Políticas de preservação de documentos arquivísticos digitais: relatos de experiências de Instituições de Ensino Superior brasileiras na constituição do documento
Policies for the preservation of digital records: reports of experiences of Brazilian Higher Education Institutions in the constitution of the document
Políticas de preservação de documentos arquivísticos digitais: relatos de experiências de Instituições de Ensino Superior brasileiras na constituição do documento
Em Questão, vol. 28, núm. 2, pp. 331-357, 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepción: 22 Febrero 2021
Aprobación: 20 Abril 2021
Resumo: A produção de documentos em formato digital inclui uma série de ações a serem desenvolvidas pelas instituições produtoras com relação à autenticidade, confiabilidade e preservação dos conteúdos. Os documentos arquivísticos, que constituem fonte de prova das atividades organizacionais, precisam ser preservados corretamente, garantindo seu acesso futuro. As ações de preservação exigem planejamento e investimento por parte das organizações, que precisam ser amparadas por um documento bem fundamentado que inclua os objetivos e as diretrizes a serem adotadas: a política de preservação de documentos digitais. Este documento, já conhecido por grande parte dos profissionais, ainda não é adotado em grande parte das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. O presente artigo apresenta experiências de quatro IES brasileiras que possuem uma política de preservação de documentos arquivísticos digitais. Apresenta os resultados obtidos a partir de entrevistas semiestruturadas realizadas com os gestores responsáveis pela constituição e submissão do documento para aprovação da alta administração das IES. Buscou-se, com as experiências apresentadas, identificar ações e boas práticas a serem desenvolvidas pelas IES que ainda não iniciaram o processo de constituição deste documento, essencial ao planejamento e implementação das ações de preservação digital na organização.
Palavras-chave: Preservação de documentos arquivísticos digitais, Políticas de preservação digital, Documentos arquivísticos digitais, Preservação digital em Instituições de Ensino Superior.
Abstract: The production of documents in digital format includes a series of actions to be developed by the producing institutions regarding the authenticity, reliability and preservation of the contents. The records are source of proof of organizational activities, need to be preserved correctly, for guarantee their future access. Preservation actions require planning and investment by organizations, which need to be supported by a well-founded document that includes the objectives and guidelines to be adopted: the policy for the preservation of digital records. This document, already known by most professionals, is not yet adopted in most Brazilian Higher Education Institutions. This article presents experiences of four Brazilian HEIs that have a policy of preserving digital records. This article presents the results obtained from semi-structured interviews conducted with the managers responsible for the constitution and submission of the document for approval by the senior management of the HEIs. This article sought to identify actions and good practices to be developed by HEIs that have not yet started the process of constituting this document, which is essential to the planning and implementation of digital preservation actions in the organization.
Keywords: Preservation of digital records, Digital preservation policies, Digital records, Digital preservation in Higher Education Institutions.
1 Introdução
A produção documental é ação constante por parte das organizações. As Instituições de Ensino Superior (IES), ao desenvolverem diversas atividades relativas ao ensino, pesquisa, extensão e gestão, podem ser consideradas grandes produtoras documentais. Nas últimas décadas percebe-se uma alteração na forma de elaboração de documentos. Com a inclusão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), algumas instituições passaram a criar e tramitar seus registros apenas em meio digital, considerando as facilidades instituídas com este novo formato: rapidez na produção, edição e revisão, redução de custos, facilidade de distribuição e recuperação de conteúdo. No entanto, juntamente com as facilidades advindas do novo formato, alguns desafios devem ser considerados: estão ligados à dependência de uso de um suporte para leitura das informações registradas, vulnerabilidade com relação a vírus e falhas em sistemas informáticos, obsolescência de formatos, dificuldade de identificação de versões devido à facilidade de reprodução de cópias, fato que desencadeia também problemas relativos a direitos autorais (ARQUIVO NACIONAL, 2005; INTERPARES, [201-]).
As organizações precisam, portanto, estar cientes de todos os desafios relativos à produção e à circulação de documentos digitais, além de definirem ações para garantirem a autenticidade, confiabilidade e preservação das informações geradas. Os documentos digitais carecem de grande atenção, pois demandam ações de preservação desde a sua produção e durante todo o seu ciclo de vida, o que possibilitará a adequada destinação e o acesso por longo prazo aos conteúdos (LUZ; FLORES, 2017). As atividades institucionais resultam na diversidade de documentos produzidos e nos diferentes formatos gerados. É possível, então, compreender a urgência na realização da prática de preservação dos conteúdos.
A preservação digital envolve soluções que garantam o acesso confiável e autêntico por longo prazo. As ações exigem planejamento e investimento por parte das organizações, que precisam ser amparadas por um documento bem fundamentado que inclua os objetivos e as diretrizes a serem adotadas: a política de preservação de documentos digitais.
O presente artigo relata experiências de quatro IES brasileiras que possuem política de preservação de documentos arquivísticos digitais, tratam-se de resultados obtidos em pesquisa de doutorado. O método utilizado para a coleta de dados foi a aplicação de entrevistas semiestruturadas com os gestores responsáveis pela constituição e submissão do documento para aprovação da alta administração das IES. Trata-se de uma pesquisa que não demanda registro e avaliação pelo sistema do Comitê de Ética e Pesquisa e Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Sistema CEP/CONEP), conforme Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, enquadrada no artigo “VII - pesquisa que objetiva o aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que possam identificar o sujeito.” (BRASIL, 2016). Assim, em cumprimento ao definido, os dados relativos à identificação das instituições e aos participantes foram ocultados.
