Resumo: O inglês é visto como a “língua franca” da ciência, pois oferece a possibilidade para que pesquisadores de todos os países possam se comunicar e trocar informações por meio do mesmo idioma. Há uma tendência crescente da publicação de artigos na língua inglesa, reflexo do esforço de cientistas, instituições de ensino e periódicos de países não anglófonos em prol da internacionalização das suas produções científicas. O objetivo deste trabalho foi avaliar se artigos em inglês, publicados em periódicos da coleção SciELO Brasil, e pertencentes às áreas das Ciências Sociais Aplicadas, tendem a receber mais citações dentro do SciELO Citation Index, índice de citações integrado à Web of Science, da empresa Clarivate Analytics. Para tanto, foram coletados metadados e número de citações de artigos publicados em 19 periódicos selecionados. Como resultado, verificou-se que há uma tendência à internacionalização científica, considerando o aumento do número de artigos publicados na língua inglesa ao longo dos anos. No entanto, em 14 periódicos, os artigos publicados somente na língua portuguesa ou espanhola foram os que apresentaram a maior média de citações, quando comparados aos demais idiomas. Como conclusão, aponta-se que, para a área de Ciências Sociais Aplicadas, os artigos publicados em inglês tendem a ser menos citados dentro do SciELO Citation Index. Logo, ainda que o propósito seja dar maior visibilidade internacional às publicações brasileiras, em alguns casos, o fator idioma, como elemento isolado, não se mostra capaz de alterar o impacto desses documentos.
Palavras-chave:Produção científicaProdução científica,Ciências Sociais AplicadasCiências Sociais Aplicadas,InternacionalizaçãoInternacionalização,BibliometriaBibliometria,Análise de citaçõesAnálise de citações.
Abstract: English is seen as the “lingua franca” of science because it offers the possibility for researchers from all countries to communicate and exchange information through the same language. There is a growing tendency to publish articles in the English language, reflecting the efforts of scientists, educational institutions and journals to promote the internationalization of their scientific production. The objective of this study was to evaluate if articles in English, published in journals in the SciELO Brazil collection, and belonging to the areas of Applied Social Sciences, tend to receive more citations within the SciELO Citation Index, integrated with the Web of Science, from Clarivate Analytics. For that, metadata and number of citations was collected from articles published in 19 selected journals. As a result, it has been found that there is indeed a trend towards scientific internationalization, given the increase in the number of articles published in English over the years. However, in 14 journals, articles published only in Portuguese or Spanish were the ones that presented the highest citation average, when compared to the other languages. In conclusion, it is pointed out that in the area of Applied Social Sciences, articles published in English tend to be less cited within the SciELO Network. Therefore, although the purpose is to give greater international visibility of Brazilian publications, in some cases, the language may not be able to change the impact of these documents.
Keywords: Scientific production, Applied Social Sciences, Internationalization, Bibliometrics, Citation analysis.
Uso do inglês como estratégia de internacionalização da produção científica em Ciências Sociais Aplicadas: estudo de caso na SciELO Brasil
Use of English as a strategy for the internationalization of scientific production in Applied Social Sciences: a case study of SciELO Brazil
Recepção: 30 Novembro 2018
Aprovação: 01 Maio 2019
Esse trabalho orienta-se pela ideia de que produção científica e desenvolvimento tecnológico são atividades que podem ser potencializadas pela cooperação entre pesquisadores e pelo processo de internacionalização (FIORIN, 2007). Também considera que a internacionalização científica pode se dar de algumas formas, dentre as quais: a colaboração com instituições estrangeiras; o intercâmbio de pesquisadores e discentes de mestrado e doutorado em universidades e centros de pesquisa nacionais e estrangeiros; a publicação de artigos na língua inglesa; a formação de docentes com vivências ou períodos de estágio no exterior, entre outras (MARRARA, 2017).
No Brasil, a internacionalização, como estímulo de desenvolvimento tecnológico, vem sendo aplicada há algumas décadas por agências de fomento e órgãos de regulação do país, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (ZELLNER; TAVARES; GUARIDO FILHO, 2016). A importância desse processo de internacionalização pauta a adoção de diversas estratégias para formulação de políticas que estimulem a ciência brasileira e ampliem sua potencial visibilidade, assim como seu impacto junto à comunidade científica internacional (MARTINS, 2014; SANTIN; VANZ; STUMPF, 2016).
A faceta da internacionalização brasileira, incentivada por meio do envio de estudantes da pós-graduação para o exterior, remonta às décadas de 1970 e fundamentou-se no interesse do governo do período militar para realização de acordos de cooperação internacional em áreas de pesquisa consideradas estratégicas (SÁNCHEZ-TARRAGÓ; SANTOS; BUFREM, 2018). Um novo impulso governamental nesse sentido foi dado em 2011, a partir da criação do Programa Ciência sem Fronteiras, que abrangia também discentes de graduação (ARCHANJO, 2015).
