Recepção: 01 Maio 2019
Aprovação: 25 Junho 2019
DOI: https://doi.org/10.19132/1808-5245250.288-312
Resumo: Relacionar a questão da citação com a Bibliografia, desde um ponto de vista da alteridade, este é o propósito textual. Trama alguns debates acerca da reciprocidade de perspectivas que o pensamento ameríndio pode provocar nas discussões epistêmicas do campo da Library and Information Science. Inversões de perspectivas são alimentadas na travessia textual, como: a informação enquanto informe, a citação enquanto misto de discurso e método, o livro enquanto corpo selvagem, a bibliografia enquanto mapa virtual intensivo de uma humanidade disseminada. A argumentação busca incitar por meio das temáticas dissertadas um debate acerca da descolonização do pensamento ocidental, apresentando elementos dentro do próprio discurso ocidental, todavia, com o enfoque nuclear no pensamento ameríndio e suas possíveis alianças em busca de um mundo por vir. Ao final, na encruzilhada da brasilidade antropofágica, toca a perspectiva ameríndia com as ciências encantadas do baraperspectivismo, numa devoração afroindígena genuinamente brasileira, que se precipita sobre um amanhã que veio ontem.
Palavras-chave: Citação, Bibliografia, Livro, Perspectivismo Ameríndio, Informe.
Abstract: To relate the question of citation to Bibliography, from a point of view of otherness, this is the textual purpose. It raises some debates about the reciprocity of perspectives that Amerindian thought can provoke in the epistemic discussions of the field of Library and Information Science. Investments of perspectives as: information as a formless, citation as discourse and method, book as wild body, bibliography as intensive virtual map of disseminated humanity are fed in textual crossing. The argument seeks to incite a debate about the decolonization of Western thought, presenting elements within the Western discourse itself, however, with the nuclear focus on Amerindian thought and its possible alliances in search of a world to come. In the end, at the crossroads of anthropophagic, it touches the Amerindian perspective with the enchanted sciences of baraperspectivism, in a genuinely Brazilian Afroindigenous devouring, which rushes on a tomorrow that came yesterday.
Keywords: Citation, Bibliography, Book, Amerindian Perspective, Formless.
1 Abertura
As citações em minhas obras são como assaltantes à beira da estrada que fazem um assalto armado e aliviam um ocioso de suas convicções.
(BENJAMIN, 1955 apud ARENDT, 2008, p. 209).
[...] Talvez eu seja um sádico, um anjo, um mágico/ Juiz ou réu, um bandido do céu/ Malandro ou otário, quase sanguinário/ Franco atirador se for necessário/ Revolucionário, insano ou marginal/ Antigo e moderno, imortal/ Fronteira do céu com o inferno/ Astral/ Imprevisível, como um ataque cardíaco no verso/ Violentamente pacífico, verídico/ Vim pra sabotar seu raciocínio/ Vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo [...]
(RACIONAIS MC’S, 2018, p. 48-58).
Esta escritura encontra-se envolta pela mirada da citação em suas aventuras pelas paisagens bi(bli)ográficas. O artigo tem como ponto de enunciação o anunciado pelo evento, um jogo entre lugares (“a Bibliografia entre o local e o global”) e olhares (“perspectivas históricas e aplicadas”). Tematicamente seguirá pelas veredas dos “jogos de citação” como um agenciamento possível desses elementos, assim como pelo apelo antropológico que esta discussão suscita. Entre o local e o global – o discurso e o método –, a Bibliografia apresenta-se aqui em perspectiva, ou, como um desvio, um jogo citacional histórico e aplicado, artefactualidade humana e fruto descritivo (ecfrástico) da atividade do bibliografar. Contudo, o humano e seus modos de descrever o mundo e, por sua vez, de bibliografá-lo, não são estáveis, nem muito menos único. A inconstância das gramáticas pan-amazônicas e sua “reciprocidade de perspectivas” agenciam este texto selvático e colocam sob o ponto de vista do pensamento ameríndio a questão citacional, conforme anunciada por Benjamin, Derrida e Cassin.
Algumas questões se apresentam: Como seriam as bibliografias num mundo sem livros? Seria possível citar em sociedades ágrafas, logo, sem bibliografias? Ou, antes, com o zelo da imaginação conceitual ameríndia e uma perspectiva outra da escritura, não haveria uma “lição de escrita” comunicada pelo pensamento selvagem que não escutamos, ou, numa categoria relevante da ontologia indígena, esquecemos? Há um livro canibal, uma bibliografia antropófaga? Estas perguntas dialogam com as epígrafes deste tópico de abertura e apresentam de modo questionador a citação como uma assaltante descolonizadora, na fenda dos polos antagônicos da tradição ocidental, que de súbito alivia o ocioso dogmático das suas convicções colonizadas, sabotando suas armas de uniformização do mundo.
Seguindo a imaginação conceitual ameríndia e sua cartografia do mundo, assim como o pensamento barroco de Walter Benjamin, o título deste texto fala da citação a partir de uma perspectiva anímico-antropomórfica (“inimista”) – distinta do “animismo primitivo” de viés ocidental e antropocêntrico que tem na máquina antropológica animal/humano seus modos de exceção ontológica. Em outras palavras, para a ciência concreta dos ameríndios, tudo é humano, exceto quem não é. Logo, a citação é humana – um sujeito de enunciação que habita um ponto de vista (COMPAGNON, 1996); age sob as vestes de uma guerrilheira cultural descolonizadora, “à beira da estrada”, a furtar o agente do passado vencedor – da história oficial –, sabotando-o com a estória imprevisível que sobressalta dos guetos de um amanhã que nas encruzilhadas já desabrochou.
A fisionomia deste texto assemelha-se aos padrões e grafismos ameríndios. Enquanto Gutenberg, em sua oficina de impressão, no século XV, misturava fuligem, resina e óleo de linhaça na produção das tintas impressoras que untavam os tipos móveis e se desdobravam em atualizações conforme as tecnologias de impressão, este texto descende simbolicamente da vermelhidão dos grafados das tintas de urucum e/ou da negritude das tintas de jenipapo friccionadas aos corpos ameríndios, biblion selvagem que no sul do mundo praticava outros modos de acionar saberes (citá-los).
