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As dimensões da mediação da informação no âmbito das instituições arquivísticas
Raquel do Rosário Santos; Ana Claudia Medeiros de Sousa; Henriette Ferreira Gomes
Raquel do Rosário Santos; Ana Claudia Medeiros de Sousa; Henriette Ferreira Gomes
As dimensões da mediação da informação no âmbito das instituições arquivísticas
The dimensions of information mediation within the archivistic institutions scope
Em Questão, vol. 28, núm. 1, pp. 281-298, 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Resumo: A instituição arquivística, por meio da atuação consciente do arquivista, deve assumir sua condição como um ambiente mediador, em favor do acesso e da apropriação da informação por parte da coletividade, que se sentirá representada nesse ambiente e poderá apoiar o desenvolvimento do protagonismo social. Nessa perspectiva, este estudo tem como objetivo evidenciar, a partir de uma análise crítica da literatura da área da mediação da informação, reflexões acerca de como as instituições arquivísticas podem potencializar o desenvolvimento do protagonismo social. Quanto à metodologia, foi adotada a abordagem qualitativa, com o uso do método bibliográfico com a articulação de aspectos teóricos, conceituais e analíticos que subsidiaram a discussão sobre a mediação da informação no âmbito da instituição arquivística. Por meio do desenvolvimento reflexivo, concluiu-se que, ao atuar conscientemente nas atividades de mediação da informação, a fim de alcançar as dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política, o arquivista passa a contribuir com o processo de apropriação da informação por parte dos sujeitos envolvidos na ação mediadora, favorecendo o desenvolvimento e o fortalecimento do protagonismo social desses sujeitos, do arquivista mediador e do próprio arquivo.

Palavras-chave: Mediação da informação, Instituição arquivística, Protagonismo social.

Abstract: The archival institution, through the conscious performance of the archivist, must assume its condition as a mediating environment, in favor of access and appropriation of information by the community that will feel represented in this environment and can support the development of social protagonism. In this perspective, this study aimed to show, based on a critical analysis of the literature in the area of mediation information, reflections on how archival institutions can enhance the development of social protagonism, especially by reaching the mediation dimensions of information. Regarding the methodology, the qualitative approach was adopted, using the bibliographic method. The aim was to articulate the theoretical, conceptual, and analytical aspects that supported the discussion on information mediation within the archival institution's scope. Through reflective development, it was possible to consider that the archivist, when seeking a conscious performance in the activities of information mediation, to reach the five dimensions: dialogical, aesthetic, formative, ethical, and political, it starts to contribute to the process of information appropriation, by those involved in the mediating action, which will favor the development and strengthening of social protagonism, both these subjects, as well as the mediating archivist and the archive itself.

Keywords: Mediation of information, Archival Institution, Social protagonism.

Carátula del artículo

As dimensões da mediação da informação no âmbito das instituições arquivísticas

The dimensions of information mediation within the archivistic institutions scope

Raquel do Rosário Santos
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Ana Claudia Medeiros de Sousa
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Henriette Ferreira Gomes
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Em Questão, vol. 28, núm. 1, pp. 281-298, 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepción: 05 Abril 2021

Aprobación: 19 Junio 2021

1 Introdução

As instituições arquivísticas estão vinculadas a um contexto sociocultural em que os diferentes sujeitos formadores da sociedade ainda não conferem a esse ambiente um sentimento de pertencimento, que propicia um estado de conforto que favorecerá o processo de mediação da informação e pode contribuir para o acesso, o uso e a apropriação da informação. Essa situação convoca os profissionais e pesquisadores da Arquivologia a observarem e analisarem esse cenário, de modo que possa fortalecer as instituições arquivísticas e sua função social.

Ao refletir sobre esse ambiente informacional e social, o arquivista deve agir conscientemente e entender que, historicamente, a instituição arquivística representou um lugar, uma posição e contou sobre a memória pautada em discurso oficial. Nessa perspectiva, ele deve contribuir para que a diversidade de discursos encontre nas instituições arquivísticas um ambiente de reconhecimento e espaço de voz.

