Resumo: O tema do artigo é a classificação de documentos de arquivo, como parte dos estudos de representação e organização e, mais especificamente, dos instrumentos de classificação de documentos de arquivo. Eles são elaborados misturando-se vários princípios de classificação na mesma estrutura classificatória. Essa forma dá origem a ferramentas de difícil compreensão por parte do usuário, além de não favorecer a recuperação, a manutenção do vínculo arquivístico e a fundamentação de outras funções arquivísticas. A pergunta motivadora da pesquisa foi a seguinte: a nova versão do código de classificação de documentos de arquivo das atividades-meio da Administração Pública Federal é consistente do ponto de vista da estrutura, da lógica e da semântica? O objetivo foi o de verificar se a nova versão do código de classificação, divulgado em 2020 pelo Arquivo Nacional, tem os elementos estruturais, lógicos e semânticos que favorecem o seu entendimento e sua aplicação. A pesquisa, quanto ao seu objetivo, é do tipo exploratória, pois procura ampliar o conhecimento sobre um tema, o instrumento de classificação de documentos, pouco explorado pela área. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental no que se refere aos procedimentos de coleta e às fontes de informação. E é uma pesquisa qualitativa em relação à natureza dos dados. Observou-se que a nova versão apresenta vários avanços em relação à estrutura, lógica e semântica.
Palavras-chave:Classificação de documentos de arquivoClassificação de documentos de arquivo,Código de classificação de documentosCódigo de classificação de documentos,Arquivo NacionalArquivo Nacional,Administração Pública FederalAdministração Pública Federal.
Abstract: The topic of the article is the classification of records, as part of representation and organization studies, and, more specifically, record classification scheme. The schemes for classifying records are prepared mixing several classification principles in the same classificatory structure. This form gives rise to schemes that are difficult to understand by the user, and do not favor retrieval, the maintenance of the archival bond, and the substantiation of other archival functions. The research question was: is the new version of the record classification code consistent from the standpoint of structure, logic, and semantics? The objective was to verify whether the new version of the classification code, released by the Portaria do Arquivo Nacional nº. 47/2020, has the structural, logical and semantic elements that favor its understanding and its application. The research, as to its objective, is of the exploratory type, as it seeks to broaden knowledge about a theme, the record classification scheme, little explored by the area. It is a bibliographic and documental research as far as the collection procedures and the sources of information are concerned. And it is a qualitative research regarding the nature of the data. It is also a documental research, because it works with the analysis of the classification scheme prepared by the National Archive and the material produced by the Brazilian archival institution to facilitate the understanding and the methodology used in the instrument. It was noticed that the new version presents several advances in relation to structure, logic and semantics.
Keywords: Record classification, Administratives records classification scheme, National Archive, Federal Public Administration.
O leito de Procusto e os instrumentos de classificação de documentos de arquivo: análise do código de classificação de documentos de arquivo das atividades-meio do Arquivo Nacional
The Procusto bed and the archival records classification schemes: analysis of the archival records classification code: administrative activities of the National Archives.
Recepción: 06 Abril 2021
Aprobación: 15 Agosto 2021
A arquivologia tem procurado na mitologia greco-romana a representação de muitos dos seus conceitos. O principal deles é o que dá nome ao objeto de estudo da área: o arquivo. A origem encontra-se na palavra grega Archeion, que significa “casa do governo”. Ela foi apropriada pela área, que a utiliza no sentido de conjunto de documentos de uma instituição pública ou privada, de uma pessoa física ou família, de uma instituição que mantém os documentos e, também, de uma instalação que os armazena (depósito).
Schellenberg (2005) encontrou na mitologia grega a imagem da análise das questões relacionadas à classificação de documentos. Ele utilizou o leito de Procusto. O nome era a alcunha de Polipémon ou Damastes, um personagem grego, que faz parte da história de Teseu. Etimologicamente, seu nome pode ser traduzido por “o esticador”. Ele era grande e impiedoso com suas vítimas, que cativava pela sua hospitalidade. Raptava os andarilhos e os presenteava com um bom jantar e, em seguida, os convidava para pernoitarem em uma cama de ferro. Era seu desejo que a cama fosse perfeita para a vítima. Os maiores tinham suas pernas cortadas por um machado bem afiado. E os mais baixos eram esticados até preencherem totalmente o leito.
A analogia feita primeiramente foi a de relacionar o mito da cama de Procusto à intolerância. Isso pode ser percebido na ideia de que aqueles que não fossem do seu tamanho eram eliminados. Era a intransigência diante do outro diferente, da multiplicidade das ideias.
No caso deste trabalho, utilizamos, diante da fragilidade conceitual e metodológica dos instrumentos de classificação de documentos de arquivo, o movimento de esticar e cortar, como Procusto. A intolerância está em não admitir que o instrumento possa demonstrar a ausência de um agrupamento/classe do objeto a ser classificado. Dessa forma, ele teria que ser encaixado “necessariamente” em algum agrupamento/classe (esticar e cortar). Ao surgir um documento que pode trazer instabilidade ou a negação da hipótese construída para classificar os documentos de arquivo, impomos (medida arbitrária) o arquivamento em alguma unidade de classificação (visão totalitária). A imagem é a de que estamos “esticando” a análise para que o documento caiba, mesmo faltando um lugar adequado na estrutura classificatória, em um agrupamento/classe existente.
O que se observa em muitos instrumentos de classificação de documentos são unidades de classificação cortadas e esticadas para caberem, de maneira perfeita, na cama ou leito de Procusto. Isso acontece por conta dos entendimentos do que é ordem original, da ordem para o pesquisador e das preferências dos arquivistas (HEIL, 2013).
Como fenômeno social, a razão de ser do arquivo foi alterada por conta de fatores políticos, culturais, sociais e econômicos. Nesse contexto, originalmente, o motivo era para atender os interesses da administração e do direito. No século XIX, ao lado dessas utilidades, surgiu como fonte privilegiada para a história. A partir do século XXI, percebemos que a razão de ser é a prestação de serviços ou o acesso: ao (pelo) sujeito acumulador, ao (pelo) produtor e recebedor dos documentos e à (pela) sociedade.