Já na década de 1990, as agências de fomento passaram a lograr maior visibilidade da produção brasileira na comunidade científica internacional (MUGNAINI; DIGIAMPIETRI; MENA-CHALCO, 2014). Mudanças nas formas de avaliação dos periódicos, por meio do sistema Qualis/CAPES, também podem ser citadas como exemplos deste incentivo à internacionalização, uma vez que associaram as métricas para estratificação dos periódicos a aspectos como reconhecimento, visibilidade e impacto dessas publicações nos cenários nacional e internacional (FIORIN, 2007; ZELLNER; TAVARES; GUARIDO FILHO, 2016).
A própria criação da Scientific Electronic Library Online (SciELO), em 1998, contempla um projeto que dinamizou a editoração de periódicos com o propósito de estimular a internacionalização dos periódicos nacionais (MUGNAINI; DIGIAMPIETRI; MENA-CHALCO, 2014)
Para Packer (2014), é na publicação em língua inglesa que este processo de estímulo governamental à internacionalização científica traz o seu aspecto mais aparente, pois, o inglês é visto como a “língua franca” da ciência (FIORIN, 2007; MENEGHINI; PACKER, 2007), oferecendo a possibilidade para que pesquisadores de todos os países possam se comunicar e trocar informações por meio de um mesmo idioma (BITETTI; FERRERAS, 2017).
Observa-se que abordagens acerca do uso da língua inglesa como potencialização de uma geopolítica – conceito entendido como: “[...] toda rivalidade de poderes (e de influências) sobre territórios.” (LACOSTE, 2005, p. 7) –, solidificam os fluxos informacionais no contexto da globalização, funcionando como instrumento, ou fenômeno, que expõe o grau de interferência de uma nação desenvolvida tecnologicamente, como no caso da América do Norte.
Historicamente, Lacoste (2005) localiza a ascensão do inglês norte-americano no final da segunda Grande Guerra, relacionando-a ao desenvolvimento tecnológico proporcionado, inclusive, pela inserção de intelectuais de outras nacionalidades – evento derivado das perseguições semitas em países da Europa, no período nazista. Esse processo de “internacionalização” forçada ocasionou, no contexto desse trabalho, processos inovativos que resultaram na absorção de conhecimentos e recodificação de suas expressões na língua inglesa territorialmente localizada.
Em face da predominância da língua inglesa nos trabalhos publicados pela comunidade científica internacional, observa-se, por exemplo, que há uma tendência crescente da publicação de artigos em inglês por países não anglófonos, reflexo do esforço de seus cientistas, instituições de ensino e periódicos de se adaptarem a essa exigência em prol da internacionalização de suas produções científicas (MENEGHINI; PACKER, 2007). Isso ocorre devido à expectativa de maior visibilidade aos artigos, fato que aumentaria o número potencial de citações que o trabalho poderia receber (FINARDI; GUIMARÃES, 2017).
A literatura aponta que esse esforço parece ser recompensando em alguma medida. Com efeito, alguns autores (DI BITETTI; FERRERAS, 2017; PACKER, 2011; 2014; RIGHI, 2011), a partir da análise de citações em bases de dados internacionais, indicam que artigos em inglês tendem a receber mais citações do que aqueles publicados em outros idiomas.
A esse respeito, Di Bitetti e Ferreras (2017) assinalam em suas discussões que a famosa frase “publique ou pereça” (publish or perish) deveria ser alterada para “publique em inglês ou pereça” (publish in English or perish), haja vista que os resultados apresentados no trabalho desses autores indicaram que, do total de 1.328 artigos analisados na base bibliográfica Scopus, 66,3% dos trabalhos publicados em inglês tiveram ao menos uma citação, enquanto que para artigos em outras línguas essa proporção foi, em média, de 53,7%.
Sobre esse último ponto, Di Bitetti e Ferreras (2017) ressaltam que o número de citações pode variar dependendo do país de origem dos autores e de qual idioma é utilizado. Verificando as citações a artigos publicados no Journal of the Korean Chemical Society, por exemplo, os autores mostram que 36% dos artigos escritos em coreano foram citados ao menos uma vez, ao passo que no caso dos artigos em inglês as citações ocorreram para 62% dos documentos.
Não obstante, Di Bitetti e Ferreras (2017) ressaltam que, embora o idioma seja capaz de afetar o número de citações que um artigo recebe, outros aspectos também podem influenciar essa dinâmica. Dentre os mais impactantes, podem ser citados: o periódico em que ele é publicado, a quantidade de páginas que possui, o ano de publicação, a qualidade do trabalho, se está em acesso aberto ou não, entre outros.
