Apropriação da memória pela Ciência da Informação e o papel legitimador das Instituições de Memória
Appropriation of memory by Information Science and the legitimating role of Memory Institutions
Apropriação da memória pela Ciência da Informação e o papel legitimador das Instituições de Memória
Em Questão, vol. 28, núm. 2, pp. 392-413, 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Recepción: 02 Diciembre 2020
Aprobación: 06 Abril 2021
Resumo: Objetiva refletir acerca da aproximação/interdisciplinaridade/ contribuições que o campo da memória coletiva possui para a Ciência da Informação. Para isso, buscamos compreender como se deu o processo de apropriação do conceito de memória na área da Ciência da Informação e como as Instituições de Memória colaboram no processo de legitimação da memória coletiva. Realiza uma pesquisa exploratória por meio de uma revisão bibliográfica, como procedimento metodológico para a construção deste estudo. Contextualiza o surgimento da memória no campo da Filosofia e demais áreas das Ciências Humanas. Considera que a memória surge a partir de um entendimento restrito e que, posteriormente, é apropriada pelas Ciências Sociais, que entendem a memória a partir de uma perspectiva ampla e coletiva. Apresenta indícios do processo de apropriação do conceito de memória pela Ciência da Informação e ressalta que, diante das múltiplas possibilidades de realizar trabalhos no campo da memória, está a de compreender a função social desempenhada pelas Instituições de Memória, consideradas espaços que exercem um papel relevante na manutenção das identidades sociais e na legitimação de suas memórias. Conclui que a memória, enquanto mecanismo de representação social, é indispensável para a formação social das identidades e que seu processo de consolidação na Ciência da Informação ainda se encontra em desenvolvimento.
Palavras-chave: Ciência da Informação, Instituições de Memória, Legitimação da memória.
Abstract: It aims to reflect on the approach / interdisciplinarity / contributions that the field of collective memory has for Information Science. For this, we seek to understand how the process of appropriation of the concept of memory in the area of Information Science and how the Memory Institutions collaborate in the process of legitimizing social memory. It performs an exploratory research through a bibliographical review, as a methodological procedure for the construction of this work. Contextualizes the emergence of memory in the field of philosophy and other areas of Human Sciences. It considers that the memory arises from a restricted understanding and that, later, is appropriated by the Social Sciences, that understand the memory from a wide and collective perspective. It presents indications of the process of appropriation of the concept of memory in Information Science. It emphasizes that, given the multiple possibilities of performing works in the field of memory, it is to understand the social function played by the Institutions of Memories, considered institutions that play a relevant role in the maintenance of social identities and in the legitimation of their memories. It concludes that memory as a mechanism of social representation is indispensable for the social formation of identities and that its consolidation process in Information Science is yet to happen.
Keywords: Information science, Memory, Institutions of memory, Legitimation.
1 Introdução
No cotidiano, o uso do termo memória está associado à capacidade de relembrar acontecimentos vivenciados pelos indivíduos em determinadas fases de sua vida. No entanto, assim como tantos outros termos, a memória também se constitui um termo ambíguo, passível de vários entendimentos e que pode ser utilizado diante de inúmeras possibilidades, já que possui múltiplas relações que estão imbricadas entre os diversos campos do conhecimento, não sendo possível determinar suas fronteiras.
Os estudos relacionados à memória vêm sendo desenvolvidos por filósofos desde a antiguidade, a partir de uma perspectiva individual e divina. No decorrer do século XIX, a memória passa a ser objeto de estudo por cientistas pertencentes a diversas áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Sociologia e a História. Posteriormente, no século XX, é incorporada pela Ciência da Informação, a partir de um constante diálogo com as disciplinas supracitadas.
Em vista disso, é importante destacar que a Ciência da Informação se desapega de uma das concepções originárias que considera a informação apenas como fenômeno prioritariamente relevante para a transmissão e comunicação no meio científico e tecnológico, e assume, nos dias atuais, a responsabilidade social em compreender a informação em outros domínios, entendendo que o fenômeno informacional possui relevância na composição das identidades sociais.
Assim, a partir do enlace entre os diferentes entendimentos sobre a memória, este trabalho tem por objetivo mostrar a ampla dimensão e complexidade que esta temática apresenta, além da diversidade de caminhos que ela permite trilhar, sem necessidade de restringir o entendimento advindo de uma única disciplina. Em vista disto, será necessário analisar como se deu o processo de apropriação do conceito de memória no campo da Ciência da Informação e como as instituições memoriais contribuem na legitimação da memória e na disseminação das informações contidas nos registros informacionais.