O foco dos arquivos está mudando da guarda para o acesso, como defende Menne-Haritz (2001). O acesso é, ao mesmo tempo, forma e atitude. Forma, porque permite a todos os interessados obter acesso, ler e interpretar os documentos, de acordo com as suas necessidades. Atitude, pois os arquivistas aceitam a competência dos usuários em relação à sua própria pesquisa. Portanto, cabe aos profissionais oferecerem todas as condições que favoreçam o seu uso. O desafio, então, está em construir pontes (novos instrumentos e conceitos) para a manipulação dos documentos por parte do usuário (MENNE-HARITZ, 2001, p. 59, 61).
Se esta afirmação é verdadeira (a mudança do foco para o acesso), cresce a importância sobre a representação e a organização da informação[1] nos arquivos. Esteban Navarro (1995) foi um dos primeiros autores a escrever sobre essa possibilidade. Ele fez isso relacionando a classificação e a descrição como parte dessa área. Dessa forma, a classificação é matéria dos estudos de representação arquivística.
Assim, o tema deste artigo é a classificação de documentos de arquivo, como parte dos estudos de representação e organização e, mais especificamente, dos instrumentos de classificação de documentos de arquivo. A classificação de documentos de arquivo vem, paulatinamente, ganhando espaço nas discussões e reflexões sobre a teoria e a prática arquivística, apesar de não ter a mesma representatividade em relação à descrição, avaliação e preservação. Inseri-la na agenda da área permite, sem dúvida nenhuma, uma maior verticalização sobre o conceito e abre, sobretudo, novas possibilidades.
Os instrumentos de classificação de documentos de arquivo, até 1990, eram baseados nos assuntos ou de forma híbrida, misturando-se vários princípios de classificação na mesma estrutura. Sabine Mas e Louise Gagnon-Arguin (2007-2008) identificaram, em sua pesquisa, sete critérios de divisão utilizados pelos empregados para organizar os documentos digitais em seus espaços “pessoais”: i) atividade (“comunicações”); ii) tema ou assunto (“plágio”); iii) tipo de conteúdo (“relatório”); iv) projeto (“revisão do programa de ensino”); v) tempo (“outubro 2003”); vi) unidade político-administrativa (“comitê de gestão”); e vii) “misturados”, que designa uma divisão de difícil identificação do critério de classificação preponderante. No Brasil, chamamos de “generalidades” ou “diversos”. Para Roberge (2011), os planos de classificação são fruto da improvisação. Duranti e Franks (2015) afirmam que a maioria dos instrumentos emprega uma abordagem híbrida, levando em conta a estrutura organizacional, os formatos dos documentos e as mídias dos documentos e (ou) assuntos.
A visão geral da literatura da área de arquivologia, com poucos trabalhos teóricos e metodológicos e com alguns estudos de caso sobre instrumentos de classificação de documentos de arquivo (CALABRIA, 2004; ORR, 2005; MAS; GAGNON-ARGUIN, 2007-2008; FOSCARINI, 2009; MOKTHAR; YUSOF, 2017), leva-nos a entender essa questão como a “tempestade perfeita”[2], isto é, a junção de dois fenômenos que ocorrem simultaneamente e que levam ao caos. Temos de um lado a forma quase intuitiva de elaborar instrumentos de classificação e, de outro, os raros trabalhos dedicados ao tema, que nos deixam inseguros quanto aos conceitos a serem usados e sem metodologias científicas para enfrentar tamanha empreitada.
Sousa (2004) fez uma análise, sob a ótica da teoria da classificação, do Código de Classificação de Documentos de Arquivo para a Administração Pública: atividade-meio (Resolução do Conselho Nacional de Arquivos nº 14/2001). Um dos principais problemas encontrados foi a mistura de princípios de classificação, gerando a referência cruzada, que permite a possibilidade de classificação de documentos de arquivo em mais de um lugar. Além desse problema, percebeu-se que havia uma imprecisão no entendimento do conceito de assunto, que o objeto a classificar (o documento de arquivo) era invariavelmente confundido com as unidades de classificação e que o código decimal trazia limitações à própria estrutura classificatória.
Em 2020, o Arquivo Nacional lançou uma nova versão do código de classificação, por meio da Portaria Arquivo Nacional nº 47/2020, 19 anos depois da última (Resolução Conselho Nacional de Arquivos nº 14/2001), com mudanças significativas.
Parte-se do entendimento de que o método para elaboração do instrumento de classificação não tem uma sustentação técnico-científica. Isso é um complicador importante para seu entendimento e aplicação, principalmente em um ambiente de crescente descentralização de responsabilidades pela gestão de documentos, movimento que ganhou maior impulso no ambiente digital.
A pergunta que pretendemos responder é a seguinte: a nova versão do código de classificação de documentos de arquivo das atividades-meio da Administração Pública Federal é consistente do ponto de vista da estrutura, da lógica e da semântica? O objetivo é verificar se a nova versão do código de classificação, divulgada pela Portaria Arquivo Nacional nº 47/2020, tem os elementos estruturais, lógicos e semânticos que favorecem seu entendimento e a sua aplicação.
Esta pesquisa, quanto ao seu objetivo, é do tipo exploratória, pois procura ampliar o conhecimento sobre um tema, o instrumento de classificação de documentos, pouco explorado pela área. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental no que se refere aos procedimentos de coleta e às fontes de informação. E é uma pesquisa qualitativa em relação à natureza dos dados. É, também, uma pesquisa documental, pois consistirá na apreciação do plano de classificação elaborado pelo Arquivo Nacional e do material produzido pela instituição arquivística brasileira para facilitar o entendimento e a metodologia adotados no instrumento.
A estrutura deste trabalho envolve, então, uma seção que tratará do modelo de análise do instrumento e outra que analisará o instrumento de classificação.
