A relação entre as políticas públicas de avaliação de documentos e de memória no Brasil e no Uruguai

The relationship between archival appraisal and memory policies in Brazil and Uruguay

Evelin Mintegui 1
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Carlos Artur Gallo 2
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Cezar Karpinski 3
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

A relação entre as políticas públicas de avaliação de documentos e de memória no Brasil e no Uruguai

Em Questão, vol. 26, núm. 2, pp. 330-354, 2021

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepção: 23 Abril 2019

Aprovação: 20 Agosto 2019

Resumo: Este trabalho se propõe a analisar as políticas públicas de avaliação de documentos e de memória no Brasil e no Uruguai. Para isso, se debruça sobre as normativas dos dois países, buscando elementos que permitam identificar iniciativas do Estado em conservar documentos produzidos durante o último período de exceção democrática. A metodologia apresenta-se como qualitativa, utilizando fontes documentais e bibliográficas. Foram levantados documentos que embasam as políticas arquivísticas nos websites de suas instituições, especialmente, leis, resoluções e manuais, buscando elementos que indicam modelos, critérios e métodos de avaliação de documentos. Nesses materiais foram, então, buscadas referências a políticas de memória. Como resultados, considera que os dois países incorporam em sua metodologia a teoria do valor para estabelecer prazos para guarda e eliminação de documentos, mas que o Uruguai vincula medidas macro valorativas ao prescrever a conservação total de documentos produzidos no último período de exceção democrática. Finaliza-se com breves considerações sobre o processo de avaliação de arquivos e sua necessária apropriação, tanto por parte de agentes públicos envolvidos nas políticas de arquivo, como por parte dos grupos “empreendedores de memória”.

Palavras-chave: Políticas de memória, Avaliação de documentos de arquivo, Arquivos, Direitos humanos.

Abstract: This paper aims to analyze the public policies of document and memory evaluation in Brazil and Uruguay. To this end, it focuses on the regulations of both countries, seeking elements that allow the identification of state initiatives to conserve documents produced during the last period of democratic exception. The methodology is presented as qualitative, using documentary and bibliographic sources. Documents that base archival policies on the websites of their institutions were raised, especially laws, resolutions and manuals, seeking elements that indicate models, criteria and methods of document evaluation. In these materials, references to memory policies were then sought. As results, it considers that both countries incorporate in their methodology the theory of value to set deadlines for document storage and disposal, but that Uruguay links macro-value measures in prescribing the total conservation of documents produced in the last period of democratic exception. It concludes with brief considerations about the archive evaluation process and its necessary appropriation, both by public agents involved in archive policies and by the “memory entrepreneur” groups.

Keywords: Politics of memory, Archival appraisal policy, Archives and records, Human rights.

1 Introdução

Este trabalho se debruça sobre as iniciativas do Brasil e do Uruguai com respeito a incluir em suas políticas de avaliação de documentos critérios que reflitam políticas de memória relacionadas com arquivos. Assim, o objetivo é analisar as normativas dos dois países, buscando identificar elementos que contemplem preocupações do Estado em conservar documentos produzidos durante o último período de exceção democrática que vigorou nos dois países em questão.

As políticas de memória têm sido um campo de pesquisa bastante frutífero no que se refere às preocupações com a situação dos arquivos. Questões relacionadas à escolha de acervos a incorporar em memoriais e instituições dedicadas à memória e à defesa dos direitos humanos, discussões sobre a possível perda da integridade da informação provocada pela separação dos conjuntos documentais de seus contextos, disputas sobre a tutela desses materiais e problemáticas relacionadas ao sigilo e acesso intelectual aos documentos são os assuntos mais explorados na literatura. Entretanto, a análise e a seleção de documentos que irão compor o patrimônio documental de um país associada a suas políticas de memória parece ser um aspecto inexplorado no universo dos arquivos.

Este olhar integrado entre políticas justifica-se pelo fato de que documentos de natureza sensível, que comprovam violações de direitos, não são encontrados unicamente em arquivos de órgãos especialmente destinados à repressão. Arquivos são “naturalmente” produzidos, resultado do desempenho de atividades das instituições e pessoas. Desta maneira, as políticas de eliminação de documentos afetam tanto o tratamento desses acervos explicitamente relacionados ao controle político e social dos períodos ditatoriais, quanto os de acervos que foram produzidos contemporaneamente, sem ligação aparente ou direta com essas funções.

É necessário, ainda, considerar os instrumentos técnicos que conduzem os processos de formação do patrimônio documental e a teoria que os embasa. Ou seja, o saber sobre os arquivos também faz parte do jogo de escolhas políticas na construção da memória, ainda que se julgue estrategicamente neutro.

A metodologia utilizada pode ser caracterizada como qualitativa, utilizando fontes documentais e bibliográficas. Foram levantados documentos que embasam as políticas arquivísticas no Uruguai e no Brasil nos websites de suas instituições, especialmente leis, resoluções e manuais, buscando elementos que indicassem modelos, critérios e métodos de avaliação de documentos. Nesses materiais foram, então, buscadas referências a políticas de memória.

A seguir, apresenta-se uma breve exposição sobre a relação entre políticas de memória e os arquivos, seguido de considerações sobre a avaliação de documentos de arquivo do ponto de vista teórico na Arquivística. Logo, apresenta-se uma aproximação histórica e contextual do Uruguai e do Brasil em relação aos seus últimos períodos ditatoriais, contendo um breve panorama do tratamento voltado aos arquivos desse período em cada um dos países, assim como as políticas de avaliação de documentos encontradas no levantamento. Finaliza com breves conclusões sobre o processo de avaliação de arquivos e sua necessária apropriação tanto por parte de agentes públicos envolvidos nas políticas de arquivo, como por parte dos grupos “empreendedores de memória”[1].

