorrente da prática de pesquisa em linhas de estudos afins e a criação de repositórios de dados de pesquisa. Por outro lado, como fatores inibidores, foram ressaltados a noção excessiva de propriedade dos dados por parte de pesquisadores, problemas relacionados com o registro da autoria e dificuldades de divulgação científica em uma perspectiva social. No campo da Educação, por seu turno, os estímulos ao compartilhamento de dados de pesquisa estão associados à qualidade da pesquisa, ao (re)uso de dados para fins de estudos longitudinais e atualização de pesquisas e à criação de repositórios de dados de pesquisa. No tocante a aspectos inibidores dessa prática, pode-se destacar a diversidade de linhas de pesquisa na área e a falta de serviços de gestão de dados de pesquisa ao longo do ciclo de vida desses dados.

Quadro 5
Fatores que estimulam ou inibem o compartilhamento de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os resultados também apontam que pesquisadores nas três disciplinas analisadas consideraram o compartilhamento de dados de pesquisa como uma oportunidade de intensificar a colaboração entre cientistas, na medida em que é possível reconhecer pesquisadores que trabalham em linhas de pesquisa afins, como observado na Química e Antropologia, e atualizar dados de estudos realizados por outros autores, como observado na Educação. Segundo o entendimento de Piwowar et al. (2008), a oportunidade de intensificar a colaboração entre cientistas é um dos benefícios proporcionados pelo compartilhamento de dados de pesquisa no campo da Biomedicina. Entre outros benefícios, os autores apontam a agilidade nos processos científicos, devido à redução de custos da pesquisa, a maior visibilidade aos resultados de pesquisas e o aumento potencial dos índices de citação de publicações.

De modo coerente com Piwowar et al. (2008), Kirub (2016) alega que o compartilhamento de dados de pesquisa proporciona o surgimento de novas técnicas e teorias, visto que contribui para a colaboração de pesquisadores de diferentes disciplinas. Contudo, antes que dados de pesquisa se tornem amplamente acessíveis, algumas questões fundamentais devem ser discutidas, como a propriedade de dados em relação ao seu acesso e uso, os tipos e níveis de acesso aos dados, os custos quanto ao compartilhamento de dados, o formato apropriado ao compartilhamento de dados e a inclusão de autoria nos metadados nos registros de dados.

3.3 (Re)uso de dados de pesquisa

O Quadro 6 apresenta a síntese das falas dos entrevistados em relação às práticas de (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação. Nele são ilustrados aspectos referentes à percepção do (re)uso de dados de pesquisa e à disposição de pesquisadores em reutilizar esses dados em cada disciplina analisada.

Quadro 6
Diferenças disciplinares no (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores

Os resultados obtidos mostram que não é comum o (re)uso de dados de pesquisa em Química, exceto no campo da Química Bioinorgânica, tradicionalmente reconhecido pela condução de pesquisas interdisciplinares. Por outro lado, o (re)uso de dados de pesquisa na Antropologia ocorre entre pesquisadores de áreas correlatas. Na Educação, essa prática é relevante em estudos longitudinais e comparativos, ocorrendo, sobretudo, entre membros de um mesmo grupo de pesquisa. Outro aspecto relevante para o (re)uso de dados nessa disciplina é a observação da sobrevida dos dados para que pesquisadores não incorram em desatualização. Nesse sentido, alguns dados referem-se a um período específico e retratam uma realidade singular que não é facilmente transposta para um contexto temporal mais recente, uma vez que pode estar desatualizada. Os trechos das falas apresentados a seguir ilustram tais aspectos.

A reutilização de dados não acontece de uma forma direta [...] normalmente, você pega aquela informação já conhecida e trabalha em cima daquela informação. (Pesquisador da Química).

Acho que a gente dialoga entre a gente. Por exemplo, a área de etnologia, [...] você sempre dialoga com essas pessoas, com a subárea, no modo geral. (Pesquisador da Antropologia).

Esse campo é tão fragmentado, é tão compartimentalizado que esse movimento de reusabilidade não é muito visto. Ele não tem uma visibilidade muito coletiva. (Pesquisador da Educação).