Além disso, de acordo com Fiorin (2007) e Mugnaini, Digiampietri e Mena-Chalco (2014), a utilização de bases de dados internacionais, como Web of Science e Scopus, para construção de indicadores de Ciência e Tecnologia implica em algumas limitações. Por exemplo, ao se utilizá-las como fonte para subsídios à formulação da Política Científica e Tecnológica, subestima-se a produção científica real de países em desenvolvimento, haja vista que essas bases indexam um número limitado de periódicos não anglófonos originários de nações periféricas (MONGEON; PAUL-HUS, 2016).
Outrossim, conforme Pereira, Lobão e Lucas (2017), a temática da internacionalização da pesquisa e comunicação científica envolve discussões realizadas no âmbito de diversos campos científicos, dentre os quais, a da grande área das Ciências Sociais Aplicadas, foco deste trabalho. Assim, para as autoras, compreender o processo e o impacto da internacionalização das publicações é importante e necessário ao desenvolvimento da própria ciência brasileira, pois traz implicações diretas às avaliações que os periódicos recebem da CAPES, por meio do sistema Qualis.
Nesse sentido, considera-se que comparar o número de citações recebidas em publicações de diferentes idiomas pode contribuir para que formuladores de políticas científicas e conselhos editorais de periódicos balizem suas decisões acerca da exigência de submissão de manuscritos, exclusiva ou concomitantemente, na língua inglesa (DI BITETTI; FERRERAS, 2017). Mugnaini, Digiampietri e Mena-Chalco (2014) pontuam a necessidade de o tema ser discutido em relação às revistas não anglófonas no âmbito nacional, atentando-se para o processo de internacionalização pelo qual tais revistas ficam submetidas.
A partir desse panorama sucintamente descrito, expõe-se que o objetivo geral deste artigo foi o de avaliar se artigos escritos na língua inglesa, publicados em periódicos da coleção SciELO Brasil, e pertencentes à área das Ciências Sociais Aplicadas, tendem a receber mais citações no SciELO Citation Index, quando comparados a artigos escritos em outros idiomas. Assim, propuseram-se como objetivos específicos: revisar a literatura acerca do uso do inglês como “língua franca” dentro do contexto científico; comparar, a partir de análise bibliométrica, as citações feitas a artigos em inglês e em outros idiomas; e discutir sobre a internacionalização da produção científica brasileira, a partir dos resultados encontrados.
O predomínio da língua inglesa – e da cultura anglo-americana, de modo geral – ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, em especial entre as décadas de 1950 e 1970, quando se verificou mudanças no equilíbrio de poder em nível global (BAJERSKI, 2011; ROSA; ALVES, 2011). Devido à liderança econômica, financeira e militar dos Estados Unidos e da prevalência do dólar como moeda internacional, a criação do acordo de Bretton-Woods, firmado em 1944, foi uma demonstração da influência norte-americana em diversas instâncias no mundo ocidental capitalista (BELLUZZO, 1995; CORAZZA, 1997; CUNHA, 2006).
No campo científico, ao mesmo tempo em que houve diminuição no número de publicações feitas por cientistas franceses e alemães no período posterior à Segunda Guerra Mundial, os pesquisadores anglo-americanos ganharam projeção na produção internacional de conhecimento, fazendo com que o inglês substituísse outras línguas em publicações de periódicos de alcance global (BAJERSKI, 2011).
Conforme Short et al. (2001, p. 1, tradução nossa), “A hegemonia linguística é uma forma de poder que fortalece alguns enquanto enfraquece os outros.”. O mesmo ponto é salientado por Meadows (1999, p. 126), pelo prisma do “enfraquecido”, ao observar que: “[...] os cientistas de países onde a língua materna não é o inglês precisam de mais tempo de leitura a fim de dar conta do material escrito em língua inglesa.”. Leite, Mugnaini e Leta (2011) discutem ainda que mesmo escrever em inglês requer a proficiência do pesquisador no idioma. Nesse sentido, acadêmicos em começo de carreira e que ainda não possuem redes internacionais de colaboração possuem maiores dificuldades para publicar os resultados de suas pesquisas em outros idiomas que não sua língua nativa.
Tal situação oferece uma vantagem aos pesquisadores que possuem o inglês como língua materna, já que, para eles, a escrita e leitura nesse idioma é natural e, portanto, não precisam arcar com possíveis custos de tradução (DI BITETTI; FERRERAS, 2017), ou o risco de suas pesquisas sofrerem distorções pela alteração do léxico ou da terminologia estrangeira. Para Meneghini e Packer (2007), isso cria um problema para os cientistas cujos países de origem não são anglófonos, uma vez que esses pesquisadores se tornam praticamente obrigados a dominar o idioma inglês em alguma medida, a fim de conseguirem publicar os resultados de suas pesquisas em periódicos internacionais.