2 As políticas de memória e os arquivos

O campo de estudos sobre a memória se constituiu apresentando distintas abordagens frente às distintas possibilidades de exploração e definição do conceito. Como exemplo dessas diferentes perspectivas, pode-se citar a Filosofia, a História e a Ciência Política. Na Filosofia, a discussão sobre tema da memória emerge, desde a Antiguidade, ligada à questão da percepção do tempo e da própria capacidade humana de reconhecimento do passado. No âmbito do conhecimento histórico, a memória surge como parte das considerações acerca de sua relação de oposição ou complementaridade do fenômeno de recordação, já que a lembrança nem sempre pode ser tomada como evidência do que ocorreu no passado. Uma vez que aquilo que é lembrado assim o é de forma tanto individual como coletiva, diversos outros campos das Ciências Humanas e Sociais (como Antropologia, Psicologia, Sociologia) também terminam por se deparar com o fenômeno da memória, uma vez que esta apresenta relação direta com a criação e a manutenção de identidades individuais e coletivas.

Para Halbwachs (2006), a memória individual pode ser compreendida como o ponto de contato do indivíduo com a sociedade. Por sua vez, a memória coletiva se moldaria com interações cotidianas, sendo contínua, plural e marcada pela subjetividade latente, uma vez que conversa com a memória individual de maneira constante. Já a memória histórica seria fixada oficialmente, e portanto, resultante de processos que envolvem negociações e usos sociais e políticos, mas com pretensões objetivas. Partindo dessas definições, é possível visualizar o dilema acerca de quem está legitimado a fixar o sentido do passado. A dimensão política latente à memória por sua própria constituição é evidente (escolhas, interesses, esquecimentos), o que torna relevante analisar as estratégias de memória traçadas pelos estados através de suas ações e propostas (policy), considerando as demandas sociais e seus contextos próprios, com sua própria historicidade. O papel das políticas de memória, neste caso, seria o de escolher entre as diversas possibilidades e versões das memórias coletiva e histórica, moldes para o que é determinado.

Assim, políticas de memória podem ser compreendidas como as medidas que proporcionam a elaboração e resolução do passado por parte de um estado, ainda que sejam mobilizadas por diversos outros atores políticos não oficiais. Na América Latina, esse tipo de medida merece especial atenção devido ao recente passado autoritário da maioria dos países, servindo como dado relevante na análise da qualidade das novas democracias e de suas instituições (GALLO; GUGLIANO, 2014).

Nesse escopo, o campo de pesquisa das políticas de memória relaciona-se com a ideia de justiça transicional, que “Refere-se, basicamente, aos desafios da recuperação de direitos e da instauração de regimes democráticos em momentos de excepcionalidade política.” (QUINALHA, 2012, p. 81). Existem diferentes abordagens do conceito, uma vez que o campo de pesquisas a esse respeito entende sua aplicação em diferentes fases de desenvolvimento, seja limitando sua aplicação a momentos de transição efetiva dos regimes ou no intervalo entre um regime e outro (PINTO; MARTINHO, 2013), seja aplicando-o a momentos de consolidação da democracia, preferindo os termos “justiça de consolidação” ou simplesmente “justiça” (QUINALHA, 2012).

Logo, as medidas que se consolidam como políticas de memória podem apresentar objetivos de reparação e justiça, mobilizando recursos compensatórios às vítimas dos regimes e criando estratégias jurídicas para a criminalização, investigação e julgamento das ações realizadas pelo estado nos períodos de exceção democrática, bem como ao direito à verdade, que, entre outras medidas como a organização de comissões de investigação, reivindica total acesso aos dados oficiais produzidos pelos governos. Nesse sentido, os arquivos são as bases para a comprovação da violação de direitos humanos, seja comprovando ou dando pistas para o levantamento de novos fatos que levem ao esclarecimento do passado.

Outra classe de medida manifesta-se de maneira mais tardia, heterogênea e polêmica, atuando em uma dimensão mais simbólica da elaboração do passado. Solís Delgadillo explica que políticas de memórias simbólicas

Son “tardías” ya que por lo general van apareciendo conforme va transcurriendo el tiempo y la democracia se va consolidando. Son “heterogéneas” en la medida que son mucho más variadas las vertientes en las que esta clase de políticas se pueden manifestar, aunque las formas más recurrentes a la hora de articularlas suele expresarse a través de monumentos, fechas de conmemoración, premios, museos, espacios públicos, archivos, centros de investigación y políticas educativas. Por último, son “polémicas” porque a diferencia de las otras clases de políticas, éstas entrañan la tendencia de la memoria dominante y dejan una marca en los valores y en la historia que se cuenta respecto a lo que pasó, así como en el espacio público, lo que genera conflictos y tensiones sobre la interpretación del pasado. (SOLÍS DELGADILLO, 2015, p. 250).

Assim, existem, ao menos, dois aspectos nas políticas de memória fortemente relacionados aos arquivos: a questão do direito de acesso à informação, com a abertura ou desclassificação dos documentos, e a questão simbólica de construção de espaços memoriais, que utilizem tais arquivos como parte do processo educativo para que nunca se esqueça.

A esse respeito, cabe considerar o papel dos arquivos como instrumento de elaboração da memória, como explica Nora:

O arquivo é de fato a interface, o local de encontro e de conflito entre duas formas de nossa memória contemporânea: a memória vivida e a memória documentada; a memória direta e a indireta, imediata e mediata; a memória testemunhal e a história científica; a memória viva e a memória reconstruída; a memória quente e a memória fria. Daí a noção de “arquivos sensíveis”: são aqueles onde se exprimem a um só tempo a memória e a história. É isso que provoca o desafio dramático e conflituoso dos arquivos contemporâneos: eles pertencem, plenamente, a esses dois tipos de memória histórica e à memória vivida, pois as duas podem legitimamente reivindicá-los e deles se servir. É esse drama e essa tensão entre esses dois tipos de memória que faz dos arquivos, impregnados de emoções sociais coletivas, objeto de disputas apaixonadas. (NORA[2]apud RODRIGUES, 2014, p. 75).

