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Percepções e estratégias relacionadas ao “viés de confirmação” por pesquisadores no processo de busca e uso da informação
Perceptions and strategies of “confirmation bias” in the process of seeking and using information
Em Questão, vol. 27, núm. 2, pp. 392-417, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul



Recepción: 12 Junio 2020

Aprobación: 17 Julio 2020

DOI: https://doi.org/10.19132/1808-5245272.392-417

Resumo: A pesquisa analisou as percepções de pesquisadores relacionadas ao viés de confirmação, no processo de busca e uso da informação, dentro do contexto acadêmico. A pesquisa configura-se como estudo de caso, realizado na Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília – Brasil. O instrumento de coleta de dados foi grupo focal, com participação de nove pesquisadores. O tratamento de dados foi realizado por meio da análise de conteúdo. Os resultados mostram que, para os pesquisadores, as principais causas do viés de confirmação relacionam-se ao desejo de dar certo e à ausência de uma formação educacional e científica de qualidade, bem como a questão de alguns temas serem mais controversos. Os impactos dele na vida dos pesquisadores consistem em mudanças que podem ser de raciocínio, de ponto de vista ou, ainda, pessoal. As consequências para a ciência são a contaminação dos resultados e o direcionamento da ciência, o que leva às discussões sobre ética e integridade. A sua redução requer a contribuição conjunta dos próprios pesquisadores, da sociedade científica e da sociedade de maneira geral. Os resultados evidenciam a importância da educação voltada para a pesquisa agregada ao letramento informacional, que possibilitará aos estudantes lidar de forma eficaz e eficiente com a informação, em especial, a técnico-científica, fomento da ciência.

Palavras-chave: Viés de confirmação, Comportamento Informacional Humano, Pós-graduação, Pesquisadores.

Abstract: This study analyzes the researchers’ perceptions of confirmation bias in the process of seeking and using information on the academic context. It has been configured as a case study carried out at the Department of Information Science at the University of Brasília – Brazil. The data collection instrument chosen was a focus group of nine researchers. Data treatment was through content analysis. Results show that, for the researchers, the main causes of confirmation bias regard the desire to succeed and the lack of qualified educational and scientific training, as well as the fact that some topics are more controversial. The impacts of the confirmation bias on the researchers’ lives include changes that may relate to reasoning, point of view or even personal issues. The consequences for science are the contamination of results and of the direction of science, which lead to discussions on ethics and integrity. Reducing the confirmation bias requires the joint contribution of the researchers themselves, scientific society and society in general. The results highlight the importance of an education focused on research associated with information literacy, which would enable students to deal effectively and efficiently with information, especially with the technical-scientific one that fosters science.

Keywords: Confirmation bias, Human information behavior, Postgraduate studies, Researchers.

1 Introdução

Ao longo da vida, os indivíduos buscam e utilizam as informações para resolver problemas, julgar e tomar decisões em um processo denominado comportamento informacional humano. No processo decisório, as pessoas quase sempre utilizam atalhos e vieses mentais, o que pode ocasionar muitos erros (STERNBERG, R.; STERNBERG, K., 2016). Um destes erros frequentes denomina-se viés de confirmação, que ocorre ao selecionar ou supervalorizar evidências que apoiam as opiniões, crenças, expectativas e hipóteses, ao mesmo tempo que se deprecia ou ignora as evidências contrárias (BINI, 2016).

O presente artigo, resultado de uma pesquisa de pós-doutorado, objetiva analisar as percepções e estratégias dos pesquisadores de Ciência da Informação relacionadas ao viés de confirmação no processo de busca e uso da informação. Para tanto, os objetivos específicos relacionam-se à identificação do perfil dos pesquisadores e ao levantamento das percepções e das estratégias dos pesquisadores sobre o viés de confirmação na busca e no uso da informação.

A pesquisa justifica-se pela grande ocorrência do fenômeno em todas as áreas do conhecimento e, consequentemente, na Ciência da Informação, além da pouca quantidade de pesquisas sobre o assunto, de maneira geral. Metzger, Flanagin e Medders (2010) mostram que os indivíduos usam os atalhos e vieses mentais para avaliar a credibilidade das informações e fontes on-line, em detrimento de processos sistemáticos, bem como tendem a buscar e usar informações que confirmam as próprias crenças.

O contexto científico em que a pesquisa ocorre é bastante significativo, pois os pesquisadores são responsáveis pela produção da literatura científica. Assim, ao se reconhecer a existência do viés de confirmação é importante analisar como os homens da ciência lidam com a questão, pois isso pode acarretar grande impacto ao conhecimento científico. Desta forma, os resultados da pesquisa podem fornecer subsídios aos pesquisadores para repensarem a própria prática, bem como para as bibliotecas universitárias e especializadas planejarem estratégias mais assertivas de formação aos usuários.

2 Referencial teórico

Parte-se do princípio de que os pesquisadores em formação, estudantes de doutorado, bem como os pesquisadores profissionais necessitam de informação para a produção de conhecimento no decorrer da pesquisa. Os pesquisadores têm crenças sobre o mundo e seu funcionamento – que possuem natureza dinâmica e estão constantemente em estruturação, desestruturação e reestruturação. As emoções, sentimentos, memórias e sensações/vontades constituem a estrutura psíquica da crença (SHERMER, 2012).

Os pesquisadores estão inseridos em determinado contexto, em uma situação de pesquisa, com o objetivo de solucionar problemas, por meio do método científico. A busca, a pesquisa e o uso da informação ― subáreas do comportamento informacional humano ― perpassam as várias fases do processo de investigação em que os pesquisadores necessitam, constantemente, tomar decisões relacionadas à identificação dos canais e fontes de informação, como a seleção das melhores fontes, por exemplo (WILSON, 2000).

