Resumo: O estudo da produção científica e da formação acadêmica em um país, área ou mesmo instituição é uma das principais funções da cienciometria; por exemplo, ao conseguir apontar quais têm fornecido mais alto retorno à sociedade. Este artigo analisa o universo de indivíduos que, de 1970 a 2016, concluíram ou orientaram um doutorado, com base em dados extraídos de currículos cadastrados na Plataforma Lattes; esse conjunto totaliza 174.318 indivíduos, a partir do qual se traça um amplo panorama do processo de doutoramento no Brasil. Especial atenção é dedicada ao sexo dos orientados e orientadores, inclusive às quatro configurações possíveis de ocorrer entre eles, bem como às diferenças existentes entre as nove grandes áreas de atuação. Além do processo de doutoramento em si, avalia-se a produção científica dos orientados, com e sem parceria com o orientador, o tempo de ligação entre eles, e a parcela de orientados que permanece no meio acadêmico. Os resultados mostram crescente participação feminina no processo, com a porcentagem de orientadas tendo ultrapassado a de orientados, em 2000, e a de orientadoras aparentando seguir a mesma tendência, mas com 20 anos de atraso. Mostram também um crescimento na produção de artigos em periódicos pelos orientados, e uma queda na porcentagem de orientados que segue carreira acadêmica, aspecto em que o ano de conclusão do doutorado mostrou-se o fator com mais alta influência.
Palavras-chave:DoutoramentoDoutoramento,Produção científicaProdução científica,Mulheres na ciênciaMulheres na ciência.
Abstract: The study of scientific production and academic training in a country, area or even an institution is one of the main functions of scientometrics, for example pointing out which ones have provided the highest return to society. This paper analyzes the universe of 174,318 individuals who, from 1970 to 2016, completed or supervised a Ph.D., based on data extracted from curricula registered in the Lattes Platform, outlining a broad panorama of the doctoral process in Brazil in the period. Special attention is given to the gender of the advisers and advisors, including the four possible configurations that may occur between them, as well as the differences between the nine major areas of knowledge. In addition to the doctoral process itself, this article assesses the scientific production of the advisee, with and without collaboration with the advisor, the relationship period between them and the percentage of the advisers who remain in the academic environment. The results show increasing female participation in the process, with the percentage of supervised women having surpassed that of supervised men in 2000 and that of supervisors’ women appearing to follow the same trend, but with a 20-year delay. They also show an increase in the production of journals' papers by the students, a drop in the percentage of students who follow an academic career, an aspect in which the year of finishing the Ph.D. showed to be the factor with the greatest influence.
Caracterizando o processo de doutoramento no Brasil ao longo dos anos: período de formação, sexo e produção acadêmica
Characterizing the doctoral process in Brazil over the years: period of training and academic production
Recepción: 25 Marzo 2020
Aprobación: 06 Julio 2020
O estudo das características e da trajetória da produção científica e da formação acadêmica (graduação e pós-graduação) de uma instituição, de uma grande área ou de um país é uma das principais funções da cienciometria. Esta é capaz de fornecer importantes subsídios aos governos, apontando, por exemplo, quais instituições, grandes áreas e até mesmo pesquisadores individuais têm fornecido mais alto retorno à sociedade, tendo como base o investimento feito. Tomando como base algumas características da produção científica nacional constante na Web of Science, período 2011-2016, Cross et al. (2018) mostram que o Brasil tem aumentado sua importância em relação ao número de publicações – chegando à 13a posição – e ampliado sua participação na publicação dos artigos mais citados no mundo.
Para todo e qualquer país, o crescimento de sua produção científica – em quantidade e em impacto – depende de quadros capacitados em pesquisa e em métodos científicos; disso resulta a preocupação com o estímulo ao crescimento dos programas de pós-graduação stricto sensu no país, bem como a criação de instâncias e de mecanismos de medição da qualidade desses programas e da produção científica, de forma geral. Por exemplo, Tuesta et al. (2015) estudam a formação de doutores no Brasil na área de Ciências Exatas e da Terra, considerando período de orientação e eventual elaboração de outros materiais científicos, a exemplo de artigos de periódico.