Daí a importância de se considerar o processo de construção do patrimônio documental de um país. Nesse sentido, convém ressaltar as políticas nacionais que coordenam a eliminação de arquivos públicos, partindo do pressuposto de que os “documentos sensíveis” assim são denominados a posteriori, enquanto o procedimento de eliminação permite que desde a criação de um registro seja possível determinar sua destinação. Ou seja, embora as políticas de memória com relação a arquivos tenham sido ou venham a ser implementadas, é importante reconhecer que elas não podem ser propostas de maneira isolada das demais políticas de arquivos do país, sob o risco de impossibilitar sua efetiva realização.

3 A avaliação de documentos de arquivo

Qualquer pessoa ou instituição pública produz documentos de arquivo cotidianamente. Arquivos assim o são mesmo quando em trâmite, e não apenas aqueles armazenados em instituições especializadas, e são passíveis de processos de gestão documental, que definem que documentos devem ser criados em quais atividades, com determinação específica sobre quem o registra (pessoa ou órgão), de que maneira devem ser armazenados, e, especialmente, seu prazo de guarda e destinação.

As disciplinas que têm por objeto os arquivos e seus documentos, a Arquivologia ou a Arquivística, costumam dividir o tratamento de arquivos no que é conhecido como funções arquivísticas. São elas: produção, classificação, avaliação, preservação, descrição e difusão (COUTURE, 2003). Cada uma delas constitui-se como um núcleo de saberes e técnicas aplicadas aos arquivos de maneira a proporcionar o acesso às informações neles contidas. Neste trabalho, interessa-nos a função de avaliação, que trata justamente do processo de definição da destinação dos documentos, sendo a responsável pela constituição do patrimônio documental de um país.

A função de avaliação arquivística apresenta diferentes abordagens, movidas por diferentes visões ou teorias, bastante dependentes dos momentos históricos e da tradição burocrática dos países em que elas emergem. Em alguns países e momentos históricos ela nem sequer existe, uma vez que todos os documentos produzidos deveriam ser conservados indefinidamente[3]. Entretanto, a partir da metade do século XX, assiste-se a um aumento exponencial na produção e registro de informações, de maneira a tornar os arquivos algo passível de planejamento e gestão. Surge uma corrente conhecida como records management, especialmente interessada em gerir as massas documentais acumuladas nos processos administrativos das organizações. Posteriormente, ela é incorporada pela Arquivologia em uma outra corrente conhecida como “arquivística integrada”, que explicita que os documentos devem seguir um ciclo vital que garanta que eles possam chegar ao arquivo permanente de maneira organizada e definida desde sua criação.

Desta forma, cabe considerar que a avaliação de documentos caracteriza a arquivística contemporânea e faz parte do processo de construção da memória social, devendo estar alinhada com os interesses de consolidação da democracia. Logo, as estratégias de avaliação arquivística deveriam articular o direito de bens culturais com normativas de escolha e destruição de documentos (HERNANDES OLIVERA, 2009).

Nascimento e Oliveira (2014), com o objetivo de analisar o processo de avaliação de documentos de arquivo nos ministérios sediados em Brasília, registraram diferentes vertentes teóricas dessa função arquivística.

Quadro 1
Autores e considerações sobre a função de avaliação de documentos de arquivo
AutorConsiderações sobre a função de avaliação de documentos de arquivo
Jenkinson (1922)Eliminação de documentos a cargo dos produtores, sem participação do arquivo.
Brooks (1940)Propõe que documentos sem valor legal, administrativo ou de interesse histórico devem ser eliminados
Schellenberg (1956)Elabora a a teoria dos valores primários e secundários dos documentos.
Cook (anos 1990)Proposta de macroavaliação: os registros documentais a serem preservados devem ser aqueles que refletem o valor social das funções que os produziram.
Duranti (1994)Avaliação de documentos como parte do discurso de legitimação da importância do trabalho arquivístico.
Rousseau e Couture (1998)Avaliação como função aplicada aos arquivos correntes e intermediários, dentro de um programa integrado que permita a decisão de escolha do que será permanente.
Eastwood (2003)Quanto mais plural uma sociedade, maior a necessidade de métodos de decisão sobre a preservação de fontes para a compreensão do passado.
Silva e Ribeiro (2004)Avaliação de todo tipo de informação - não só documentos de arquivo - mediada pelos critérios de pertinência, densidade e frequência.
Vázquez Murillo (2006)Conceito de vigência como centro do ciclo vital arquivístico. Após vigência, necessidade de prazo precaucional antes da decisão de eliminação ou guarda permanente.
Fonte: Nascimento e Oliveira (2014)

O primeiro autor destacado por Nascimento e Oliveira (2014) é Jenkinson[4], para quem a eliminação de documentos deveria ficar a cargo dos produtores, sem participação dos profissionais do arquivo, visto que a participação destes últimos feriria a confiabilidade dos registros. Anos mais tarde, o arquivista americano Philip Brooks[5], nos anos 1940, teria proposto a ideia de que documentos sem valor legal, administrativo ou de interesse histórico deveriam ser eliminados. Com base nessas idéias, o também americano Theodore Schellenberg, já nos anos 1950, enuncia sua teoria dos valores primários e secundários como critérios para reduzir a incerteza do processo de avaliação de documentos.

A teoria do valor de Schellenberg (2004) parte da ideia de que existem diferentes tipos de usuários de documentos de arquivos, para os quais haveriam diferentes valores envolvidos. O valor primário dos documentos de arquivo estaria ligado às necessidades do órgão que produziu os documentos, envolvendo valores jurídicos, fiscais e administrativos, caracterizando interesses de usuários internos. Por sua vez, os documentos de arquivo apresentariam um valor secundário, ligado a provas de existência e funcionamento do órgão produtor, e contendo informações eventualmente interessantes sobre fatos, pessoas e coisas para outros tipos de pesquisadores fora do contexto de produção.