Os autores assinalam que:
[...] muitos cientistas na África, Ásia, América Latina e Europa ainda publicam seus trabalhos em periódicos nacionais, frequentemente em sua língua materna, o que cria o risco de bons insights e resultados serem ignorados, simplesmente porque não são facilmente acessíveis à comunidade científica internacional. (MENEGHINI; PACKER, 2007, p. 112, tradução nossa, grifo nosso).
O motivo para que esses cientistas e pesquisadores decidam publicar em inglês ou em suas línguas nativas, em geral, relaciona-se com o interesse estratégico que a pesquisa visa atender. Assim, a escrita em idioma local pode objetivar, por exemplo: apresentar os resultados de um estudo de relevância regional; responder uma demanda social específica; ou, ainda, orientar tomadores de decisão a formularem políticas públicas que estejam alinhadas a interesses nacionais.
Em contrapartida, artigos escritos na língua inglesa podem buscar soluções para problemas de preocupação global (BAJERSKI, 2011; DI BITETTI; FERRERAS, 2017), e, portanto, com maior chance de adesão aos conteúdos de nível mundial.
Bajerski (2011), por exemplo, ao analisar os artigos publicados entre 2001 e 2008 por periódicos da Alemanha, França e Espanha na área da Geografia, e indexados na base bibliográfica Scopus, verificou que eles são majoritariamente escritos por pesquisadores locais e no idioma nativo – 83% dos artigos no caso dos periódicos alemães, 82% nos periódicos franceses e 88% nos espanhóis. Em seguida, ao investigar as citações feitas a esses documentos, o autor apurou que: 71% das citações aos artigos dos periódicos alemães foram realizadas por pesquisadores de instituições alemãs; 67% das citações aos artigos dos periódicos franceses vieram de pesquisadores de instituições francesas; e 93% das citações aos artigos espanhóis eram originárias da própria Espanha.
Dessa forma, para Bajerski (2011), esse resultado demonstrou que as revistas não anglófonas, caso dos periódicos alemães, franceses e espanhóis, de modo geral, tendem a ser mais utilizadas para comunicação de resultados de pesquisa entre cientistas da comunidade pertencente ao próprio país. Segundo o autor, portanto, a visibilidade dessas publicações fica circunscrita à abrangência de sua língua e cultura local.
Assim, o idioma, posto nessa perspectiva, pode representar uma barreira aos pesquisadores e cientistas estrangeiros que não possuem conhecimento em outros idiomas além do inglês (como alemão, francês e espanhol), dificultando a esses potenciais leitores o acesso às informações contidas em periódicos não anglófonos. A marginalização associada a essas publicações em outros idiomas cria uma barreira invisível e limita a inserção dos periódicos não anglófonos na literatura dominante (BAJERSKI, 2011).
Outrossim, os pesquisadores de países cuja língua nativa não é o inglês ficam condicionados a acompanhar tanto a literatura em sua língua materna quanto na língua inglesa, caso queriam se manter a par do que é considerado como o estado da arte do seu campo (ALBERS, 2004). Massarini (2015) comenta o viés inerente aos dados disponíveis para o desenvolvimento de certas ciências por serem predominantemente coletados em países anglófonos, observando que se assume abertamente na comunidade científica que a base de dados coletadas para subsidiar os resultados publicados é enviesada, evocando tal distorção até mesmo em sua sigla WEIRDly (Western, Educated, Industrialized, Rich, Democratic).
Massarini (2015) cita ainda uma provocação feita pela revista inglesa The Economist, que, em janeiro de 2014, questionou quão realmente útil é a ciência da Economia, haja vista que a maioria das pesquisas e dos resultados que constitui o corpus da literatura publicada tem origem e foco nos países industrializados e ocidentais. Em adesão a esse questionamento, como observou Velho (1986) em um estudo seminal sobre os padrões de citação de cientistas brasileiras na Agronomia, há evidência de que cientistas dos países centrais (anglófonos) não confiam inteiramente nos resultados de pesquisa dos cientistas dos países “periféricos”.
Rosa e Alves (2011) complementam essa consideração ao afirmar que a utilização do inglês como base linguística comum da comunidade científica internacional contribui para o estabelecimento de uma hierarquia entre Norte (mainstream) e Sul (periférico). Segundo os autores, além de limitar o alcance das pesquisas realizadas por cientistas de países não anglófonos, o fluxo informacional e de produção do conhecimento torna-se unidirecional, partindo do Norte em direção ao Sul.