A fim de atingir os objetivos propostos, dividiremos este artigo em dois momentos. Inicialmente, iremos apresentar a partir de uma perspectiva histórica a gênese do conceito de memória e de que maneira se deu o processo de alargamento desse conceito pelo sociólogo francês Maurice Halbwachs (1877-1945), na segunda metade do século XIX. Ainda neste tópico, discutiremos como Halbwachs influenciou o campo historiográfico na apropriação do conceito, no contexto da terceira fase da Escola dos Annales, iniciada no ano de 1968. No segundo momento, consideramos importante perscrutar como aconteceu o processo de apropriação do conceito de memória coletiva na Ciência da Informação, no final do século XX. Nesse ínterim, iremos compreender a função social que as Instituições de Memória possuem na legitimação da memória coletiva, entendendo que essas instituições mantêm a função de reduzir o esquecimento e oficializar os discursos que constituem as memórias pertencentes às sociedades.
2 Memória coletiva: antecedentes históricos e sua relação com outras áreas do conhecimento
Para que possamos iniciar a discussão em torno da relação existente entra a Ciência da Informação e a memória coletiva, faz-se necessário compreender a concepção originária da memória que está atrelada a uma perspectiva individual. O termo memória tem sua origem na Grécia Antiga e deriva da palavra mnemis, que significa “aquele que lembra”. Assim, os antigos filósofos consideravam a memória como uma entidade divina e sobrenatural que atribui aos indivíduos a capacidade de armazenar informações no cognitivo. Segundo Chauí:
Os antigos gregos consideravam a memória uma identidade sobrenatural ou divina: era a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que protege as Artes e a História. A deusa Memória dava aos poetas e adivinhos o poder de voltar ao passado e de lembrá-lo para a coletividade. (CHAUÍ, 2000, p. 159).
Assim, o contexto de surgimento da memória, enquanto dom divino, é narrado pelo filósofo Marco Túlio Cícero em sua obra De oratore. Segundo o autor, o poeta grego Simônides de Ceos foi a primeira pessoa a utilizar as práticas de rememoração, a partir de um dado evento ocorrido na sua vida. Em sua narrativa, Cícero conta que Simônides havia sido convidado por Skopas, homem pertencente à alta nobreza, para declamar poemas durante um banquete que seria realizado em um palácio de cristal localizado na Tessália. Durante o evento, Simônides havia sido chamado para a parte exterior do palácio, pois dois jovens o aguardavam. No momento em que Simônides estava na parte externa do palácio, um desastre aconteceu: o teto do palácio desabou, tirando a vida de todos os convidados e deixando todos os corpos desconfigurados.
No entanto, Simônides, como único sobrevivente da catástrofe, tornou-se um personagem central na identificação dos corpos deformados, pois por meio da visão e à luz da memória, conseguiu evocar a exata localização em que os convidados se encontravam no interior do palácio. Isso possibilitou que os corpos fossem identificados em meio aos destroços para que os familiares dos respectivos falecidos reencontrassem seus parentes para a realização dos rituais fúnebres.
A partir desse mito de origem, que permite situar a memória fora do nosso tempo, é que ela surge associada às técnicas mnemônicas de memorização. O uso dessas técnicas consiste em treinar a mente ao relacionar lugares e imagens, entendendo que essa relação é uma estratégia que contribui para o desenvolvimento do que se julga uma boa memória.
Essa narrativa mítica tornou-se um marco que está relacionado à etimologia da palavra latina “memória”, associada à capacidade de evocar o passado (CHAUÍ, 2000). Posteriormente, novos significados foram atribuídos por outras disciplinas que contemplam a relação da memória com o meio racional.
De um lado, há a conhecida tradição da mnemotécnica retórica; do outro, a tradição psicológica, que identifica a memória como uma das três faculdades da alma, também chamadas de sentidos internos. Enquanto a primeira dessas tradições objetiva a organização e ordenação formal do conhecimento, a segunda delas trata da interação da memória com a imaginação e a razão. (ASSMANN, 2011, p. 22).
Dessa forma, além da perspectiva metafísica, a memória torna-se objeto de estudo no campo da psicologia, a partir do final do século XIX e começo do século XX, com os estudos desenvolvidos por Sigmund Freud (1856-1939). Neles, Freud analisa a memória de forma isolada, baseada em uma construção psíquica e subjetiva dos indivíduos que começa a ser formada desde a primeira infância e consiste numa operação cognitiva e sensorial que permite a obtenção de novos conhecimentos.
Desde seu primeiro tópico, Freud concede um lugar proeminente à memória na organização do psiquismo, cujas três instâncias – consciente, pré-consciente e inconsciente – são definidas em função da maior ou menor facilidade de acesso das lembranças à consciência. (CANDAU, 2001, p. 64).