Com base nessa teoria, os gestores procuram identificar os valores dos documentos de arquivos. Os documentos perdem valor primário com o passar do tempo, dependendo de sua vigência. Com a perda do valor primário e sem a identificação do valor secundário, os documentos poderiam passar por eliminação. Já os documentos de valor secundário não podem, de maneira alguma, ser eliminados. A identificação dos valores documentais embasa a imagem de um ciclo de vida do documento, em que seus valores embasam sua frequência de uso e necessidade de manutenção próxima aos produtores (fases corrente e intermediária) ou a eliminação ou encaminhamento para preservação (fase permanente). No processo de identificação e atribuição desses valores, constroem-se instrumentos de destinação de documentos, entre os quais o mais importante é a tabela de temporalidade (SCHELLENBERG, 2004).

O processo de valoração costuma ser aplicado de maneira “micro”, ou seja, considerando toda a série ou classe documental. Por exemplo, de acordo com a tabela de temporalidade de atividades no meio da Administração Pública Federal, todo material classificado na classe 012 (Comunicação Social), subclasse 012.1 Divulgação Interna, foi valorado como tendo valor primário durante dois anos (prazo pelo qual deverá ser preservado, nenhum prazo previsto para guarda intermediária e eliminação após esse período, porque teria perdido seu valor primário).

Comissões de avaliação são previstas na teoria do valor para a determinação dos prazos, tendo como membros representantes dos órgãos produtores arquivistas, juristas, historiadores e, em casos especiais, consultores ad hoc acerca de temas mais especializados, e têm como competência a concepção das tabelas de temporalidade e aprovação das listagens de transferência e eliminação.

Retomando a compilação de autores realizada por Nascimento e Oliveira (2014), é só nos anos 1990 que se elabora o que se denomina macroavaliação, por Terry Cook[6] e outros profissionais do Arquivo Nacional canadense. Para definir o que será preservado, parte-se do valor social das funções dos órgãos que criaram os documentos para que se possa compreender seu contexto de criação, além de inovar ao considerar as maneiras como esses documentos se relacionam com os diversos grupos sociais, procurando guarnecer o processo de decisão de elementos que reflitam os interesses do conjunto de cidadãos para além dos interesses do Estado.

Outros autores são citados no estudo de Nascimento e Oliveira (2014), cada qual acrescentando pontos de vista que não necessariamente se opõem, mas se complementam: Duranti[7], colocando que a avaliação de documentos terminou por fazer parte do discurso de legitimação da importância do trabalho arquivístico; Rousseau e Couture[8], colocando a avaliação como função aplicada aos arquivos correntes e intermediários, dentro de um programa integrado que permita a decisão de escolha do que será permanente; Eastwood[9], alegando que quanto mais plural uma sociedade maior a necessidade de métodos de decisão sobre a preservação de fontes para a compreensão do passado; Vázques Murillo (2006), considerando o conceito de vigência como centro do ciclo vital arquivístico, guiando os procedimentos de definição de valores. Entendemos que neste levantamento Silva e Ribeiro[10] acabam por ter um posicionamento um tanto distinto. Além de compreenderem a avaliação como uma função aplicável a qualquer tipo de informação, não só a documentos, partem de critérios determinados e mensuráveis (pertinência, densidade e frequência).

A teoria do valor tem sido criticada por ser arcaica, impossível de ser levada a cabo quando centrada no documento, orientada aos historiadores, partindo essencialmente da conservação de informações relevantes aos gestores dos órgãos produtores. Sua implementação acabaria por preterir outras vozes que fazem parte da constituição dos arquivos, o que seria temerário, especialmente porque a razão de existência de tais instituições, em última análise, é servir ao cidadão (HERNANDES OLIVERA, 2009). Outra crítica em relação à teoria do valor é que ela seria por demais subjetiva, ligada a um paradigma tecnicista, pouco científico (RIBEIRO, 2002).

Os critérios de avaliação podem variar conforme a corrente teórica ou inclinações políticas dos gestores do processo, gerando dispositivos normativos e técnicos que organizam, registram, conduzem e legitimam as decisões tomadas pelos gestores das organizações que produzem arquivos.

Nascimento e Oliveira (2014) avaliam que na política de avaliação de documentos brasileira destaca-se a influência das ideias de Schellenberg (2004), seguidas de Rousseau e Couture (1998) e Vázquez Murillo (2006). Outro importante aspecto que as autoras colocam é a questão da participação do arquivista no processo de construção da memória. Depois de levantarem alguns apontamentos de diferentes autores, concluem que:

Se observa que no existe un consenso de los autores respecto el papel desenpeñado por el archivista en la construcción de la memoria de la sociedad al realizar la valoración de documentos de archivo. Sin enbargo, no es posible ignorar que la subjetividad presente en el proceso de elección interfiere en la construcción de un fondo que prioriza una determinada mirada. (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2014, p. 400).

A responsabilidade pela construção da memória é estendida à Arquivologia como disciplina científica por Mancipe-Flechas e Vargas-Arbeláes (2013), porque essa tarefa seria parte de um aspecto epistemológico, sendo inerente à função social do campo de estudos. Destacam, ainda, o papel proativo necessário aos arquivistas no processo de escolha dos documentos a preservar, como parte de um paradigma pós-custodial. Como exemplo prático desse novo papel da Arquivologia e dos arquivistas, os autores citam o trabalho requerido no Centro de Memória Histórica (CMH) criado pelo Estado colombiano, tratando-se, também, de uma política de memória.

No CMH, além das clássicas atividades de tratamento, custódia e acesso, há a necessidade de participação ativa na criação documental - registro de testemunhos, relatos, criação de dossiês, etc. Nesse sentido, os arquivistas são convocados a cumprir seu papel na criação da memória histórica, junto a outros grupos sociais e de direitos humanos, recusando seu lugar de neutralidade (MANCIPE-FLECHAS; VARGAS-ARBELÁES, 2013).