Os ornamentos discursivos deste texto, suas performances retóricas, não são formas vazias, meramente decorativas e com a finalidade de persuadir o leitor com os seus ardis interesseiros e “exóticos” – como é ordinariamente classificado o “novo mundo” ou o “desconhecido outro” –, mas o avesso. Os adereços do discurso aqui evocados assemelham-se às máscaras, adornos e roupas ameríndias, caracterizam-se pela “abdução de agência” (GELL, 2018), provocam “efeitos etnográficos” (STRATHERN, 2014) tanto quanto “efeitos sofísticos” (CASSIN, 2005), pois como os operadores cósmicos que atravessam os caminhos dos corpos indígenas, a perspectiva da linguagem é para estes “povos menores” de “saberes informes” uma entidade xamânica, contingente e agentiva que potencializa o mundo transformacional pan-americano e faz do ponto de vista enunciador “um maneirismo corporal” (VIVEIROS DE CASTRO, 2013, p. 380). A “corporalidade” é o “idioma simbólico” dos povos ameríndios (SEEGER; MATTA; VIVEIROS DE CASTRO, 1979, p. 3), a “linguagem menor” da pessoa indígena pan-americana.
Trata-se de uma escritura bibliográfica, todavia, em perspectiva ameríndia, tendo no “jogo citacional” o seu elemento de “demarcação” argumentativa dessas terras epistêmico-ontológicas. Bibliográfico, não por representar o pensamento ameríndio fixado em “produções bibliográficas”, mas por perspectivar nosso pensamento ocidental a partir dos conhecimentos tradicionais dos corpos indígenas. Desta forma, este escrito diz mais sobre uma perspectivação do que sobre uma representação do conhecimento. Encontra-se mais próximo da epistemologia do “pensamento selvagem” e sua “ciência do concreto” (LÉVI-STRAUSS, 1989, p. 15-50), do que das demandas geometrizantes das epistemologias do objeto que governam o pensamento ocidental. O perspectivismo aqui abordado é um “relacionalismo” (CASTRO, 2013, p. 382) e a citação, um eixo de relações encruzadas na urdidura do mapa do humano. Nas encruzilhadas, um mundo potencialmente outro emerge, já diziam Simas e Rufino (2018, p. 23): “as encruzas são perspectivas de mundo”.
Neste ínterim de encontros e aglutinações antropofágicas, a humanidade redimida benjaminiana faz-se “citável”, ainda que de um modo outro. A tese três sobre o conceito de história de Walter Benjamin (1987, p. 223) diz: “somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se num citation à l’ordre du jour”. O vivido e o vívido transformam-se, metamorfoseiam-se, alteram-se ao serem citados ou citáveis “no livro de estórias [storybook] da humanidade” (ARENDT, 2005, p. 192), agenda inclusiva da humanidade, redimida do ocaso obliterante da história oficial. Esta é a guerrilha cultural indígena, a cultura como alteração, como “a natureza do sujeito”; e a “humanidade redimida” neste texto pode ser lida como a condição comum aos humanos, animais e outros (não-)entes potencialmente dotados de alma, pois, o aspecto geral do sujeito é a humanidade, não a animalidade – como a epistemologia ocidental concebe. O próprio Benjamin, aos olhos da análise de Hannah Arendt (2008, p. 221), assinalava que “a linguagem não era de modo algum primariamente o dom da fala que distingue o homem dos outros seres vivos, mas, pelo contrário, ‘a essência do mundo [...] onde brota a fala’.”.
Portanto, as citações como “agenciamentos bibliográficos” (SILVA; MOSTAFA, 2013) encontram-se em um livro-mundo outro, não aristotélico como de hábito ocidental. Ao avesso disto, o livro ameríndio é habitado pelo “mal radical da linguagem” nas palavras de Aristóteles (2002), a saber: a homonímia e a anfibolia. Como a citação é filológica e historicamente citadina, como veremos, na boca guerrilheira dos povos da floresta que habitam este texto, ela ressoa como um patoá de uma cidadã da Macondo de Gabriel García Márquez (2006) ou da Ipásia de Italo Calvino (1990). Como este último alertava aos andarilhos (flâneur) (1990, p. 21), “de todas as mudanças de língua que o viajante deve enfrentar em terras longínquas, nenhuma se compara à que o espera na cidade de Ipásia, porque não se refere às palavras mas às coisas.” Esta frase habita como epígrafe, citação por excelência, no livro A inconstância da alma selvagem de Eduardo Viveiros de Castro e “suleia”, orienta ao sul, este texto que trata da citação num incerto “livro da selva”, para citar outra obra do realismo mágico/fantástico, como fora de certo modo classificada as escrituras realistas latinoamericanas. Das cidades invisíveis, Ipásia é a cidade dos descolonos, dos desertores da “língua maior”, dos povos “menores” de “saberes informes”, socialmente invisíveis aos cidadãos da Hélade e seus descendentes. Neste texto como nas escrituras de Ipásia, no sertão de Rosa, no pantanal de Barros, nos subúrbios afro-indígenas da brasilidade, no barroco benjaminiano ou no mundo pan-amazônico dos ameríndios, as palavras podem virtualmente serem as mesmas – bibliografia, citação, livro... –, todavia, o sentido das coisas que perspectiva está marcado por um abismo de sentidos outros, “há sempre uma pluralidade de sentidos – uma constelação, um complexo de sucessões, mas também de coexistências [...]. Na ideia pluralista de que uma coisa tem vários sentidos [...] vemos a mais alta conquista da filosofia” (DELEUZE, 1976, p. 5). Este é o “sentido da citação”, nos diz Compagnon (1996, p. 47).
Por fim, Calvino (1990, p. 22) ao encerrar o quarto tópico de “As cidades e os símbolos” assinala: “não existe linguagem sem engano”. O caractere ambivalente, equívoco, anfibológico da linguagem de Ipásia e, quiçá, do mundo ameríndio, acende para nós a possibilidade de no limite da nossa linguagem acessarmos o ponto de vista da alteridade, onde se “eles [outros de nós] – como nós [outros deles] – são diferentes de si mesmos: a diferença é interna e intensiva, não externa ou extensiva. Se todos têm alma, ninguém é idêntico a si. Se tudo pode ser humano, então nada é humano inequivocamente.” (CASTRO, 2013, p. 377) A humanidade, assim como a sua linguagem, é equívoca, não unívoca, se dá aos olhos de outrem, na medida das suas citações. A equivocidade é “a prova dos nove”, esta é a nossa alegria, para parafrasear Oswald de Andrade (2011), e o perigo do mundo, para ficar também com Guimarães Rosa (2006).