Freud também dedicou atenção às patologias advindas da memória, buscando compreender por que muitos indivíduos esquecem ao invés de lembrar. Ele entendeu que o bom funcionamento da memória é impedido quando os indivíduos se tornam vítimas de alguma patologia que limita a memória humana, a exemplo da amnesia, encefalite ou afasia. Essas disfunções consistem no mau funcionamento do cérebro para estocagem de novas informações, fazendo com que os indivíduos acometidos tenham poucas lembranças precisas ou até mesmo percam a memória por dias ou anos.
Ainda nessa conjuntura, vale observar a contribuição de Freud no desenvolvimento de mecanismos que, a partir de atividades lúdicas, possibilitam o estímulo da memória para a aprendizagem. Assmann (2011, p. 168), ao referir-se a Freud, afirma que “Ele reconstituiu o mecanismo psíquico no modelo de escrita do assim chamado ‘bloco mágico’. Esse brinquedo discreto e ainda hoje comum em quartos de criança ajudou Freud a alcançar a fama científica.”.
Em oposição a esse pensamento, há autores que contestam a ideia que Freud, ao desenvolver estudos no campo memorialístico, esteve limitado aos aspectos das experiências individuais vivenciadas pelos sujeitos. Dentre eles, destacam-se Ferrarini e Magalhães (2014, p. 116):
Argumentar que a teorização sobre o tema da memória em Freud seja no âmbito individual é no mínimo simplista. Freud (1896/1996), desde os primórdios de seus trabalhos na formulação da psicanálise evidencia a multimodalidade da memória. [...]. Na construção da teoria psicanalítica, Freud sempre esteve preocupado em indagar e problematizar questões referentes ao âmbito social e cultural, motivo ao qual sua concepção de memória não fugiria a regra.
A partir de uma análise crítica à citação em epígrafe, compreendemos que a concepção freudiana de memória está associada ao aparelho psíquico, lembranças de situações passadas, ocasionadas na infância até na vida adulta, são armazenadas na estrutura cognitiva, que transitam entre o consciente e o inconsciente, não adentrando a esfera social e cultural se comparada a estudos empreendidos por outros pensadores.
Assim, a Sociologia desempenhou o importante papel para alavancar a ideia de memória no âmbito social. Aliás, é nisto que consiste a diferenciação de perspectivas existentes entre a Psicologia e Sociologia, enquanto a primeira estuda o indivíduo em sua psiquê, a outra preocupa-se com as construções coletivas da sociedade.
Dentre os intelectuais contemporâneos a Freud, encontra-se o sociólogo francês Maurice Halbwachs (1877-1945), membro da Escola Sociológica Francesa, que possuía forte influência durkheimiana. Halbwachs teve o papel proeminente para a expansão do conceito de memória, com sua obra A Memória Coletiva, publicada somente em 1950, cinco anos após sua morte. Sua relevante contribuição foi impactante por ampliar a noção existente em torno da função social da memória, visto que ela existia apenas na perspectiva individualista.
Em suas reflexões, Halbwachs percebeu que é inviável que os indivíduos possuam apenas a memória individual. Ele afirma que as lembranças individuais não estão isoladas e são baseadas nas lembranças dos grupos compostos pelos múltiplos indivíduos que estão em constante interação e que compõem estes grupos. Segundo o autor, “[...] nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas pelos outros, ainda que trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós.” (HALBWACHS, 2013, p. 30). Assim, sob esse novo prisma, as reflexões e discussões sobre a memória passaram a ocupar mais espaços nas abordagens sociais.
A amplidão da abordagem social tornou-se motivo de críticas por contemporâneos que compactuavam com outras correntes de pensamento. Dentre as discordâncias existentes, Burke (1992) afirma que o psicólogo Frederick Bartlett (1886 – 1969) posicionava-se de forma contrária ao estudo de Halbwachs acerca da estrutura social da memória, por criar uma entidade fictícia, qual seja, a memória coletiva. Na concepção de Bartlett, apenas os indivíduos existiam.
Ainda nesse contexto, o campo da História também estava passando por um processo de restruturação desde o ano de 1920, por meio do movimento da Escola dos Annales, que teve como fundadores Lucien Febvre (1878 – 1956) e Marc Bloch (1886 – 1944). Esses historiadores foram responsáveis pela implementação de uma série de transformações teóricas que revolucionariam a historiografia no decorrer do século. Esse processo de reconfiguração ocorreu principalmente devido às críticas de alguns historiadores sobre o fazer história a partir de uma perspectiva linear e factual. Nesse contexto, também tiveram início as primeiras discussões acerca do conceito de memória. Segundo Burke (1992), Marc Bloch possuía grande admiração pelo trabalho desenvolvido por Halbwachs, afirmando que, com base na sua obra Les Cadres Sociaux de la Mémoire (1925), que
Em suas infindáveis discussões participavam colegas como o psicólogo social Charles Blondel, cujas ideias eram importantes para Febvre, e o sociólogo Maurice Halbwachs, cujo estudo sobre a estrutura social da memória, publicado em 1925, causou profunda impressão em Bloch. (BURKE, 1992, p. 34).