Em relação à responsabilidade pela produção científica brasileira, há pesquisas que analisam sua distribuição por instituição, por região geográfica e por características dos pesquisadores, a exemplo de sexo, raça/etnia e senioridade (FERRARI et al., 2018; LETA e LEWISON 2003; LETA 2014; VALENTOVA et al., 2017; TUESTA et al., 2019; FERREIRA et al., 2008; SANDSTRÖM, 2009). Perlin et al. (2017) associam publicações de 1990 a 2014 com fatores como local do doutoramento e tempo para completá-lo, mostrando que os pesquisadores com doutorado de instituição estrangeira publicaram menos, mas com maior impacto, e que os que demoraram menos para concluir o doutorado publicaram mais.
O objeto de estudo do presente artigo é o universo de indivíduos que, no período 1970-2016, tiveram seu doutorado concluído e/ou orientaram, pelo menos, um(a) orientado(a) com doutorado concluído. O universo de dados utilizados foi extraído de currículos cadastrados na Plataforma Lattes. Em dezembro de 2016, um total de 4.844.277 currículos Lattes foram copiados da supracitada plataforma, no formato XML. Desse conjunto, 153.342 currículos apresentavam, simultaneamente, duas condições necessárias ao presente artigo, a saber: a) ter, pelo menos, um doutorado concluído, iniciado a partir de 1970; e b) ter, pelo menos, um doutorado concluído, encerrado até 2016. Foram também identificados e estudados os currículos Lattes de 32.936 pesquisadores responsáveis pela orientação dos 153.342 doutores selecionados. Destaca-se o fato de que 11.960 pesquisadores ocupam essas duas posições (orientado e orientador) dentro do presente trabalho – no período 1970-2016, começaram e terminaram seu doutoramento, bem como foram orientadores de doutorado(s) concluído(s). Assim, trabalha-se com um conjunto de 174.318 indivíduos. Para a extração de dados desse conjunto, foram desenvolvidos programas próprios de computador. Os seguintes dados foram extraídos:
a) sexo: no currículo Lattes, o campo pode assumir apenas dois valores, a saber: i) “F” (feminino); e ii) “M” (masculino). Do conjunto selecionado, no total, 23.254 dos 153.342 doutores selecionados (15,17% do total) não possuem esse dado, ao passo que 67.799 (44,21%) são do sexo feminino e 62.289 (40,62%) são do sexo masculino;
b) ano de início e ano de fim do doutorado: frisa-se que não há dados acerca dos meses de início e de fim do doutorado. Considera-se, para fins de cálculo, apenas os anos;
c) artigos publicados em periódicos científicos: tanto para orientados quanto para orientadores, foi extraída a lista de artigos publicados em periódicos científicos, cada um deles com os seguintes dados: i) ano de publicação; ii) título do artigo; iii) lista de autores; iv) nome do periódico científico; e v) ISSN do periódico científico;
d) grande(s) área(s) de atuação: para cada currículo Lattes, foi extraída a lista de sua(s) grande(s) área(s) de atuação. Na média, cada um dos 153.342 doutores selecionados declarou 1,39 áreas de atuação e todos possuíam ao menos uma área declarada. As grandes áreas de atuação são as seguintes: i) Ciências Agrárias; ii) Ciências Biológicas; iii) Ciências da Saúde; iv) Ciências Exatas e da Terra; v) Ciências Humanas; vi) Ciências Sociais Aplicadas; vii) Engenharias; viii) Linguística, Letras e Artes; e ix) Outras (Interdisciplinar).
O presente artigo apresenta três objetivos principais. O primeiro é eminentemente descritivo, e consiste em traçar um amplo panorama do processo de doutoramento no Brasil, para o período 1970-2016, inclusive no que concerne sua trajetória. Especial atenção é dedicada ao sexo dos(as) orientados(as) e orientadores(as), inclusive às quatro configurações possíveis de ocorrer entre orientado(a) e orientador(a) (M-M, M-F, F-M e F-F), bem como às diferenças existentes entre as nove grandes áreas de atuação. Além do processo de doutoramento em si, o presente artigo debruça-se e avalia três pontos relativos ao período pós-doutorado, a saber:
a) a produção científica do orientado;
b) o tempo de relacionamento entre o orientado e o orientador, definido aqui como o resultado do ano de publicação em coautoria do último artigo de periódico subtraído do ano de início do doutorado;
c) a atuação profissional do orientado, apenas no que concerne ele ter ou não se tornado docente.