A tomada de decisão é um processo mental, que envolve muitas variáveis. O pensamento não consiste em uma atividade consciente, que conduz a outro pensamento de forma ordenada. Muitos pensamentos, impressões e intuições mentais ocorrem fora da consciência humana, por isso algumas decisões podem ser irracionais – em especial quando os indivíduos utilizam as experiências e heurísticas para auxiliar na tomada de decisão. Existem duas formas de pensar que trabalham, integradamente: uma mais rápida e outra mais devagar. Segundo Kahneman (2012), o sistema I é a forma rápida de pensamento, que inclui a intuição e as heurísticas. Por outro lado, o sistema II designa a forma reflexiva de pensar, em que há uma estruturação do problema e um pensamento ordenado e sistemático (KAHNEMAN, 2012).

Quando se toma uma decisão de forma rápida, pode-se incorrer em muitos erros. O viés de confirmação é uma falha cognitiva relacionada à percepção seletiva, que enfatiza ideias capazes de confirmar crenças pessoais, desconsiderando tudo o que as contradiz. Esse fenômeno mostra a capacidade humana de reforçar as próprias crenças (KAHNEMAN, 2012; NICKERSON, 1998).

No que concerne ao campo científico, muitas pesquisas acadêmicas “[…] são estudos maculados a priori, por um forte ‘viés de confirmação’, nos quais todos os argumentos convergem para um único fim: comprovar a validade da hipótese preferida do pesquisador […]” (BEDÊ; SOUSA, 2018, p. 786, grifo do autor). O fato de os artigos comprovarem que, na maioria das vezes, as hipóteses da pesquisa podem ser uma evidência do viés de confirmação, pode acarretar sérias consequências para a ciência (BINI, 2016).

3 Procedimentos metodológicos da pesquisa

A pesquisa possui abordagem qualitativa e configura-se como estudo de caso da Faculdade de Ciência da Informação (FCI), da Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal. A população compreende 54 pesquisadores em formação, estudantes de doutorado, e 39 pesquisadores profissionais. A amostra, de natureza não-probabilística e por julgamento, foi composta por nove pesquisadores. De acordo com Malhotra (2005), a pesquisa qualitativa possui amostra pequena, coleta de dados não estruturada, análise de dados não estatística e pretende desenvolver uma compreensão inicial sobre o assunto. A pesquisa também é caracterizada como estudo de caso, representativo de outros casos análogos.

Para a coleta de dados, foi utilizado o grupo focal, com entrevista semiestruturada. O grupo focal ocorreu no dia 30 de outubro de 2019, com a duração de aproximadamente 80 minutos. A gravação foi transcrita e o texto escrito foi usado para interpretação do significado (FLICK, 2009). No tratamento dos dados utilizou-se a análise de conteúdo, baseada na proposta de Bardin (2016).

Os dados foram organizados no quadro categorial com cinco colunas (texto, palavras-chave, categoria inicial, categoria intermediária e categoria final). Na primeira coluna, ficou o texto transcrito, do qual as palavras-chave foram extraídas. Depois, as palavras-chave foram organizadas por temas, originando a primeira categoria. Novamente, os tópicos foram agrupados, tematicamente, dando origem à categoria intermediária, que depois foi, novamente, aglutinada por temas, resultando na categoria final. A última parte, denominada inferência e interpretação, resulta da captação dos conteúdos manifestos e latentes, em consonância com a fundamentação teórica (SILVA; FOSSÁ, 2015). De acordo com Bardin (2016), a inferência diz respeito à dedução lógica que emerge dos dados.

4 Apresentação e análise dos dados

Os resultados são apresentados e discutidos, a partir dos três objetivos específicos propostos nessa pesquisa.

4.1 Perfil dos pesquisadores respondentes

A amostra foi composta por quatro professores e cinco estudantes de doutorado, sendo sete mulheres e dois homens. Em relação à faixa etária, três tinham entre 31 e 40 anos; dois tinham entre 41 e 50 anos e quatro pessoas tinham entre 51 e 60 anos. Considerando a área de conhecimento do curso de graduação, três eram de ciências humanas, três de engenharia/tecnologia, dois de ciências sociais e, um participante da área de linguística, letras e artes.

4.2 Percepções dos pesquisadores e estudantes de pós-graduação sobre o viés de informação na busca e uso da informação

Este tópico abrange as percepções dos respondentes sobre o viés de confirmação considerando o caso de uma eleitora, as últimas ocorrências de viés de confirmação vivenciadas no campo científico, bem como as causas, as consequências para a ciência e a redução do viés de confirmação na pesquisa.

4.2.1 O caso da eleitora

O primeiro tópico apresentou breve relato de uma jovem eleitora, criada em um ambiente, em que as pessoas apoiavam os candidatos da direita. Questionou-se ao grupo em quem a jovem eleitora votaria nas eleições seguintes. As principais categorias emergentes foram opção política da eleitora e influência do contexto vivido.

Os participantes responderam que a opção política da eleitora seria, provavelmente, um candidato da direita, devido à influência dos valores e das crenças do grupo social. Para refletir sobre este fenômeno, autores como Rodrigues, Assmar e Jablonski recorrem à Aristóteles (384-322 a.C). Segundo eles, o filósofo afirmava que “[...] o homem é um ‘animal social’, que para sobreviver e adaptar-se à sociedade precisa interagir, influenciar e ser influenciado, por isso pertence a vários tipos de grupos, componentes essenciais na existência humana.”. Os grupos ajudam na formação da identidade pessoal e social, tornando-se de grande influência sobre o comportamento e as atitudes humanas. (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2015, p. 504).

Asch (1951) verificou o grau de conformismo, em que os sujeitos se alinhavam com outros. Esse tipo de influência ocorre quando as pessoas preferem fazer o que os demais membros do grupo fazem para se sentirem aceitos e apreciados pelo grupo. Apesar de várias críticas à baixa capacidade de generalização e às limitações do experimento, os resultados mostram questões importantes sobre a suscetibilidade à pressão por conformismo (LEVY, 2016).