Portanto, o arquivista deve assumir sua condição de mediador consciente da informação e compreender que as atividades de mediação não se limitam a intermediar a informação, porquanto também agem em favor da coletividade e do desenvolvimento do protagonismo social.

Partindo desse pressuposto, este estudo tem o objetivo de evidenciar, por meio de uma análise crítica da literatura da área da mediação da informação, reflexões acerca de como as instituições arquivísticas podem potencializar o desenvolvimento do protagonismo social, em especial, por meio do alcance das dimensões da mediação da informação propostas por Gomes (2014, 2016, 2017, 2019a, 2019b). Quanto à metodologia, foi adotada a abordagem qualitativa, com o uso do método bibliográfico. Para isso, foram articulados os aspectos teóricos, conceituais e analíticos que subsidiaram a discussão sobre a mediação da informação no âmbito da instituição arquivística.

Por meio das análises e das reflexões, é possível afirmar que, quando o arquivista age consciente do seu papel social, pode aproximar os sujeitos sociais do arquivo e contribuir com a participação efetiva deles como cidadãos que se apropriam das informações mediadas e as transformam em elementos que sustentam e impulsionam sua ação no mundo, mas uma ação que se volta não apenas para os interesses imediatos, mas também e mais fortemente, para os interesses da coletividade, o que transformará o arquivo em um ambiente que se reconhece e se apresenta como uma instância social de luta e de apoio ao fortalecimento do protagonismo social.

2 Mediação consciente da informação no contexto das instituições arquivísticas

O alcance das cinco dimensões da mediação da informação nas atividades realizadas por quaisquer ambientes informacionais, entre eles, as instituições arquivísticas, depende da atuação consciente do mediador que atua nesse ambiente, como o profissional arquivista, no caso dos arquivos. Na ação mediadora, o agir consciente requer um arquivista que compreenda seu papel social e assuma, cotidianamente, o desafio de cumpri-lo, ainda que em cenários adversos, em que deve adotar uma conduta protagonista.

Esse profissional arquivista tenderá a atuar de forma mediadora, capaz de aproximar os sujeitos do arquivo – ou, mais do que isso – assumirá a missão de promover o encontro dos sujeitos com as informações que são objetos de trabalho do arquivo. Ao atuar nessa perspectiva, o arquivista pode conduzir suas práticas para além de um propósito pragmático, ao possibilitar que os usuários reconheçam sua atuação como simbólica para seu desenvolvimento cognitivo e sociocultural, conforme defendem Santos, Sousa e Almeida Júnior (2021). Esses autores asseveram que:

[...] no reconhecimento do usuário e no valor atribuído por ele, o profissional da informação também reconhece o valor de existir e de atuar no processo de mediação da informação. Isso contribui para que sua atuação não seja apenas profissional, mas também uma concepção de vida imbuída de convicção da relevância do seu papel nos contextos socioculturais. (SANTOS; SOUSA; ALMEIDA JÚNIOR, 2021, p. 347).

A partir da reflexão apresentada pelos autores, pode-se compreender que, quando os usuários atribuem valor às atividades realizadas pelo arquivista, esse agente mediador poderá ressignificar suas práticas e desenvolvê-las conscientemente. Para além do cumprimento cotidiano de suas atividades arquivísticas, esse mediador da informação pode atuar dentro e fora dos espaços informacionais apoiando a apropriação da informação, para que os sujeitos tenham acesso aos dispositivos informacionais e os usem de maneira consciente, reconhecendo o papel social dos arquivos. Santos, Sousa e Almeida Júnior (2021) defendem que, quando os sujeitos (mediadores e usuários) refletem suas práticas e as realizam de maneira consciente, podem impulsionar embates e lutas em favor da coletividade.

Essa conduta profissional assegura uma mediação consciente, que poderá contribuir com a participação efetiva dos sujeitos que agem movidos pelos interesses da coletividade, o que transformará o arquivo em uma instância social de luta e de apoio ao fortalecimento do protagonismo social. Ainda de acordo com Santos, Sousa e Almeida Júnior (2021), a mediação da informação responde às demandas dos múltiplos atores e seus papéis sociais e, por isso, o usuário pode atribuir um valor simbólico à mediação da informação, quando ele se reconhece e se sente pertencente aos dispositivos informacionais, como as instituições arquivísticas e seus fundos e conjuntos documentais, que revelam acontecimentos e traços identitários e memorialísticos de sujeitos e grupos sociais.