O segundo objetivo principal é calcular o valor esperado do número de publicações do(a) orientado(a), de acordo com suas características pessoais e de dados específicos do processo de doutoramento, avaliando assim a capacidade preditiva dos dados utilizados no presente trabalho. Já o terceiro objetivo principal é medir a probabilidade de um orientado permanecer na academia, avaliando assim a capacidade preditivas dos dados utilizados.
A principal justificativa para o presente artigo é, para além das análises e avaliações feitas, haver ainda relativa escassez desse tipo de pesquisa no Brasil. Por exemplo, no caso das quatro configurações possíveis, há poucos trabalhos publicados, e, dentre eles, alguns contam com amostras muito pequenas, como Goldstein (1979) e Heinrich (1995). Em Tuesta et al. (2015) e em Tuesta et al. (2019), são realizados estudos mais extensos por meio dos currículos cadastrados na Plataforma Lattes, mas apenas para os brasileiros atuando em Ciências Exatas e da Terra. No presente artigo, faz-se um trabalho mais abrangente, com maior riqueza de dados e análises estatísticas, o que possibilita traçar um panorama mais rico do processo de doutoramento no Brasil.
De posse do conjunto de currículos Lattes e dos dados extraídos, procederam-se a atividades de agregação e desagregação de valores e à utilização de métodos estatísticos simples, de acordo com diferentes perspectivas e com análise dos resultados produzidos. O tempo de formação foi calculado por meio da seguinte fórmula: ano de conclusão do doutorado subtraído do ano de seu início e adicionado de um. Quanto à produção bibliográfica dos orientados, foi considerada a publicação de artigos em periódicos tanto aquela publicada em coautoria com o respectivo orientador quanto sua total.
Na análise dos dados coletados, privilegiaram-se o ano de início do doutorado, o sexo do(a) orientado(a) e do(a) orientador(a) e as diferentes grandes áreas de atuação dentro da trajetória do doutoramento no Brasil, ao longo dos anos. A verificação da existência de coautoria entre orientado e orientador foi realizada por meio do método proposto por Digiampietri et al. (2014). Para o valor esperado do número de publicações do orientado, foi elaborado um procedimento de modelagem estatística pelo uso do Modelo Linear Generalizado (Generalized Linear Model – GLM). Foi utilizado como modelo estatístico para a variável resposta a família Poisson com função de ligação Logit. Para a modelagem, os fatores utilizados foram os seguintes: a) as quatro configurações; e b) as grandes áreas de atuação. As covariáveis utilizadas foram as seguintes: a) tempo de duração do doutorado; e b) tempo de relacionamento entre orientado e orientador. Para a probabilidade de o orientado permanecer na área acadêmica como docente, foi construído o indicador de permanência (“1” se o orientado permanece na academia e “0” caso contrário), mediante um modelo de regressão logística binária. Foram utilizados os seguintes fatores como preditores: a) as quatro configurações; e b) as grandes áreas de atuação. As covariáveis são as seguintes: a) o tempo de duração do doutorado; e b) o tempo de relacionamento entre orientado e orientador.
Os dados gerais associados ao sexo apontam o crescimento da participação do sexo feminino no ensino superior brasileiro, verificado para todas as décadas e para orientados, orientadores e as quatro configurações.
A Figura 1 apresenta o número de orientados, segundo o ano de início do doutorado, ao passo que a Figura 2 mostra a distribuição percentual desse número, segundo o sexo do(a) orientado(a). Destaca-se que muitos dos ingressantes no doutorado, a partir de 2011, não o haviam concluído até dezembro de 2016, e aqueles que não concluíram não foram selecionados para este estudo. Por isto, a maioria das figuras apresenta apenas dados daqueles que ingressaram até 2010.