A base empírica da pesquisa é formada pelo instrumento de classificação elaborado pelo Arquivo Nacional para os órgãos da Administração Pública Federal, aprovado pela portaria citada no título da sessão. Em relação às categorias que utilizaremos, a decisão foi a de não trabalhar com os elementos de maneira isolada, como em Sousa (2004), mas agrupar os elementos (forma de estruturação, codificação proposta, princípios de classificação adotados, relações entre os níveis de classificação, termos utilizados pelo código de classificação) em categorias, para facilitar a análise.
Será utilizado o modelo proposto por Mas e Gagnon-Aguin (2007-2008), no estudo de 21 planos de classificação no Canadá. As autoras trabalharam com três elementos: estrutura, lógica e semântica.
O elemento estrutura será verificado a partir da análise de extensão (número de classes principais e do número de níveis), da profundidade (número máximo de níveis hierárquicos e do número médio de níveis hierárquicos) e da complexidade da estrutura (número total de classes e de subclasses). Quanto maiores são os números encontrados, mais detalhadas são as estruturas de classificação. Schellenberg (2005) nos lembra que se deve evitar a ultra-classificação, pois torna o instrumento mais difícil de ser entendido e aplicado. Não há consenso na literatura da área sobre a quantidade de níveis a serem usados na estrutura de classificação. De acordo com Orr (2005), o Arquivo Nacional da Austrália, apesar de defender três níveis de classificação, representando as funções, atividades e transações, não faz uma sugestão da quantidade de níveis. Shepherd e Yeo (2003) afirmam que o importante é ter o controle adequado da classificação de documentos de arquivo. Yourdon[3] (1989 apud ORR, 2005) considera que, normalmente, haveria de dois a oito níveis, dependendo do tamanho e da complexidade do sistema. DeMarco (1989) sugere de dois a dez níveis.
A avaliação da quantidade das unidades de classificação na estrutura hierárquica de classificação de documentos de arquivo pode apontar informações relevantes. Reveste-se de clareza o fato de que, quanto maior o número de unidades de classificação, mais detalhada é a estrutura ou, em alguns casos, muito precisa. Entretanto, dependendo do tamanho da instituição a ter seus documentos classificados, poucas unidades de classificação podem indicar um plano subdesenvolvido ou incompleto. Mesmo não existindo um número ideal de unidades de classificação de qualidade, é importante trabalhar com esse critério para usá-lo e relacioná-lo com outros elementos da análise (ROBERGE, 2011).
A precisão do plano de classificação é refletida no número total de níveis de classificação. Dessa forma, para um grande conjunto de documentos a classificar, uma estrutura hierárquica limitada a três ou quatro níveis demonstra um instrumento incompleto ou mesmo truncado. Por outro lado, se a hierarquia for distribuída em seis ou sete níveis, devemos questionar a relevância desse detalhamento (ROBERGE, 2011).
A categoria lógica vai observar os critérios de divisão aplicados nos níveis superiores da hierarquia e a ordem de sucessão das classes principais, isto é, a ordem de aparecimento das subclasses. Isso a partir da identificação do princípio de classificação ou princípio de divisão utilizado para o desdobramento dos níveis de classificação. Além da ordem de construção e da ordem de sucessão, que tratam, respectivamente, da disposição dos princípios de classificação e da maneira como vão aparecer as unidades de classificação (ordem alfabética ou ordem por processo).
E, por último, a categoria semântica que vai entender o padrão utilizado para denominação das unidades de classificação, o uso de abreviaturas e acrônimos e a redundância estrutural e conceitual (repetição de um mesmo conceito). Os termos que identificam as unidades de classificação podem ser simples ou compostos e são usados para representar os conceitos, devendo permitir a compreensão dos conteúdos das unidades de classificação (classes, subclasses, grupos etc.) e dos documentos ligados a elas.
A publicação do Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a) que traz a nova versão do código de classificação das atividades-meio da Administração Pública Federal foi estruturada nas seguintes seções em relação ao código de classificação: apresentação, metodologia da revisão dos instrumentos de gestão de documentos, código de classificação, tabela de equivalência com a versão anterior e um índice remissivo. Elas serão analisadas neste artigo.
A introdução da seção Metodologia da revisão dos instrumentos de gestão de documentos tratou de fazer um histórico do caminho percorrido pelos instrumentos de gestão de documentos, com referências às consultas públicas e análise das sugestões de mudança feitas pelo Arquivo Nacional, no período 2008 a 2018.
Quanto às considerações a respeito da revisão do código de classificação, encontramos algumas inconsistências, decisões e definições que não estão amparadas na literatura da área. E, também, reparações importantes em relação ao código anterior (Resolução Conarq nº 14/2001).
Em primeiro lugar, destacamos o abandono do uso do termo “assunto”, que criava confusão para o usuário, misturando-o aos termos função, subfunção e atividade. Essa constatação encontra-se na própria publicação do Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a). Além disso, ressaltamos a inclusão de notas explicativas ou notas de escopo em todas as unidades de classificação (descritores). A ausência dessas notas explicativas ou de escopo pode levar a erros de interpretação e classificação incorreta. Lembrando que as limitações do instrumento de classificação podem reduzir a eficiência da recuperação dos documentos de arquivo (NATIONAL ARCHIVES OF AUSTRALIA, 2003). Sabine Mas e Louise Gagnon-Arguin (2007-2008) perceberam em sua pesquisa que a existência de descrição das unidades de classificação tornava mais inteligível o instrumento e facilitava a recuperação dos documentos de arquivo classificados.
Uma medida importante foi a inclusão da atividade relacionada à contratação de serviços, ausente na última versão. Entretanto, isso foi feito de maneira equivocada, como será visto na subseção relativa à categoria lógica.
Quanto à semântica utilizada, não vimos um padrão muito claro, apesar da afirmação de que privilegiaram o uso de expressões que denotam “ações” ou “conteúdo de ações”. Na segunda parte da análise, quando analisaremos o código a partir da categoria semântica, faremos considerações sobre essa questão.