2 Aventura
Método é caminho indireto, é desvio.
(BENJAMIN, 1984, p. 50)
Enquanto a experiência científica é de fato a construção de uma via certa (de uma méthodos, ou seja, de um caminho) para o conhecimento, a quête é, em vez disso, o reconhecimento de que a ausência de via (a aporia) é a única experiência possível para o homem.
(AGAMBEN, 2005, p. 38-39
O próprio ato de escrever e de narrar é personificado como dama Aventura: mas, enquanto coincide com os eventos narrados, não é um livro, mas o corpo vivo de uma mulher. A enigmática afirmação de Wolfram (‘Não é um livro [buoch]: eu não conheço nenhuma letra’) torna-se nessa perspectiva perfeitamente compreensível. Não se trata, como alguns intérpretes acreditaram, de uma declaração de ignorância, mas da consciência de que a aventura não se situa apenas em um texto nem apenas em uma série de eventos, mas no seu coincidir, isto é, cair junto.
(AGAMBEN, 2018, p. 35)
“Aventura” é o nome dado por Giorgio Agamben para o seu método benjaminiano, sobretudo no que concerne às buscas das assinaturas das coisas (signatura rerum), das múltiplas vozes da natureza, ou, para dizer como os antigos sofistas, dos não-entes da natureza, dos não-seres da ontologia. Contraposto às decisões metodológicas da ciência moderna, seu afastamento da experiência e posterior invenção “do novo sujeito da ciência” (realidade psíquica substancial), formador do método enquanto caminho reto, claro e evidente, portador de um “máthema” originário, a saber: “algo que é sempre já imediatamente conhecido em cada ato de conhecimento” (AGAMBEN, 2005, p. 31), Benjamin faz da citação um método, uma aventura do flâneur, caminho desviante, indireto e “impróprio”. Fazer da citação método é um recurso prático-filológico utilizado por Benjamin. Como diz Bárbara Cassin (2017, p. 37), a partir da doxografia sofística com eco na psicanalítica de Jacques Lacan: “a citação, em seu impossível próprio, não cessa de vir no lugar do matema.”
O método é cambiante por ter como marca um instaurar-se nos redemoinhos das “bricolagens metafóricas”, deste “coincidir dos fenômenos” que faz da metáfora, nas palavras de Hannah Arendt (2008, p. 177-179) intérprete de Walter Benjamin, “o maior dom da linguagem”. Antoine Compagnon (1996, p. 15) afirma: “Toda citação é ainda uma metáfora. Toda definição da metáfora conviria também à citação”. Estas, citações e metáforas, “estão no centro de toda a obra de Benjamin” (ARENDT, 2008, p. 218), ofertando o efeito mosaical da linguagem, como se referia por ora Benjamin em referência ao movimento surrealista, e levando-o a ultrapassar as fissuras da palavra que o pensamento ocidental instituiu: “escrever consiste largamente em citações – a mais louca técnica mosaica imaginável” (ARENDT, 2008, p. 173).
Olgária Matos (2002), em seu texto Walter Benjamin: a citação como esperança, argumenta que “a citação condensa toda a filosofia de Walter Benjamin, da crítica literária à epistemologia, do surrealismo à fotografia, da tarefa do tradutor à do historiador, da faculdade mimética ao conceito de história” e completa afirmando que Benjamin “estabelece com a citação um double bind”. Esta equivocidade instaurada em sua obra pela citação que é também gesto tradutor, mimético e classificatório, outrossim bibliográfico, leva Benjamin a tomar o equívoco, a ambivalência e o descompasso das palavras dos “sem-nomes” nos documentos de barbárie da cultura ocidental como curvas barrocas a serem consideradas nos caminhos qualitativos do seu método de abordar a história. A citação é “o método de investigação” benjaminiano, “mais um decurso que um curso. É alegórico, contrapõe-se à lógica da identidade, da adequação do conceito à coisa.” (MATOS, 2002) Sob esta perspectiva, “a citação toca a alegoria, o duplo sentido, o Trauerspiel [...] se coloca fora da lógica da identidade uma e una. Alegórica, ela torna manifesta a inadequação entre o contexto original e o atual, entre o objeto e sua representação” (MATOS, 2002), esquivando-se da unidimensionalidade do sentido que habita as narrativas oficiais dos vencedores, efeitos identitários da decisão do sentido aristotélica. Em Benjamin, assim como no mundo ameríndio, o valor fundamental não é a identidade, mas a troca, a citação, a associação que a afinidade relacional entre os partícipes da linguagem provoca nas perspectivas em relação.
A simultaneidade do ato de escrever e narrar, de experienciar e comunicar o oral na escrita na travessia da aventura (experimentum linguae), rompe com a cisão aristotélica entre o oral (signos) e o escrito (pragmas) que abre o Peri hermeneias (Da interpretação) e solidifica nas “afecções da alma” (lugar do sentido único) o princípio de identidade da não-contradição. Que os sons pronunciados (signos) e as coisas que se escrevem no intelecto (pragmas) variem, não é um problema para Aristóteles, desde que nas afecções da alma sejam idênticos. Seria um movimento teromórfico para Aristóteles ouvir que “o que chamamos ‘sangue’ é a ‘cerveja’ do jaguar, o que temos por um barreiro lamacento, as antas têm por uma grande casa cerimonial” e, numa radicalidade libertadora, pensar que o que citamos como “‘natureza’ pode bem ser a ‘cultura’ dos outros.” (CASTRO, 2013, p. 361). Deste modo, desde o ponto de vista da aventura ameríndia, não há unicidade de sentido, nem muito menos um princípio formal da emancipação dos corpos sígnicos e pragmáticos que enseje na elevação da alma pelo sentido; ao contrário, a fissura entre o oral e o escrito, sua comunhão nas marcas identitárias da alma humana e a derradeira ascese ao poder de falar e não mais balbuciar feito animal (corpo) que compõem a estrutura antropogenética do homem aristotélico (anthropos), não encontram-se representadas na “Aventura”: um “corpo vivo de uma mulher”.