Fiorin (2007) acrescenta que a língua não pode ser considerada como uma ferramenta neutra da comunicação, haja vista que um texto não é passível de ser transcrito em qualquer idioma sem que haja perda de conteúdo durante a sua tradução. Por esse motivo, o autor reconhece que nas Ciências Naturais o processo de tradução para o inglês tem menos obstáculos, uma vez que é mais fácil traduzir termos que são universais, como os elementos da tabela periódica. Entretanto, para as Ciências Humanas e Sociais isso pode representar um problema, pois, existem palavras em português, por exemplo, que não possuem correspondência direta em nenhum outro idioma.
Por fim, analisando o caso brasileiro, Diniz (2017) argumenta que é preciso ainda diferenciar visibilidade idiomática de qualidade científica. Produzir um artigo escrito em inglês não significa ter seu conteúdo, automática e imediatamente, projetado internacionalmente. Assim, para o autor, a língua não deve ser o objetivo final, mas o meio para se disseminar e internacionalizar a produção científica nacional de qualidade.
Quase toda pesquisa começa com uma investigação bibliográfica, pois, é na literatura especializada e em documentos informacionais anteriormente elaborados que o pesquisador balizará a sua argumentação, ou irá formular uma hipótese de trabalho (MARCONI; LAKATOS, 2017; PRODANOV; FREITAS, 2013). O presente trabalho adiciona a essa sua natureza bibliográfica o caráter exploratório, pois, a partir de variáveis selecionadas, testaram-se suas relações funcionais (MARCONI; LAKATOS, 2017), buscando-se, nessa conformação exploratória, mais informações sobre um determinado objeto, de modo que possam ser descobertas novas percepções a seu respeito (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007). No caso, propôs-se a avaliação de uma possível correspondência entre o idioma utilizado e o número de citações recebidas pelo documento informacional. A comparação sistemática acerca das citações recebidas pelos artigos é procedimento metodológico recorrente na literatura, como no trabalho de Martín-Martín et al. (2018).
Conforme Strehl (2005), o número de citações que um artigo recebe costuma ser utilizado como indicador para avaliação acadêmica dos pesquisadores de uma instituição de ensino e pesquisa. Segundo a autora, o ramo da ciência que faz essas medições do índice de citações é a Bibliometria. Desta maneira, pelo caráter exploratório desse estudo e da citação como objeto de estudo, a Bibliometria foi utilizada como instrumento metodológico de investigação.
Utilizou-se, ainda, a base metodológica de um estudo de caso para o desenvolvimento do trabalho, uma vez que o estudo de caso pode ser definido como um tipo de pesquisa que possibilita ao pesquisador encontrar informações acerca de um determinado problema localizado em um caso específico, testando-se uma hipótese, ou descobrindo-se novos fenômenos a partir da aplicação de uma sistemática balizada por um arcabouço teórico. Nesse tipo de estudo podem ser definidos como objeto: um indivíduo, uma família, uma instituição, um grupo, uma comunidade, entre outros (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007; PRODANOV; FREITAS, 2013). No caso, essa delimitação se deu pelo campo das Ciências Sociais Aplicadas, recorte-caso de observação na coleção SciELO Brasil.
Para coleta de dados, justifica-se a opção pela coleção SciELO Brasil devido a sua disponibilização, em acesso aberto, de um grande conjunto de periódicos nacionais, o que sugere uma potencial disseminação de conteúdo. Outra razão que motivou a escolha pela Scientific Electronic Library Online foi o fato da biblioteca digital estar integrada à plataforma da Web of Science, pertencente à empresa Clarivate Analytics, por meio do SciELO Citation Index (MUGNAINI; DIGIAMPIETRI; MENA-CHALCO, 2014), o que facilita a extração dos metadados e o número de citações dos artigos nela indexados. Vale notar que os dados do SciELO Citation Index cobrem o período que vai do ano de 2002 até a presente data (CLARIVATE ANALYTICS, 2019).
Alencar e Oliveira (2017) explicam que o SciELO Citation Index, que entrou em operação em janeiro de 2014, foi o resultado de uma parceria entre a SciELO e a empresa Thomson Reuters, então proprietária da Web of Science. Segundo os autores, objetivava-se aumentar, por meio dessa associação, a visibilidade dos artigos publicados pelos periódicos SciELO, ao mesmo tempo em que se viabilizava a contagem de suas citações nas bases integrantes da Web of Science.