Uma situação que nos chama a atenção é a permanência do nome do instrumento como “código”. Não há nos principais dicionários nacionais e internacionais o uso desse termo. É frágil a justificativa apresentada no documento do Arquivo Nacional para o uso do termo: “Esse esquema pode ser chamado de plano de classificação, mas, a partir da atribuição da codificação numérica, passa-se a adotar o termo código de classificação de documentos de arquivo.” (BRASIL, 2020a). Essa referência não foi encontrada na literatura da área. Schellenberg (2005) não trabalha com essa ideia. Os instrumentos elaborados por instituições públicas no Brasil, também não. A única exceção é o elaborado pelo Arquivo Nacional. Inclusive, no ambiente digital a codificação é, cada vez mais, dispensável, pois os metadados e seus relacionamentos cumprem integralmente, além de outras questões, o objetivo do uso de códigos. E, também, vemos com ressalvas a limitação do código decimal, o modelo utilizado, para a estrutura de classificação. O mais importante é verificar se a estrutura está consistente e compreensível.
Em segundo lugar, percebemos uma frágil conceituação existente no texto. Os dois primeiros parágrafos que tratam da tarefa de classificação e do levantamento documental, que parecem procedimentos metodológicos, estão distantes da definição dos objetivos da classificação, descritos na página seguinte.
É clara a opção pela classificação funcional, apesar de não terem usado essa expressão. Os conceitos de função, atividade e processo não são consensuais e são adotados com pouco aprofundamento (HURLEY, 1993; FOSCARINI, 2012). Não há uma definição perceptível sob quais bases assentam a classificação de documentos de arquivo.
Entendemos, para finalizar esta subseção, que o texto explicativo poderia ser utilizado para descrever uma metodologia para apoiar os órgãos e entidades na elaboração do seu código de classificação da atividade-fim. De acordo com a Portaria do Arquivo Nacional de nº 47/2020 (BRASIL, 2020a), é uma competência da comissão permanente de avaliação de documentos elaborar os códigos de classificação relativos às atividades-fim de seus respectivos órgãos ou entidades e submetê-lo à aprovação do Arquivo Nacional.
Não está demonstrado no texto como foi feita a identificação da estrutura organizacional da administração pública, as necessidades de utilização dos documentos produzidos por esses administradores e o levantamento da produção documental. O Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a, p. 7) entende esse estudo como uma “[...] atividade que permite conhecer os documentos produzidos pelas unidades administrativas de um órgão ou entidade no desempenho de suas funções e atividades, e a análise e identificação do conteúdo dos documentos.”.
É necessário registrar, também, que o código de classificação é acompanhado de dois anexos: a tabela de equivalência (com a versão anterior) e um índice. A tabela de equivalência é fundamental para esse momento de transição entre uma versão e outra. Ela está bem abrangente. Os termos simples ou compostos do índice foram retirados dos títulos das unidades de classificação e das notas explicativas, ampliando, dessa forma, o auxílio na hora da aplicação da classificação.
Sobre a categoria “estrutura”: a estrutura do código de classificação é formada por dez classes principais. Duas classes são reservadas para representar as funções vinculadas às atividades-meio e o restante, isto é, oito classes, para as atividades-fim dos órgãos e entidades. A codificação é feita por meio do código decimal. Esta opção tem um efeito importante na estruturação de todo o instrumento de classificação.
As classes, o primeiro nível da estrutura, para as atividades-fim dos órgãos e entidades estão limitadas a oito possibilidades, pois duas classes já estão ocupadas pelas atividades-meio. As subdivisões a partir da classe (função) estão limitadas a nove unidades, pois a zero é a unidade maior. Dessa forma, das nove possibilidades de subdivisão da classe 000 Administração Geral, oito foram ocupadas. É padrão utilizar as subdivisões “9” como destinada a outras ações referentes à função, subfunção, atividade e tarefa. Por exemplo, a classe 900 (Administração de Atividades Acessórias), o subgrupo 019 (Outras Ações Referentes à Organização e Funcionamento), o grupo 029 (Outras Ações Referentes à Gestão de Pessoas) e o grupo 039 (Outras Ações Referentes à Gestão de Materiais), entre outros.
Outros casos de saturação podem ser observados nas subclasses 010, 020 e na divisão 023.18. Além disso, outras divisões contam com mais de sete subdivisões. É o caso dos códigos 022, 023.15; 023.16, 023.2; 045; 030; 060; 910; e 082. As subclasses de 010 a 080 estão subdividas, em média, por sete grupos.
A profundidade é vista por meio da quantidade de níveis usada na estrutura classificatória. O plano de classificação em análise apresenta até seis subdivisões. Por exemplo, o código 025.311 (ver Quadro 1).
Fazendo um recorte das subclasses da classe 000 – Administração Geral, percebemos que, na média, elas são distribuídas em 4,53 divisões. Os códigos em que a subdivisão chega a seis níveis são os seguintes: 019; 023; 252; 061; 085; e 086. Schellenberg (2005) chama a atenção para que os documentos não sejam ultra-classificados. Há um entendimento, inclusive inadequado, de que quanto mais se desdobra a estrutura, mais fácil fica a operação da classificação. Isso não parece condizer com a realidade, pois quanto mais subdivisões são feitas, mais difícil fica classificar os documentos. Não vemos de forma clara a existência de uma simetria entre as unidades de classificação. Algumas são desdobradas mais do que outras.
Comparamos a análise da categoria “estrutura” do código da atividade-meio com 21 códigos de classificação das atividades-fim de órgãos e entidades da Administração Pública Federal aprovados e divulgados pela página na internet do Conselho Nacional de Arquivos. Podemos afirmar que, em média, os códigos das atividades-fim possuem 4,66 classes principais, tendo como mínimo duas classes (Autoridade Pública Olímpica) e o máximo oito classes (Caixa Econômica Federal). E, ainda, dois planos de classificação que apresentaram sete classes principais (Agência Nacional de Águas e Banco do Nordeste).