Entretanto, ainda que Bloch se mostrasse impressionado com os estudos desenvolvidos no campo da memória, ele também demonstrava criticidade para com a concepção de memória desenvolvida por Halbwachs. O que, possivelmente, impediu que seus estudos influenciassem o campo historiográfico nesse primeiro momento. Casadei afirma que:
Bloch coloca, portanto, a possibilidade de existirem falsas recordações e enganos dentro da memória coletiva. Ele cita como exemplo o fato de que ‘essencialmente tradicionalistas, as sociedades da Idade Média sonharam reviver a sua memória; mas esta memória não foi, em muitos aspectos, mais que um espelho infiel’. (CASADEI, 2010, p. 157, grifos do autor).
Dessa forma, podemos perceber o posicionamento crítico do historiador em relação à ideia de memória coletiva. Para ele, a memória não se constitui uma fonte autêntica, pois possui elementos que podem pôr em xeque a veracidade dos fatos e por isso retrata um espelho infiel. No entanto, Le Goff (1994) afirma ser “desejável que a informação histórica, fornecida pelos historiadores de ofício [...] corrija esta história tradicional falseada. A história deve esclarecer a memória e ajudá-la a retificar os seus erros.” (LE GOFF, 1994, p. 29).
Com a morte de Bloch, em 1944, o movimento da Escola dos Annales não foi interrompido. Outros grupos de historiadores, como Fernand Braudel (1902-1985), foram responsáveis pela continuidade das atividades de produção e publicação das ideias pertencentes a Escola. No seguimento das reflexões empreendidas, foi apenas durante a terceira geração da Escola dos Annales, iniciada no ano de 1968, que os estudos acerca da memória passam a ser apropriados pelo campo da história, como afirma Silveira (2010):
A reflexão sobre a memória não é nova: contemporâneos da 1ª geração dos Annales, como Bergson e Halbwachs, no trânsito do século XIX para o século XX, já haviam se debruçado sobre o problema. Mas é nova na tradição do movimento, como objeto de estudo, a partir dos últimos anos 70, possibilitada pelo crescimento da história das mentalidades. (SILVEIRA, 2010, p. 51).
A partir dessa nova conjuntura, os teóricos pertencentes à terceira geração dos Annales passaram a privilegiar o sujeito e o pensamento humano, entendendo que alguns processos de transformações sociais não aconteciam de forma abrupta, uma vez que os modos de pensamento e os comportamentos sociais, tais como costumes e maneiras de viver, modificam-se em ritmo diferenciado.
Assim, a então conhecida História das Mentalidades, considerada um ramo da historiografia que apresenta uma constante relação entre a dimensão social com o mundo mental, contribuiu para que a partir da utilização de novos recursos metodológicos fosse possível o desenvolvimento de outras reflexões sobre temas não convencionados pela história, cuja memória está inclusa.
Vale lembrar que outra característica dessa fase é a substituição das abordagens a partir do viés político, social e econômico pelo cultural, tema que se tornou central nesse novo período. Dessa forma, a Nova História Cultural, da mesma forma que veremos posteriormente na Ciência da Informação, é caracterizada pelas práticas interdisciplinares, que permitem um constante diálogo com outros campos dos saberes, incluindo a Psicologia e a Sociologia, ao tornar possível o desenvolvimento de estudos no campo das mentalidades, tendo a memória como objeto.
Nessa nova abordagem, os historiadores que buscam desenvolver estudos no âmbito da memória adotam novas metodologias e recorrem aos personagens pertencentes à história viva para que eles externem suas lembranças, a fim de reconstruir a memória que compõe os grupos sociais. Esse método denominado de história oral permite que o relato daqueles que vivenciaram determinadas situações potenciais de memória sejam registrados por meio da linguagem escrita. Durante o registro, o entrevistador pode inserir sua percepção, sendo possível analisar não somente a fala do colaborador, mas o contexto e a forma do que está sendo dito. Esse mecanismo faz com que a história seja sempre nova e que ela “torne-se eternamente contemporânea” (D’ALESSIO,1992, p. 97).
Ainda se tratando da importância dos membros que compõem as sociedades, como agentes potenciais a serem ouvidos por meio de entrevistas, destacamos que a história oral possibilitou a inserção de grupos subalternos a falarem e externarem seus anseios sem que outros tenham que falar por eles. Nesse contexto, a escritora indiana Spivak (2010) apresenta a necessidade de combater a subalternidade em que se encontram aqueles pertencentes às camadas mais baixas da sociedade pelos grupos dominantes. Já Pollak (1989) ressalta a importância desses indivíduos que se encontram em constante processo de exclusão social, pois, muitas vezes, suas narrativas se opõem ou não compõem parte da memória nacional. Ele afirma que “Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõe à ‘memória oficial’, no caso, a memória nacional.” (POLLAK, 1989, p. 4).