Existem situações em que as pessoas têm maior possibilidade de resistir à pressão dos pares. Latané, em 1981, propôs a teoria do impacto social, com o argumento de que a reação à influência social depende de três variáveis:

a) força: importância do grupo para as pessoas;

b) imediação: medida de proximidade no tempo e espaço do grupo em relação ao indivíduo;

c) número: quantidade de membros do grupo.

A teoria prevê que quanto maior a força e imediação, maior o grau de conformidade (ARONSON; WILSON; AKERT, 2011).

Sobre a questão da crença, sabe-se da força do cérebro para gerar crenças e a partir delas elaborar explicações que a justificam. As crenças são oriundas do esforço humano em encontrar padrões que dão sentido ao mundo. A biologia da crença sustenta-se na ideia de padronização e acionalização. A padronização refere-se à tendência de encontrar padrões em dados que podem ser ou não significativos. Por sua vez, a acionalização é a tendência de dar significado, intencionalidade e ação aos padrões encontrados. Após as crenças estarem consolidadas, a tendência das pessoas é defendê-las e justificá-las, buscando evidências confirmatórias e as reforçando. São poucos os casos em que uma pessoa consegue construir crença livre dos seus antecedentes pessoais ou culturais (SHERMER, 2012).

4.2.2 Relato das últimas ocorrências de situações de viés de confirmação no campo científico

O segundo tópico tratado no grupo focal solicitou, aos participantes, a descrição da última ocorrência de viés de confirmação, na área científica. Surgiram as categorias concepção sobre o viés de informação, concepção de pesquisa e locais de ocorrência do viés de confirmação. Somente metade dos participantes compartilhou as lembranças com o grupo focal. Isso pode ser explicado, em razão da dificuldade de algumas pessoas reconhecerem a suscetibilidade ao viés cognitivo, em um mundo em que ainda vigoram muitos dos ideais iluministas de racionalidade humana. No entanto, a verdade é que esse modelo de racionalidade não se sustenta, visto que a tomada de decisão abrange as emoções, a incerteza e a irracionalidade (MALDONADO, 2017).

Os participantes falaram sobre suas concepções em relação ao viés de confirmação e à pesquisa científica. Os participantes têm noção genérica do conceito de viés deconfirmação e o percebem como uma tendência natural do ser humano em confirmar as crenças. No entanto, para eles, o viés de confirmação nem sempre ocorre de maneira intencional e explicitamente e, às vezes, pode ser evitável.

O viés de confirmação é a tendência em procurar, interpretar, favorecer e recuperar informações que confirmem as crenças ou hipóteses preexistentes dos indivíduos. Por exemplo, as pessoas podem confiar muito em uma crença inicial e deixar de considerar, adequadamente, hipóteses alternativas ou interpretar informações ambíguas, em favor de uma crença mantida (KLAYMAN, 1995). Casad (2016) acrescenta que essa tendência na tomada de decisão é, em grande parte, não intencional.

De maneira geral, a preocupação maior dos participantes do grupo focal com o processo de pesquisa foi a necessidade de destacar a importância da controvérsia científica – “discussão polêmica em torno de algo divergente” (MICHAELLIS, c2020). Esse é um tópico importante na área de ciência da informação, em especial com a emergência do letramento informacional na década de 1970 e maior consolidação da área a partir de 2000. O letramento informacional abrange conteúdos de aprendizagem sobre a busca, o acesso, o uso e a comunicação da informação. Nessa perspectiva, é necessário compreender como ocorre a atividade científica e como buscar e usar informação para subsidiá-la, processo que se deve iniciar desde a educação básica.

Ramos e Silva (2007) explicam que os estudos sobre controvérsia científica surgiram na década de 1970, com aumento dos questionamentos sobre os resultados das pesquisas técnico-científicas, particularmente pela vinculação à guerra e às agressões ao meio-ambiente. Os autores argumentam ainda sobre a importância de mostrar que a ciência não é neutra, imutável e objetiva (RAMOS; SILVA, 2007). Nesse sentido, os cursos de capacitação de estudantes e novos pesquisadores tornam-se cruciais para lidarem com uma ciência que é produzida pelo homem, isto é, sujeita às falhas, ao questionamento e ao sucesso que envolvem a atividade científica. Isso passa pela verificação da credibilidade, reconhecimento dos conflitos teóricos, convivência de mais de uma teoria, incoerências teóricas e fatores humanos não explícitos.

Os participantes do grupo focal que compartilharam as experiências com viés de confirmação relataram que ele ocorre em vários tópicos de pesquisa no campo da ciência da informação e na gestão do conhecimento, como na tecnologia, na comunicação e no Marketing.

4.2.3 Causas do viés de confirmação

O terceiro ponto discutido relacionou-se às causas do viés de confirmação. Dos dados, emergiram as categorias principais: fatores do pesquisador e fatores do tema. Além disso, surgiram duas categorias afins que contextualizaram e complementaram o tópico discutido, quais sejam: sentimento ao reconhecer o viés e impactos do viés para o pesquisador.

Na categoria fatores do pesquisador, as respostas que apareceram com mais frequência foram o desejo de dar certo e a formação educacional. Ao se referir ao desejo de dar certo, Maldonado (2017) explica que o conhecimento envolve os riscos da ilusão e do erro. Para ele, muitas fontes de erros concentram-se na memória humana que, em geral, privilegia lembranças vantajosas e prazerosas (MALDONADO, 2017). São mecanismos que deformam as lembranças ao ponto de reconstruir os próprios eventos. O sistema cognitivo humano não pode oferecer a certeza da verdade, pois a percepção é a tradução e a reconstrução de sinais captados e modificados pelo sentido humano. Assim, os seres humanos estão sujeitos ao erro, visto que os métodos e as interpretações sofrem influência das expectativas, dos receios e das emoções.