A Aventura é a “mulher como informe” (MENEZES, 2018), como se uma guerrilheira/guerreira Tupinambá descolonizada, livre do olhar colonizador quinhentista de Manuel da Nóbrega que concebeu os Tupinambá como “homens de cera, prontos para a impressão de uma forma” (CASTRO, 2013, p. 196). Informes, as variações do corpo selvagem encontram-se fora do asfixioso círculo da epistemologia ocidental da “alma seletiva e exclusiva” geradora de estados de exceção – de Platão e Aristóteles até a modernidade – e seus modos culturais de conhecer o mundo por meio de “gravações de formas na superfície do cérebro (mente) – tábula rasa”. No mundo ameríndio onde a alma é disseminada e inclusiva, “conhecer é personificar [...] visa um ‘algo’ que é um ‘alguém’” (CASTRO, 2013, p. 358), cujas gravações multinaturais se dão na superfície informe do corpo vário – rasum tabulae, um livro de múltiplas naturezas e incontáveis refolhos.
Habitar estas perspectivas do incerto Outro enquanto pessoa é, citando, fazer-se “menor”, um estrangeiro em sua própria língua (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 40-41), um corpo estranho em seu próprio texto (COMPAGNON, 1996, p. 37). A perspectiva da citação enquanto “revivescência” (ARENDT, 2008, p. 217) do corpo obliterado pelo pensamento colonial alçou Benjamin para o baixo, para as “coisas miúdas” que não haviam sido transmitidas na história, representações insignificantes, fora do sentido da realidade da tradição historiográfica. Citar, força motriz, é a potência mobilizadora que concede aspecto material ao invisível, aos seres informes rasurados pelo “devir negro do mundo ocidental” (MBEMBE, 2014). A tarefa da citação em Benjamin, sua “citabilidade”, segundo Hannah Arendt (2008, p. 209), é “violar os contextos” estabilizados pelo sentido, “interromper o fluxo da apresentação com uma força” estrangeira ao posto, ao instituído pela mesquinhez simbólico-sanguinária dos impérios da uniformização. Por isso, nos diz Arendt (2008, p. 220), “o nomear através de citações tenha se convertido para ele [Benjamin] na única forma possível e adequada de tratar com o passado sem o auxílio da tradição.” Sob esta perspectiva, a citação é uma guerrilheira cultural; em virtude do corpo vilipendiado pela história é que Aventura, uma índia com cocar, na aurora do dia se encontra “à beira da estrada” a desviar convicções, na berma, narrando encruzilhadas onde o amanhã é ontem.
O método benjaminiano é ordinariamente citar este corpo vivo subtraído da história dos homens, mostrar citando essa humanidade rasurada, ler esse plano imanente e informe que nunca fora escrito pelo um-do-sentido. Signo ambíguo, a crítica Aventura, um (não-)ser informe absorvido pela hibridez narrativa, “lê o que nunca foi escrito” pelos sem-nome, o que sobrevive nas camadas oprimidas da escritura do sentido – os “logos de planta”, dizia Aristóteles (2002, IV, §1006a-1006b, p. 145-147). A este respeito da ressonância aristotélica, Anne-Christine Taylor (1984) em “L’americanisme tropical: une frontiere fossile de l'ethnologie?” sinaliza para o processo de naturalização dos índios da América tropical a partir do vocabulário do reino vegetal, cujo testemunho pode ser lido nas palavras de Gilberto Freyre (1990) ao consentir a resistência indígena brasileira como de “pura sensibilidade ou contratilidade vegetal” e os ameríndios como “tipos” caracterizados por uma “preguiça vegetal”. Esses relatos encaixam-se na tópica da “amorfia da alma selvagem”, devido sua condição informe, móvel, incerta, caracterizada pela inconstância, “uma constância da alma selvagem” (CASTRO, 2013, p. 186-187). Na versão aristotélica, ser informe é possuir um “logos de planta” – “Curiosas plantas, no entanto, visto que, como bichos, elas fazem barulho com suas bocas. Homoiosphutôi, você é semelhante a uma planta se você fala sem significar” (CASSIN, 2017, p.120). Nesta desclassificada classe estão os marginais, os sem discurso (alogon pragma): mulheres, crianças, estrangeiros, monstros, escravos, animais, sofistas... e indígenas, como é possível identificar em “uma das ausências constitutivas do gentio brasileiro”, segundo os colonizadores: “sua língua não tinha som (efes, eles, erres) e nem tinha sentido” (CASTRO, 2013, p. 218). Descolonizar o pensamento, citando os significantes e os significados fora-do-sentido colonizador, é o movimento bárbaro da aventura benjaminiana. Aventura, que como argumenta Agamben (2018, p. 28), vem do suposto latino adventura, cuja conexão com advena e adventicius designam o estrangeiro.
Este é o método de Benjamin (apud SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 195-196), ler o livro da vida que vegeta nas ruínas do sentido: “O método histórico é um método filológico, no qual o livro da vida está na base. ‘Ler o que nunca foi escrito’ é afirmado em Hoffmannsthal”. Para Benjamin, ler o que nunca foi escrito é ler o livro da vida informe, as rasuras gramaticais das línguas menores sob a tábula do palimpsesto vital; e, por sua vez, escrever as vidas informes é “escrever o que não acontece” no sentido, “subtrair o único da multiplicidade a ser constituída; escrever a n-1” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 21).
A condição de ser informe é historicamente a de ter dificuldades em falar (aneu logon), entretanto, ao falar adentra como um furo na norma (CASSIN, 2017, p.165), paralisando a máquina antropológica cuja “produção do humano [se dá] através da oposição homem/animal, humano/inumano, a máquina funciona necessariamente através de uma exclusão (que é já, ainda e sempre, uma captura) e de uma inclusão (que é já, ainda e sempre, uma exclusão).” (AGAMBEN, 2002, p. 57). Conter a letalidade sangrenta da máquina antropológica ocidental, que no pensamento antigo produziu o homo alalus (homem sem fala) como um “não-homem através da humanização do animal”, por exemplo, o macaco-homem, a criança selvagem (enfant sauvage), o homem fera (homo ferus), mas também, e sobretudo, “o escravo, o bárbaro, o estrangeiro” como figuras de um “animal em forma humana”, ou, da versão moderna da máquina antropológica, verso da página antiga, que “excluindo de si como não (ainda) humano um já humano, isto é, animalizando o humano, isolando o não-humano no homem”, produziu o “homem-macaco, o judeu, o cigano, o muçulmano de Auschwitz, o negro, o indígena, o homossexual...”, figuras do “animal isolado no próprio corpo humano” (AGAMBEN, 2002, p. 57). Neutralizar a compulsão produtiva de seres informes da máquina antropológica ocidental é uma tarefa da citação, da humanidade redimida, libertada, enfim, “a ultrapassagem desse limiar é a aventura das aventuras” (AGAMBEN, 2018, p. 59) – “a guerrilha cultural nas encruzilhadas do amanhã”.