É perceptível o aumento do número e da participação do sexo feminino. Nota-se que em 1980 ingressaram apenas 775 orientadas, o número subiu para 4.003 em 1990, 26.045 em 2000 e 94.351, em 2010. Em termos de participação, mais de 60% dos ingressantes do doutorado, em 1984, eram do sexo masculino; em 2010, cerca de 55% dos ingressantes no doutorado eram do sexo feminino. O ponto de inflexão ocorreu no ano 2000, quando a participação do sexo feminino ultrapassou a do sexo masculino, mantendo-se mais alta desde então.
Com exceção de meados dos anos 1970 e da primeira metade dos anos 1980, tem havido também o crescimento da participação do sexo feminino na porcentagem de orientadores, por mais que pareça haver uma defasagem de cerca de 20 anos em relação à porcentagem de orientados. Nos anos 1970 e 1980, pelo menos 70% dos(as) orientados(as) foram supervisionados por homens (ano a ano). Em 2010, essa porcentagem diminui para 59%. Mantida a tendência das últimas décadas, é provável que, nos anos 2020, as mulheres ultrapassem os homens em número de orientadores. A Figura 3 apresenta a proporção de orientados(as) de acordo com o sexo do(a) orientador(a).
O aumento de participação do sexo feminino ocorre considerando as quatro configurações de sexos (dados não mostrados). Para todos os anos de 1970 a 1986, a configuração orientado-orientador possui mais indivíduos do que as outras três juntas. Já de 2000 a 2010, essa configuração caiu de 37,74% para 30,92% do total. Por outro lado, a configuração orientada-orientadora apresenta tendência de alta, desde o início dos anos 1980, chegando a 27,96% do total, em 2010, ficando atrás apenas da configuração orientado-orientador.
A Figura 4 traz a trajetória do tempo médio de doutoramento, segundo o sexo do(a) orientado(a). No período 1970-2010, há poucas diferenças entre homens e mulheres, tanto na média (4,946 anos para o sexo feminino, 4,940 para o masculino) quanto na distribuição entre anos de duração. Na trajetória ano-a-ano, observa-se uma grande variação ao longo dos anos 1970. Isso pode ser explicado pelo baixo número de orientados – particularmente reduzido para as mulheres – e pela existência de regras menos restritivas nos programas de pós-graduação stricto sensu, inclusive acerca do prazo limite da defesa. A partir do início dos anos 1990, há uma convergência no tempo médio de doutorado de homens e de mulheres, bem como sua constante queda. Dado que o tempo de titulação é uma das medidas utilizadas pela CAPES para avaliar os programas, é compreensível a queda verificada nos últimos 20 anos.
Em média, cada orientado(a) declarou atuar em 1,39 grandes áreas. Para cada orientado(a) cujo currículo Lattes traz mais de uma grande área, seus dados foram incluídos em cada uma delas. A Figura 5 mostra a distribuição dos orientados pelas grandes áreas de atuação.
Assim como ocorre para o conjunto de todos os orientados, não há diferenças significativas no tempo médio de titulação entre homens e mulheres, por grandes áreas, por mais que existam diferenças significativas entre as áreas. Em média, a titulação mais rápida ocorre em Ciências da Saúde, com 4,591 anos, e a mais demorada nas Engenharias, com 5,261 anos, ou seja, 14,59% a mais de tempo. O Quadro 1 traz a síntese destes resultados.
O Quadro 2 traz o mesmo tipo de dados, mas considerando o sexo dos(as) orientadores(as). Mais uma vez, não há diferenças significativas entre homens e mulheres. A relação com mais alta diferença ocorre nas Engenharias, nas quais os homens levam, em média, 2,38% a mais de tempo.