Mais ainda, Burton (2017) argumenta que, apesar de o ser humano sempre buscar a certeza, a sensação de saber nasce de mecanismos cerebrais humanos não envolvidos com a razão, não se constituindo uma escolha consciente, nem mesmo um processo de pensamento. Isso significa que o “sabemos que sabemos”, por meio da deliberação consciente, é, na verdade, um mito. O cérebro cria a sensação involuntária de “saber”, que pode ser afetada por predisposição genética ou até mesmo ilusões perceptivas comuns a todas sensações corporais. Isso gera, no mínimo, reflexão sobre a natureza e as limitações das convicções da certeza, o que requer maior tolerância e disposição para considerar ideias alternativas (BURTON, 2017).

A questão da formação científica adequada foi um ponto de discussão, com atuação de quase todos os participantes, ao endossar a necessidade de uma formação mais aprofundada no Brasil e com início na educação básica. A educação brasileira, principalmente, a educação básica tem sido mal avaliada nos exames internacionais como no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). De acordo com a última avaliação, ocorrida em 2018, e divulgada em dezembro de 2019, os resultados mostram que 68,1% dos estudantes brasileiros estão no pior nível de proficiência em matemática e não possuem nível básico. Em ciências, nenhum estudante conseguiu chegar ao topo da proficiência na área e 55% não atingiram o nível básico. Sobre leitura e compreensão de texto, cerca de 50% dos brasileiros não atingiram o mínimo de proficiência que os jovens devem adquirir até o final do ensino médio. O Pisa 2018 revela que os estudantes brasileiros estão dois anos e meio abaixo dos países da OCDE em relação ao nível de escolarização de proficiência em leitura (MORALES, 2019).

No ensino superior, Gasque (2008) estudou sobre o tipo de pensamento empregado pelos estudantes de pós-graduação nas atividades de pesquisa e observou que mesmo nos cursos avaliados pelas Capes com as notas seis (6) e sete (7), os resultados evidenciaram que a maior parte do pensamento empregado nas atividades de busca e uso da informação no processo de pesquisa é do tipo não reflexivo e sofre influência de fatores como a cultura acadêmica, a atitude dos professores, concepção de ensino-aprendizagem e consciência do grau de competência informacional.

No início do século XX, Dewey (1979) argumentava que a democracia seria fruto de uma educação voltada para o ensino do pensar, vinculado ao método científico. Para ele, a melhor forma de pensar é por meio do pensamento reflexivo, que abrange: (1) uma dúvida, uma perplexidade; e (2) um ato de pesquisa. Mais recentemente, Demo (2002) escreveu vários artigos e obras sobre a importância de educar pela pesquisa como um meio para se chegar à educação. O critério que diferencia a pesquisa é o questionamento reconstrutivo, que abrange a teoria e a prática; qualidade formal e política, bem como inovação e ética. Nesse sentido, o professor deveria ser formado para atuar como um pesquisador que se utiliza da pesquisa como instrumento principal do processo educativo.

Como se pode observar, há necessidade de refletir sobre uma proposta educacional que inclua o ensino do letramento informacional por meio da pesquisa desde a educação básica, visto que

[...] a pesquisa não se basta em ser o princípio científico, pois precisa também ser princípio educativo. Não se faz antes pesquisa, depois educação, ou vice-versa, mas no mesmo processo, educação através da pesquisa. (DEMO, 2002).

Outra categoria emergente, como uma das causas do viés de confirmação, diz respeito aos fatores do tema, cuja palavra-chave foi tema polar. A polarização refere-se a uma tendência do indivíduo em fortalecer ou manter uma crença prévia resultante de uma avaliação tendenciosa dos fundamentos subjacentes a um ponto de vista (RAMÍREZ RONCANCIO, 2018). Ainda, de acordo com a autora, a literatura mostra que os indivíduos com pouco conhecimento prévio são mais propensos a examinarem criticamente os pontos de vista, em relação à posição inicialmente defendida (RAMÍREZ RONCANCIO, 2018).

Existem alguns temas mais controversos do que outros. De acordo com Douglas e Jones (2007), as discussões sobre um assunto mais forte, como imigração ou pena de morte, provocam muitas reações emocionais e sustentam-se sobre evidências e opiniões pessoais, ignorando as informações contrárias. Há temas que provocam mais debates que, consequentemente, provocam mais viés de confirmação.

Em relação ao sentimento ao reconhecer o viés de confirmação, outra categoria emergente, alguns participantes destacaram que, nem sempre, o viés ocorre de forma explícita, mas quando é possível percebê-lo, os sentimentos são de fracasso com os resultados, traição, imaturidade e pessimismo. Damásio (2004) explica que as emoções e os sentimentos são manifestações dos impulsos e dos instintos, estados corporais centrais para a nova visão de racionalidade que propõe. As emoções e os sentimentos são percepções diretas dos estados corporais e um vínculo entre o corpo e a consciência, constituindo-se a base do que as pessoas denominam como alma ou espírito humano. As emoções estão atreladas à interação corpo-cérebro e permitem o equilíbrio na hora de tomar decisões. Isso foi observado em pessoas com déficits na integração das funções subjacentes ao córtex frontal e ao sistema límbico que possuíam baixa reatividade emocional e apresentavam dificuldades para tomar decisões. Portanto, compreende-se que as emoções e os sentimentos dos participantes, que surgem ao lidarem com o viés de confirmação, são necessários para o reconhecimento e para a aprendizagem sobre o enfrentamento do problema.

Por fim, a última categoria foi denominada impactos do viés de confirmação para os pesquisadores e apresenta as palavras-chave: mudança de raciocínio, mudança de ponto de vista e mudança no sujeito. Sabe-se que a disposição das pessoas para mudanças nem sempre é um processo fácil de ocorrer, porque requer confrontar os próprios esquemas de pensamento que atuam como filtros e excluem as informações contraditórias em relação às crenças (ARONSON; WILSON; AKERT, 2011). Portanto, apesar de necessárias, as mudanças podem provocar certo desconforto e depender de uma motivação real para se realizar, visto que as pessoas ao adquirirem a nova informação precisam filtrá-la, de acordo com os novos valores e interpretá-las considerando uma nova realidade (CAETANO, 2001).