[...] a tradução é análoga à citação. Esta ‘opera à maneira da citação, uma vez que porta, num primeiro momento, desorganização, desestruturação do original’. E assim a relação com a língua estrangeira. Benjamin cita Gide: [...] no aprendizado das línguas, o mais importante não é aquela que se aprende, mas abandonar a sua. Eis o decisivo. Só então que se a compreende verdadeiramente. Se citar é deslocar, traduzir é deslocar-se também de nossa própria língua. Citar é abandonar o contexto familiar pelo estranho, é transformar o estranho em familiar e o familiar em estrangeiro. (MATOS, 2002).
3 Dobradura
Não por acaso, os romeya são nomeados como yove vana ikiya ‘aqueles que citam as falas dos espíritos’. [...] Com seu gesto inaugural, eles promovem, possibilitam, viabilizam um determinado evento ritual e, desta forma, se distanciam da criação solipsista moderna. A rede aberta e descentrada é formada por espíritos que são também chamados de romeya, assim sugerindo uma construção em abismo. Um canto iniki pode comportar diversas falas embutidas umas nas outras, sem que se consiga determinar uma fonte única e original de toda a peça verbal.
(CESARINO, 2010, p. 167, grifo nosso)
[...] Seu método [é o] de perfurar para obter o essencial sob a forma de citação – como se obtém água perfurando-se até uma fonte oculta nas profundezas da terra. Esse método é como o equivalente moderno das invocações rituais, e os espíritos que agora surgem são invariavelmente aquelas essências espirituais de um passado que sofreram a ‘transformação marinha’ shakespeariana dos olhos vivos em pérolas, dos ossos vivos em coral.
(ARENDT, 2008, p. 220).
Hannah Arendt (2008, p. 219) leitora de Benjamin recorda-nos que “sondar as profundezas da linguagem e do pensamento [...] antes perfurando que escavando” é uma das técnicas procedimentais do método benjaminiano. Achar o néctar, figura recorrente do pensamento ontológico ameríndio, em forma de citação é o que mantem os “olhos vivos” e os “sonhos para fora de si mesmo” (KOPENAWA; ALBERT, 2015). Já nos dizia Benjamin (2009, p. 121): “só por consideração aos desesperançados é que nos foi dada a esperança.” Este perseverar, que performa o mundo severino, é um acontecimento dos corpos nas dobras do (alter)biblion, nos refolhos dos planos de imanência em abismo (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 70-73), “mapas bibliográficos” (CRIPPA, 2018, p. 67) onde numa “retórica do tempo” (CASSIN, 2005, p. 223) as citações fazem morada; “tempo estratigráfico, onde o antes e o depois não indicam mais que uma ordem de superposições”, tendo as citações por tarefa, segundo o sentido aqui pleiteado, relatar os “atalhos ou os desvios de caminhos apagados” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 71).
Antoine Compagnon (1996, p. 112-114) em seu capítulo Bi(bli)ografia assinala para a reciprocidade de perspectivas entre o biográfico e o bibliográfico, o objeto bibliográfico como um ponto de vista biográfico: “o que é uma bibliografia senão o modelo de uma autobiografia”. Diríamos “biografia” somente. Todavia, o que Compagnon incita é de certo modo um perspectivismo-anímico. Marilyn Strathern (2014, p. 380), antropóloga notabilizada pelos estudos dos povos melanésios – cujas cosmogonias assemelham-se em muitos pontos às ameríndias – e das questões de gênero nas estruturas de parentesco, dentre outras coisas, ao falar sobre o “conceito de escrita” nos remete ao ensejado por Compagnon, onde “o objeto de interpretação – seja ele humano ou não [uma bibliografia?] – passe a ser entendido como outra pessoa” e, de modo lapidar, epigrafa: “na verdade, o próprio ato da interpretação pressupõe a condição de pessoa do que está sendo interpretado.” Logo, se as “citações e bibliografias se remetem mutuamente” (COMPAGNON, 1996, p. 114), sendo aqui, a citação uma guerrilheira cultural, as bibliografias são como encruzilhadas, uma “arte-cartografia, que repousa sobre ‘as coisas do esquecimento e os lugares de passagem’” (DELEUZE, 1997, p. 78). Para um mundo demasiadamente humano, as bibliografias seriam “mapas de intensidades”, “uma lista de afectos ou constelação, um mapa intensivo, um devir”, e, mostrando a coexistência entre citações e bibliografias, nossa paisagem, Deleuze (1997, p. 76-77) complementa: “o devir é o que subentende o trajeto, como as forças intensivas [bibliografias] subentendem as forças motrizes [citações]”. Assim a “arte da bibliografia”, em associação à potência das citações, torna-se uma mapa virtual, uma “arte hodológica” (DELEUZE, 1997, p. 78), cujo caráter citacional aciona o “tempo filosófico”, um híbrido onde coexistem bi(bli)ografias, ou seja, lugar não-onde em que o ecce homo nietzschiano é reciprocamente o ecce liber blanchotiano.
O tempo filosófico é assim um grandioso tempo de coexistência, que não exclui o antes e o depois, mas os superpõe numa ordem estratigráfica. É um devir infinito da filosofia, que atravessa sua história mas não se confunde com ela. A vida dos filósofos, e o mais exterior de sua obra, obedece a leis de sucessão ordinária; mas seus nomes próprios coexistem e brilham, seja como pontos luminosos que nos fazem repassar pelos componentes de um conceito, seja como os pontos cardeais de uma camada ou de uma folha que não deixam de visitar-nos, como estrelas mortas cuja luz é mais viva que nunca. A filosofia é devir, não história; ela é coexistência de planos, não sucessão de sistemas (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 72).