Portanto, neste estudo, entendemos o conceito de instituição arquivística o “[...] órgão responsável pelo recolhimento, pela preservação e pelo acesso dos documentos gerados pela administração pública, em seus diferentes níveis de organização” (FONSECA, 1998, p. 38). Contudo, as instituições arquivísticas ampliam-se para além da natureza pública, já que os acervos documentais e as demandas de organização, acesso e uso de documentos arquivísticos estão presentes em diversos níveis e especificidades do contexto social. Tanto no âmbito público quanto no privado, as instituições arquivísticas são ambientes de mediação da informação que atuam na perspectiva de favorecer o acesso e o uso de itens documentais que registram as práticas que permeiam as atividades administrativas e socioculturais de instituições, assim, elas medeiam, o encontro com conteúdos que versam sobre os fatos vivenciados por indivíduos e grupos sociais, que estão envolvidos com as metas e os interesses dessas instituições e se articulam com eles. Além disso, o conjunto documental sobre o qual se fará a mediação da informação poderá integrar o acervo de um arquivo pessoal. Contudo, ainda neste caso, as informações trabalhadas nesse ambiente sempre estão interligadas na dinâmica da vida em sociedade.

Nessa perspectiva, concorda-se com Marteleto (2002, p.103), que compreende as instituições arquivísticas como “[...] instrumentos em ação para impor uma ordem, uma disciplina ou uma representação do poder, do outro ou de si próprio, por meio de mensagens, imagens, dados, informações que circulam no mercado de bens simbólicos ou culturais.” É importante ressaltar que, apesar de sua origem histórica e tradicional, ao longo do tempo, o dispositivo tem passado por um processo de ressignificação por meio do qual vem conquistando sua condição de ambiente dialógico, que também busca contemplar os anseios sociais de encontro com informações que possibilitem compreender e transformar a realidade.

A construção dessa nova perspectiva em torno da instituição arquivística também vem contribuindo para que o arquivista compreenda que as ações mediadoras desenvolvidas nesse contexto podem gerar antagonismos decorrentes de imposições ideológicas. Contudo, essa compreensão não tem inibido a formação de uma consciência sobre a importância de esse profissional mediador acentuar os laços e os compromissos com os sujeitos sociais, em que todos podem contribuir para transformar a realidade social. Essa consciência convoca o arquivista a compreender que a mediação da informação impulsiona o desenvolvimento de um protagonismo que é social e que a ele se volta e se vincula.

Heynemann (1990), ao tratar do papel do Arquivo Nacional como instituição que tem o dever de oportunizar o exercício da cidadania, concebe que o arquivo é sobremaneira importante, porque contribui para constituir as identidades e a memória coletiva e, “[...] nos diversos níveis e leituras possíveis, apesar de ser o registro dos atores oficiais, é objeto de reconhecimento, crítica, interpretação e recordação [...]” (HEYNEMANN, 1990, p. 69). Portanto, cabe ao arquivista, como mediador, oportunizar leituras que ampliem o que, durante muito tempo, foi representativo de um discurso oficial e hegemônico, que oportunizava que fatos fossem ressignificados, atores que compõem os grupos sociais fossem também (re)conhecidos, e suas histórias e memórias compartilhadas.

Ao observar esse processo de ressignificação da instituição arquivística abordado na literatura, é possível perceber a condição de mediador do arquivista e o quanto é necessário introduzir o conceito de mediação da informação formulado por Almeida Júnior (2015) no âmbito dos estudos da Arquivologia. Para esse autor, a mediação da informação é:

[...] toda ação de interferência – realizada em um processo, por um profissional da informação e na ambiência de equipamentos informacionais – direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; visando a apropriação de informação que satisfaça, parcialmente e de maneira momentânea, uma necessidade informacional, gerando conflitos e novas necessidades informacionais (ALMEIDA JÚNIOR, 2015, p.15).

acordo

práxis

Quando nossa experiência vivida da teorização está fundamentalmente ligada a processos de autorrecuperação, de libertação coletiva, não existe brecha entre a teoria e a prática. Com efeito, o que essa experiência mais evidência é o elo entre as duas – um processo que, em última análise, é recíproco, onde uma capacita a outra.