4.2.4 Consequências do viés de informação para a ciência

Dos dados, emergiram três categorias, uma que responde diretamente ao questionamento, intitulada consequências do viés de confirmação para a ciência, e mais duas categorias, intituladas papel da sociedade científica e fatores que influenciam o viés de confirmação.

A primeira categoria – consequências do viés para a ciência – constitui-se de três palavras-chaves: contaminação dos resultados, comprometimento dos resultados e direcionamento da ciência. Tais resultados levam à questão das condutas éticas na ciência. Russo (2014) explica que, na década de 1980, surgiram os primeiros trabalhos que questionavam os impactos das fraudes no conhecimento ocorridos em instituições prestigiadas, com pesquisadores de renome. A partir disso, várias universidades americanas e, em seguida, as europeias começaram a criar os primeiros códigos de conduta em nível institucional, com a elaboração explícita de políticas voltadas para a questão da integridade na pesquisa, distinguindo-as das políticas voltadas, unicamente, para a questão da ética.

Esse sistema de vigilância e punição pode levar a uma asfixia do trabalho científico, na medida em que o dinheiro e os esforços que poderiam ser aplicados na inovação da pesquisa são repartidos para a supervisão da honestidade e da integridade. Assim, a responsabilidade deve ser vista como um valor na prática científica, direcionando a investigação no rumo da ética, no sentido de instaurar a integridade da pesquisa, promover debates sobre ciência e responsabilidade científica, além de garantir a presença de vários atores da sociedade nas universidades e instituições de pesquisa (RUSSO, 2014).

A segunda categoria foi intitulada papel da sociedade científica, composta pelas palavras-chave: replicabilidade da pesquisa, aprendizagem científica e atuação da sociedade científica. Os entrevistados sugeriram papel mais ativo e mobilizador da sociedade científica, em relação às condutas éticas, à avaliação crítica e à formação de novos pesquisadores.

A expansão do conhecimento ocorreu de forma mais acelerada a partir do século XVII. Nessa época, havia convicção de que o processo de acumulação de conhecimento envolvia a troca de informações entre os pares e divulgação das informações de forma durável e acessível, que abrangia grupos de pessoas engajadas na comunicação científica, informal e formalmente. Disso, decorreram as primeiras sociedades científicas no século XV que se expandiram mais rapidamente no século XVIII. Os membros dessas instituições organizavam eventos, mantinham contatos e trocavam informações, além do mais muitas sociedades estabeleceram programa editorial. As academias recebiam apoio financeiro do Estado e, também, contavam com maior controle governamental (MEADOWS, 1999).

Os principais papeis das sociedades científicas são estimular a produção científica, divulgar e tornar acessível a comunicação científica (MEADOWS, 1999). Witter (2007) acrescenta que outro papel importante desempenhado pelas associações e sociedades científicas refere-se à avaliação – credenciamento e revalidação de documentos profissionais. Além disso, explica que a colaboração das sociedades com os órgãos de classe (sindicatos, conselhos, ordens) e com as instituições de ensino superior precisa ocorrer para melhorar a qualidade dos cursos e dos profissionais formados. Em suma, as sociedades científicas são organismos essenciais para o desenvolvimento da ciência e das profissões alicerçadas a ela (WITTER, 2007).

A última categoria deste tópico foi intitulada fatores que influenciam o viés de confirmação, sendo o financiamento da pesquisa, a exigência de resultados e a expectativa do mercado os principais aspectos abordados pelos participantes. Tais tópicos representam uma grande mudança ocorrida na ciência a partir de 1800. Isso porque, de acordo com Meadows (1999), antes desse século, havia poucos pesquisadores profissionais, isto é, as pessoas que detinham alto nível de conhecimento especializado obedeciam a padrões de competência de determinada área e recebiam remuneração pela atuação profissional. Anteriormente, a pesquisa era vista como algo secundário e não como um componente essencial do trabalho científico. Mesmo no mundo acadêmico, embora os docentes contribuam para pesquisa, o ensino era e, em alguns casos, continua a ser, a principal justificativa para ocupação de cargos. Portanto, a ideia de que os cargos docentes devem ser ocupados por indivíduos que saibam ensinar e pesquisar, ocorreu ao longo do século XIX. Esta fase foi conhecida como profissionalização da pesquisa (MEADOWS, 1999).

Garcia e Martins (2009) explicam que na década de 1980 houve intensificação entre a ciência, a indústria, os setores econômicos privados e o poder político. Esse processo alterou significativamente a produção do conhecimento e os resultados científicos, provocando transformações na natureza das instituições científicas, na epistemologia e na relação com os mundos social e natural. Tal fenômeno iniciou-se a partir da segunda guerra mundial, quando em alguns países a ciência foi considerada central para a estratégia política e econômica dos Estados. Os elementos que caracterizavam o início da nova fase científica foram a organização social da ciência, a burocratização da investigação, a procura da racionalidade econômica e o estabelecimento de rankings entre pesquisadores.

Um dos traços comerciais e empresariais, surgido na ciência, foi o aumento do segredo nas pesquisas realizadas. Nas últimas décadas apareceram as teses sob embargo, defendidas sem público e com conteúdos financiados e apropriados pelas entidades financiadoras. Este movimento ocorrido em empresas e laboratórios expandiu-se aos departamentos de pesquisas das universidades, que se tornaram dependentes diretas das divisões de desenvolvimento, resultando na redução de autonomia e dependência de financiamentos industriais. Grosso modo, a indústria financia e a universidade gera lucro mediante descobertas e invenções, criando mais interdependência. Assim, observa-se que “[…] mais do que estar a serviço da tecnologia e da indústria, a ciência encontra-se hoje determinada por elas.” (GARCIA; MARTINS, 2009, p. 83).