Nesse sentido perspectivo das citações e bibliografias, este texto nas cidades fala. A epígrafe que abre este tópico diz dos xamãs Marubo, os romeya, “nomeados como yove vana ikiya ‘aqueles que citam as falas dos espíritos’”. Os espíritos no mundo amazônico são “cidadãos infinitesimais” (citoyens infinitésimaux) que habitam cidades misteriosas (cités mistérieuses) – “florestas de cristais” (CASTRO, 2006). Sob esta perspectiva, cabe sondar as profundezas da palavra “citação” e ver como esta pode ser usada através de outros usos. Citação vem da palavra latina citare que significa pôr em movimento, provocar, suscitar um pensamento, uma paixão, ou, cantar, entoar um cântico em voz alta, ou ainda, em seu uso jurídico-militar, citatio quer dizer mandar vir, chamar, convocar ou fazer mover um exército. Compagnon (1996) encontra semelhanças de família plausíveis entre este significado da citação e o de ação, seja agere enquanto práxis – um fim em si mesmo –, poiésis – um meio para um fim – ou gerere – um meio sem fim. Todavia, um outro indício que liga citação e ação a um nó fundamental não dito pelos dicionários é assinalado pela filóloga e filósofa Bárbara Cassin (2015, p. 131), quando diz que a raiz indo-europeia de citare está na raiz*bha-, de onde provém phèsin, designar, e neste ponto se aproxima dos espíritos amazônicos, da “fala como independente de quem a profere, e não enquanto ela significa mas enquanto ela existe.” Phanai, diz Cassin (2015, p. 131), “apaga o sujeito falante e a intenção significante” é o “escrever a fala dita apagando a identidade literal do enunciado”. Este é o sentido da “citação generalizada”, segundo Cassin, o fato de “todo sujeito, atual ou não, se ausenta aí virtualmente: é o dizer enquanto ele tem tudo para ser escrito”, entretanto, não como a versão logocêntrica da escrita linear – legein difere de phanai –, mas a “citação vem assim como um ersatz da formalização, o substituto de uma escrita formal” (CASSIN, 2015, p. 135). Ou seja, a citação é informe e encontra-se aberta à diferença gramatológica da escritura (DERRIDA, 2013), a modos outros de ler, escrever e falar os mundos do mundo.
Portanto, o radical latino, cieo, que liga citare a civis – cidadãos livres que podem exercer o ato da fala na cidade (civitas) – faz da citação, enquanto multiplicidade de vozes libertas, mais próxima das cidades infinitesimais menores (citerior) das florestas de cristais – “arqui-polis virtual” (CASTRO, 2006, p. 323), da tenra Macondo ou de Ipásia, do que da pólis grega e sua sentença aristocrática: “Fala, se és homem” (CASSIN, 1993, p. 32), se és um gerador de formas, portador de existência discursiva (anthropos).
Citar a fala dos espíritos é relatar a multiplicidade cosmológica que guarda o conceito amazônico de espírito, “escrever a fala dita apagando a identidade literal do enunciado”. Viveiros de Castro (2006, p. 322) argumenta que “se o conceito de espírito designa essencialmente uma população de afetos moleculares, uma multiplicidade intensiva, então o mesmo se aplica ao xamã” que é “um ser múltiplo, uma micropopulação de agências xamânicas abrigadas em um corpo.” Sob este sentido, para os povos da floresta citar os encantados é “xamanizar a escrita” (MACEDO, 2009; CASTRO, 2006, p. 322), convocar a corporalidade-pessoa acionando uma bibliografia cósmica – um “grafo bibliocósmico”.
Eduardo Viveiros de Castro (2006, p. 321) argumenta que “o termo xapiripë se refere também aos xamãs humanos, e a expressão ‘tornar-se xamã’ é sinônima de ‘tornar-se espírito’, xapiri-pru.” Na teoria da multiplicidade do mundo ameríndio, tornar-se xamã é em sua diferença transformar-se em espírito. Silvia Macedo (2009, p. 512), acerca dos Wayãpi, ameríndios de língua da família tupi-guarani, que se distribuem em aldeias na região Noroeste do estado do Amapá (Brasil) e nas margens dos rios Camopi e Oiapoque, na região Sul da Guiana Francesa, aponta para uma aliança interpretativa entre a “escrita e as práticas xamânicas”, por meio da atribuição de um mesmo termo para designar as práticas gráficas ameríndias e a escrita. Segundo a autora, “escrita e grafismo são denominados pelo mesmo termo: kusiwa, ekosiware”, palavras que descrevem grafismos, desenhos, decorações e escrita. Kusiwa significa literalmente um trajeto, uma vereda que se chama “caminho do risco”. Esta coexistência de planos imanentes, faz do ato de pintar (o-mongy) a pele simultaneamente um “decorar-se” e um classificador transformacional de mudança do estado da pessoa. Citar graficamente as falas dos encantados constitui um modo de acessar e estabelecer comunicação com os outros domínios cosmológicos do mundo Wayãpi (MACEDO, 2009, p. 513) – um mapa virtual intensivo, um devir cósmico bi(bli)ográfico.
Ludwig Wittgenstein (2010, p. 62), quando afirmava ser a gramática “os livros de relação da linguagem”, não imaginava o quanto isto pode ser tão virtual e tão múltiplo. Seguindo a linha de estudos desdobrada desta afirmação de Wittgenstein e seu posterior desenvolvimento na ideia de gramatologia de Derrida (2013), Gordon Brotherston (1986) assinalou para uma possível grammatology of America, cuja gramática metamórfica assinalaria para possíveis livros transformacionais, deslocados da falaciosa oposição entre oralidade e escrita – vide a pictografia Cuna (SEVERI, 2004). Diríamos: livros canibais, bibliografias antropófagas, cuja mensageira, “sujeito equívoco da citação” (COMPAGNON, 1996, p. 50-51), seria feito o “anjo antropófago de asas de folha de bananeira” (GULLAR, 2009, p. 73).