A SciELO Brasil lista o conjunto de periódicos de sua coleção, classificando-os por assunto (SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE, 2018). Considerando as ponderações feitas por Gläser e Laudel (2007) de que a análise de citações não deve ser utilizada para comparações entre diferentes áreas do conhecimento – em razão das especificidades de cada campo científico –, para este trabalho, foram selecionados apenas os periódicos do campo das Ciências Sociais Aplicadas, que, pela lista apresentada na coleção SciELO Brasil, corresponde a 39 periódicos correntes nessa categoria (SCIENTIFIC..., 2018).
A coleta dos metadados dos documentos publicados por esses periódicos foi realizada em 16 de setembro de 2018 e utilizou-se o recurso Pesquisa Avançada, com a seleção da base SciELO Citation Index. Na expressão de busca foram indicados os ISSN de cada uma das 39 revistas previamente identificadas, tanto das versões impressas quanto das online, separados pelo operador booleano OR. Dessa forma, foi possível recuperar todos os documentos requeridos de uma única vez. Além disso, foram aplicados dois filtros à pesquisa: a) selecionou-se apenas o tipo de documento Artigos (Research-Articles); e, b) foi estabelecido um recorte no tempo, selecionando-se artigos publicados de 2010 até 2017.
Para cada periódico foi gerado um Relatório de citações. Essas informações foram alocadas em planilhas eletrônicas e analisadas com o auxílio do software Microsoft Excel (versão 2013). Cabe salientar que no SciELO Citation Index não há indicação de quando um artigo é publicado em mais de um idioma. Considerando que há periódicos que exigem a submissão do manuscrito em formato multilíngue, ou seja, nas versões em inglês e em língua nativa (português ou espanhol), foi preciso verificar no site da SciELO em quais idiomas cada artigo havia sido publicado. Essas informações foram utilizadas para complementar as planilhas do relatório de citações.
Após tratamento e exclusão dos registros duplicados, os dados foram organizados e agrupados em uma nova planilha. Ademais, para a realização da investigação proposta neste trabalho, foram selecionados para análise apenas os periódicos cuja proporção de artigos disponibilizados em inglês era de, no mínimo, 10%, e, no máximo, 90%.
A imposição de todos os filtros – temporal, por artigos e por proporção de idioma – visou a garantir certo controle de possíveis distorções causadas por algumas das variáveis, haja vista que o número de citações que um artigo possui pode ser virtualmente influenciado, dentre outras razões, pelo seu grau de atualidade (VANS; CAREGNATO, 2003), pelo periódico em que é publicado (STREHL, 2005) e pela sua disponibilização em acesso aberto ou restrito (EYSENBACH, 2006). Assim, ao se comparar a média de citações recebidas por artigos publicados nos mesmos periódicos e em períodos próximos, foi possível inferir o impacto mais fidedigno da língua inglesa como fator de influência para citação a um artigo na plataforma SciELO.
Por fim, de modo suplementar à análise, calculou-se ainda o índice de citedness para cada idioma. Conforme Wang et al. (2015), o índice de citedness é calculado por meio da divisão do número de artigos com, no mínimo, uma citação, pelo total do número de artigos que estão sendo analisados. Assim, é possível verificar a proporção de artigos citados em um determinado conjunto e comparar as possíveis diferenças suscitadas pelas variáveis em análise.
A Tabela 1 apresenta a lista de todos os 39 periódicos da coleção SciELO Brasil, pertencentes às Ciências Sociais Aplicadas. Após a seleção dos periódicos, cuja proporção de artigos disponibilizados em inglês era de no mínimo 10% e máximo 90%, o número de títulos a serem analisados foi reduzido para 19. A opção pela exclusão dos outros 20 periódicos da análise teve o propósito de evitar distorções nos cálculos comparativos da média de citação e índice de citedness, que poderiam derivar da consideração de periódicos com artigos publicados majoritariamente em um único idioma.
Os periódicos selecionados estão destacados em negrito na Tabela 1, conforme indicação em sua última coluna.
Notas: *Espanhol, Francês, Italiano e Alemão. **Anteriormente Revista de Administração. As duas publicações da atual RAUSP Management Journal são de 2018, portanto, não pertencentes ao período de análise da pesquisa. ***Dados disponíveis na Web of Science a partir de 2013.
Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados da SciELO.Considerando o total de artigos dos 19 periódicos selecionados para análise, verificou-se que houve uma elevação no número de documentos publicados exclusivamente na língua inglesa, e de documentos com versões em inglês e em português. A Figura 1 retrata esses dados ao apresentar a evolução, por ano e de modo agregado, dos principais idiomas utilizados pelos autores em seus artigos.
Essa tendência é condizente com as observações feitas, desde o início da década de 2000, por Mugnaini, Januzzi e Quoniam (2004) para base de dados Pascal, e, subsequentemente, por Packer (2011), acerca das políticas editoriais de alguns periódicos que passaram a dar prioridade a artigos em inglês ou adotaram a publicação multilíngue.