A produção de artigos de periódico em coautoria com o(a) orientador(a) tem tido clara tendência de alta, desde meados dos anos 1980. No presente artigo, trabalha-se, primeiramente, contemplando-se o período de doutoramento e os dois anos imediatamente posteriores; isso maximiza as chances de o artigo de periódico ter relação próxima com a tese de doutorado. A Figura 6 traz a trajetória dessa produção (média por orientado(a))
De 1970 a 1985, há oscilações consideráveis, ano-a-ano, tanto positivas quanto negativas – não é possível inferir nenhuma tendência. A partir de 1985, há uma clara tendência de crescimento, tendo-se, em 2009, a média de 2,34 artigos para mulheres e de 2,61 para homens. A queda registrada em 2010 é fruto, provavelmente, do fato de os currículos Lattes não terem sido atualizados, em dezembro de 2016, e de o período total (tempo de doutoramento e dois anos imediatamente posteriores) não estar completamente encerrado. Até 1991, ambos sexos se revezam na liderança, sujeitos a grandes variações, ano-a-ano, por mais que os homens tenham produção média mais alta, na maioria dos anos desse período. A partir de 1992, o sexo masculino apresentou produção média mais alta em todos os anos – a diferença tem variado de cerca de 10% a cerca de 42% mais alta.
A Figura 7 considera a produção média do orientado, mas de acordo com o sexo do orientador(a). De 1988 a 2010, observa-que a produção com orientador (do sexo masculino) é superior para todos os anos. Percentualmente, a diferença tem sido cada vez mais baixa – de cerca de 67% mais alta, em 1992, passando para em torno de 30% mais alta, em 2000, e chegando a apenas cerca de 12% mais alta, em 2009. Do total de orientados(as), 48,32% não produziram nenhum artigo com seu/sua orientador(a) ao longo do doutorado mais dois anos e 27,21% produziram um ou dois artigos.
A Figura 8 apresenta os valores e as trajetórias da produção média dos(as) orientados(as), para cada uma das nove grandes áreas de atuação. Todas as grandes áreas seguem o padrão verificado na Figura 6, mas com diferenças no início da tendência de alta e na intensidade das variações. Por exemplo, a grande área Linguística, Letras e Artes apresenta uma clara tendência de alta apenas a partir de meados dos anos 2000, cerca de dez ou 15 anos depois da maior parte das outras. A produção média para o período 1970-2010 é de 1,915 artigos, mas ela esconde grandes diferenças entre, de um lado, Ciências Biológicas (2,955) e Ciências Agrárias (2,917) e, do outro, Linguística, Letras e Artes (0,183) e Ciências Humanas (0,608).
O Quadro 3 traz a informação de produção média dos(as) orientado(s) com seus(suas) orientadores(as) no período total por sexo. No total, a produção das mulheres equivale a 88,06% da dos homens; parte dessa diferença pode ser explicada pelas grandes áreas nas quais cada um se destaca. Nas duas grandes áreas com mais alta média – Ciências Biológicas e Ciências Agrárias –, os homens produzem proporcionalmente mais do que as mulheres. Nas três grandes áreas nas quais as mulheres produzem mais do que os homens, duas têm produção média relativamente baixa – Linguística, Letras e Artes e Ciências Humanas.
O Quadro 4 apresenta o mesmo tipo de dados encontrados no Quadro 3, só que considerando não o sexo do(a) orientado(a), mas sim o do(a) orientador(a). Destaca-se que orientados(as) supervisionados(as) por orientadoras nas Engenharia produzem 15% a mais do que os supervisionados por homens.
Ao se considerar a distribuição da produção de artigos dos(as) orientados(as) (dados não mostrados), há mais mulheres do que homens, no intervalo de 0 a 12 artigos publicados, com resultados que variam de 51,7% a 56,5% de pessoas do sexo feminino. De 13 a 17 artigos, há variações na predominância entre os sexos. A partir de 18 artigos publicados, há sempre a predominância do sexo masculino; destaca-se o conjunto de orientados(as) com mais de 30 artigos de periódico, no qual 60,1% de seus integrantes são homens – para cada mulher, há quase dois homens nessa faixa de produção de artigos de periódico.