A complexidade desta relação, entre grafismo e oralidade, é exponencializada pelo caráter metamórfico e de transformação que estrutura a relação entre os homens e os demais seres que povoam o mundo ameríndio, pois o grafismo, além de tornar visíveis os seres e as relações invisíveis, é o lugar mesmo da transformação. É na relação entre a visualização dos motivos gráficos e a elocução das palavras que a metamorfose se realiza. (MACEDO, 2009, p. 516)
Revisitando em revivescências a composição da palavra “Bibliografia”, tocamos na filologia que é para Benjamin história: “a filologia é a donzela que, sem precauções dialéticas, beija na boca o sapo da práxis” (AGAMBEN, 2005, p. 146). Bibliografia enquanto junção de biblion e grafos. Derrida argumenta que o conceito de biblion não está atrelado nem ao livro como o conhecemos na história dos seus formatos, nem ao livro enquanto obra acabada, mas, ao contrário, o biblion porta a insígnia do inacabamento – é a película, a pele que por metonímia representa qualquer suporte de escrita.
Biblion, que não significava primeiramente, nem sempre, ‘livro’, menos ainda ‘obra’, podia designar um suporte de escrita [...] Biblion, portanto, queria então dizer somente ‘papel de escrever’, e não livro, nem obra ou opus, somente a substância de suporte particular, a película. Mas biblion também pode designar, por metonímia, qualquer suporte de escrita, tabuinhas, por exemplo, ou mesmo cartas, correio. (DERRIDA, 2004, p. 21, grifo nosso).
O livro (biblion) é potencialmente informe, um traço virtual, um cristal (DELEUZE, 1996, p. 54). Na floresta de cristal, o livro é uma individuação singular. O livro é para o mundo clássico o lugar mesmo da possibilidade e da virtualidade, a possibilidade pura, o “sem forma”, isto é, o informe que pode receber ou conter todas as formas e, cujo selo é, de alguma maneira, não mais que um “traço”.
La palabra ‘libro’ proviene de un término latino que significa, en origen, ‘madera, corteza’. En griego, el término para ‘materia’ es hyle, que significa, precisamente, ‘madera, selva’ – o, como traducen los latinos, silva o materia, que es el término para designar a la madera como material de construcción, distinto a lignium, que es la leña que arde –. Para el mundo clásico, sin embargo, la matéria es el lugar mismo de la posibilidad y de la virtualidad: es, de hecho, la posibilidad pura, lo ‘sin forma’ que puede recibir o contener todas las formas, y cuja forma es, de alguma manera, la huella. Es decir, según la imagen de Aristóteles que hemos mencionado, la página blanca, la tablilla para escribir sobre la cual todo puede ser escrito (AGAMBEN, 2016, p. 84, grifo nosso).
Ao assinalar o caractere do “traço” seguimos à questão do graphos, por ora convencionalmente associada à do biblion pela via da escrita alfabética linear e sua figuração estruturada. Um exemplo sintético central seria o das listas – “a forma que a escrita se materializa”, diria Jack Goody (2012), em seu livro “A domesticação da mente selvagem”. Goody apresenta a “lista” como um dos instrumentos centrais para esta “domesticação” da “inconstância da alma selvagem”, pois a língua escrita e seu aspecto estruturado em listas provocava um “caráter despersonalizado” cujos objetivos específicos “servem a propósitos culturais superiores”, num “processo de descontextualização” que altera o espectro comunicacional, ascendo-o à uma esfera mais “abstrata” e configurando aquilo que Goody chamou de “livros-razão”. Todavia, os graphos, enquanto traços ou rastros, marcam antes de uma característica de identidade (escrita alfabética racional), uma impressão da diferença em relação ao outro e a sua linguagem, ou, à différance (DERRIDA, 2013); os graphos são “o movimento que abre violentamente a escritura” (DERRIDA, 2005, p. 121).
Escapar deste modo das sociedades ocidentais grafar o biblion – isto é, inventariar o mundo (“inventários”), sua economia administrativa (“listas de compras”) e seus modos de dizer os mundos (“listas lexicais”) – significa ser “desclassificado” com a insígnia de “sociedade ágrafa”, um desdobramento da demarcação entre os povos selvagens e os povos civilizados ou, num plano maior de abstração, entre a natureza e a cultura.
Sendo, em sentido aberto, o biblion inacabado e informe (khóra) poderíamos, através da tradução do pensamento ameríndio, pensar o corpo-pele indígena e seus adereços como um certo modo de biblion vivo, uma “pele de imagens” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 66)? Um biblion portador de grafismos classificadores de sua relação com o mundo sociocósmico? Um biblion cuja instituição bibliográfica é a vida, uma bi(bli)ografia?
Estaríamos assim diante de uma ‘condensação visual’[...] Teríamos a condensação de várias “vestimentas” sobre um só suporte, o corpo do homem. Teríamos então um homem (segundo o seu ponto de vista e o de sua sociedade), cuja pele é o suporte de grafismos (de motivos agentivos que são a imagem – ou parte da imagem – de outros seres segundo seus pontos de vista), vendo realizar sobre si o poder agentivo da transformação gráfica, ou seja, a realização do processo de metamorfose feito pela sobreposição e pela condensação das imagens (MACEDO, 2009, p. 518).
Segundo o testemunho de Sandra Benites (2018 apud FRANCHETTO, 2018, p. 94-95), antropóloga indígena (Guarani), “nós do povo Guarani estamos dentro das palavras, para que vivas façam com que arandu (conhecimento tradicional) permaneça”, visto que, complementa Benites, “vivemos dentro da escrita viva, pois para o ‘bem viver futuramente’ (teko porã rã) nosso modo de ser precisa falar o que vivemos e vivemos dentro das palavras e sentimos as palavras que falamos”. Perder esta capacidade de viver na língua implica em virar nhemyrõ, uma pessoa desiludida, sem perspectiva nenhuma, cujo fim é querer morrer. O corpo é como se um livro selvagem. O sujeito ameríndio é estabelecido pelo corpo e sua noção de pessoa é delimitada não pela posse da alma – de onde nasce o documento enquanto técnica cultural: os dados intelectuais que inscrevem seus signos representativos num suporte “dão forma” ao documento –, mas pelo corpo (carcaça/maloca e seus duplos). Não há um problema de cultura no mundo ameríndio, toda a natureza é humana e portadora de suas técnicas culturais, o que varia é como a partir de seus corpos cada humanidade significa o mundo (perspectivam seus documentos), que não é igual para todos, todavia, é homônimo.