Além da história oral, também é possível a reconstrução da memória por meio dos recursos materiais pertencentes aos múltiplos grupos sociais. A cultura material composta por objetos confeccionados pelo homem e que formam a diversidade do patrimônio histórico também apresenta evidências que facilitam compreender a organização social de outra época e em outro espaço, que muitas vezes não é aquele que pertencemos. Assim, a fim de reconstruir a memória por meio da cultura material, a história conta com as disciplinas auxiliares, tais como a arqueologia, a numismática e a xilogravura.
Para além dessa questão primordial que relaciona “memória”, “espaço” e “tempo” – e já empreendendo uma aproximação em relação aos demais aspectos que situam a Memória diante de suas interações e de seus contrastes em relação à História – devemos ainda pensar tanto na importância da Memória Individual enquanto material para a História (caso da História Oral), como no inquestionável valor da Memória Coletiva nesse mesmo sentido (o Patrimônio Histórico como fonte, e também os inúmeros “lugares de memória”). (BARROS, 2009, p. 37).
A partir dessa conjuntura, o pensamento de Halbwachs influencia o campo da História. Entende-se que as narrativas rememoradas pertencentes aos indivíduos, as experiências vivenciadas no âmbito coletivo e a diversidade de artefatos produzidos por eles se tornam fontes alternativas de informação, que possibilitam aos historiadores, ao utilizarem esse método, captar informações que muitas vezes não são possíveis de serem identificadas nos tradicionais registros de informações.
3 O conceito de memória na Ciência da Informação e sua interface com as Instituições de Memória
Tendo por base a fundamentação apresentada no tópico anterior, referente às múltiplas abordagens acerca do entendimento em torno dos estudos de memória, surge no final da segunda metade do século XX, por influência das Ciências Sociais e Humanas, o terceiro paradigma da Ciência da Informação (CI), sendo este o Paradigma Social postulado por Rafael Capurro (2003). O autor objetivou superar algumas limitações identificadas nos paradigmas precedentes: o Paradigma Físico e Cognitivo.
No que concerne ao Paradigma Social, este deu margem para que a Ciência da Informação, ao entender a informação como um elemento central nos vínculos sociais existentes entre os indivíduos, ampliasse seu campo de atuação ao lançar luz sobre outras perceptivas, a partir de sua constante prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade torna-se um fundamento importante, pois as ciências foram se fragmentando, desde a Filosofia até as ciências modernas, fazendo com que cada uma delas atuasse de forma autônoma, passando a existir a necessidade de as ciências estabelecerem relações e manter um constante diálogo com outros campos do conhecimento, sempre visando a uma maior aproximação em busca do enriquecimento mútuo.
Saracevic (1996) afirma que a “interdisciplinaridade foi introduzida na CI pela própria variedade da formação de todas as pessoas que se ocuparam com os problemas descritos” (SARACEVIC, 1996, p. 48). Assim, a partir das contribuições de teóricos vinculados às Ciências Humanas e do conhecimento por eles produzidos, o conceito de memória passa a ser incorporado paulatinamente no campo da Ciência da Informação, apresentando um constante diálogo com outros estudiosos, em especial, com a contribuição de sociólogos e historiadores.
Dessa forma, pode-se entender que a memória não se restringe a nenhuma área específica do conhecimento. Ela sempre é passível de ser incorporada e adaptada a novas interpretações.
Não propomos que a sociologia, a psicologia ou a ciência da informação abordem a memória social sob perspectivas distintas, como se a cada uma delas coubesse um lote de um território preexistente, distribuído entre elas por algum Zeus epistêmico. Nossa proposta, ao contrário, é que esses lotes podem ser invadidos e transpostos pelo fato de não pertencerem, de fato, a ninguém – mesmo que pertençam por direito. A memória social, como objeto de pesquisa passível de ser conceituado, não pertence a nenhuma disciplina tradicionalmente existente, e nenhuma delas goza do privilégio de produzir o seu conceito. (GONDAR, 2016, p. 22).
Em adição aos imbricamentos existente entre disciplinas, outras questões surgem quando analisamos o domínio da memória na Ciência da Informação: quando a memória é incorporada pela Ciência da Informação? Quais são os marcos institucionais que indicam como aconteceu a apropriação da memória neste campo? Quem foram os primeiros cientistas da informação a produzir trabalhos nessa nova vertente?