Com base nesses saberes e conhecimentos do arquivista, que contemplam a teoria e a prática acadêmica e seu conhecimento de mundo, esse profissional passa a atuar para transformar a realidade social e a identificar e a contemplar anseios e necessidades dos sujeitos sociais, o que possibilita a abertura de um espaço de voz e ação por parte desses sujeitos. Como resultado desse processo formativo do arquivista e de participação dos usuários, esse profissional mediador poderá apresentar propostas de atividades de mediação da informação ou de redimensionamento, (re)elaboração ou (re)significação das que estiverem em curso.

É importante ressaltar que os usuários têm relações diferentes com a informação e os dispositivos, conforme dito anteriormente, portanto, esse processo poderá gerar conflitos individuais e/ou coletivos que demandem do agente mediador da informação a construção do processo dialógico, pautado na escuta sensível, que será basilar para a construção e a apresentação de propostas a serem realizadas junto com os usuários, que podem ou não desejar participar dessas atividades. Esse fato reitera que o agente mediador deve agir alinhado a uma conduta propositiva, que se paute na realidade e nas condições sociais do usuário para, no processo dialógico, junto com ele, alargar suas expectativas acerca desse encontro com a informação. Atrelada a esse processo, pode haver a negociação que, segundo Oliveira (2014, p. 114):

[...] contempla, além de um modo de se relacionar, a busca por um diálogo (mesmo se árduo) na situação de divergência, ou seja, existe a consideração do outro enquanto possibilidade de troca e mudanças (dele e do ‘si mesmo’). Não é, portanto, ruptura, nem imposição pela força, como no caso da guerra, mas possibilidade jogada no âmbito de disputas que se valem da capacidade humana de simbolizar e de expressar-se por meio da linguagem.

Oliveira (2014) defende que é necessária a negociação, que ocorre entre mediadores e usuários para que a mediação contemple os anseios desses agentes. Refletindo acerca dessa assertiva, percebe-se que tanto os arquivistas quanto os usuários são sujeitos ativos que, a partir da proposta em diálogo, produzem uma interação entre esses agentes (informação, arquivo, arquivista e usuários), com vistas a respeitar o arcabouço teórico e o prático desses profissionais da informação, quanto às necessidades singulares e sociais manifestadas por meio das representações afetivas, memorialísticas e identitárias que se relacionam com os usuários e com os dispositivos informacionais, que incluem os itens e os conteúdos informacionais, os processos, os instrumentos e os produtos informacionais, assim como o próprio arquivo.

acordo

A mediação da informação, segundo Almeida Júnior (2015), é uma ação de interferência que apoia os sujeitos no processo de acesso, uso e apropriação da informação, o que implica compreendê-la uma perspectiva humanizadora e de respeito aos agentes. Nesse sentido, o arquivista deve agir de maneira consciente, como propõe Almeida Júnior (2015), e suas crenças e ideologias não devem subjugar o livre pensar dos sujeitos, mas evitar o controle e possibilitar a clareza e a interferência dos demais agentes na construção e na execução de todos os procedimentos da mediação da informação, para intensificar o alcance de suas dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política, quando essa ação for capaz de oferecer aos sujeitos envolvidos condições para que se apropriem da informação, tornando-se ativos na ação, no dispositivo e na sociedade.

3 O alcance das dimensões da mediação da informação pelas instituições arquivísticas

Nesta comunicação, destaca-se a importância de as instituições arquivísticas representadas por seus profissionais arquivistas considerarem, no processo de mediação da informação, as cinco dimensões propostas por Gomes (2014, 2016, 2017, 2019a, 2019b) – a dialógica, a estética, a formativa, a ética e a política – que, quando alcançadas de maneira articulada, contribuem para que ocorra a apropriação da informação, por meio da qual o protagonismo social pode se desenvolver.