Em dez dos planos de classificação das atividades-fim aprovados pelo Arquivo Nacional, como base de comparação, são utilizados de três (Autoridade Pública Olímpica) a sete níveis (Empresa de Correios e Telégrafos). A média é de cinco níveis e com predominância de divisões acima de cinco níveis (60%).
Sobre a categoria “lógica”: o objetivo desta subseção é analisar como as unidades de classificação foram criadas, isto é, quais foram os princípios de classificação para a elaboração da estrutura classificatória.
Importante esclarecer dois conceitos que aparecem inseridos no instrumento de classificação: unidade de classificação e nível de classificação. O primeiro significa o conjunto de documentos reunido de acordo com um critério ou princípio de classificação e o nível de classificação representa os vários graus de divisão do plano de classificação. É a posição da unidade de classificação em relação ao conjunto.
Na publicação do Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a), é definido que a estrutura é formada pelas classes, subclasses, grupos, subgrupos e atividades. Portanto, são cinco níveis de classificação. Na publicação intitulada Procedimentos preliminares para a elaboração de código de classificação e tabela de temporalidade e destinação de documentos de arquivo: atividades-fim (BRASIL, 2020b) é feita a correlação entre os níveis de classificação e o princípio de classificação utilizado. Portanto,
[...]as classes correspondem às grandes funções desempenhadas pelo órgão e entidade. As classes se subdividem em subclasses que correspondem às subfunções. As subclasses, por sua vez, subdividem-se em grupos e subgrupos, que correspondem às atividades e as ações administrativas desempenhadas pelo órgão e entidade para o cumprimento de sua missão institucional. (BRASIL, 2020b, p. 4).
Trata-se de uma abordagem dedutiva descendente. Nesse sentido, percebe-se, então, que há uma correlação entre quatro níveis de classificação e os princípios de classificação aplicados em cada um deles, como apresentado no Quadro 2, abaixo.
Entretanto, analisando o código de classificação, observamos a existência, como citado na subseção anterior, de seis níveis de classificação. Trabalhando com o código usado no exemplo anterior, isto é, o 025.311, como denominamos os níveis após o número três? Qual o princípio de classificação utilizado nas subdivisões posteriores?
O primeiro nível de classificação da estrutura é obtido a partir da identificação das funções. Como dito anteriormente, oito classes são reservadas às funções das atividades-fim dos órgãos e duas às atividades-meio. Há, portanto, uma divisão implícita nesse nível. Salientamos que as duas classes das atividades-meio 000 Administração Geral e 900 Administração de Atividades Acessórias confundem a lógica da estrutura, pois se o princípio é a função, não está clara a existência da classe 900, pois ela não representa uma função. O próprio texto explicativo reafirma isso: “[...] não é fácil identificar uma função na administração pública que representasse esse conjunto de atividades ou de operações.” (BRASIL, 2020b).
Os códigos 002.01, 003.01, 010.01, 024.01, além de outros que percorrem o instrumento, apresentam uma inconsistência quando relacionamos os níveis de classificação (classe, subclasse, grupo, subgrupo) aos princípios de classificação (função, subfunção, atividade, ações). Não é possível fazer essa vinculação, causando uma quebra no entendimento da estrutura do instrumento de classificação.
De acordo com a orientação do Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a), as subclasses correspondem às subfunções. A análise da classe 000 Administração Geral apresenta oito subclasses ou subfunções (Organização e Funcionamento, Gestão de Pessoas, Gestão de Materiais, Gestão de Bens Patrimoniais e de Serviços, Gestão Orçamentária e Financeira, Gestão da Documentação e da Informação, Gestão dos Serviços Postais e de Telecomunicações e Pessoal Militar). Entretanto, observa-se uma aplicação frágil do princípio de classificação subfunção. Não está se discutindo o princípio utilizado, que, inclusive, parece encontrar sustentação na literatura utilizada neste trabalho. A discussão é a separação da Gestão de Materiais da Gestão de Bens patrimoniais e Serviços, da Gestão de Pessoas da Pessoal Militar e da existência de uma subfunção denominada Gestão dos Serviços Postais e de Telecomunicações.
No caso da Gestão de Materiais (código 030) e da Gestão de Bens Patrimoniais e de Serviços (código 040), observamos certa duplicidade de atividades. Por exemplo, o grupo 034 Contratação de Prestação de Serviços e o grupo 045 Contratação de Prestação de Serviços. O princípio de classificação que gerou esses dois grupos não é a atividade, mas sim o assunto. É na subfunção Gestão de Materiais que ela aparece como resultado da análise funcional. É na gestão de materiais que os bens patrimoniais são adquiridos, bem como os de consumo. A questão não é o que está sendo adquirido ou que tipo de prestação de serviço está sendo contratada, o objeto a ser comprado ou serviço a ser prestado em si não são fundamentais. O importante é a ação e seu relacionamento com a subfunção que lhe deu origem, nesse caso, a de gestão de material e serviços. Veículos, bens semoventes, imóveis próprios, por exemplo, são bens patrimoniais adquiridos, registrados (patrimônio), distribuídos, movimentados e, quando necessário, alienados.
Os recursos materiais, para fins de gestão, podem ser classificados em duas subcategorias: os recursos materiais em sentido estrito e os recursos patrimoniais (FENILI, 2016). Percebemos, então, que a subfunção, neste caso específico, é a Gestão dos Recursos Materiais, e os grupos seriam o processo de aquisição, contratação de serviços, o controle (cadastro de fornecedores, especificações técnicas, compra, doação, permuta, dação, adjudicação, cessão, comodato, empréstimo, locação, movimentação, alienação e baixa, entre outros) e a gestão dos bens patrimoniais, responsável pelo controle dos bens patrimoniais (permanentes).