Na medida em que os graphos são rastros diferenciais de inscrição e expressão do mundo, os grafismos ameríndios citam múltiplos sentidos naturais associados às perspectivas do corpo habitado e são classificadores que põem o corpo da humanidade em relações híbridas com os outros corpos (humanos e não-humanos); estes grafismos não seriam um outro modo de escrita? Esta combinação entre o biblion e o graphos não poderia ser uma possibilidade bibliográfica da escrita dos corpos? Uma bibliografia do corpo ou dos corpos bibliográficos, ou ainda, uma bibliografia selvagem? Um desvio, entre o discurso e o método convencional da bibliografia através dos modos ameríndios de citar o mundo?
As almas selvagens ameríndias sediciosas e insurgentes à constância dos esquemas classificatórios ocidentais de organização do conhecimento, dito que são ágrafas para o cânone, foram pelos colonizadores demarcadas como desprovidas de ordem e de padrões e, por consequência, de bibliografia, logo, de listas. Peter Gow (1999, p. 299-316), no texto “A geometria do corpo”, a respeito do povo Piro, habitante do rio Bajo Urubamba, na Amazônia peruana, diz que o conceito central Piro é o yonchi, que significa “padrão”: “yonchi é qualquer padrão que exiba alto contraste e repetição regular, bem como certa complexidade interna”. Isto é, há uma irônica ordem e as listas sobre os tipos de coisas que têm padrões, diz Gow, “lembra-nos a famosa enciclopédia chinesa de Borges”: pessoas desenhadas, roupas, cerâmicas, tigelas, onças, vampiros, formigas-leões, serpentes, rãs, plantas, placentas, vísceras... E o que há de comum entre coisas tão díspares, é que possuem “padrões” e esta é a precondição para que as pessoas tornem-se humanas em meio a seres humanos, ou seja, habitem um ponto de vista. Pedro Cesarino, acerca do povo Marubo, habitante da bacia do Javari, na Amazônia brasileira, assinala algo similar à Gow. Os Marubo chamam de kene esses padrões de desenho (escritura), uma simbologia do conhecimento tradicional que descreve a história oral-escrita do povo em lugares de memória, sejam eles feitos nos corpos, nos colares, nas cestas, abanadores, peneiras, saias, ou encontrados nas faunas, nas floras, ou nos corpos dos outros povos. Diz um xamã Marubo (FRANCHETTO, 2018, p. 94): “os riscos [a escrita] são o chinã-kene dos nawa-rasî [não-índios]. O nawa-rasî papirí kene [o kene de papel dos não índios] é a escrita.”
Portanto, se o biblion é antes o corpo-pele de qualquer suporte de escrita, e a escrita (ou graphos) é um rastro da diferença, não unicamente linear em seu plano discursivo, nem unicamente figurativa em seu plano imagético, poderia o pensamento-peito ameríndio ser dotado de uma espécie de bibliografia outra? Os jogos citacionais remeteriam a um palimpsesto vital? Numa remissiva à “A Arte da Bibliografia”, ao dizer, com Cassin (2017, p. 32), que a citação procede não de filologia positiva, mas de uma filologia das agências da arte (padrões-desenhos) – concluo, esta dobradura, talvez errando, todavia errante: da arte da bibliografia.
No começo do mundo, havia uma grande pilha de livros e cada povo retirava dali o seu volume específico. Os Kapon foram os últimos a retirar: não havia mais para eles livros inteiros, mas apenas as folhas que caíam dos volumes quando eles foram retirados. A reunião de todas essas folhas dava surgimento ao livro dos Kapon. (ABREU apud CESARINO, 2012, p. 125).
4 As encruzilhadas do amanhã
Quantas citações há em uma citação?
Rompendo com as fronteiras dicotômicas da organização do pensamento ocidental, Benjamin profanava as separações de um modo peculiar, habitando-as, citando-as, colocando-as em relação, num movimento aporético de constante inconstância, isto é, deslimitando-as em travessias e anfibolias linguísticas, numa “bibliomania” que se configura como um mosaico de citações.
Este texto abordou a citação, juntamente com a Bibliografia, a partir da imobilidade móvel benjaminiana, uma encruzilhada de múltiplas veredas, infindáveis tempos, mas ainda assim um lugar nodal, histórico, cuja multiplicidade borrara a via única do conhecimento (méthodos), fazendo do conhecimento deslimite, um lugar aporético, ausente de vias por possuir uma multidão destas. Um lugar encantado, utópico pois fora da tópica, das relações retóricas espaciais entre o sentido e a referência. Benjamin denominou “imagem dialética” – “a noção estática do próprio movimento” (ARENDT, 2008, p.178) – esta paisagem metodológica que tem na citação o seu operador de relação.
As encruzilhadas do amanhã miram um “futuro que se esqueceu junto a nós” (MATOS, 2002), um “devir que faz, do mínimo trajeto ou mesmo de uma imobilidade no mesmo lugar, uma viagem; e é o trajeto que faz do imaginário um devir” (DELEUZE, 1997, p. 77). Este imaginário potente do pensamento ameríndio, um “onirismo especulativo”, renova as esperanças num mundo vindouro, uma obrigação para com os desesperançados. Já dizia Olgária Matos (2002) acerca de Benjamin, “o que hoje desaparece, não são as utopias, pois estas como ‘os deuses não morreram: o que morreu foi a nossa visão deles. Não se foram: deixamos de os ver’.” Como falavam os colonizadores, “Il selvaggio è mobile” (CASTRO, 2013, p. 185), um driblador que nas frestas do passado resistiu, uma guerrilheira cultural que se desterritorizou para, como no belíssimo ponto cantado das “ciências encantadas das macumbas”, dizer: “o amanhã veio de ontem; ontem ainda virá”– “virá que eu vi”.
Abre-te campo formoso / Abre-te campo formoso / Cheio de tanta alegria / Cheio de tanta alegria / Eles chegam na canoa / Eles chegam na canoa / Vindo do lado de lá / Vindo do lado de lá / O amanhã veio de ontem / O amanhã veio de ontem / Ontem ainda virá / Ontem ainda virá. (SIMAS; RUFINO, 2018, p. 103).
Gratidão
Agradeço ao grupo de pesquisa “Ecce Liber: Filosofia, Linguagem e Organização dos Saberes”, pelos momentos de debate crítico-inclusivo e, em especial, aos amigos Gustavo Saldanha e Rodrigo Bozzetti.
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Notas
Autor notes
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