Essa reutilização dos dados tem que ser vista sempre na perspectiva para ver se aquele dado que foi colocado naquele momento histórico, que foi criado com determinado tipo de referencial, com determinado tipo de intencionalidade. Qual é a sobrevida dele no tempo? Alguns dados, por exemplo, dados sobre desenvolvimento humano no Brasil, um dado sobre o analfabetismo funcional no país [...] às vezes, você está trabalhando com um dado de 2014, enquanto que, no ano de 2017, já há um dado mais atualizado (Pesquisador da Educação).

A baixa expressividade do (re)uso de dados de pesquisa constatada, principalmente no campo da Química, corroboram o estudo de Park e Wolfram (2017) realizado no contexto da Genética e Hereditariedade. Os autores analisaram citações formais e informais em uma amostra composta por 148 documentos extraída do Data Citation Index (DCI). Foi verificado que a auto-citação é muito presente entre os pesquisadores dessa área do conhecimento. Por conseguinte, o impacto do compartilhamento dos dados decrescia e seu reuso ocorria maiormente entre os próprios autores que produziram/obtiveram tais dados.

À luz desse contexto, revela-se a importância de serviços de gestão de dados de pesquisa que viabilizem o acesso aos dados, seu reuso e sua preservação a longo prazo. A análise do ciclo de vida dos dados proposto por instituições de pesquisa como Data Observation Network for Earth (DataONE, 2013), United States Geological Survey (USGS, 2013) e Consórcio Interuniversitário para Pesquisa Política e Social (ICPSR – em inglês, 2012) demonstram que dados podem ser reutilizados para além de um projeto de pesquisa específico, que geralmente possui tempo de início e término determinado.

Segundo Kirub (2016) a gestão de dados de pesquisa é o gerenciamento dos dados durante todo o seu ciclo de vida, desde a sua criação até o seu arquivamento em definitivo, ou até a sua exclusão quando se torna obsoleto. O objetivo precípuo da gestão de dados é assegurar a recuperação de dados de pesquisa de maneira confiável para fins de reutilização futura. Outrossim, Sayão e Sales (2015) defendem uma gestão de dados de pesquisa colaborativa, cujas responsabilidades não digam respeito apenas ao pesquisador. Isso porque os dados de pesquisa remetem às perspectivas de diferentes atores no processo de comunicação científica, os quais primam pela qualidade e preservação desses dados.

Quadro 7
Fatores que estimulam ou inibem o (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores

O Quadro 7 apresenta a síntese das falas dos entrevistados em relação aos fatores que estimulam ou inibem o (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação. Os resultados obtidos apontam que os estímulos ao (re)uso de dados de pesquisa em Química estão relacionados à economicidade de recursos e a não duplicação de esforços, e ao aumento da qualidade da pesquisa. No tocante aos inibidores dessa prática, podem ser ressaltados a especificidade disciplinar, a ausência de licenças de uso de dados e de colaborações de grupos interdisciplinares. No campo da Antropologia ressaltam-se estimuladores relacionados a realização de estudos semelhantes quanto às temáticas de pesquisa, ao registro de autoria e possibilidade de citação de dados. O principal fator de inibição à prática de (re)uso de dados nessa disciplina foi a especificidade disciplinar.

Por sua vez, os estímulos ao (re)uso de dados de pesquisa no campo da Educação referem-se à inovação em teorias e técnicas na disciplina – em razão da possibilidade de reanálise de estudos, confirmações de teorias e realização de pesquisas comparativas – e à garantia de acesso aos dados produzidos/obtidos de outros pesquisadores. Por outro lado, como inibidores pode-se destacar a ausência de colaborações de grupos interdisciplinares e a especificidade disciplinar, principalmente no que tange à natureza dos dados e aos procedimentos metodológicos adotados nos estudos.

Logo, depreende-se que a especificidade disciplinar é um fator fundamental para a prática de (re)uso de dados de pesquisa, uma vez que diz respeito às particularidades quanto à realização da pesquisa científica em determinada disciplina, referindo-se a resultados concernentes a realidades bastante características. Os trechos das falas apresentados a seguir ilustram os pontos abordados nesta seção.

São as condições diferentes [...] então, não teria como eu pegar e usar todo o mesmo procedimento, usar os mesmos dados que a minha aluna coletou no sangue para uma pessoa usufruir desses dados para a urina. (Pesquisador da Química).

Na Antropologia, é uma pesquisa mais individual [...] às vezes não tem muito sentido para outro pesquisador, é um tipo de pesquisa mais específica. (Pesquisador da Antropologia).