Tomou-se também como objeto a produção de artigos de periódico em coautoria (orientado-orientador), para além do período de doutoramento e dos dois anos imediatamente posteriores (Quadro 5). Em relação aos dados presentes no Quadro 3, percebe-se que aumenta a diferença na produção de homens e de mulheres; para o total, a produção feminina passa de 88,06% para 85,53%, em relação à masculina, com números particularmente baixos para Ciências Agrárias (80,99%) e para Ciências Exatas e da Terra (80,74%). Por outro lado, em Ciências Humanas, a produção das mulheres passa de 109,83% (Quadro 3) para 112,64% (Quadro 5) em relação à produção dos homens.
Um dos fatores potencialmente relacionados à produção do(a) orientado(a) é o tempo de relacionamento com o(a) orientador(a). O Quadro 6 apresenta o tempo médio de relacionamento acadêmico, por grande área de atuação e sexo do(a) orientado(a) – a comparação com os dados presentes no Quadro 1 é particularmente interessante.
Já o Quadro 7 apresenta o tempo médio de relacionamento acadêmico, por grande área de atuação e sexo do(a) orientador(a). Observa-se que o relacionamento com orientadores do sexo masculino dura, em média, 0,468 ano a mais do que com orientadoras – 6,662 anos contra 6,194 anos. Nota-se que, para todas as grandes áreas, o tempo de relacionamento com orientadores do sexo masculino foi mais alto, com destaque para Ciências da Saúde.
Por fim, é possível observar os resultados para as quatro configurações possíveis de orientação, a saber: a) orientado-orientador; b) orientado-orientadora; c) orientada-orientador; e d) orientada-orientadora. Foram calculados o tempo médio de titulação, o tempo médio de relacionamento acadêmico e a produção média de artigos de periódico.
O Quadro 8 traz os dados de tempo médio de titulação. Para cada uma das grandes áreas, a diferença de tempo entre as configurações é pequena; no conjunto das nove, a variação é de apenas 1,5%, da configuração com mais baixo tempo médio (orientado-orientadora, com 4,898 anos) para a com mais alto valor (orientada-orientador, com 4,967 anos). É facilmente perceptível que as diferenças são mais altas na comparação entre as grandes áreas.
O Quadro 9 mostra o tempo médio de relacionamento acadêmico. Tanto para o conjunto total quanto para sete grandes áreas, a configuração orientado-orientador apresentou o mais alto tempo. De modo similar, a configuração orientado-orientadora tem o mais baixo tempo médio para o conjunto total e para sete das grandes áreas de atuação.
O Quadro 10 apresenta a média de artigos de periódico publicados, em coautoria orientado(a)-orientador(a). Considerando o conjunto de grandes áreas, a configuração com mais alta produção é a orientado-orientador, com média de 2,136 artigos em coautoria. Esse número é 25,5% mais alto do que o verificado para a orientada-orientadora, que apresentou o mais baixo valor. A configuração orientado-orientador mostrou-se a com mais alta produção para cada uma das grandes áreas, com exceção de Ciências Humanas (orientada-orientador) e de Engenharias (orientada-orientadora).
O Quadro 11 traz o mesmo tipo de dados do Quadro 10, porém para toda vida acadêmica do(a) orientado(a). Os resultados são similares aos verificados para o Quadro 10. A configuração orientado-orientador tem a mais alta média (2,874), 35,3% mais alta do que a configuração com mais baixo valor (orientada-orientadora). Mais uma vez, a configuração orientado-orientador tem os valores mais altos para cada grande área, com as mesmas exceções, Ciências Humanas (orientada-orientador) e Engenharias (orientada-orientadora).
O Quadro 12 traz a produção média de artigos de periódico, tendo como base as quatro configurações, mas considerando toda a produção dos orientados, com ou sem coautoria com seus orientadores.
Os resultados são similares aos apresentados nos Quadros 11 e 12; a configuração orientado-orientador apresentou a mais alta média para o conjunto de grandes áreas, cerca de 57% mais alta do que a da orientada-orientadora (9,673), novamente a com mais baixo valor. A configuração orientado-orientador tem também a mais alta média para cada grande área de atuação, com exceção de Linguística, Letras e Artes (orientado-orientadora), na qual a diferença entre as duas configurações é muito pequena (7,328 e 7,260).