Objetivou-se, com o procedimento, identificar ações e boas práticas a serem desenvolvidas pelas IES que ainda não iniciaram o processo de constituição deste documento, essencial ao planejamento e à implementação das ações de preservação digital na organização. A seguir, será abordada a preservação do documento arquivístico digital, objeto das políticas de preservação digital desenvolvidas pelas IES.
2 Preservação do documento arquivístico digital
Definições relativas ao documento arquivístico integram a identificação do produtor ou receptor do documento, além de sua finalidade enquanto fonte de prova. Nesse sentido, Paes (2004, p. 26) atribui dois conceitos ao documento arquivístico, que são:
2. Aquele produzido e/ou recebido por pessoa física no decurso de sua existência.
Esse conceito pode ser complementado pela definição de documento arquivístico do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), que o define como “Documento produzido (elaborado ou recebido), no curso de uma atividade prática, como instrumento ou resultado de tal atividade, e retido para ação ou referência.” (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2016, p. 20). Desse modo, documentos arquivísticos normalmente integram um chamado conjunto orgânico, sendo instrumentos que comprovam o desenvolvimento de atividades, o que demonstra sua importância para a instituição que o produz.
A norma ABNT NBR ISO 15.489-1, de 2018, esclarece que os documentos de arquivo “[…] são tanto prova de atividade de negócios quanto ativos de informação.” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2018, p. vi). Inclui, ainda, que “Qualquer conjunto de informações, independentemente da sua estrutura ou forma, pode ser gerenciada como um documento de arquivo.” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2018, p. 4). Em seu processo de gestão incluem-se as atividades:
a) produção e captura de documentos de arquivo para cumprir os requisitos de prova da atividade de negócio;
b) adoção de medida apropriada para proteger sua autenticidade, confiabilidade, integridade e usabilidade conforme seu contexto de negócios e requisitos para gestão de mudanças ao longo do tempo (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2018, p. 4).
Os documentos arquivísticos trabalhados neste artigo são os que se encontram em formato digital, permanecendo com o seu caráter referencial, elaborados e recebidos por diferentes setores de uma instituição, como unidades administrativas, setores acadêmicos, bibliotecas.
O conceito de documento arquivístico digital está vinculado à codificação da informação disposta. O Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística atribui a seguinte definição ao termo: “[…] documento codificado em dígitos binários, acessível por meio de sistema computacional.” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 75). Aponta como termo relacionado o documento eletrônico, que muitas vezes é caracterizado como sinônimo do digital. Contudo, o Dicionário esclarece que documento eletrônico é um “Gênero documental integrado por documentos em meio eletrônico ou somente acessível por equipamentos eletrônicos, como cartões perfurados, disquetes e documentos digitais.” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 75). Nesse sentido, o Conselho Nacional de Arquivos (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2020, doc. não paginado) afirma:
Um documento eletrônico é acessível e interpretável por meio de um equipamento eletrônico (aparelho de videocassete, filmadora, computador), podendo ser registrado e codificado em forma analógica ou em dígitos binários. Já um documento digital é um documento eletrônico caracterizado pela codificação em dígitos binários e acessado por meio de sistema computacional. Assim, todo documento digital é eletrônico, mas nem todo documento eletrônico é digital.
Esses documentos integram facilidades de distribuição, portabilidade e permitem alterações que os documentos impressos muitas vezes não possibilitam. Contudo, apresentam grande fragilidade e insegurança quando se pensa em seu uso por gerações futuras, e, até mesmo, pelos próximos anos e décadas. Essas debilidades podem ser percebidas em condições como a degradação acelerada, formatos obsoletos, complexidade de tratamento e altos custos (BAGGIO; FLORES, 2013).
O documento Carta para a preservação do patrimônio arquivístico digital, produzido em conjunto pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o CONARQ, salienta que a cada dia mais documentos são transformados ou produzidos apenas em formato digital, o que gera a dependência destes conteúdos para o registro das atividades de indivíduos, governos e organizações. No entanto, sabe-se que a fidedignidade e a autenticidade precisam ser atributos presentes nesses conteúdos, considerando a prevalência da manutenção da memória e registro das ações científicas, culturais, sociais, econômicas, técnicas e históricas da população.
Assim, Márdero Arellano (2004) aponta a preservação como um dos grandes desafios do século XXI, ao citar o aumento da produção de informação digital aliada à ausência de conhecimento das estratégias de preservação digital a serem adotadas por produtores e detentores dos conteúdos.
A preservação digital inclui uma série de ações a serem desenvolvidas e devem considerar os diferentes aspectos que envolvem a produção, gestão e guarda dos conteúdos. É definida por Ferreira (2006, p. 20) como um conjunto de atividades que garantem o acesso por longo prazo aos conteúdos digitais, consistindo:
[...] na capacidade de garantir que a informação digital permanece acessível e com qualidades de autenticidade suficientes para que possa ser interpretada no futuro recorrendo a uma plataforma tecnológica diferente da utilizada no momento da sua criação.