Complementarmente, quando se analisou a proporção de cada idioma em relação ao total de artigos publicados no ano, os dados indicaram que a língua inglesa vem ganhando relevância.
Na Tabela 2, por exemplo, é possível notar que, entre 2010 e 2012, aproximadamente 80% das publicações estavam em português. Esse número cai para 49% em 2016, e 43% em 2017. Por outro lado, artigos em inglês, que representavam de 15% a 18% das publicações, passaram a 25% em 2016. Ademais, é interessante observar que artigos publicados em inglês e português, cuja proporção estava próxima a 1% em 2011, chegaram a 28% dos documentos no ano de 2017. Isso demonstra que, de fato, houve aumento desta faceta da internacionalização científica, qual seja, a produção científica que é publicada em revistas indexadas na plataforma SciELO.
Conforme Packer e Meneghini (2014), uma das contribuições da SciELO para a internacionalização da produção científica brasileira, e da América Latina, é justamente incentivar que os periódicos ofereçam publicações multilíngue, notadamente nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, dando visibilidade a esses artigos para diferentes públicos.
Os resultados apresentados na Tabela 2 são condizentes com os encontrados por Pajic, Jevremov e Skoric (2019), que realizaram análise similar para produção científica da Sérvia, país de língua não anglófona. Em seu artigo, os autores mostraram que, embora houvesse uma tendência ascendente do número de artigos das Ciências Sociais e Humanidades publicado em inglês, a maioria dos documentos nestas áreas se mantém na língua sérvia.
Nesse sentido, faz-se necessário pontuar que cada área da ciência possui uma especificidade em relação ao seu grau de internacionalização, haja vista que há diferenças em seus costumes para publicação dos resultados de pesquisa (FIORIN, 2007; SANTIN; VANZ; STUMPF, 2016). A esse respeito, Mugnaini, Digiampietri e Mena-Chalco (2014) assinalam que as diferenças de grau de internacionalização entre as áreas são características que devem ser levadas em consideração durante o processo de avaliação da produção científica.
Packer (2011), em seu estudo sobre periódicos brasileiros indexados na SciELO em 2009, mostrava que já havia variações entre a proporção de artigos publicados em português e inglês, a depender do campo do conhecimento. Assim, nas Ciências Biológicas havia o predomínio no uso da língua inglesa, ao passo que para as áreas das Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Linguística e Letras, o português era utilizado com maior frequência.
Fiorin (2007) complementa que há dois motivos que explicam o porquê de as Ciências Humanas e Sociais não poderem ser comparadas com as ciências duras no que tange a internacionalização científica. O primeiro é que, embora os artigos de periódicos sejam meios de comunicação relevantes para estas áreas, a mais significativa forma de publicação se dá por meio de livros, e capítulos de livros, uma vez que oferecem aos autores maior liberdade e tempo para reflexão acerca dos resultados de seus estudos. Em segundo, Fiorin (2007) aponta que, de modo geral, os temas tratados nas Ciências Humanas e Sociais abordam questões locais, ou seja, definem-se dimensões espaço-temporais nas pesquisas cujo interesse se mostra mais relevante a sociedade de um determinado país ou região.
Não obstante, conforme a Tabela 3, que apresenta os valores médios de citação para cada uma das 19 revistas científicas analisadas, verifica-se que, em 14 periódicos, os artigos publicados somente em português ou espanhol são os que possuem a maior média de citações dentro da Rede SciELO, quando comparados com os demais idiomas. Por outro lado, apenas em dois periódicos, Estudos Econômicos e Revista Direito e Práxis, artigos publicados na língua inglesa tiveram uma média maior de citações.
Nota: *Número de citações coletadas em 16 de setembro de 2018.
Fonte: Elaborado pelos autores.Ainda pela Tabela 3, os dados agregados indicam que, enquanto as publicações em português alcançaram, em média, 0,86 citações, os artigos disponibilizados exclusivamente na língua inglesa obtiveram, em média, 0,43 citações. Ademais, salienta-se que a análise do índice de citedness corrobora as observações feitas por meio da média de citações. Para artigos em português, a taxa de citedness é de 39,6%, ou seja, de todos os 2894 artigos publicados em português, 1145 (39,6%) obtiveram ao menos uma citação. Em contrapartida, dos 832 artigos em inglês, 219 (26,3%) foram citados no mínimo uma vez. Para os 614 documentos disponíveis em inglês e português, a taxa foi de 23,5%, o que representa 144 artigos citados. Por último, dos 195 artigos em espanhol, 61 (31,3%) tiveram pelo menos uma citação.