Diversos fatores podem ter influenciado esses resultados. Foge aos objetivos do presente artigo a investigação de o que explica esses resultados – a metodologia de pesquisa não consegue suportar isso. Um ponto que pode ser destacado é que, nos anos 1970 e 1980, havia um número mais baixo de mulheres do que de homens, tanto entre os orientados quanto entre os orientadores. Isso faz com que, em média, as mulheres estejam há menos tempo na academia do que os homens, o que, ceteris paribus, leva para baixo as médias de produção e de tempo total de relacionamento.
No presente trabalho, verificou-se se o egresso do doutorado se tornou ou não docente. Para considerar determinado orientado como docente, o currículo Lattes deve conter, no campo de atuação profissional, palavras como docente, professor e/ou outras relacionadas. No total, 51,36% dos orientados tornaram-se docentes. A Figura 9 mostra, ano-a-ano de ingresso no doutorado, a trajetória da porcentagem de orientados que se tornaram docentes, por sexo.
Há uma grande oscilação nas porcentagens até meados dos anos 1980. Em 1987, considerando os dois sexos, cerca de 59% se tornaram docentes, a partir daí, há uma tendência de queda. Em 2010, apenas cerca de 47% do total tornaram-se docentes. Destaca-se que, desde 1999, mais orientados do sexo masculino tornaram-se docentes, ano-a-ano, do que as orientadas.
O Quadro 13 traz a porcentagem de orientados(as) que se tornaram docentes, por configuração e por grande área de atuação. Nas grandes áreas Ciências Agrárias, Ciências da Saúde, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes e Outras, a configuração orientado-orientadora tem a mais alta porcentagem. Já em Ciências Biológicas, Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, isso fica com a orientado-orientador.
O Quadro 14 traz os resultados da modelagem estatística referente ao valor esperado do número de publicações do orientado(a). Nele, todas as variáveis consideradas mostram significância estatística superior ao nível de confiança de 95%. Em relação à grande área Outras (Interdisciplinar), as áreas Linguística, Letras e Artes e Engenharias apresentam mais baixo valor para a exponencial do parâmetro B, indicando que, em média, a quantidade de publicações dos orientados(as) é mais baixa para essas duas grandes áreas.
Em relação ao sexo, as orientadas têm média de artigos publicados sempre mais baixa do que a configuração orientado-orientador(a), dado que os valores do exponencial do parâmetro B são de 0,697 para orientadoras (aproximadamente 30% mais baixo) e de 0,746 para orientadores (aproximadamente 25%) em relação ao par orientado-orientador.
Pode-se observar também que a relação entre a quantidade de publicações e o tempo de conclusão do doutorado é inversa, isto é, quanto mais o orientado tarda em concluir o doutorado, mais baixa é, em média, a quantidade de publicações (menos 21%). Esse resultado está em concordância com o trabalho de Perlin et al. (2017), no qual é demonstrada a influência negativa do tempo de duração do doutorado na quantidade de publicações. Em relação ao tempo de relacionamento entre orientado(a) e orientador(a) aumenta, a produção média de artigos de periódico cresce também em aproximadamente 11%.
a. Definido como zero pois esse parâmetro é redundante.
Fonte: Elaborado pelos autores.O Quadro 15 traz os resultados da modelagem estatística referente à probabilidade de o orientado(a) permanecer na área acadêmica e mostra a significância das variações explicativas. É possível ver que duas grandes áreas – Ciências da Saúde e Outras – não mostraram significância estatística; para esse caso, a classe de referência foi Ciências Agrárias.
A configuração orientada-orientador mostrou significância superior (p = 0,0521) em relação à configuração orientada-orientadora. No Quadro 16, são mostrados os Odds Ratios (provenientes dos parâmetros da regressão logística), assim como os intervalos de 95% de confiança, nos quais se observa que a mais alta chance de um orientado(a) ficar na academia é na grande área Linguística, Letras e Artes. Da mesma forma que ocorre no Quadro 14, os coeficientes mais altos dos Odds Ratio, relativos aos orientados (sexo masculino), indicam que estes têm mais probabilidade de ficar na academia, sem importar o sexo do(a) orientador(a); em relação à configuração orientada-orientadora, as chances de ficar na academia são aproximadamente 20% mais altas do que a média geral de todos os pares.