Para os participantes do grupo focal, há dependência do financiamento empresarial, especialmente, fora do Brasil. Como bem argumentou Garcia e Martins (2009), a ciência contemporânea é determinada pelos financiamentos recebidos, que a direcionam de acordo com as expectativas do mercado e exigem resultados rápidos. Esse processo afeta a forma como os pesquisadores atuam.

4.2.5 Redução do “viés de confirmação” nas pesquisas

Esse tópico de discussão relacionou-se à redução do viés de confirmação. Na visão dos respondentes do grupo focal, a redução pode ocorrer se houver a contribuição de várias instâncias: redução do viés pela sociedade científica; redução do viés pelo pesquisador e redução do viés pela sociedade.

Ao abordar o papel da sociedade científica no tópico anterior, foram apresentadas as funções genéricas da comunidade científica. Novamente, os participantes solicitaram um papel mais ativo das academias e sociedades científicas, no sentido de cumprir o papel como instituição científica. Os respondentes destacaram a necessidade da academia possibilitar e exigir a divulgação dos dados abertos, de incentivar a replicação de pesquisas e de conscientizar sobre o papel do orientador na formação dos pesquisadores iniciantes. Sobre isso, em várias oportunidades, eles deixaram claro que há lacunas na formação científica dos estudantes brasileiros, pois, via de regra, eles aprendem metodologia da pesquisa na graduação e na pós-graduação.

No que concerne ao papel do orientador na pesquisa, Meadows (1999) explica que os pesquisadores iniciantes sentem-se motivados por estar em contato com outros pesquisadores altamente motivados e por isso buscam rapidamente a capacitação em pesquisas. Ganhadores do prêmio Nobel, quase sempre, foram ensinados por pesquisadores agraciados com o mesmo prêmio. Esses cientistas tendem a se engajar em instituições de elite, atraindo os melhores estudantes em âmbito nacional e internacional, perpetuando o sistema.

Ao questionar o que os orientadores altamente motivados passam aos estudantes, Meadows (1999) argumenta que não devem ser conhecimentos factuais que os estudantes podem buscar nos sistemas de informação de uma boa universidade, mas o “saber fazer” da pesquisa, constituindo-se no que se pode denominar “conhecimento imaterial” que tem impacto em todas as formas de comunicação.

Viana e Veiga (2010), ao pesquisarem sobre a relação orientador/orientando, identificaram que os desafios enfrentados pelos orientadores podem ser afetivos, profissionais e teórico-metodológicos. O aspecto afetivo remete ao estabelecimento de uma “relação dialógica e um clima de confiança” (VIANA; VEIGA, 2010, p. 223). Sobre o aspecto profissional, requer-se estabelecer os deveres e direitos dos orientandos e orientadores, bem como identificar o nível de autonomia dos orientandos. Por fim, o aspecto teórico-metodológico relaciona-se ao desenvolvimento da pesquisa, por exemplo, a montagem de um cronograma de trabalho com a definição de leituras, atividades a serem desenvolvidas, horários de encontro etc.

Os pontos de divergência entre orientadores e orientandos são dois, de acordo com Viana e Veiga (2010). O primeiro concerne ao conceito de autonomia. argumentam que a autonomia não deve ser compreendida como ausência de orientação, de diálogo, de críticas em relação ao trabalho e da troca de experiências. O segundo ponto mostra a importância dos orientadores e orientandos respeitarem o cronograma e as atividades definidas, pois, muitas vezes, os orientandos não cumprem o cronograma e desaparecem sem dar satisfações, e os orientadores, por sua vez, não enviam devolutivas dos textos entregues para análise.

Outro ponto importante destacado nessa categoria foi a divulgação dos dados de pesquisas, que relaciona-se à replicabilidade da pesquisa como recurso para propiciar maior transparência e, consequentemente, a redução do viés de confirmação. De acordo com De Waard, Cousijne e Jan Aalbersberg (2015), o compartilhamento e o uso dos dados de pesquisas podem aumentar o impacto, a validade, a reprodutibilidade, a eficiência e a transparência da pesquisa científica desde que os dados sejam tratados de maneira adequada.

A segunda categoria foi denominada redução do viés de confirmação pelo pesquisador. As palavras-chave que fazem parte dessa categoria são fundamentação da pesquisa, apresentação de pontos de vistas diferentes, apresentação do contraditório, criatividade e pensamento crítico.

Uma “fundamentação de pesquisa” adequada inclui, dentre outros pontos a “apresentação do contraditório” e a “apresentação de pontos de vistas diferentes”, tratadas anteriormente. Os dados mostram o peso que os participantes dão ao “saber fazer” pesquisa. Isso implica, por exemplo, ter conhecimentos sobre a filosofia e epistemologia da ciência, abordagens de pesquisa, questões técnicas, normalização das pesquisas, bem como a competência para aplicação desses conhecimentos. O know-how de pesquisa é aprendido no percurso da pesquisa com o orientador (MEADOWS, 1999). No entanto, cabe lembrar que essa é sempre uma equação de mão-dupla, como explica Dewey (1979), ao usar a metáfora da “venda de mercadorias”, isto é: alguém só vende se outra pessoa comprar. Ele explica que alguns professores sem saber o que os estudantes aprenderam, podem achar que tiveram um bom dia de ensino. Para os estudantes aprenderem, os professores precisam “ensinar verdadeiramente mais e melhor” (DEWEY, 1979, p. 43). Por sua vez, a iniciativa da aprendizagem é do estudante, pois aprender é próprio dele. “O professor é um guia, um diretor; pilota a embarcação, mas a energia propulsora deve partir dos que aprendem.” (DEWEY, 1979, p. 43)