Quanto à prática da preservação dos documentos arquivísticos digitais, Santos (2012, p. 124) coloca:
A preservação de documentos arquivísticos digitais não é, lato sensu, diferente da preservação de quaisquer outros tipos de documentos digitais. É necessário confrontar a obsolescência tecnológica de hardware, software e formatos. Todavia é no conjunto de metadados cujo registro é necessário na criação do documento e, também, na execução dos procedimentos de preservação que se encontra o foco da área. Além disso, a manutenção de uma cadeia de custódia ininterrupta garantiria a execução de todas as ações necessárias e, ainda, permitiria a presunção de autenticidade do documento, visto que apenas pessoas autorizadas o tiveram sob seus cuidados.
A política de preservação digital é um elemento essencial ao processo, pois inclui todo o planejamento necessário ao desenvolvimento das ações de preservação dos documentos arquivísticos digitais, por meio das diretrizes e objetivos propostos, como será abordado na seguinte seção.
3 Políticas de preservação digital
Um dos conceitos atribuídos ao termo política é o que a descreve como uma série de diretrizes consolidadas a serem seguidas, podendo ser aplicada em diferentes contextos, como em comunidades, organizações, municípios, Estados e países. A partir do desenvolvimento das ações em preservação digital, entendeu-se a importância de realizar o planejamento da prática por meio das políticas e planos de preservação digital, e teóricos têm trabalhado no sentido de orientar o processo de elaboração e implementação do documento nas instituições.
A política de preservação digital é um documento essencial ao desenvolvimento das ações em preservação, formalizando a responsabilidade e o compromisso da instituição a respeito do tema. Santos e Flores (2018, p. 43) pontuam que a política de preservação digital “[...] deverá ser composta por um conjunto de normas, procedimentos e estratégias com a finalidade de garantir a integridade, a autenticidade do documento digital em longo prazo.”.
O projeto europeu Electronic Resource Preservation and Access Network (ERPANET) indica que é objetivo de uma política de preservação digital:
[...] fornecer orientação e autorização sobre a preservação de materiais digitais e garantir a autenticidade, confiabilidade e acesso por longo prazo dos mesmos. Além disso, uma política deve explicar como a preservação digital pode atender às principais necessidades de uma instituição e estabelecer alguns princípios e regras sobre aspectos específicos que, então, estabelecem a base da implementação (ERPANET, 2003, p. 3, tradução nossa).
No contexto das IES brasileiras, as políticas de preservação digital ainda são pouco discutidas, como aponta Grácio (2011). É necessário discutir e buscar a definição de políticas nesses locais, pois, segundo seu propósito:
[...] política de preservação digital deve garantir que as IES tenham um planejamento e estratégias bem definidas para o armazenamento e uso de objetos digitais para longos períodos de tempo. Essa política deve garantir a continuidade do processo de preservação digital e sua recuperação ao longo do tempo (GRÁCIO, 2011, p. 89).
A compreensão dos objetivos e a relevância das políticas de preservação digital podem garantir aos profissionais das unidades de informação a consolidação dos propósitos e investimentos da instituição com os documentos digitais produzidos e que precisam ser preservados por longo prazo para acesso futuro. Conforme já mencionado, este artigo apresenta experiências de constituição da política de preservação digital, conforme relatadas a seguir.
4 Procedimentos metodológicos
A presente investigação foi realizada em IES brasileiras de âmbito público estadual e federal. Optou-se por este segmento por se tratar do ambiente de trabalho das autoras pesquisadoras e por seu caráter integrativo, compreendendo diversas atividades que apoiam as funções fim, desenvolvidas pelas universidades, que são o ensino, a pesquisa, a extensão (GRÁCIO; FADEL; VALENTIM, 2013) e a gestão. Considera-se, assim, a produção de um grande volume documental que necessita de gestão, tratamento e preservação.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que, segundo Minayo (2002), procura aprofundar as relações com o objeto de estudo, buscando significados que contribuam para o enriquecimento das práticas desenvolvidas. A autora afirma que este tipo de estudo procura responder a indagações individuais, traçando realidades que não são passíveis de quantificação, tendo como objetivo central de investigação o significado. Buscou-se, então, amparo no método qualitativo para a compreensão da aplicação da preservação digital em IES, tendo em vista que o desenvolvimento de políticas inspira a realização de ações práticas efetivas que contribuirão para o processo de preservação dos documentos arquivísticos digitais produzidos.
Com relação aos objetivos, enquadra-se como uma pesquisa descritiva, considerando que essa
[...] observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis), sem manipulá-los; estuda fatos e fenômenos do mundo físico e, especialmente, do mundo humano [...] trabalha sobre dados ou fatos colhidos da própria realidade. (RAMPAZZO, 2005, p. 55).
Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada, realizada na modalidade on-line, utilizando softwares que permitem a realização de chamadas de áudio e vídeo, conforme escolha do entrevistado ou melhor condição de uso no momento da entrevista. As entrevistas ocorreram durante o período de novembro de 2019 a março de 2020. Foram gravadas durante sua realização e transcritas manualmente pela pesquisadora após cada entrevista realizada.
Conforme já apresentado, em cumprimento à Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, os dados relativos à identificação das instituições e participantes foram ocultados. Desse modo, foi atribuída a cada participante uma sigla: E1, E2, E3 e E4, correspondendo também à instituição entrevistada: IES1, IES2, IES3 e IES4.
Os quatro entrevistados foram profissionais que possuíam, à época da promulgação da política, cargos estratégicos vinculados à proposição de ações de preservação digital nas instituições, favorecendo a condução do processo de elaboração da política de preservação de documentos arquivísticos digitais.