Sem pretensões de apresentar respostas a essas perguntas, mas indicando possíveis caminhos para chegar até elas, entendemos que na Ciência da Informação, mesmo tendo seus estudos evidenciados a partir da década de 1950, a apropriação do conceito de memória é um fenômeno recente que, no Brasil, aconteceu nas últimas décadas, dentro das instituições de ensino superior. Foi no meio acadêmico, com a implementação de linhas de pesquisa em alguns programas de pós-graduação em Ciência da Informação stricto sensu, que a memória se tornou um tema aglutinador presente nas dissertações e teses que contemplam essa temática como objeto investigativo.
Corroborando essa ideia, Araújo (2018) afirma que a memória é tida como uma teoria contemporânea pertencente ao campo da Ciência da Informação e que, junto a tantas outras, está voltada para a compreensão dos fluxos informacionais existentes no âmbito social. Segundo ele,
Memória é um tema ou conceito que sempre esteve presente, de alguma forma, no campo da ciência da informação. Nas últimas duas décadas, contudo, tem tido maior destaque, passando a designar áreas de investigação, linhas de pesquisa em programas de pós-graduação e grupos de trabalhos em associações cientificas. (ARAÚJO, 2018, p. 75).
Por se tratar de um tema recentemente incorporado ao campo da Ciência da Informação, entendemos que a memória é um tema insólito e que seu processo de consolidação ainda está por vir. Oliveira e Rodrigues (2009) afirmam que o conceito de memória ocupa um lugar periférico na produção científica da Ciência da Informação e que, “Apesar da pertinência da realização de pesquisas sobre memória na Ciência da Informação, é intrigante perceber como são raros os estudos que se propõem a discuti-la, seja em seu aspecto cognitivo, seja em seu aspecto social.” (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2009, p. 227).
No Brasil, a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB), sociedade civil sem fins lucrativos criada no ano de 1989, também contribuiu de forma significativa ao implementar no ano de 2010, durante o XI Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB), o Grupo de Trabalho (GT) número 10, intitulado Informação e memória. O GT 10 é um espaço propício para estimular debate pesquisadores e estudantes associados que estão desenvolvendo trabalhos referentes à temática da memória na perspectiva da Ciência da Informação.
A primeira contribuição deste GT para a área foi e[sic] evidenciação das questões de memória dentro dos estudos da CI, que antes ficava submerso dentro do GT 02. Além disso, vincula o fenômeno informacional, através da perspectiva da memória, como algo que só tem existência dentro de redes e dinâmicas sociais (AZEVEDO NETTO, 2014, p. 209).
Em nível internacional, ao analisar os anais da International Society for Knowledge Organization (ISKO), Azevedo Netto (2014) também percebe um volume considerável de trabalhos que contemplam temas como cultura e memória. É possível perceber que a apropriação da memória pela Ciência da Informação acontece tanto em nível nacional quanto internacional. Na tentativa de associar o contexto brasileiro com o de outros países, Oliveira e Rodrigues (2011) afirmam que o Brasil acompanha a literatura internacional da área.
Apesar do recorte geográfico adotado, pareceu-nos adequado formular a hipótese de que a apropriação do conceito de memória no conhecimento científico produzido pela Ciência da Informação no Brasil acompanha o tratamento dado ao tema na literatura internacional da área (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2011, p. 314)
Baseado nesses indícios, o conceito de memória foi sendo apropriado pelo campo da Ciência da Informação. Entende-se que a memória sobre a qual a Ciência da Informação se detém não está associada ao desenvolvimento de técnicas de memorização ou no entendimento das patologias que impedem seu aperfeiçoamento, tampouco em captar memórias potenciais para a construção da história. Ao incorporar estudos memorialísticos, a Ciência da Informação visa fazer com que os registros informacionais sejam fontes para a atualização da memória a partir da organização, representação e recuperação da informação.
Dessa forma, é possível perceber que as informações são potenciais de memória. Entendendo que a multiplicidade dos registros informacionais custodiados pelas instituições não são a memória, mas sim fontes que podem ativá-las, rememorá-las e ressignificá-las a partir do uso dos registros que permitem que a memória seja constantemente atualizada, fortalecendo as identidades culturais e transformando os vínculos sociais. Afinal, para que a informação seja considerada como tal, é necessário que ela cause um impacto de transformação a quem dela faz uso.
Assim, a Ciência da Informação, desde sua criação, vinculada ao contexto Pós-Segunda Guerra Mundial, esteve direcionada ao fenômeno informacional, como um elemento importante para o desenvolvimento científico e tecnológico. Como afirma Araújo (2014, p. 58), “O campo da informação científica e tecnológica é o pioneiro da Ciência da Informação justamente por estar já colocado como temática desde suas manifestações precursoras.”.