Sobre a necessidade do pensamento crítico e da criatividade para pesquisar, compreende-se que são atitudes importantes para a aprendizagem e para a pesquisa. Dewey (1979, p. 85) argumenta que aprender é “aprender a pensar”. O pensamento voltado para o ato de inquirição é denominado pensamento reflexivo, que é a melhor forma de pensar. O pensamento reflexivo é composto por cinco fases, quais sejam, (1) situação difícil ou perplexa; (2) definição da natureza do problema; (3) sugestão de ideias/hipóteses; (4) elaboração lógica/raciocínio e (5) verificação experimental da hipótese compatível. Portanto, o pensamento reflexivo surge da incerteza e da investigação, mediante processo ordenado, sistemático e que propicia a curiosidade, constituindo-se em um processo intelectual, também a ser utilizado em sala de aula desde a educação infantil. Não é possível aprender ou ser ensinado a pensar, mas é possível “aprender como pensar bem, especialmente, como adquirir o hábito geral de refletir” (DEWEY, 1979, p. 43)

A terceira categoria, intitulada redução do viés de confirmação pela sociedade foi constituída pelas palavras-chave: melhoria da educação científica, formação desde o ensino básico, ensino por projetos, formação contínua em metodologia científica. Mais uma vez, aparecem questões que suscitam a reflexão sobre a questão da formação científica e da educação geral, como tratado em tópicos anteriores. Gasque (2012), baseada nos dados divulgados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) do Brasil, argumenta que apesar do empenho, a educação brasileira encontra-se com resultado aquém do esperado tanto na educação básica quanto no ensino superior. A autora supracitada argumenta ser possível melhorar a educação por meio da qualidade do projeto político-pedagógico, orientado e sustentado por uma concepção com foco na investigação, formação docente continuada, organização curricular globalizada e avaliação formativa agregados ao letramento informacional (LI). O letramento informacional é um processo de desenvolvimento de competências para lidar de forma eficaz e eficiente com a informação.

4.3 Estratégias usadas pelos participantes para redução do viés de confirmação

Por fim, a última questão discutida no grupo focal identificou as principais estratégias usadas pelos participantes da pesquisa para redução do viés de confirmação. As palavras-chave que representam a categoria são apoio do orientador, apoio dos colegas, grupo de pesquisa ativo, papel da banca de qualificação, busca de fontes diversificadas, participação em grupos de pesquisadores interinstitucionais e manutenção da mente aberta.

Os pesquisadores relataram que contam com o apoio dos membros do grupo de pesquisa para redução do viés de confirmação, além de tentar buscar fontes diversificadas e manter a mente aberta. Tais estratégias podem ajudar muito, no entanto, deve-se ter em mente que adaptar as crenças existentes não é um processo intuitivo, como argumentam Hernandez e Preston (2012). Isso requer, dentre outros aspectos, ter conhecimento sobre o viés para ajudar a reduzi-lo, além de sempre estar atualizando as próprias crenças (TSIPURSKY, 2018).

Para manter a mente aberta é necessário procurar, deliberadamente, evidências contrárias, considerar os melhores argumentos e estar aberto à mudança de ideia. Por sua vez, Glick (2017) acrescenta que é necessário: ceticismo; fazer questionamentos significativos; encorajar a discordância; aceitar ou tolerar a incerteza e a ambiguidade; humildade e, por fim, mensurar o desejo de estar certo.

Cabe mencionar que a reflexão sobre como ocorre o próprio conhecimento, processo denominado metacognição, é uma competência poderosa para a melhoria da aprendizagem e da produção de conhecimento, à medida que permite o distanciamento da ação para analisá-la e modificá-la (ALLUEVA TORRES, 2002). Tal fenômeno ocorre por meio da consciência do indivíduo sobre o modo como algumas variáveis influenciam o desempenho cognitivo (RIBEIRO, 2003).

Gasque (2017) explica que, grosso modo, o indivíduo, ao buscar e usar a informação, precisa conhecer e saber sobre como e porque essas atividades são realizadas, o que envolve a aprendizagem dos saberes:

a) saber o que e quanto se sabe sobre as próprias necessidades, o acesso, a busca e a comunicação da informação; b) saber o que se necessita saber, considerando o conhecimento prévio, as expectativas, os sentimentos, os objetivos e as finalidades; e por fim, c) conhecer a utilidade das estratégias de intervenção para melhorar o próprio processo de LI. (GASQUE, 2017, p. 191).

5 Considerações finais

Na presente pesquisa, objetivou-se analisar as percepções e estratégias relacionadas ao viés de confirmação por pesquisadores no processo de busca e uso da informação no contexto acadêmico. Foi realizado estudo de caso com nove pesquisadores, sendo cinco estudantes de doutorado e quatro professores efetivos da Faculdade de Ciência da informação da Universidade de Brasília. A maior parte do grupo situa-se na faixa de 41 a 60 anos e com graduação, em sua maioria, nas áreas de ciências humanas e engenharia/tecnologia.

Em relação à percepção dos participantes sobre o viés de confirmação, os dados mostram que eles vislumbram a influência dos grupos e das experiências na construção dos valores e crenças. Compreendem que as pessoas comportam-se e tomam decisões considerando seus esquemas de pensamento, desenvolvidos a partir da interação com o mundo e com as outras pessoas. As crenças atuam como um processo psicológico adaptativo que propicia uma sensação de conforto e de controle do mundo, mesmo em muitos casos sendo errôneas. Os participantes compartilharam com o grupo relatos de ocorrência de viés de confirmação no âmbito científico. Eles destacaram que o viés de confirmação nem sempre ocorre de forma explícita e intencional, e que, às vezes, é difícil de reconhecê-lo – principalmente na sociedade contemporânea, em que ainda vigora a ideia do homem racional na tomada de decisão. Para os pesquisadores, as principais causas do viés de confirmação relacionam-se ao desejo de dar certo e à ausência de uma formação educacional e científica de qualidade, bem como a questão de alguns temas serem mais controversos. Os pesquisadores relataram que o principal impacto do viés de confirmação consiste em mudanças que podem ser de raciocínio, de ponto de vista ou, ainda, pessoal. Evidentemente, o viés de confirmação traz consequências para a ciência, em especial, a contaminação dos resultados e o direcionamento da ciência, o que leva às discussões sobre ética e integridade. Por sua vez, questões como financiamento da pesquisa, exigência de resultados e a expectativa do mercado podem atuar como catalisadores para surgimento do viés de confirmação.