A dimensão dialógica é uma condição por meio da qual se dá todo o processo de mediação da informação. Portanto, o arquivista que deseja fortalecer as relações entre os sujeitos e os dispositivos informacionais, contemplando suas bases socioculturais formativas, e fazer conscientemente os processos de proposta, negociação e acordo, deve adotar recursos que potencializem a comunicação entre os sujeitos e intensifiquem a interlocução, a fim de que a mediação da informação em curso alcance sua dimensão dialógica, que assegurará as condições do estabelecimento do acordo e, em especial, o encontro crítico com a informação.

De acordo com Gomes (2014, 2016, 2017), a comunicação entre os sujeitos envolvidos na ação mediadora, é fundamental para que a mediação da informação seja efetiva. Segundo a autora:

Os sujeitos da ação comunicativa precisam transitar com ‘conforto’ no ‘ambiente’ do encontro, no espaço da interlocução, precisam desenvolver o sentimento de pertença, já que o encontro promissor com a informação é aquele capaz de gerar o terreno propício para o desenvolvimento intelectual e a construção do conhecimento. E esse ‘conforto’ se consolida a partir de uma base comunicacional dialógica, por meio da qual as ideias podem transitar sem censura ou rejeição e os debates sejam decorrentes do exercício da crítica e dependentes da interação paritária dos participantes da ação. (GOMES, 2014, p. 50).

O terreno propício ao conforto provoca um processo dialógico interpessoal e intrapessoal. Isso significa que, ao agir conscientemente, o arquivista vive e propicia as condições para que os sujeitos construam o autoconhecimento, reflitam acerca de seus referenciais ideológicos, identitários e memorialísticos, constituam um “sentimento de pertença” e (re)conheçam nos outros – mediador e demais usuários – assim como no dispositivo informacional elementos que, em interação, possibilitam o processo de reflexão e de produção de sentidos. Esse processo de significação possibilita que esses agentes redimensionem e ampliem seus repertórios informacionais.

Dessa maneira, o arquivista pode adotar recursos e práticas de comunicação que ampliem o espaço do compartilhamento, do debate e da reflexão para auxiliar a interação entre os sujeitos e propiciar condições para edificar um sentimento de pertença e conforto, a partir do qual a apropriação da informação seja estimulada e sustentada. Nesse contexto de acolhimento e de sentimento de pertencimento, os sujeitos sentem que têm espaço para soltar a voz, expõem, com mais conforto e confiança, sua maneira de pensar, suas interpretações e seus questionamentos e argumentam, formulam questões, debatem e exercem a crítica, situação em que o processo de apropriação começa a ocorrer. Assim, proporcionam a esses sujeitos o prazer de reformular seus conhecimentos e seus saberes, e eles experimentam o prazer de ressignificar e significar, o que produz um sentimento de empoderamento e satisfação, indicando que a mediação da informação alcançou sua dimensão estética (GOMES, 2014, 2016, 2017, 2019a, 2019b).

O próprio arquivista, ao considerar as singularidades dos usuários e tratar de maneira respeitosa suas necessidades, conduzindo-os, com base na dialogia, ao crescimento, poderá se perceber como um agente que também se ressignifica nesse processo, reconhecendo a beleza de suas ações e sua responsabilidade social, que também envolve o respeito, a consideração e a inclusão do outro no processo de desenvolvimento intelectual e de produção cultural.

Há que se ressaltar que o arquivista não pode negligenciar o repertório e os saberes dos usuários no processo de mediação da informação. Assim, ao (re)conhecer que cada usuário tem repertórios informacionais distintos, poderá fazer aproximações com as informações que estão nos acervos arquivísticos, para que, nesse compartilhamento, tanto o mediador quanto o usuário aprendam.

Quando a mediação da informação transita em sua dimensão estética, ela proporciona as condições necessárias para que os participantes da ação redimensionem seus conhecimentos e saberes anteriores, transformem-se, e se formando quanto ao novo que se apresenta, o que indica que alcançou sua dimensão formativa. Mas, convém enfatizar que o próprio mediador experimenta esse redimensionamento. Gomes (2016, 2019a, 2019b) afirma que a dimensão formativa se caracteriza pela geração de novos conhecimentos e saberes, tanto por parte do usuário quanto do mediador, que também integra o processo interacionista e de exercício da crítica.