5 Resultados e discussões
Optou-se por apresentar os resultados a partir das categorias utilizadas na análise de conteúdos: apoio institucional, recursos orçamentários, equipe dedicada à preservação digital, oficialização da política de preservação digital, responsabilidades e cultura organizacional, descritas a seguir.
5.1 Apoio institucional
Por tratar-se de casos pioneiros de promulgação da política de preservação digital em IES no território brasileiro, acredita-se que o apoio institucional foi um elemento importante para o desenvolvimento das proposições. Todas as instituições, em maior ou menor grau, declararam contar com apoio da alta administração para a realização dos projetos e atividades em preservação digital. Durante a entrevista, buscou-se compreender como se deu a obtenção desse apoio por parte dos órgãos e servidores responsáveis pela preservação dos documentos arquivísticos digitais, o que pode ser visualizado nas questões abaixo.
Uma das questões que interferem no apoio, ou não, é a mudança de gestão que ocorre a cada quatro anos. Quando há uma alteração na administração geral, ou reitorado, normalmente também se altera a equipe de gestores das áreas estratégicas das instituições. Assim, o processo de convencimento da alta administração precede a aquisição do apoio estratégico para a realização das ações. Nesse sentido, E1 explicou como se deu esse processo com a gestão atual da IES em que atua:
Quando mudou o reitor, a gente foi lá no gabinete conversar com o assessor e explicar. E tivemos sorte, podemos dizer assim, de a pessoa ter tido um problema com perda de informação digital e entendeu a importância disso. Então, conseguimos continuar tendo o apoio institucional porque a pessoa entendeu a importância de se ter a preservação digital. Se não tivesse acontecido isso com ele, a gente teria que fazer todo o trabalho de convencimento, de mudança de cultura. Então, a gente continua tendo o apoio por conta do gabinete, mas também por ter na equipe pessoas da área da comissão de avaliação de documentos [...] e pessoas da área de TI, então, o apoio institucional continua, não só do gabinete, que é o principal órgão, mas também de outras instâncias (E1).
E2 relatou que o apoio para a regularização da política de preservação de documentos arquivísticos digitais veio também de três gestões de reitores que tinham proximidade com as intenções do arquivo. No momento em que o coordenador do setor, que acompanhou o processo de construção da política e compreendia a importância de se publicar o documento e avançar nas ações de preservação, foi nomeado pró-reitor, tornou-se menos afanoso o processo de convencimento dos demais dirigentes, o que possibilitou a aprovação do documento.
Para E3, o apoio institucional foi muito importante para o sucesso das ações de gestão e de preservação de documentos digitais.
Eu acho que o mais importante é o apoio da gestão, que além da parte técnica, que tem que ter esse alinhamento, de um falar uma coisa e o outro não entender outra coisa. Porque, no início, antes ainda disso [do início das ações], a gente sempre insistia em trabalhar o digital. Há anos a gente queria trabalhar, mas a gente não tinha esse apoio da gestão. No momento em que a gestão apoia, seja em qual nível for, mas principalmente no nosso caso, que esse projeto era um projeto do reitor. Na época, ele disse: ‘eu quero na minha gestão proporcionar isso’. Faz toda a diferença. Mesmo que encontre barreira orçamentária, barreira de pessoal, barreira técnica, seja lá o que for, resistência de algumas pessoas, que tem muito, [...] quando você tem o apoio da alta gestão, tem muito mais força, impulsiona mais o trabalho. Acho que o trabalho tanto de convencimento quanto de conquistar esses apoios é fundamental (E3).
Também nesse sentido, E4 pontuou que o apoio institucional é essencial para o desenvolvimento da preservação. Quando a alta gestão inclui o arquivo nas atividades institucionais e reconhece essa importância, há ganho para toda a organização.
Como afirmado anteriormente, uma maneira de minimizar as possíveis perdas com o processo de mudança de gestão, que é realidade a cada quatro anos nas IES, é a aprovação de uma política de preservação digital corporativa consolidada, que contenha todos os aspectos necessários à garantia de um trabalho contínuo e do apoio constante da instituição.
5.2 Recursos orçamentários
A categoria recursos orçamentários, que imprime a necessidade da inclusão de recursos para preservação digital no orçamento da IES, é um ponto recorrente na literatura, pois, se comparado aos recursos necessários à preservação de documentos em papel, pode exigir mais investimentos conforme o comportamento adotado pela instituição (MÁRDERO ARELLANO, 2008). Os custos devem ser considerados desde o momento da produção da política, como afirma Smith (2002, p. 136, grifos do autor, tradução nossa):
No entanto, é vital reconhecer que uma política abrangente de preservação digital será muito cara e resultará inevitavelmente em uma mutação substancial no foco e nas principais funcionalidades de nossas instituições culturais e científicas.
O perigo de perder a autêntica memória gravada de nossos tempos parece grande o suficiente para justificar um esforço mundial.
Santos (2018) expõe o que chama de comportamento dicotômico das organizações, ao afirmar a importância estratégica das informações produzidas, mas não dispor investimentos para sua gestão. Afirma que “Sem recursos financeiros é complicado adquirir tecnologia e capacitar servidores.” (SANTOS, 2018, doc. não paginado).
Diante das reflexões apresentadas, uma questão sobre os recursos financeiros destinados à preservação foi incluída na entrevista para verificar se existe, entre as instituições, um compromisso assumido, sabendo-se que as ações de preservação digital demandam um investimento financeiro considerável, mas extremamente necessário que precisa ser garantido durante todo o ciclo de vida dos documentos digitais.