Seria, propriamente, a questão da própria natureza do dado, a sua dimensão histórica, temporal. Se aquele dado que foi feito naquele momento histórico, ele teve a sua limitação, eu não utilizaria o dado. O segundo aspecto é em função do próprio grupo de sujeitos onde o dado foi levantado. Ter uma diferenciação em relação ao grupo que vou estudar também não seria interessante. (Pesquisador da Educação).

Em razão do exposto, corroboram-se as considerações de Borgman (2007), cuja compreensão dos dados de pesquisa é inerente ao contexto disciplinar em que esses são produzidos/obtidos. De acordo com a autora, sismólogos podem entender os dados de pesquisa como sendo uma sequência de bits obtida por meio de sensores sísmicos. Para geomorfólogos, os dados podem ser compreendidos como partes de rochas. Por outro lado, a gravação de uma conversa pode ser considerada dados para sociólogos. Até mesmo uma escrita cuneiforme pode ser entendida como dados de pesquisa no contexto de linguistas.

4 Conclusões

O objetivo do estudo – identificar as práticas de produção/obtenção, compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação – foi alcançado por meio da análise dessas práticas e dos aspectos socioculturais que as influenciam. Todavia, conclui-se que os resultados obtidos apontam que não é possível generalizar as conclusões do estudo para outras disciplinas. É provável que estudos comparativos dessas práticas entre disciplinas pertencentes a mesma área do conhecimento apresentem resultados semelhantes entre os pesquisadores. Ainda assim, presume-se que haveria particularidades intrínsecas a cada uma dessas disciplinas analisadas, como pode ser visto no contexto de Química, Antropologia e Educação.

É perceptível nos resultados que plataformas digitais, como repositórios de dados de pesquisa, ocupam funções centrais para o compartilhamento e (re)uso de dados nas três disciplinas analisadas. Além disso, verificou-se uma demanda potencial de pesquisadores na disponibilização de dados nesses repositórios. Consequentemente, observa-se o latente desejo em tornar o processo da comunicação científica mais transparente e acessível à sociedade.

Entretanto, há muitos desafios para o estabelecimento de práticas de compartilhamento e (re)uso de dados de pesquisa por meio de repositórios, principalmente, no Brasil. Nesse contexto, tem-se muito a discutir sobre o papel de pesquisadores, de instituições de ensino e pesquisa, de agências de fomento, de editores de periódicos científicos e da sociedade em geral na promoção da Ciência Aberta. Além disso, surge o questionamento sobre quais seriam as diretrizes necessárias para a gestão de dados de pesquisa, em termos de planejamento de pesquisa, captura, descrição, avaliação de qualidade, compartilhamento e preservação de dados.

Ante o exposto, percebe-se que o fenômeno dos dados de pesquisa investigado à luz das diferenças disciplinares abre caminhos para a realização de investigações, sob diferentes perspectivas. Como possibilidade para estudos futuros, sugere-se a necessidade de se analisar diferenças disciplinares em relação ao tratamento de dados de pesquisa em repositórios digitais e de analisar a gestão de dados de pesquisa sob o espectro das diferenças disciplinares.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
[1] Para fins deste estudo, o termo (re)uso foi empregado com o propósito de referir-se a determinados estágios de pesquisa nos quais pesquisadores não somente utilizam dados, mas também os reutilizam, conforme o entendimento de que dados de outras pesquisas podem ser utilizados novamente.
Autor notes
1 Doutoranda; Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

erikaunb@gmail.com

2 Doutor; Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

fernandodfc@gmail.com


Figura 1
Análise de dados na pesquisa qualitativa
Fonte: Adaptado de Creswell (2010, p. 218).

Figura 2
Categorização dos dados
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 1
Perfil dos pesquisadores entrevistados, considerando gênero, disciplina, área de concentração da pesquisa e tempo de atuação como docente na universidade

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 2
Diferenças disciplinares na produção/obtenção de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 3
Aspectos que influenciam a produção/obtenção de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 4
Diferenças disciplinares no compartilhamento de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 5
Fatores que estimulam ou inibem o compartilhamento de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 6
Diferenças disciplinares no (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores
Quadro 7
Fatores que estimulam ou inibem o (re)uso de dados de pesquisa em Química, Antropologia e Educação

Fonte: Elaborado pelos autores
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