Gomes (2016, 2017, 2019a, 2019b) alerta, todavia, que as dimensões dialógica, estética e formativa impõem à ação mediadora o alcance de sua dimensão ética. Uma comunicação não pode ser intensa e problematizadora nem assegurar o debate, o livre pensar, o interpelar, se não garantir o respeito ao outro, ao diferente, assim como a consciência quanto às intencionalidades da própria mediação e de quem busca informação, garantindo o espaço de voz a todos, sem distinção, ao impedir a manipulação que tenta retirar o outro da condição de elaborar questionamentos, identificando e se contrapondo a possíveis contradições em torno do conteúdo e do debate produzido.

Gomes (2016) enuncia que os comportamentos e as atitudes de respeito às diferenças e de aceitação à interferência do outro são conduzidos por uma postura ética, que luta contra a manipulação e a exclusão social, revelando e reafirmando a interferência do mediador da informação, o que inclui sua consciência de que a dimensão ética precisa ser alcançada, já que, se não o for, comprometerá o alcance das demais dimensões e o processo de apropriação da informação pelos sujeitos envolvidos.

Assim, para fazer atividades de mediação implícita (indireta) e explícita (direta), o arquivista, como todos os demais profissionais da informação, precisa assumir sua impossibilidade de neutralidade nas ações, ter consciência de suas opções e posições (sejam elas ideológicas, do plano de suas crenças etc.) e, ao mesmo tempo, manter-se aberto ao debate no qual se expressem posições divergentes. Contudo, isso ainda será insuficiente se o mediador não compreender nem assumir que a mediação da informação é um fundamento que orienta o trabalho com a informação comprometido com a liberdade de pensar e de promover a inclusão social. Se tiver posições divergentes do fundamento e, arbitrariamente, colocar sua opção pessoal acima da intencionalidade da mediação da informação, seu trabalho poderá enfraquecer e desqualificar a força transformadora da informação e dos ambientes informacionais. Nessa perspectiva, ele precisa exercitar a abertura ao diálogo, com honestidade sistemática, sem executar suas ações com um viés manipulador. No debate com seus pares e com todos os envolvidos na ação mediadora, ele se colocará com respeito aos consensos do coletivo.

É no respeito ao diferente e na conduta ética que se vincula a uma visão humanizadora do mundo que devem estar pautadas todas as atividades de mediação da informação, desde a gestão do ambiente informacional, passando pelas atividades de descrição, representação e organização dos itens informacionais, até todas as atividades de interação direta com o público. Nessa perspectiva, a dimensão ética da mediação da informação precisa ser alcançada (GOMES, 2017, 2019b).

Com essa atitude, o mediador e os demais sujeitos envolvidos na ação mediadora poderão compreender a força dessa ação e seu vínculo com o papel social do campo da Ciência da Informação e das disciplinas especializadas Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e qualquer outra que trabalhe com informação. Quando a mediação da informação alcança as dimensões dialógica, estética, formativa e ética – esta última como uma condição de pleno alcance das anteriores – revela-se “[...] a potência transformadora que pode decorrer da ação mediadora [...] que vindica do agente mediador uma tomada de posição acerca do [seu] papel social” (GOMES, 2016, p. 101).

Isso representa uma tomada de consciência por parte do mediador, dos envolvidos na ação mediadora e do próprio ambiente informacional, o que levará a mediação ao alcance de sua dimensão política. Ao sentir as próprias mudanças e a potência transformadora da mediação da informação, os sujeitos passam a ser protagonistas sociais.

Quando o arquivista experimenta esse processo de (re)construção de si, do seu trabalho e do meio, transformando-se e contribuindo para que os demais sujeitos também se transformem, está agindo como um ser político e passa a lutar e a assegurar que todos podem ser sujeitos políticos que agem sobre a realidade, não apenas lutando e assegurando o cumprimento e o exercício de direitos, mas também debatendo e atuando propositivamente nas suas formulações, o que representa uma contribuição para o desenvolvimento do protagonismo social.