E1 relata que a comissão de preservação digital não possui recurso financeiro próprio e que as atividades a serem desenvolvidas demandam contato com os dirigentes da instituição para apresentação da atividade e solicitação dos recursos para sua realização. No entanto, afirma que foi apresentada uma proposta de inclusão da preservação digital no orçamento anual da instituição, que seria analisada pelo órgão colegiado responsável pela definição do orçamento da IES1.
E2 esclarece que, para o projeto de institucionalização do sistema de produção e gestão de documentos digitais, foi destinada uma verba que incluiu a melhoria dos recursos de armazenamento e a previsão de inclusão dos documentos.
E3 explica que houve um período em que se definiu um planejamento estratégico, no qual cada projeto que estava incluído possuía uma alocação de recursos. Além disso, havia um plano de atualização tecnológica na instituição que possibilitava que fossem encaminhadas as demandas de atualização e manutenção de TI anualmente e que para estas solicitações havia recursos. No entanto, após a determinação para contenção de gastos no âmbito governamental tais ações foram extintas e, diante da crise generalizada, foi necessário trabalhar com uma verba restrita para as ações de gestão e preservação dos documentos digitais.
E4 também relata a existência de recursos para o desenvolvimento de projetos de preservação dos documentos arquivísticos digitais. Foi elaborado um projeto centralizador que integrava as ações de preservação digital. Contudo, após uma alteração das instituições na proposta, parte do recurso foi destinado para uma infraestrutura tecnológica que incluía também o armazenamento do repositório digital confiável da instituição. No entanto, com o contingenciamento dos recursos das IES houve a redução do recurso disponibilizado na IES4, o que impediu a finalização do processo de implantação do repositório.
Diante do relato dos entrevistados, pode-se perceber a importância da definição de recursos financeiros específicos para a infraestrutura e o desenvolvimento de atividades de preservação digital. Como esta pesquisa foi realizada em instituições públicas brasileiras é inevitável mencionar os cortes sofridos pela educação brasileira nos últimos anos, em diversos momentos, mas, especificamente com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 95 – normativa de 15 de dezembro de 2016, que limitou os gastos públicos com educação e saúde por um período de 20 anos a partir de 2017, definindo um valor máximo para os gastos (BRASIL, 2016). A partir deste documento, os recursos, já escassos, têm sido reduzidos e congelados durante os anos que se seguiram à EC e as universidades foram afetadas. Esta ação paralisou ou mesmo inviabilizou o andamento de projetos promissores que possibilitariam o desenvolvimento de ações de gestão e preservação de documentos digitais por longo prazo.
Márdero Arellano e Andrade (2006, p. 6) indicam as implicações do cenário nacional nas ações de preservação:
No Brasil, boa parte das instituições arquivísticas possui a problemática da falta de recursos financeiros, até mesmo para as atividades básicas de sua missão. Não é raro encontrar acervos sendo tratados com dedicação, porém, com intervenções paliativas e algumas vezes totalmente ineficazes, pois não há disponibilidade de equipamentos, materiais e, até mesmo, conhecimento, pela falta de possibilidade de manter os recursos humanos profissionalmente atualizados. É difícil imaginar que uma iniciativa de preservação digital será implantada com total sucesso em um ambiente onde os passos anteriores de gestão informacional não foram corretamente executados.
Para a realização das práticas de preservação digital nas IES brasileiras é necessário pensar em estratégias que visem minimizar a carência de recursos e buscar o constante envolvimento e apoio da alta administração nas ações para o bom desenvolvimento do processo. Este apoio deve estar voltado também para a possibilidade de constituição de uma equipe que se dedique às ações desenvolvidas, conforme subcategoria descrita a seguir.
5.2 Equipe dedicada à preservação digital
Um aspecto evidente e recorrente na fala dos entrevistados refere-se à importância de se garantir o apoio dos profissionais da área da Tecnologia da Informação no processo de gestão e preservação dos documentos arquivísticos digitais, pois, conforme Farias, Araújo e Evangelista (2017, p. 206) “A área de tecnologia da informação (TI) tem sido vista como uma das bases para o desenvolvimento da preservação digital, trazendo subsídios com estratégias tecnológicas”. Essa afirmação integra a assertiva já apresentada: o setor responsável pela preservação digital deve integrar uma equipe multidisciplinar, contando com profissionais de TI e também com arquivistas e outros profissionais da Ciência da Informação que se dediquem exclusivamente ao desenvolvimento e aprimoramento de produtos e serviços direcionados aos documentos digitais (MÁRDERO ARELLANO, 2008; BOERES, 2017).
Nesse sentido, Santos e Flores (2018, p. 34) pontuam:
Além das normas, das tecnologias e da infraestrutura, também é preciso definir uma equipe de trabalho que deverá ter capacitação suficiente para realizar as atividades. Neste sentido, salienta-se a necessidade de uma equipe multidisciplinar frente ao setor de preservação, deste modo, será possível solucionar diversas lacunas no plano de preservação digital, sejam elas administrativas, arquivísticas, informáticas, etc.
Este aspecto foi incluído na pesquisa e percebido nas instituições IES1, que possui como principal responsável pelas ações de preservação digital um analista de tecnologia da informação, e na IES3, como relata o E3:
Vamos investir na equipe de informática do arquivo central, que isso é outro diferencial nosso: somos um arquivo dentro de uma universidade que tem uma equipe de TI. A nossa diretora de TI, por exemplo, fez o mestrado em gerenciamento de prontuário eletrônico. Isso para a gente é um ganho muito grande também. Essa interface de arquivo com a TI às vezes é muito difícil (E3).