No entanto, ela possibilitou, nas décadas seguintes e atualmente, a inserção de novas temáticas que proporcionam o desenvolvimento de outros estudos dentro do campo. Vale destacar que esse trabalho integracionista viabilizou a expansão da área e do conceito de informação, entendendo-o como um elemento presente na humanidade, além de assumir a função social de preservar a memória e promover a cultura das sociedades contemporâneas.
Ao compreender a memória como um elemento cultural existente em todas as sociedades e dotada de valor informacional, é imprescindível que a Ciência da Informação como área do conhecimento esteja em constante diálogo e interação com as Instituições de Memória. Vale observar que, assim como a apropriação da memória pela Ciência da Informação, o termo Instituição de memória também surgiu nas últimas décadas do século XX. Segundo Justino (2013, p. 73), o “termo Instituição de Memória apareceu pela primeira vez em 1994, por Roland Hjerppe [...]”.
Nesse contexto, cabe uma reflexão sobre o entendimento do termo Instituições de Memória. Em um primeiro momento, devemos observar que as Instituições de Memória não se limitam às consagradas bibliotecas, aos arquivos e aos museus. Partindo de uma perspectiva mais ampla, é possível perceber a existência de outras entidades que também são passíveis de serem denominadas Instituições de Memória, tais como: academias e institutos, tidos como instituições especializadas, que salvaguardam em um mesmo espaço, arquivo, biblioteca e museu, com um acervo abundante e diversificado, fonte de informação para memória da sociedade.
Essas instituições devem ser vistas como espaços de preservação da memória coletiva que não trabalham em um isolamento social, uma vez que os fatos sociais ocasionados fora do âmbito institucional são potenciais passíveis de serem incorporados ao discurso produzido por essas instituições. Assim, as Instituições de Memória transbordam a individualidade institucional, tal como a memória organizacional está limitada aos fatos e fenômenos que ocorrem única e exclusivamente no interior da Instituição, já que a “questão prioritária da organização é a eficácia e a da Instituição é a legitimidade.” (THIESEN, 2013, p. 108)
Compactuando com a extensão do termo Instituição de memória, Hjørland (2013, p. 22, grifo e tradução nossa) afirma que “Arquivos, bibliotecas e museus (entre outras instituições) foram denominadas Instituições de Memória”. Sem mencionar quais seriam as outras instituições, ele deixa a critério dos pesquisadores interessados na temática explorarem quais instituições viriam a ser Instituição de memória. Já para Galindo (2015, p. 71), as instituições memoriais podem ser entendidas como “aquelas organizações, públicas ou privadas eleitas ou construídas pela sociedade para realizar a tarefa da guarda, da preservação e do acesso ao patrimônio memorial e cultural das sociedades que servem.”.
Assim, essas instituições, em conformidade com os membros dos grupos sociais, também desempenham um papel preponderante no reconhecimento dos valores culturais vigentes por meio de um processo de legitimação que autêntica como legítimas as memórias pertencentes à sociedade. Nesse contexto, entendemos legitimidade como “uma percepção ou suposição generalizada de que as ações de uma entidade são desejáveis, adequadas ou apropriadas dentro de algum sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e definições.” (SUCHMAN, 1995, p. 574, tradução nossa).
À vista disso, entendemos que as Instituições de Memória, assim como outras instituições sociais, possuem o “saber-poder” (FOUCAULT, 2014) para disciplinar a memória por meio da construção de um discurso normativo que rege quais aspectos serão incorporados à memória coletiva por meio da seleção feita por elas. A partir de Foucault, Hall (2006) afirma que o poder disciplinar se desenvolve ao longo do século XIX, mas que chega a seu desenvolvimento máximo no presente século. Segundo ele,
O poder disciplinar está preocupado, em primeiro lugar, com a regulação, a vigilância e o governo da espécie humana ou de populações inteiras e, em segundo lugar, do indivíduo e do corpo. Seus locais são aquelas novas instituições que se desenvolveram ao longo do século XIX e que “policiam” e disciplinam as populações modernas – oficinais, quarteis, escolas, prisões, hospitais, clínicas e assim por diante. (HALL, 2006, p. 42).
Ainda vale ressaltar que o poder disciplinador exercido pelas Instituições de Memória na contemporaneidade não está relacionado com uma dominação política assimétrica comum em algumas instituições sociais, que fazem uso do poder coercitivo, a exemplo das instituições citadas por Hall (2006), para mostrar superioridade, impondo à sociedade seus valores como regras a serem cumpridas. Nesse entendimento, existe uma constante relação de forças repressivas, nas quais as instituições sociais que estão no topo da hierarquia têm o poder/saber de se impor diante do saber dominado. Para Foucault (2014, p. 66), trata-se de “conteúdos históricos que foram sepultados”. Thiesen (2013), ao entender que a legitimação é uma das características das instituições sociais, afirma que,
A Instituição, em seu processo instituinte, reivindica o direito à legitimidade que lhe dá fundamento. Nesse movimento de institucionalização há a expropriação de saberes, que são desinstitucionalizados. Tendo em vista que a institucionalização define as regras do jogo, os atores ou parceiros devem abrir mão de parte de sua ação, de parte dos seus saberes. O saber popular deslegitima-se, em favor dos saberes. (THIESEN, 2013, p. 193).