Os códigos 018 (Contratação de Prestação de Serviços na subclasse 010 Organização e Funcionamento), 034 (Contratação de Prestação de Serviços na subclasse Gestão de Materiais), 045 (Contratação de Prestação de Serviços na subclasse Gestão de Bens Patrimoniais e Serviços), 067 (Contratação de Prestação de Serviços na subclasse Documentação e Informação), 071 (Contratação de Prestação de Serviços na subclasse Gestão dos Serviços Postais e de Telecomunicações) e 918 (Contratação de Prestação de Serviços na subclasse Gestão de Eventos) aparecem como divisões obtidas a partir da aplicação do princípio de classificação “assunto” e não “atividade”.
A atividade “Contratação de Prestação de Serviços” é própria da subfunção Gestão dos Recursos Materiais e Serviços nos órgãos públicos. Ao incluir a contratação de prestação de serviço em qualquer uma das subfunções das atividades-meio, que não seja a de gestão de recursos materiais e serviços, ela somente pode aparecer como assunto e não como parte da análise funcional do órgão público. Analisando o regimento interno de qualquer ministério da Administração Pública Federal pode-se observar isso.
É o caso, por exemplo, do regimento interno do Ministério da Economia. A Secretaria de Gestão Corporativa, órgão de assistência direta e imediata ao Ministro da Economia, reúne as competências vinculadas às atividades-meio. Estruturalmente ela é formada pelas seguintes diretorias: Gestão Estratégica, Gestão de Pessoas, de Finanças e Contabilidade, Tecnologia da Informação, Administração e Logística. Dentre os 16 itens contendo as competências da Secretaria de Gestão Corporativa, destacamos a de supervisionar as estratégias destinadas à otimização e à modernização das atividades setoriais de administração de imóveis, patrimônio, almoxarifado, transporte, serviços terceirizados, licitações e contratos, conforme o Regimento Interno do Ministério da Economia, aprovado pelo Decreto nº 9.745, de 8 de abril de 2019 (BRASIL, 2019).
A Diretoria de Administração e Logística tem 15 competências, dentre elas a de planejar, coordenar, acompanhar e orientar as atividades relacionadas com aquisição de bens e contratação de serviços, administração de imóveis, obras e serviços de engenharia, patrimônio, almoxarifado, transporte, telefonia, serviços terceirizados, gestão de documentos e da informação, incluídos protocolo, serviço de recebimento e expedição de documentos, arquivo, biblioteca e museu.
Observamos que, em nenhum momento, o patrimônio aparece dissociado da gestão de materiais e serviços. Dessa forma, ao dividirmos a Gestão de Materiais da Gestão de Bens Patrimoniais e de Serviços, estamos misturando dois princípios de classificação (subfunção e atividade) no mesmo nível de classificação. A função de acordo com a literatura da área de administração é a de Gestão de Materiais e Serviços, a gestão dos bens patrimoniais é parte do processo como um todo e não algo independente.
Constatamos, também, uma duplicidade de conteúdos entre o grupo 036 Controle de Materiais, que segundo a nota explicativa, é formado por documentos relacionados ao “acompanhamento e controle de bem materiais, que subsidiam a elaboração dos inventários”, e o grupo 047 Controle de Bens Patrimoniais, composto por documentos referentes ao “acompanhamento e ao controle de bens patrimoniais, que subsidiam a elaboração dos inventários”.
Percebemos, então, que a divisão entre a subclasse 030 Gestão de Materiais e a 040 Gestão de Bens Patrimoniais e de Serviços não é resultado de análise funcional, mas do tipo de bem material. As notas explicativas das duas subclasses confirmam isso:
030 – Gestão de Materiais contempla documentos referentes à aquisição, movimentação, alienação, baixa e inventário de material permanente (mobiliário, equipamentos, utensílios, aparelhos, ferramentas, máquinas, instrumentos técnicos e obras de arte) e de consumo (material destinado às atividades de expediente, limpeza, manutenção, alimentação e abastecimento de veículos, medicamentos, uniformes, peças de reposição, matérias-primas e cobaias para uso científico), bem como aqueles referentes à contratação de prestação de serviços e à execução de serviços de instalação e manutenção. (BRASIL, 2020a, grifo nosso).
040 – Gestão de Bens Patrimoniais e de Serviços contempla documentos referentes à aquisição, alienação e inventário de bens imóveis (terrenos, edifícios, residências e salas), de veículos motorizados (terrestres, fluviais, marítimos e aéreos) e não motorizados (propulsão humana e tração animal), e de bens semoventes (animais utilizados para patrulhamento, investigação e transporte), bem como aqueles referentes à contratação de prestação de serviços para fornecimento de serviços essenciais, manutenção e reparo das instalações, e execução de obras, e ao controle, proteção, guarda e segurança patrimonial. (BRASIL, 2020a, grifo nosso).
A análise do primeiro nível de divisão da Classe 000 – Administração Geral demonstrou, ainda, um desdobramento que afeta diretamente a lógica da estrutura classificatória. As subclasses, conforme o Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a), isto é, a primeira divisão das classes, são formadas a partir da aplicação do princípio de classificação subfunção. Entretanto, encontramos uma questão que põe em dúvida essa abordagem: as subclasses 020 Gestão de Pessoas e 080 Pessoal Militar. Em uma análise funcional, uma das subfunções da função Administração Geral é a de gestão de recursos humanos. É possível identificar dois grupos de servidores na Administração Pública Federal que são regidos por legislações diferentes. A Lei 8.112/1990, que dispôs sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União (BRASIL, 1990), e a Lei nº 6.880/1980, que definiu o estatuto dos militares, são regulamentações diferentes, mas a função é a mesma: gestão de pessoas na Administração Pública Federal (BRASIL, 1980).
Essa distinção pode-se dar dentro da subfunção Gestão de Pessoas em dois grupos: Civil e Militar. Novamente, quando separamos, na verdade, estamos adotando a lógica do tema ou assunto e não de subfunção. Em nenhum dos documentos do Arquivo Nacional pesquisados foi possível encontrar uma justificativa para essa divisão completamente artificial.