Na IES4, essa condição é parcialmente atendida, pois, apesar de não contarem com uma equipe de TI lotada no arquivo, os profissionais lotados no setor de arquivos têm uma relação muito próxima com as ações realizadas no setor de TI, como relata E4:
Foi preciso um nivelamento dessas equipes: tanto de TI, quanto da equipe de arquivo. A equipe de TI hoje conversa bastante, dialoga bastante as questões arquivísticas, porque houve esse nivelamento. A equipe de TI participa de eventos da área de arquivo, tem um colega que estava aqui há pouco que está fazendo doutorado [...] em documentação e ele é analista [...], então toda a equipe hoje de TI já fala a linguagem arquivística (E4).
Esta afirmação reforça a colocação de Márdero Arellano e Andrade (2006, p. 6) quanto à parceria necessária entre a Ciência da Informação e a Tecnologia da Informação:
Ou os profissionais da informação se apropriam da tecnologia ou os profissionais de tecnologia se apropriarão dos conceitos de informação, o resultado, em qualquer um dos casos, será um profissional hábil com as tecnologias e conhecedor das características, fluxos e comportamentos da informação e seus usuários.
Os procedimentos que envolvem a gestão dos documentos arquivísticos digitais precisam considerar um trabalho que integre conhecimentos das áreas Arquivística e Tecnologia da Informação. Tal presença é essencial no momento da definição da infraestrutura tecnológica necessária para gerir os recursos tecnológicos de preservação dos documentos arquivísticos digitais. Assim, é necessário que haja a compreensão de todas as técnicas e procedimentos aos quais os documentos serão submetidos e os requisitos necessários para sua permanência de acordo com o período estabelecido para sua custódia e preservação. Nesta perspectiva, percebeu-se, por meio dos dados coletados, a essencialidade da qualificação profissional dos envolvidos nas ações de preservação digital, descritas na subcategoria a seguir.
5.2 Oficialização da política de preservação digital
O processo de oficialização da política de preservação digital nas instituições pesquisadas não seguiu um fluxo uniforme. Buscou-se agrupar nesta categoria um breve compêndio das ações que envolveram a proposta inicial de constituição do documento e o percurso de elaboração até a publicação do mesmo.
A primeira etapa do processo de oficialização do documento partiu, nos quatro casos, de comissões que discutiam a gestão de documentos digitais. Essa prática segue as instruções dos documentos orientadores do processo, em especial as Recomendações para Elaboração de Política de Preservação Digital definidas pelo Arquivo Nacional brasileiro. Ao indicar a importância do apoio da alta gestão da instituição, o documento apresenta a seguinte orientação:
Sugere-se a instituição de um grupo de trabalho multidisciplinar coordenado, preferencialmente, por arquivista ou profissional que tenha vasta experiência comprovada na área.
Esse GT deve realizar as pesquisas, estudos, entrevistas ou outros meios para coletar as informações necessárias ao desenvolvimento da política, de acordo com a metodologia estabelecida no planejamento (HOLANDA, 2019, p. 14).
Conforme apontou E1, a instituição IES1 iniciou as reflexões sobre a preservação de documentos digitais no âmbito da comissão de avaliação de documentos já existente na universidade. Como o entrevistado era um dos integrantes da comissão e havia desenvolvido uma pesquisa acadêmica sobre preservação digital, apontou a importância de se considerar a criação de uma política de preservação em face da produção de documentos digitais pela instituição. Iniciadas as discussões sobre o assunto na comissão de avaliação de documentos, foi proposto à alta gestão da universidade a criação de uma comissão específica para a elaboração da política de preservação de documentos arquivísticos digitais.
E2 também apresentou a comissão de avaliação de documentos como a instância em que as primeiras discussões sobre a preocupação com o documento digital e sua preservação aconteceram. Nesta comissão foram traçados os caminhos para o desenvolvimento da política, utilizando como apoio uma pesquisa acadêmica desenvolvida por um servidor do setor de arquivos da instituição que levantou dados sobre a produção, armazenamento e preservação de documentos arquivísticos digitais. A partir destes dados, a comissão estruturou o documento que foi apresentado às instâncias superiores para aprovação.
Já na IES3, os estudos em preservação dos documentos digitais se iniciaram com a constituição de um grupo de trabalho interdisciplinar formado por docentes e técnicos, criado para discutir e apontar diretrizes para o desenvolvimento de infraestrutura para a gestão e preservação de documentos digitais. Deste grupo partiram, além da proposta de política, as determinações sobre a criação de um sistema de gestão dos documentos digitais, a proposta de atribuição de recursos fixos para a gestão e infraestrutura de tratamento dos documentos digitais e a definição de profissionais para execução dos trabalhos.
Na IES4, também houve a criação de uma comissão interdisciplinar integrada por arquivistas e profissionais da tecnologia da informação para o desenvolvimento de uma metodologia de trabalho com os documentos digitais. A partir do desenvolvimento da pesquisa acadêmica de um dos integrantes da comissão, foi construída a proposta de política de preservação de documentos arquivísticos digitais como um produto final do trabalho. Esta política foi sintetizada pela comissão interdisciplinar para aprovação por parte da alta administração da instituição.