O número de publicações e o tempo de relacionamento entre orientado(a) e orientador(a) têm pouca influência na permanência dos(as) orientados(as) na academia, diferentemente do tempo de conclusão do doutorado; quanto mais longo é esse período, as chances diminuem em cerca de 12% por ano de “atraso”.
Uma das características mais frequentemente apontada pelos dados no objetivo de descrever o processo de doutoramento no Brasil neste longo período foi a crescente participação feminina. Quanto ao ingresso, se na década de 80 as mulheres eram menos de 40%, em 2000 sua participação ultrapassou a dos homens e em 2010 eram aproximadamente 55% dos ingressantes. Este crescimento também é observado na participação como orientadoras, com uma aparente defasagem de 20 anos em relação à porcentagem de doutorandas. Nos anos 70 e 80, ano a ano, somente 30% ou menos dos doutorados foram orientados por mulheres, enquanto na década de 2010 esta participação subiu para 41%. Mantida esta tendência, é provável que, como aconteceu com as orientadas em 2000, o número de orientadoras ultrapasse o de seus pares masculinos, na década de 2020. A configuração de orientadora e orientada também mostrou tendência de alta, atingindo quase 28% das orientações nos anos 2010, enquanto até 1986, ano-a-ano, a configuração orientado-orientador incluía mais indivíduos que as outras três juntas.
Já o tempo de titulação mostra pouca diferença tanto considerando o sexo dos orientados(as) quanto as configurações de orientador(a) e orientado(a), mas as grandes áreas apresentam diferenças significativas entre si neste aspecto, com as Engenharias apresentando um tempo médio quase 15% mais alto do que as Ciências da Saúde, por exemplo.
Outra característica marcante é o crescimento da produção de artigos em periódicos, especialmente em parceria com o orientador e durante o período de doutoramento mais dois anos, indicando o trabalho feito no doutorado como provável fonte da produção. Este crescimento se mostra em todas as grandes áreas, mas há diferenças entre elas quanto a sua intensidade e ao início desta tendência, com Linguística, Letras e Artes apresentando-a claramente apenas cerca de dez ou 15 anos depois da maior parte das outras. Ainda assim, quase metade dos orientados (independente do sexo) não publicou artigos de periódico durante o doutorado ou nos dois anos seguintes, e 10,8% não publicaram em todo período.
Ainda quanto à produção, aqui desponta uma diferença significativa entre os sexos. O masculino apresenta, desde 1992, média mais alta para todos os anos (de 10% a 42%), e, no total, a produção feminina no período foi equivalente a aproximadamente 88% da masculina. A configuração orientada-orientadora apresenta a produção mais baixa – 25,5% mais baixa do que a configuração mais produtiva (orientado-orientador). Outra diferença entre as configurações de orientação é o tempo de ligação, de aproximadamente 6,7 anos para orientado-orientador e de 6,2 anos para orientada-orientadora. Contudo, a diferença entre as publicações em parceria com orientadoras e orientadores tem mostrado forte tendência de queda. Se, em 1992, as publicações com orientadores eram 67% mais numerosas do que com orientadoras, em 2009 esse número caiu para 12%, o que parece concordar com a tendência de mais alta participação feminina.
Já a porcentagem de doutorandos(as) que segue carreira acadêmica tem mostrado tendência de queda, de 59% em 1987 para 47% em 2010. Ano-a-ano, desde 1999, mais orientados do sexo masculino têm se tornado docentes ou pesquisadores do que as orientadas, apesar da mais alta participação das mesmas, a partir de 2000. Mas o fator que mostrou mais alta correlação com a permanência dos orientados na academia foi o tempo para conclusão do doutorado.
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a. Definido como zero pois esse parâmetro é redundante.
Fonte: Elaborado pelos autores.