4 Brasil e Uruguai: proximidades contextuais históricas em relação aos arquivos da ditadura e políticas de avaliação de arquivos

Em que pesem as importantes diferenças territoriais e populacionais entre o Brasil e o Uruguai, os dois países apresentam algumas semelhanças no que se refere a sua história política, especialmente aos seus últimos períodos ditatoriais. Em um estudo mais amplo sobre a região que envolve o Cone Sul, apresentando de forma comparada Argentina, Chile, Brasil e Uruguai, Gallo (2017) aponta quatro aspectos que se manifestaram de maneira análoga nesses países do Cone Sul. O primeiro deles refere-se ao contexto internacional em que ocorreram os golpes de Estado (que deram início às ditaduras). Trata-se do período de polarização internacional entre Ocidente capitalista e Leste Europeu, Ásia e América Latina, constituindo a chamada Guerra Fria. Os Estados Unidos promovem, então, a Doutrina de Segurança Nacional, um conjunto de medidas a serem seguidas por seus aliados, sobretudo a caça aos seus inimigos internos, que podia ser qualquer cidadão que fosse considerado “subversivo” por parte do regime autoritário. Um segundo aspecto seria o fato de que o tipo de golpe e as ditaduras consequentes foram articuladas por civis e militares. O terceiro aspecto que demonstra a semelhança na história política do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile seria o uso contínuo e deliberado da violência política por parte do Estado. O quarto e último aspecto seria o modo como lidaram, como tentaram resguardar a responsabilização dos agentes envolvidos na repressão, ao menos em um primeiro momento, criando legislação que os protegesse de punições.

No Brasil, a ditadura civil-militar inicia em 1964 e encerra oficialmente em 1985, quando ocorre a posse do presidente José Sarney e as Forças Armadas que haviam ocupado o Poder Executivo deixam o poder. O Uruguai vive sob uma ditadura entre 1973 e 1985. Ambos os países, além das semelhanças já mencionadas, possuem, em comum, o tipo de transição à democracia: as ditaduras brasileira e uruguaia chegaram ao final mediante transições negociadas e/ou pactuadas. Isto é, a forma como se deu a saída dos setores que haviam chegado ao poder com os Golpes de Estado ocorre de maneira que nenhuma grande ruptura é realizada no momento em que as bases da nova democracia são fixadas. Em linhas gerais, são processos de transição razoavelmente duradouros (no Brasil, entre 1974 e 1985, no Uruguai, entre 1980 e 1985), altamente controlados (ainda que não totalmente) pelos setores que estavam no poder, e que fixaram garantias para que os mesmos pudessem ser mantidos no novo regime, sem prestar contas pelo que fizeram na vigência do autoritarismo (ARTURI, 2001; GALLO, 2017; O’DONNELL, SCHMITTER, 1988).

De acordo com Rodrigues (2017), algumas características podem ser destacadas no contexto do Cone Sul, tanto antes quanto após a instauração dos golpes militares (Quadro 1).

Quadro 1
Características comuns na região do Cone Sul à época dos golpes militares
Características contextuaisCaracterísticas comuns após os golpes de Estado
-Discursos anticomunista e anticorrupção -Evocação da Doutrina de Segurança Nacional - Guerra Fria -Apoio dos Estados Unidos (CIA) - Revolução Cubana -Militares à frente dos Golpes -Presença atuante de movimentos de extrema-esquerda -Crise econômica, com inflação alta. -Regime democrático instaurado há algumas décadas-Criação de órgãos de informação e vigilância centralizados -Estreitamento dos vínculos entre a polícia e as Forças Armadas, as polícias políticas com todo poder -Criação de operações conjuntas, a exemplo do Plano Condor -Vigilância da sociedade, especialmente dos movimentos políticos e organizações associativas -Prisões, assassinatos, “desaparecimentos” e torturas dos opositores políticos (violação dos direitos humanos) de forma subterrânea ou explícita - Produção exaustiva de documentos de arquivo (alta burocratização)
Fonte: Rodrigues (2017).

Em relação às medidas que dizem respeito a demandas por memória, verdade e justiça, Brasil e Uruguai não revogaram suas leis de impunidade, mas criaram comissões da verdade e indenizaram vítimas do período repressivo. O Uruguai, no entanto, conseguiu julgar antigos dirigentes e outros agentes por violações de direitos humanos (GALLO, 2017), o que não ocorreu no Brasil, exceto em alguns processos civis, não resultando em punições.

4.1 O panorama dos arquivos de órgãos repressivos da ditadura no Uruguai e no Brasil

No Uruguai, a Lei 15.848 (conhecida como Ley de Caducidad de Pretensión Punitiva del Estado), que barra a punição de agentes do período repressivo, também estabeleceu que fossem investigadas as denúncias de desaparecimentos apresentadas até a data da promulgação da mesma. Para isso, e em continuidade ao estabelecido no relatório final da Comisión para la Paz[11] (URUGUAI, 2003) foi realizado um convênio entre a Presidência da República e a Universidade da República (UDELAR) no ano de 2005, criando uma equipe de pesquisadores focados, em um primeiro momento, no período de 1973-1985 (período de duração do regime), embora algumas denúncias de desaparecimento tenham provocado a dilatação do período investigado. Entre as atribuições da equipe de pesquisa estavam “La realización de un relevamiento de Archivos estatales y no estatales, nacionales y regionales sobre el período histórico a investigar, a los efectos de iniciar contactos y gestiones para su consulta;” (URUGUAI, 2006, p. 16).

Nesse processo foram verificados diversos problemas de acesso, seja devido ao marco legal que tornava esses documentos sigilosos, seja sobre a falta de informação sobre seu paradeiro, incluindo a possibilidade de expurgos, inclusive em casos autorizados pela lei. Durante o período de pesquisa e levantamento muitos desses documentos foram recolhidos ao Arquivo Nacional do país, levando ao questionamento acerca da necessidade de uma instituição específica para abrigá-los e difundi-los (CAETANO, 2017). A maior parte desses documentos está disponível para consulta no Archivo General de la Nación (AGN), sob o fundo Oficina de Información de DerechosHumanos, tendo como principais produtores O Estado Mayor Conjunto (ESMACO), Escuela de Inteligencia del Ejército e Corte Electoral[12] (URUGUAI, 2017).