Por meio dos relatos apresentados, pode-se perceber que a criação de comissões interdisciplinares têm apresentado resultados positivos às instituições que desejam iniciar suas ações de desenvolvimento da preservação digital, elaborando uma política de preservação de documentos arquivísticos digitais.
5.5 Responsabilidades
Conforme orientações do Arquivo Nacional, a definição de uma política de preservação digital em uma instituição deve incluir a formalização das responsabilidades atribuídas aos atores envolvidos no processo. Recomenda-se que:
A política deve explicitar a atribuição de responsabilidades no âmbito do órgão ou entidade quanto às ações de manutenção, preservação e acesso aos documentos arquivísticos digitais autênticos. Embora esse compromisso seja institucional, encampado por todos os seus membros, a definição sobre as responsabilidades específicas deve ser explicitada no documento, atribuindo-as, exclusivamente, a setores, cargos e funções (HOLANDA, 2019, p. 20).
Nesta perspectiva, no âmbito das IES esta definição dá-se por meio da publicação de portarias que nomeiam os responsáveis pelos compromissos definidos na política de preservação digital.
Duas instituições possuem, atualmente, comissões específicas em preservação digital que foram desenvolvidas para dar andamento às ações: IES1 e IES3. Quanto às IES2 e IES4, tiveram uma comissão e um grupo de trabalho instituídos, respectivamente, que apresentaram a política de preservação de documentos arquivísticos digital aos conselhos universitários para aprovação, grupos que foram dissolvidos e as ações posteriores permanecem a cargo dos setores de arquivo.
Quanto à presença de um ato normativo específico de definição nominal dos responsáveis, apenas a IES1 possui uma portaria publicada. A IES4 relatou que este documento estava em processo de publicação e que, a partir dele, seria possível desenvolver o plano de ação para implementação da preservação digital.
5.6 Cultura organizacional
A cultura organizacional é considerada um dos grandes entraves ao desenvolvimento das ações de preservação digital nas instituições. Grácio, Fadel e Valentim (2013) enfatizam que a cultura organizacional influencia muito a maneira como as instituições desenvolvem os processos de preservação digital e a aceitação, ou não, da prática. Segundo os autores:
A preservação digital implica inicialmente em mudança dos elementos da cultura organizacional de uma IES, como valores, crenças, ritos, normas e comportamentos, exigindo das pessoas a consciência da importância da preservação. Essa percepção, por parte do indivíduo, somente é possível se houver princípios e valores que propiciem a valorização da preservação digital desde a sua produção. Para tanto, é necessário que a IES desenvolva uma cultura informacional positiva em relação à preservação digital (GRÁCIO; FADEL; VALENTIM, 2013, p. 114).
Um fato comum a todas as IES analisadas consiste na resistência de alguns servidores quanto às novas tecnologias e à inclusão da informatização na produção e gerenciamento dos documentos.
E1 declarou que houve e ainda há dificuldade de mudança da cultura com relação à aceitação da preservação digital. Incluíram nesse processo de mudança de cultura os vários atores e os vários conhecimentos que devem ser adquiridos: informações sobre preservação, documento, informática, informação. Conhecimentos que necessitam ser repassados para que haja um nivelamento dos integrantes do processo e este seja desenvolvido. Apontou a necessidade de mudança de cultura entre os membros da comissão de preservação digital, entre os profissionais de TI, entre os servidores dos protocolos. Para alterar a cultura instituída são realizados na instituição palestras e seminários com os diferentes grupos, apresentando a importância da inclusão da preservação para cada atividade desenvolvida.
E2 relatou que a necessidade de mudança da cultura foi realmente percebida no momento da implantação do sistema de produção e tramitação documental. Uma das ações de resistência identificadas foi uma tentativa de adiar o início das atividades do sistema de gerenciamento de documentos adotado pela instituição: houve a criação de um número elevado de processos em papel próximo ao dia estipulado para a adoção do software na universidade. O entrevistado explicou que, como existem servidores resistentes à mudança, o setor de arquivo mantém um espaço reservado para orientação sobre o uso do sistema buscando, com isso, reduzir as dificuldades e a insegurança com os recursos, o que condiz com a colocação de Grácio (2012, p. 47) a respeito da “[...] capacitação das pessoas para a utilização das novas TICs a serem implantadas.” como uma das alternativas para a alteração da cultura organizacional e aceitação das novas tecnologias apresentadas.
E3 indicou que havia resistência dos servidores que estavam acostumados a lidar com os documentos em suporte físico e a tramitação dos mesmos de forma presencial. A alteração do comportamento exigiu um grande trabalho de convencimento por parte da equipe de gestão do arquivo. Buscou-se, por meio de um projeto de conscientização, explicar em linguagem clara e acessível a todos a importância de manter formatos adequados de documentos e qual o impacto dos procedimentos realizados em desacordo com o estabelecido. Foram elaboradas chamadas do tipo “Você sabia que...?”, a exemplo: “Você sabia que se você assina um documento eletronicamente, é aquele documento que tem valor legal, e quando você imprime, você está fazendo uma cópia, muitas vezes desnecessária?” (E3).
Além disso, percebeu-se que a capacitação constante para uso do sistema gerenciador de documentos era necessária e tornou-se uma maneira de reduzir a resistência cultural com relação ao documento digital. Nesse sentido, citou a importância de se manter um contato próximo e cordial com a rede de usuários dos serviços, como relatou E3:
Nossa equipe de treinamento é super querida internamente. Então, isso é muito importante, trabalhar essa esfera política assim. Tanto na parte de cima, ou seja, com alinhamento às diretrizes institucionais que cada administração vai ali colocando, quanto com os nossos usuários que estão na ponta, têm essa confiança na gente. A gente tá ali fazendo essa interface e a gente precisa dessa confiança do pessoal (E3).