Segundo Perrotti (2017, p. 15), protagonismo é “[...] uma dimensão existencial inextricável. Significa resistência, combate, enfrentamento de antagonismos produzidos pelo mundo físico e/ou social e que afetam a todos.” Ao se tornar um protagonista, o arquivista toma posição e faz escolhas, o que inevitavelmente requer que ele assuma as responsabilidades pela posição que escolheu adotar. Pode-se exemplificar sua ação de favorecer o acesso às informações que podem garantir os direitos de cidadãos que, durante muito tempo, foram negligenciados.

Assim, o arquivista pode assumir um papel protagonista, em terrenos “áridos” e “pedregosos”, e colaborar com o nascimento de novas esperanças e com a ressignificação das já existentes. Isso significa que estará colocando seus conhecimentos, saberes e práticas como dispositivos a serviço dessas mudanças. Nessa perspectiva, os arquivistas, as instituições arquivísticas e a mediação da informação por eles realizada podem desenvolver e o fortalecer o protagonismo social.

4 Considerações finais

O arquivista, na perspectiva da mediação consciente da informação, adota e (re)significa métodos, técnicas e dispositivos a fim de favorecer o acesso, o uso e a apropriação da informação, visando subsidiar o exercício da crítica que favoreça a apropriação da informação. Para isso, é necessário considerar os atuais contextos e as dinâmicas socioculturais e adotar uma postura dialógica para compreender e incluir as particularidades e complexidades dos grupos sociais neles envolvidos. Assim, pautados na configuração de um terreno propício para mediar a informação, arquivistas e usuários poderão perceber suas (trans)formações, (re)escrever suas histórias e (res)significar suas atuações e seu estar no mundo.

Consciente da importância de sua atuação e responsabilidade social, o arquivista percebe que não pode ficar estático e imparcial em relação aos novos desafios. Ao se conscientizar, ele admite que é preciso analisar de maneira crítica e pautada no exercício da autocrítica, do estudo e da consideração dos conhecimentos validados pelos pares, assim como de elementos da realidade contemporânea, como expandir e qualificar seus conhecimentos e práticas, passando a contribuir propositivamente para redimensionar métodos, técnicas, processos, instrumentos e quaisquer outros dispositivos informacionais, mas sempre à luz desse fundamento. É preciso lembrar que esse esforço deve ser orientado pelo fundamento da mediação da informação e suas dimensões, que precisam ser alcançadas para que a ação mediadora seja promissora e contribua para o desenvolvimento do protagonismo social.

O sucesso das atividades de mediação consciente da informação, que alcança suas dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política, defendidas por Gomes (2014, 2016, 2017, 2019a, 2019b), demarca uma tomada de consciência e posição do sujeito sobre o mundo, em prol da coletividade e do desejo de participar ativamente da construção e da reconstrução da realidade social, que não envolve somente a conquista de direitos, mas também a construção do espaço e das condições para que todos existam como sujeitos políticos.

acordo

Nesse sentido, as reflexões e as proposições apresentadas nos estudos sobre mediação da informação e suas dimensões que tratam das relações entre a informação e o desenvolvimento do protagonismo social contribuem para que o arquivista reflita acerca do seu trabalho, dos sujeitos para os quais se volta e da realidade em que se insere seu trabalho, transformando a instituição arquivística em um ambiente dialógico e inclusivo. Assim, é preciso “dar voz, movimento e ação” ao arquivo e demonstrar todo o potencial que esse dispositivo informacional pode proporcionar à sociedade e aos sujeitos sociais.

Material suplementario
Información adicional

Declaração de autoria: Concepção e elaboração do estudo: Raquel do Rosário Santos, Ana Claudia Medeiros de Sousa e Henriette Ferreira Gomes. Coleta de dados: Raquel do Rosário Santos e Ana Claudia Medeiros de Sousa. Análise e discussão de dados: Raquel do Rosário Santos, Ana Claudia Medeiros de Sousa e Henriette Ferreira Gomes. Redação e revisão do manuscrito: Raquel do Rosário Santos, Ana Claudia Medeiros de Sousa e Henriette Ferreira Gomes

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