Temos, ainda, o caso da subclasse 070 Gestão dos Serviços Postais e de Telecomunicações. Estudando o regimento interno do Ministério da Economia, por exemplo, identificamos na Diretoria de Tecnologia da Informação e na Diretoria de Administração e Logística muitas das competências que aparecem nas subclasses 030 e 070. Dessa forma, entendemos que não se justifica a existência de uma subfunção denominada Gestão dos Serviços Postais e de Telecomunicações. Suas ações poderiam estar incluídas nas subfunções Gestão de Materiais e Gestão da Documentação e da Informação. Nessa última, principalmente nas ações dos subgrupos 061 Gestão de Documentos de Arquivo e 066 Gestão de Tecnologia da Informação.
Verificamos que a sucessão das unidades de classificação não tem um padrão definido. Compreendemos a sucessão como a ordem em que aparecem as subdivisões das unidades de classificação de maior nível. Por exemplo, qual foi a ordem de surgimento das unidades da subclasse 010 Organização e Funcionamento? O código apresenta a seguinte:
011 – Organização Administrativa;
012 – Habilitação Jurídica e Regularização Fiscal;
013 – Coordenação e Gestão de Reuniões;
014 – Preenchimento de Função de Direção;
015 – Gestão Institucional;
016 – Gestão de Processos;
017 – Gestão Ambiental;
018 – Contratação de Prestação de Serviços;
019 – Outras Ações referentes à Organização e Funcionamento.
Há uma relação de subordinação entre a unidade maior e a menor, enquanto a relação estabelecida entre as unidades menores é a de coordenação. Vejamos o exemplo abaixo (Quadro 3):
Constatamos, no exemplo acima, que a ordem de sucessão é o fluxo do processo do controle de bens patrimoniais. É importante que essa ordem de sucessão tenha um padrão a ser seguido em toda a estrutura classificatória. Quanto mais o usuário identifica essa lógica, mais condições ele tem de operar com eficácia o instrumento.
Aproveitando a estrutura da subclasse 010 Organização e Funcionamento, observamos mais uma questão de lógica. O grupo 014 Preenchimento de Função de Direção é uma atividade típica de Gestão de Pessoas, mais especificamente como um dos desdobramentos do grupo 021 Recrutamento e Seleção. O grupo 018 Contratação de Prestação de Serviços somente pode aparecer aí como assunto ou tema e não como uma atividade de Organização e Funcionamento. O agrupamento dos documentos de arquivo, em uma análise funcional, não se dá pela unidade que produziu ou recebeu o documento (classificação estrutural), mas pela função que permitiu sua acumulação (classificação funcional). Por exemplo, os documentos relativos ao registro de frequência, solicitação de férias, entre outros, são frutos do desenvolvimento da subfunção gestão de pessoas. Entretanto, esses documentos podem ser encontrados em papel ou digital em várias unidades político-administrativas do órgão.
Destacamos, também, um aspecto relacionado à lógica da estrutura classificatória. A Teoria da Classificação chama a atenção para não fazer divisões que geram apenas uma subdivisão, pois de outra forma não há necessidade dessa subdivisão, os documentos podem ser agrupados no nível superior. Esse tipo de situação aparece nos códigos 002, 010, 024, 032, 040, 045, 047, 053, 060, 910, 919 e 920.
Sobre a categoria “semântica”: o objetivo desta subseção é analisar como as unidades de classificação foram denominadas; como foram construídos os títulos; e se houve utilização de abreviaturas ou acrônimos. Esta é uma questão crucial para o entendimento do usuário no momento de aplicação correta do plano de classificação.
O Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a) fez menção sobre essa denominação:
Quanto à escolha dos termos para os descritores, que identificam, na estruturação da hierarquia das classes, subclasses, grupos e subgrupos, as atividades desempenhadas pelos órgãos e entidades, procurou-se, sempre que possível, privilegiar o uso de expressões que denotam “ações” ou “conteúdo de ações”. Entendeu-se por “ações” ou “conteúdo de ações” os termos substantivos que expressam o resultado de uma determinada operação ou prática consecutiva que o órgão ou entidade levam a efeito para cumprir suas finalidades, as quais refletem o conjunto de competências e atribuições necessárias para o funcionamento e atuação, tais como procedimentos administrativos, realizações de atribuições técnicas, atuações efetivas, resultados, efeitos ou consequências de direitos e deveres. (BRASIL, 2020a, p. 8)
A análise do plano de classificação demonstra que a definição acima não foi aplicada em todas as unidades de classificação. No nível das subclasses da classe 000 Administração Geral, destaca-se o título do código 080 Pessoal Militar.
A classe 000 Administração Geral possui 571 unidades de classificação. A maior parte (370 unidades de classificação) tem títulos com termos relacionados às “ações” ou “conteúdo de ações”. Entretanto, encontramos um número também expressivo de termos não diretamente relacionados às ações ou a seus conteúdos, mas referentes aos tipos documentais (plano de estágio, folha de pagamento), espécies documentais (carteira, cartão) dossiês (assentamento funcional, prontuários médicos), temas ou assuntos (férias, pós-graduação lato sensu, veículos). Esses casos somaram 201 títulos, isto é, aproximadamente, 35% do total.
Identificamos muitas denominações de unidades de classificação muito longas. Pensamos que os títulos poderiam ser mais curtos, utilizando as notas explicativas ou notas de escopo para fazer o detalhamento necessário à compreensão do conteúdo informacional daquele agrupamento de documentos. Além disso, não foi levada em consideração as relações de subordinação existente entre as unidades de classificação, que possibilitaria que parte do entendimento do agrupamento pudesse ser dado por essas relações. Na verdade, os títulos das unidades subordinadas poderiam ser menores se levasse em conta esse tipo de vínculo. Por exemplo: 046.1 Prevenção de incêndio; 046.13 Instalação e manutenção de equipamento (de combate a incêndio).