No Brasil, a Lei 6.683/1979, conhecida como a Lei de Anistia (BRASIL, 1979), previa, em seu Artigo 6º, uma forma legal de denúncia de desaparecimento motivado pelas ações do regime ditatorial, permitindo a solicitação de uma declaração de ausência da pessoa desaparecida. A reunião de provas e documentos ficava a cargo do denunciante, não prevendo nenhuma forma de ação direta de caráter investigativo por parte do Estado.

A efetiva “abertura” dos arquivos desse período sombrio no Brasil foi iniciada com a assinatura do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Decreto Nº 5.584, de 18 de novembro de 2005, que dispunha sobre o recolhimento ao Arquivo Nacional dos documentos arquivísticos públicos produzidos e recebidos pelos extintos Conselho de Segurança Nacional (CSN), Comissão Geral de Investigações (CGI) e Serviço Nacional de Informações (SNI), que estavam sob a custódia da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) (BRASIL, 2005). A abertura, entretanto, pode ser considerada relativa, já que mesmo depois da promulgação da Lei de Acesso à Informação (2011), o acesso aos arquivos permaneceu com restrições, especialmente por parte das Forças Armadas.

Por outro lado, uma Comissão Nacional da Verdade foi instalada no país somente em 2012 durante o governo da Presidenta Dilma Rousseff, com o foco principal de apuração de casos de desaparecidos políticos (BRASIL, 2014). Durante o período de funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, foi acumulado um acervo contendo documentos, testemunhos de vítimas e familiares, depoimentos de agentes da repressão política, fotografias, vídeos de audiências públicas, diligências e depoimentos, laudos periciais, livros, etc. Esse acervo foi recolhido ao Arquivo Nacional, disponível para consulta sob o fundo de mesmo nome.

Um importante mecanismo de acesso à informação de documentos dos órgãos repressivos no Brasil foi a criação do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado "Memórias Reveladas", criado para dar continuidade às iniciativas de acesso à informação do período ditatorial. O Memórias Reveladas, através de convênios com diversas instituições arquivísticas, comissões da verdade regionais e interinstitucionais, bem como organizações de direitos humanos, cria uma grande rede que disponibiliza, quando não os documentos (porque o processo de digitalização desses acervos ainda é incipiente) informações sobre onde e como acessá-los[13] (BRASIL, 2019b).

Nos dois países ocorreram casos de aparecimento de documentos sensíveis em circunstâncias não oficiais (casos Berutti e Castiglioni, no Uruguai, e os documentos apreendidos pela Polícia Civil gaúcha na residência do Coronel do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do Destacamento de Operações de Defesa Interna - DOI-Codi, no Brasil, por exemplo). Em entrevista realizada por Thiesen a Carlos Bacellar, ex-diretor do Arquivo Público do Estado de São Paulo, este último afirma que as maiores lacunas no acervo do período da ditadura referem-se a documentos administrativos, especialmente os referentes a recursos humanos (THIESEN, 2014). Embora ele se refira ao conjunto de documentos do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP), imagina-se que tal lacuna seja comum a diversos acervos desse período, uma vez que até a promulgação da Lei de Arquivos (BRASIL,1991), estavam em vigor decretos militares[14] que autorizavam a destruição de documentos.

Cabe considerar que documentos que venham a comprovar ações contra os direitos humanos nos períodos repressivos não são encontrados apenas nos órgãos destinados à repressão. A própria estrutura e funcionamento do Sistema Nacional de Informação, por exemplo, demonstra essa possibilidade, já que entre suas competências figuravam “[...] os necessários entendimentos e ligações com os governos dos estados, com entidades privadas e, quando for o caso, com as administrações municipais;” (BRASIL, 1964).

4.2 As normativas de avaliação de documentos de arquivo no Uruguai e no Brasil

No Uruguai, a lei que estabelece o Sistema Nacional de Arquivos é regulamentada pelo Decreto 335, do ano de 2012 (URUGUAI, 2012). O órgão cabeça do sistema é o AGN, que faz parte da estrutura do Ministério da Educação e Cultura. A lei estipula que nenhum documento pode ser eliminado sem prévia consulta ao AGN e à Comisión de Evaluación Documental de la Nación. No decreto também é definido o conceito de avaliação de documentos que o Sistema Nacional de Arquivos uruguaio utiliza:

Evaluación Documental: Es un proceso archivístico-administrativo, con actuaciones archivísticas y trámites administrativos. Sus etapas pueden ser las siguientes: identificación, valoración, selección, aprobación o sanción, ejecución o aplicación, control y cuantificación. Afecta a las series documentales [...]. (URUGUAI, 2012, s. p.).

Um ponto interessante no decreto uruguaio é a definição de patrimônio documental incluir o corte cronológico de mais de 40 anos ou mais de 100 anos, segundo conceito do Dicionário de Terminologia Arquivística do Conselho Internacional de Arquivos. Entende-se que as normativas criadas não terão efeito retroativo na avaliação de documentos, especialmente em relação a materiais longevos.

Mais especificamente, estão publicadas as Directrices Generales para la Evaluación Documental a nivel Nacional. Trata-se de um manual que, entre outros elementos, apresenta a fundamentação da metodologia de avaliação documental proposta, com a apresentação dos conceitos e métodos para identificar séries documentais e como determinar seu valor, uma vez que parece ser especialmente voltada para o uso das comissões de avaliação setoriais.

Entre os critérios definidos para a determinação do valor secundário dos documentos, encontram-se critérios de procedência, diplomáticos, de utilização e acesso, bem como uma lista de tipologias documentais para guarda permanente. Destacam-se, aqui, os critérios de conteúdo:

Prevalecerá la conservación de los documentos y series que recojan información sustantiva y esencial para reconstruir la historia, funcionamiento y trayectoria de su productor.

- Serán susceptibles de eliminación aquellos documentos y series que contengan información repetitiva e incompleta, lo cual deberá ser constatado.

- Primará la conservación de las series y documentos que poseen la relevancia para el conocimiento y la explicación de fenómenos. sociales o culturales.