E4 também relatou a resistência de algumas pessoas com a utilização dos sistemas de gerenciamento de documentos digitais, mas afirmou que aos poucos esse comportamento estava sendo alterado. As normativas que indicam a importância das atividades para a organização, como a política de preservação de documentos arquivísticos digitais, que apoiam o desenvolvimento das atividades e o apoio da gestão da instituição são pontos que atribui à alteração da percepção dos servidores. A resistência inicial oferecida por setores de apoio à gestão dos documentos digitais, como a TI, foi dirimida com a aproximação com o setor de arquivos e com a troca de conhecimentos realizada. Para o entrevistado, a relação atual é positiva:
Agora está sendo muito tranquilo trabalhar com isso, todo mundo entende, não tem dificuldade. E até as pessoas novas com quem a gente trabalha na informatização de processos novos, não tem resistência como tinham antes, eles sabem o que tem que fazer.
Compreende-se que o processo de mudança cultural é gradual e deve ser incluído na instituição de maneira leve, sem que pareça uma imposição, o que pode gerar um efeito contrário ao desejado pelos setores que praticam a preservação digital. A inclusão de campanhas de conscientização, a prestação de auxílio e a apresentação das vantagens do novo cenário aos servidores resistentes demandam muito esforço, mas não deve ser desconsiderado. Ao longo do processo de sensibilização percebe-se que ele é absorvido de maneira gradual, por isso demanda paciência e serenidade para que ocorra de forma menos traumática possível.
6 Considerações finais
A entrevista é um procedimento de coleta de dados que possibilita estabelecer contato mais próximo com o entrevistado e com a sua realidade. Diante de um cenário de inovações constantes e de grande atribuição de responsabilidades aos servidores que lidam com documentos digitais, compreende-se como o trabalho destes profissionais é árduo. Cabe a eles tomar decisões que necessitam de embasamento teórico, conhecimento da técnica e da estrutura administrativa da instituição.
Por meio da entrevista foi possível perceber o esforço que as equipes dedicam diariamente para garantir a produção, gestão e preservação dos documentos digitais. E também o desafio que enfrentam ao lidar e ter de ditar regras para praticamente toda a instituição, que produz profusamente conteúdos digitais em suas diferentes atividades.
A partir destas condições pode-se constatar que é necessário que os profissionais dedicados a estas funções tenham um perfil específico que consiga lidar com diferentes públicos, atuar na linha de frente das ações, se posicionar politicamente perante a alta administração e também se posicionar diante das diferentes situações e desafios. Além disso, lidar com a tecnologia exige atualização constante e demanda contato com outros profissionais e instituições para a identificação de experiências e melhores práticas a serem adotadas no contexto interno.
O trabalho de equipes multidisciplinares é essencial para o desenvolvimento das ações em preservação digital. Em todas as etapas do ciclo de vida dos documentos é necessário reunir esforços para desenvolver soluções que otimizem e formalizem o processo, incluindo recursos que integram o intercâmbio entre as áreas de tecnologia da informação e Arquivologia, como o desenvolvimento de um sistema de gestão documental e integração do mesmo com os sistemas de negócio existentes na instituição.
Compreende-se que a preservação digital se trata de um desafio constante. É louvável verificar o afinco e o entusiasmo expresso pelos entrevistados, que entendem e enfatizam a importância de se manterem as ações de preservação mesmo diante das dificuldades, sejam elas de ordem financeira, cultural - resistências internas, ausência de apoio institucional. Acredita-se que mesmo as instituições que ainda não publicaram as suas políticas de preservação digital também enfrentam dificuldades parecidas. O desafio é imenso frente ao grande cenário de incertezas.
Mais uma vez, reforça-se a intenção do presente artigo de auxiliar as IES brasileiras na implementação de uma política de preservação digital. Acredita-se que os relatos das instituições entrevistadas podem trazer importantes contribuições às demais instituições que ainda não iniciaram o processo de produção da política, integrando o conteúdo identificado na literatura científica e técnica ao processo real, da prática. Entende-se que o Brasil é um país plural, com distintas realidades, e cada instituição possui particularidades que precisarão ser consideradas no momento desse desenvolvimento, contudo, identificar ações já realizadas é um fator incentivador às demais.
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Notas de autor
lucianags9@gmail.com
elisangelaaganette@gmail.com
Información adicional
Declaração de autoria: Concepção e elaboração do estudo: Luciana Gonçalves Silva Souza, Elisângela Cristina Aganette. Coleta de dados: Luciana Gonçalves Silva Souza. Análise e interpretação de dados: Luciana Gonçalves Silva Souza. Redação: Luciana Gonçalves Silva Souza, Elisângela Cristina Aganette. Revisão crítica do manuscrito: Luciana Gonçalves Silva Souza, Elisângela Cristina Aganette.
Como citar:: SOUZA, Luciana Gonçalves Silva; AGANETTE, Elisângela Cristina. Políticas de preservação de documentos arquivísticos digitais: relatos de experiências de Instituições de Ensino Superior brasileiras na constituição do documento. Em Questão, Porto Alegre, v. 28, n. 2, e-111677, abr./jun. 2022