Observamos que existe, no exemplo dado, uma relação de subordinação. Portanto, a instalação e manutenção de equipamento somente pode ser relacionado ao combate a incêndio.
Entendemos aqui que a denominação das unidades de classificação deve ser representativa do seu conteúdo. Por se tratar de análise funcional, advogamos que o título deve ser originado da atribuição que acumula os documentos. Assim, é necessário transformar o verbo contido na atribuição em um nome. Por exemplo: “Controlar os bens patrimoniais” seria transformado em “Controle dos bens patrimoniais”. Teríamos, dessa forma, uma estrutura substantivada, sem perder a ideia de ação.
Não foram encontrados exemplos de uso de abreviaturas. Os acrônimos, quando usados, foram acompanhados de seus significados.
Constatamos que não há um acordo completo sobre padrões de nomeação das unidades de classificação. A maior parte dos trabalhos sobre classificação não discute essa questão. De acordo com DeMarco (1989) e Yourdon (1989 apud ORR, 2005), os analistas de sistemas recomendam que processos (equivalentes a funções e atividades) devem ser nomeados usando, de forma ideal, um único forte verbo ativo e um objeto específico. Os verbos fortes são contrastados com os verbos elásticos, isto é, verbos cujos significados podem ser ampliados até cobrir quase qualquer situação. Shepherd e Yeo (2003) sugerem que no nível superior da classificação o verbo pode ser omitido.
O estudo da nova versão do código de classificação demonstrou que, em relação à versão anterior, difundida pela Resolução Conselho Nacional de Arquivos nº 14/2001, houve um avanço importante no que tange à estrutura, lógica e semântica. Entretanto, alguns aspectos ainda tornam o instrumento atual de difícil compreensão. Destacamos as questões relativas à lógica adotada na estruturação da classificação. Há uma confusão de princípios (elementos funcionais, assuntos e tipos documentais e espécies documentais), que permite a referência cruzada, quando um objeto tem mais de um lugar para ser classificado.
As definições de função, subfunção, atividade e ações não aparecem na publicação do Arquivo Nacional (BRASIL, 2020a), que divulgou a nova versão do código de classificação, e nem na publicação intitulada “Procedimentos preliminares para a elaboração de código de classificação e tabela de temporalidade e destinação de documentos de arquivo: atividades-fim”, encontrada na página da web do Arquivo Nacional. Foscarini (2009), por exemplo, chama atenção para a falta de consenso na utilização desses conceitos. Orr (2005) destaca que a imprecisão no uso de termos como função não é apenas um problema na literatura arquivística, mas também na área de administração. Vários autores, sabendo da importância do conceito de função, vêm apresentando definições: Schellenberg (2005), Hurley (1993), Pearce-Moses (2005), Conselho Internacional de Arquivos (2008), Duranti; Franks (2015), entre outros. O Dicionário brasileiro de terminologia arquivística (2005) não apresenta uma definição. Esses termos foram usados de várias maneiras na literatura. Assim, a falta de precisão e de clareza no uso de conceitos tão importantes prejudica a própria lógica do instrumento de classificação.
A estrutura do instrumento de classificação analisado, por limitação do código decimal, está sem espaço para inclusões. Isso pode levar a agrupamentos artificiais para acomodar funções, subfunções, atividades e tarefas que, por falta de flexibilidade da codificação utilizada, não podem ser contempladas em seus respectivos lugares. Lembramos, neste momento, das indicações das características da codificação feitas por Schellenberg (2005). Para o autor americano, o sistema deve admitir expansões, possibilitando a inserção de novas unidades de classificação para atender aos documentos que resultem de novas atividades, bem como permitir a divisão das unidades de classificação à medida que os documentos relativos às unidades se tornem mais complexos (SCHELLENBERG, 2005).
Apesar de não haver uma concordância quanto ao uso do Código Decimal de Dewey, por entendermos que a lógica de sua construção não foi pensada para documentos de arquivo e por, de certa forma, trazer elementos limitadores (divisão em dez) na estruturação de um instrumento de classificação, acreditamos que esse não é o maior problema. Inclusive, entendemos que o código é um elemento acessório em um sistema de classificação. Trata-se, apenas, de um símbolo de tradução dos níveis e das unidades de classificação. Os maiores problemas observados estão relacionados à própria estruturação do Código de Classificação, isto é, no uso inconsistente dos princípios de classificação ou divisão, na imprecisão das funções e atividades e na mistura da ação que produz o documento com o próprio documento.
Sentimos falta da divulgação da metodologia utilizada para a revisão do instrumento de classificação. Houve um estudo de caso para atualização do instrumento? Como se deu a análise funcional? Quais são os entendimentos sobre função, subfunção e atividade? Quais foram os princípios de classificação usados em cada nível de classificação? Como foi definida a ordem de sucessão dos níveis de classificação? Tem algum padrão na ordem de apresentação das subdivisões?
Respostas a esses questionamentos poderiam ser muito úteis, levando em conta a necessidade dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal terem que elaborar seus planos de classificação das atividades-fim.
Declaração de Autoria: Concepção e elaboração do estudo: Renato Tarcisio Barbosa de Sousa Coleta de dados: Renato Tarcisio Barbosa de Sousa Análise e interpretação de dados: Renato Tarcisio Barbosa de Sousa Redação: Renato Tarciso Barbosa de Sousa Revisão crítica do manuscrito: Renato Tarcisio Barbosa de Sousa
Como citar:: SOUSA, Renato Tarciso Barbosa de. O leito de Procusto e os instrumentos de classificação de documentos de arquivo: análise do código de classificação de documentos de arquivo das atividades-meio do Arquivo Nacional. Em Questão, Porto Alegre, v. 28; n. 1, p. 64-89. 2022. DOI: http://dx.doi.org/10.19132/1808-5245281.64-89
arquivística. Falamos de documentos de arquivo e de informações contidas neles.
Apud Orr (2005).
Email: renasou@unb.br; ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5647-7903