- Toda documentación que se encuentre en poder del Estado, que haya sido producida o recibida entre los años 1973 y 1985 se conservará íntegramente sin excepciones. Esto obedece a una política de memoria histórica respecto al período de dictadura cívico-militar ocurrido en el Uruguay. (URUGUAI, 2014, p. 23-24).

É possível identificar menção direta à política de memória histórica em relação ao período ditatorial. Mesmo que grande parte da metodologia de avaliação de arquivos do Uruguai seja embasada na teoria do valor, essa inclusão de critérios de conteúdo pode ser identificada como uma medida macro valorativa, que inclui demandas sociais além da técnica nos interesses de preservação.

No Brasil, a Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, já definia que “A eliminação de documentos produzidos por instituições públicas e de caráter público será realizada mediante autorização da instituição arquivística pública, na sua específica esfera de competência.” (BRASIL, 1991). A esfera de competência referida está relacionada com a posição do órgão produtor de documentos no Sistema Nacional de Arquivos (SINAR) - uma “rede” de instituições arquivísticas com competências derivadas das diferentes instâncias (federal, estadual e municipal) dos diferentes poderes (executivo, legislativo, judiciário). Essas instituições regulariam, dentro de suas esferas de competência e através de sistemas menores, todos os processos referentes aos documentos de arquivo, desde sua produção até a guarda permanente, regulado pelo executivo federal através do Arquivo Nacional, que preside o SINAR. Para definir a política nacional de arquivos a ser implementada pelo SINAR, foi criado o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), que também é presidido pelo Arquivo Nacional, através de sua direção geral. Outros membros do CONARQ são representantes dos poderes Judiciário Federal, Judiciário Estadual, Legislativo Federal, dos Arquivos Públicos Estaduais e do Distrito Federal, dos Arquivos Públicos Municipais, das instituições mantenedoras de curso superior de arquivologia, associações de arquivistas, bem como de instituições que congreguem profissionais que atuem nas áreas de ensino, pesquisa, preservação ou acesso a fontes documentais (BRASIL, 2002).

Entre as normatizações colocadas pelo CONARQ ao SINAR, encontra-se a Resolução n.º 40 (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2014), que define o procedimento de eliminação de documentos. Indica ser necessária a atuação de comissões de avaliação de documentos que sigam o protocolo de registro dos documentos a eliminar (lista de eliminação), publicação dessa lista (por meio de edital de eliminação) e registro da eliminação efetiva (termo de eliminação). A lista de eliminação deve estar embasada nos prazos propostos pela Classificação, Temporalidade e Destinação de Documentos de Arquivo (BRASIL, 2001) relativas às atividades-meio da Administração Pública, cabendo aos órgãos integrantes do SINAR a responsabilidade de adaptação deste código as suas necessidades, bem como a ampliação desse código para suas próprias atividades-fim (BRASIL, 2001). Não foram encontradas resoluções ou manuais que indiquem especificamente a metodologia para a construção dos planos, ou de condução do processo de avaliação pelos órgãos do SINAR partindo do CONARQ.

Ademais, as resoluções que tratam da avaliação de documentos brasileiros não expressam claramente se seus efeitos são retroativos, ou seja, se serão aplicáveis a massas documentais acumuladas nos órgãos em momentos anteriores à implementação do programa de gestão de documentos.

A constituição da Tabela de Temporalidade de Atividades-Meio da Administração Pública (BRASIL, 2001) nos permite inferir que ela está baseada na teoria do valor, uma vez que admite prazos de vigência e guarda intermediária para classes organizadas por princípio de conteúdo (assunto) ora por função (competência), sem informações sobre o processo de tomada de decisão para cada prazo (algumas tabelas de temporalidade trazem o embasamento legal para definição desses limites temporais).

Não foram encontradas indicações de critérios macro valorativos na política de avaliação de documentos de arquivo brasileira, nem menções a políticas de memória em nenhuma das resoluções do CONARQ.

5 Conclusão

Uruguai e Brasil, guardadas as diferentes dimensões territoriais e populacionais, apresentam semelhança no que se refere ao seu último período de exceção democrática, assim como demais países do Cone Sul. Além disso, ambos apresentaram processos de transição negociada para redemocratização.

Embora os dois países tenham tomado medidas de elaboração do passado, o Uruguai parece ter respostas mais incisivas, especialmente em relação à punição de agentes que atuaram no regime repressivo. Em relação às demandas por verdade, ambos constituíram comissões para esclarecer acontecimentos, especialmente, desaparecimentos de pessoas envolvidas na luta política. Nesse sentido, a busca e a consulta por documentos é parte fundamental.

Os documentos de órgãos responsáveis pelo controle social e político das ditaduras nesses dois países foram, na medida do possível, transferidos para seus respectivos arquivos nacionais, reconhecendo-se que esse material pode apresentar lacunas, seja por ações intencionais de ocultação de informações de maneira calculada, seja por ações registradas e autorizadas pela legislação da época. Entretanto, é indiscutível que documentos que possam vir a comprovar situações de violações de direitos humanos não foram produzidos apenas em órgãos especialmente envolvidos com a repressão. Daí a relevância de ampliar a preocupação com a conservação de materiais desse período. O locus para garantir que esses documentos, nas diversas instituições que tenham sido produzidos, é a política de avaliação arquivística de um país.

A análise das normativas de avaliação de documentos no Uruguai e no Brasil mostra que os dois países incorporam em sua metodologia a teoria do valor para estabelecer prazos para guarda e eliminação de documentos. Trata-se de uma teoria com grande aceitação no campo da Arquivística, mas que tem recebido algumas críticas por limitar as escolhas acerca da conservação de documentos a critérios técnicos. Nesse sentido, outras correntes, como, por exemplo, a avaliação macro valorativa, poderia incluir outros interesses mais amplos, representativos de demandas sociais, sem deixar de considerar as preocupações que renderam à teoria do valor sua notoriedade: uma maneira de reduzir a incerteza no momento de racionalizar a produção e a guarda de documentos de maneira racional e eficiente.