Zellner, Tavares e Guarido Filho (2016), ao analisarem a internacionalização de periódicos brasileiros da área de Administração, expõem nas discussões de seus resultados que a publicação de artigos em idioma estrangeiro não se mostra como condição suficiente para garantir o impacto pretendido junto à comunidade científica internacional, sendo, portanto, necessária ponderação acerca da efetividade das políticas para internacionalização da ciência nacional.
Os resultados elencados na Tabela 3 parecem indicar que, para área das Ciências Sociais Aplicadas, por enquanto, existe maior propensão às citações das publicações em português e espanhol, em comparação aos artigos em inglês. No entanto, ao se avaliar conjuntamente os dados das Tabelas 2 e 3, cabe observar que os documentos em inglês são, em geral, publicações de anos mais recentes e, portanto, tiveram menos tempo de exposição à comunidade científica para que pudessem ser apropriados e citados, fator que pode contribuir para as diferenças encontradas nas médias de citação e nos índices de citedness.
Mugnaini, Digiampietri e Mena-Chalco (2014) e Pajic, Jevremov e Skoric (2019) atentam ainda para o fato de existir nas Ciências Sociais e Humanidades uma predileção por referências a outros documentos informacionais que não de artigos de periódicos. Além disso, as citações são preferencialmente realizadas a literaturas mais antigas em comparação a documentos mais recentes. Sobre estes pontos, Packer (2014, p. 309) afirma que: “O pouco tempo de exposição dos artigos contribui para o menor desempenho relativo nas disciplinas com mais amplitude temporal de citações.”.
O objetivo deste trabalho foi verificar se artigos escritos em inglês e publicados em periódicos da coleção SciELO Brasil, pertencentes à área das Ciências Sociais Aplicadas, tendiam a receber mais citações quando comparados a artigos escritos em outros idiomas. Com base nos resultados obtidos, foi possível inferir que, para os autores que publicaram na SciELO Brasil, a produção de um artigo em inglês não impulsionou, necessariamente, um maior número de citações no SciELO Citation Index.
Isso demonstra que, embora exista uma discussão acerca da necessidade de se ampliar a visibilidade da produção científica nacional junto à comunidade científica internacional, pelo menos no recorte estabelecido, a simples publicação de um artigo na língua inglesa parece não representar uma premissa para melhora do seu impacto, haja vista que os artigos em português e espanhol tiveram as maiores médias de citação neste estudo.
Atentando-se às especificidades culturais para divulgação dos resultados de pesquisa e de citação na área de Ciências Sociais, é preciso ressaltar que os critérios adotados para avaliação da produção acadêmica, especialmente no que tange à sua internacionalização, não devem ser iguais para todos os campos científicos – particularidade que já foi discutida por Fiorin (2007) e Santin, Vanz e Stumpf (2016) –, cabendo consideração de suas características identitárias.
Entre as limitações da pesquisa aqui relatada, apontam-se duas principais: a primeira é o fato da análise se restringir a artigos de periódicos, considerando-se, então, que uma vertente para futuras pesquisas seria a ampliação do estudo com abrangência também de outros documentos informacionais importantes às Ciências Sociais Aplicadas, tais como livros, capítulos de livros e teses. Ademais, as mesmas condições metodológicas poderiam ser aplicadas em outras áreas do saber. A segunda limitação do estudo diz respeito ao período de tempo que os artigos em inglês, de modo geral em menor período, tiveram para serem citados, uma vez que grande parte das publicações nesse idioma ocorreu em anos mais recentes. Por esse motivo, estudos futuros poderiam desarticular as análises, a vista da disponibilidade de dados, e comparar as citações ano a ano, ou dentro de “janelas de tempo” determinadas por interesses específicos de pesquisa.
Por fim, uma continuada exploração do tema, concernente à ampliação desse estudo no plano científico, seria investigar em que nível os graus de inovação provocados pela inserção de culturas diferenciadas – como as preleções de Lacoste (2005) salientaram em relação à cultura semita – interfeririam na estimulação de uma vantagem competitiva da língua que hospeda essa cultura, que passaria a “traduzir” pelo seu vocabulário terminologias ou sentidos estrangeiros.
paulocntr@yahoo.com
marco_donizete@yahoo.com.br
chloe@ufscar.br
Notas: *Espanhol, Francês, Italiano e Alemão. **Anteriormente Revista de Administração. As duas publicações da atual RAUSP Management Journal são de 2018, portanto, não pertencentes ao período de análise da pesquisa. ***Dados disponíveis na Web of Science a partir de 2013.
Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados da SciELO.Nota: *Número de citações coletadas em 16 de setembro de 2018.
Fonte: Elaborado pelos autores.