Em relação às estratégias de redução do viés de confirmação, os pesquisadores argumentaram sobre a necessidade da contribuição dos próprios pesquisadores, da sociedade científica e da sociedade de maneira geral. Cabe ao pesquisador responsabilizar-se pela própria formação, buscando compreender melhor as questões relacionadas à filosofia e epistemologia da ciência, às técnicas de pesquisa, ao desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico. Nesse sentido, a escolha de um orientador motivado que ensine o “saber fazer” da pesquisa, que ajude na seleção do tema e na compreensão das normas da comunidade científica torna-se crucial para a formação do novo pesquisador. O orientador deve equilibrar a orientação com a autonomia, possibilitar o diálogo entre as duas partes, ajudar na definição do cronograma e avaliar formativamente o processo e os produtos oriundos dos estudantes. Não se pode deixar de mencionar a importância das trocas de informação com os colegas e demais professores que fazem parte da mesma comunidade e, também, aqueles que atuam em outras instituições. Por fim, um ponto importante observado na literatura, que nem sempre os pesquisadores levam em conta, diz respeito ao fato de as pessoas conscientizarem-se sobre a existência do viés de confirmação e conhecer estratégias para reduzi-lo. Nesse sentido, o treinamento e a formação adequada podem ajudar os pesquisadores e pessoas, de modo geral, a tomarem decisões menos tendenciosas, como salientaram Griffin e Tversky (1992).

De acordo com os pesquisadores, a sociedade científica deve ter um papel mais ativo na avaliação e divulgação científica, bem como na formação de novos pesquisadores. Nesse cenário, a divulgação dos dados de pesquisa podem propiciar um ambiente de maior transparência, visto que nem sempre é possível ter acesso aos dados e aos procedimentos de tratamento dos dados da pesquisa. Por fim, cabe à sociedade, de maneira geral, exigir e lutar por uma educação de qualidade, voltada para o ensino da pesquisa e o desenvolvimento do pensamento crítico a partir da educação básica.

De forma geral, os resultados da pesquisa mostram a importância de um olhar multidimensional sobre a questão, em que os vários contextos – educacional, social, pessoal – e a situação interagem entre si e influenciam a emergência do viés de confirmação. No entanto, apesar de ocorrer de maneira frequente na ciência, é possível colocar em prática estratégias para redução do viés de confirmação. Em relação ao pesquisador, é necessário que ele invista na formação científica e pessoal por meio de leituras, estudos sistemáticos e mediante o acompanhamento responsável do orientador de pesquisa, no sentido de estabelecer ambiente propício à aprendizagem.

Os resultados apresentados evidenciam, também, a necessidade de repensar o sistema educacional brasileiro. Em especial, demonstram a importância da educação voltada para a pesquisa agregada ao letramento informacional, que possibilita aos aprendizes lidar eficaz e eficientemente com a informação, principalmente a técnico-científica e o fomento da ciência. A literatura mostra que o letramento informacional, quando implementado desde a educação básica, considerando uma concepção de ensino-aprendizagem voltada para o desenvolvimento do pensamento reflexivo, permite potencializar o desempenho dos estudantes e, mais ainda, propicia a transformação da sociedade de forma mais justa, igualitária e cidadã.

Nesse sentido, as contribuições das bibliotecas públicas e escolares para a formação científica inicial dos estudantes da educação básica e das bibliotecas universitárias e especializadas para a formação no ensino superior e na pós-graduação são essenciais para o desenvolvimento do letramento informacional. Para tanto, é preciso que haja reconhecimento da importância do letramento informacional na sociedade e maior integração entre as bibliotecas e os processos psicopedagógicos.

Cabe destacar que uma das limitações da pesquisa diz respeito ao tamanho da amostra, visto que se torna difícil identificar relações e generalizações a partir dos dados em amostras pequenas. Outro ponto vincula-se ao fato de haver poucas pesquisas sobre o tema abordado. Em geral, as pesquisas identificadas estão mais preocupadas em descrever o fenômeno do que compreendê-lo.

Não se pode deixar de mencionar que ainda são necessárias muitas pesquisas para se compreender um fenômeno tão recorrente, com potencial de causar grandes impactos na ciência. Sugerem-se mais pesquisas e investimentos para aplicar e testar as diversas estratégias com potencial de minimizar o viés de confirmação. Além disso, seria interessante o envolvimento de outras áreas do conhecimento na pesquisa sobre o assunto, visto que, muitas vezes, múltiplos olhares podem ajudar na compreensão do fenômeno e na melhor maneira de lidar com ele.

Referências

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Notas de autor

1 Doutora; Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil/ Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal

kelleycristinegasque@hotmail.com

Información adicional

Declaração de autoria: Concepção e elaboração do estudo: Kelley Cristine G. D. Gasque. Coleta de dados: Kelley Cristine G. D. Gasque. Análise e discussão de dados: Kelley Cristine G. D. Gasque. Redação e revisão do manuscrito: Kelley Cristine G. D. Gasque

Como citar: GASQUE, Kelley Cristine Gonçalves Dias. Percepções e estratégias relacionadas ao “viés de confirmação” por pesquisadores no processo de busca e uso da informação. Em Questão, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 392-417, abr./jun. 2021.



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