Incluir critérios relativos às políticas de memória é uma maneira de incorporar medidas macro valorativas na metodologia de avaliação de documentos. Essa característica foi encontrada apenas na normativa uruguaia, que propõe, além de critérios de valor primário e secundário, a conservação total de toda documentação de 1973-1985.

Em vista disso, é preciso deixar claro que não se sugere um retorno à conservação total de documentos, ou uma total abolição da teoria do valor como critério de definição de prazos de guarda, mas sim que medidas macro valorativas poderiam ser incluídas para que o patrimônio documental resultante desse processo fosse mais representativo das demandas da sociedade. Neste caso, seria interessante que os agentes políticos preocupados com a elaboração do passado e com a educação para a defesa dos direitos humanos, bem como demais grupos sociais que demandam respostas do Estado nesse campo, incluíssem essa pauta de forma mais efetiva nas reivindicações dos agentes sociais e nas políticas públicas.

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Notas

1 O termo é utilizado por Jelín (2017, p. 5), referindo-se a “[...] grupos sociales activos que lideran con energía emprendimientos específicos orientados en una primera etapa de manera muy pragmática a la recuperación de información para resolver casos individuales y llevar adelante denúncias colectivas” nos casos de violação de direitos humanos.
2 NORA, Pierre. Missions et enjoux des archives dans les sociétés contemporaines. Comma, International Journal on Archives, [s.l.], v. 2-3, p. 47-50, 2003.
3 Nos Estados Unidos, por exemplo, existem duas profissões distintas equivalentes ao que pode ser identificado como arquivista no Brasil: o records manager, que trabalha em arquivos administrativos, correntes e intermediários, com formação geralmente com grau universitário, e o archivist, que trabalha com arquivos históricos e tem formação com pós-graduação.
4 JENKINSON, Hilary. Manual of Archieve Administration. London: Percy Lund, 1922. Apud Nascimento e Oliveira (2014).
5 BROOKS, Philip Coolidge. The Selection of Records for Preservation, The American Archivist, [s.l.], vol. 3, n.4, p. 221-234, 1940.
6 COOK, Terry. Interacción entre la teoría y la práctica archivísticas desde la publicación del manual holandés en 1898. In: Actas del Congreso Internacional del Archivos. Pequim: ICA, [s.d]. Apud Nascimento e Oliveira (2014).

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7 DURANTI, Luciana. The Concept of Appraisal and Archival Theory. American Archivist, [s.l.] vol. 57, 1994. Apud Nascimento e Oliveira (2014).
8 ROUSSEAU, Jean Yves.; COUTURE, Carol. Os fundamentos da disciplina arquivística. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998. Apud Nascimento e Oliveira (2014).
9 EASTWOOD, Terry. La valoración archivística en las sociedades democráticas, Tabula: Revista de Archivos de Castilla y León, [s.l], n.6, p.75-85, 2003. Apud Nascimento e Oliveira (2014).
10 SILVA, Armando Malheiro da; RIBEIRO, Fernanda. A avaliação em arquivística: reformulação teórico-prática de uma operação metodológica, Páginas A&B, [s.l.], n. 5, 2000. Apud Nascimento e Oliveira (2014).
11 Comissão da verdade uruguaia, instituída em 2000 para receber, analisar, classificar e coletar informações sobre desaparecimentos forçados que ocorreram durante o regime.
12 A história institucional desse fundo é descrita no Guia de Fundos do Arquivo Geral da Nação do Uruguai da seguinte forma: “El 16 de diciembre de 1971 se crearon: la Junta de Comandantes en Jefe (JCJ) y el Estado Mayor Conjunto (ESMACO) de las Fuerzas Armadas. El ESMACO dependía directamente de la Junta de Comandantes en Jefe y planificaba la acción en directa relación con el recreado Servicio de Información y Defensa (SID). No era ejecutor de operaciones, sino que estaban a cargo del Organismo Coordinador de Operaciones Antisubversivas (OCOA) instaurado en cada una de las cuatro Divisiones de Ejército, tenía tres funciones: la de coordinador “tareas de información, asesoramiento y planificación de operaciones del conjunto de las Fuerzas Armadas”), de especialista (“enseñanza, movilización, defensa civil, estadísticas, historia, acción cívica”) y de “personal (administrativa). La Corte Electoral es un organismo público autónomo en la República Oriental del Uruguay, encargado de organizar y fiscalizar los actos electorales: elecciones, referéndums sobre leyes y plebiscitos constitucionales. Una de sus tareas consiste llevar el denominado “Registro Cívico Nacional”, un padrón electoral de las personas (ciudadanos y no ciudadanos) con derecho a voto. Su organización y funciones se encuentran reguladas por la sección XVIII de la Constitución de la República y por la Ley 13882. En 1977 el gobierno cívico-militar decretó la intervención de la Corte Electoral, nombrando un directorio de tres miembros que se mantuvo hasta la designación de sus nuevos titulares por el Parlamento democrático en 1985. Durante la dictadura, la Corte nunca cesó en sus funciones. En ese periodo se realizaron tres comicios: un plebiscito constitucional en 1980, las elecciones internas de los partidos políticos en 1982 y las elecciones nacionales en 1984. Pese a la intervención, en todas estas instancias la transparencia de los procesos fue reconocida mundialmente, así como por todos los participantes en ellos” (URUGUAI, 2017, p. 91).
13 Lembrando que os acervos que tiveram o acesso facilitado pela digitalização e disponibilização online pelo Memórias Reveladas são de documentos já organizados e assim identificados pelas instituições arquivísticas de estados e municípios.
14 Decreto 27.583, de 14 de dezembro de 1949; Decreto 60.417, de 11 de março de 1967; Decreto 79.099, de 06 de janeiro de 1977.

Autor notes

1 Doutoranda; Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

eminteguimail@gmail.com

2 Doutor; Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

galloadv@gmail.com

3 Doutor; Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

cezar.karpinski@gmail.com

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