A partir de outro olhar, com a desvinculação das Instituições de Memória do Estado no século XX, compreende-se que o poder disciplinar utilizado pelas Instituições de Memória gerou uma crise que reduziu seu poder, tornando-o simétrico e exercido por meio de uma “adesão afetiva” (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2009) em que os membros pertencentes às sociedades, em consonância com essas instituições, se sentem representados nos discursos construídos por elas, fazendo com que as identidades culturais sejam fortalecidas e, por conseguinte, gere um sentimento de pertença ao espaço onde vivem.
Dessa forma, a construção dos discursos normativos possibilita que essas instituições, para além de disciplinar, legitimem a memória que, antes de pertencer a ela, pertence aos valores culturais e identitários da sociedade. Afinal, sem o aval das sociedades, as Instituições de Memória não teriam competência para legitimar, pois são as sociedades que produzem os valores e discursos que lhe são próprios. As Instituições de Memória apenas constroem um discurso que os privilegiam, de forma a chancelar e validar a memória pertencente aos grupos, fazendo dela um instrumento oficial e inclusive decidindo o que preservar e o que silenciar.
Devemos entender, também, que o processo de legitimação praticado por elas não se configura um mecanismo estático e imutável, visto que a memória é dinâmica e passível de ressignificação. Essa prática deve ser entendida como um mecanismo manipulável, pois, ainda que legítimo, é passível de contestações, permitindo um possível processo de reavaliação a fim de identificar permanências e rupturas das tradições, das crenças e dos valores. Isso acontece porque uma das nuances das atividades culturais são as constantes transformações. Estas acontecem, sobretudo, quando os indivíduos pertencentes às novas gerações se tornam protagonistas das práticas culturais e passam a atribuir novos sentidos aos valores culturais, incorporando elementos que vão dinamizar a memória coletiva que está em um contínuo processo de ressignificação.
Diante disso, destacamos as Instituições de Memória nacional, a exemplo dos Institutos Históricos e Geográficos, que atuam em prol da legitimação dos valores pertencentes a cultura de diferentes nações, bem como as múltiplas regiões que a integram. Essas instituições não possuem apenas a missão do resguardo documental, como também incentivam a escrita da história a partir da ótica local, por meio de produções que evidenciem os aspectos históricos que estejam intimamente ligados às identidades nacionais e regionais.
4 Considerações finais
Diante do que foi exposto, podemos inferir a existência de teóricos pertencentes a vários campos do conhecimento que se dedicam ao desenvolvimento de estudos memorialísticos. Dentre eles, o sociólogo francês Maurice Halbwachs, pertencente à Escola Sociológica Francesa, apresenta-se como precursor nos estudos da memória coletiva, além de influenciar outras áreas do conhecimento a incorporar o conceito de memória, como a História, a partir da terceira Geração da Escola dos Annales, e a Ciência da Informação, com a emergência do Paradigma Social de Rafael Capurro.
Com isso, a memória tal como considerada na Grécia Antiga, como um dom divino, passou a ser objeto de estudo científico na perspectiva coletiva, estando em constante diálogo com as múltiplas áreas do conhecimento. A ideia de trabalhar o entendimento da memória a partir de múltiplas disciplinas foi mostrar a ampla dimensão e complexidade que esta temática apresenta, além da diversidade de caminhos que ela permite trilhar, sem necessidade de restringir o entendimento advindo de uma única disciplina.
Nesse sentido, o propósito de refletir sobre a ampla dimensão e complexidade que esta temática apresenta para as disciplinas e, em espacial, para a Ciência da Informação, foi atingido na perspectiva de que se identificou o papel proeminente das Instituições de Memória e seu potencial informativo na construção dos valores sociais. Além disso, foi possível identificar alguns marcos institucionais que possibilitaram compreender como acontece a inserção da memória na CI. No entanto, não identificamos quais foram os primeiros cientistas da informação a possibilitar essa inserção, tendo em vista que essa etapa de investigação se encontra em desenvolvimento.
Assim, a partir de uma análise preliminar da literatura na área de Ciência da Informação, identificamos uma carência de reflexões e desenvolvimento de trabalhos que correlacionem a Ciência da Informação com campo da memória, apontando a necessidade de estudos mais aprofundados a fim de investigar os marcos institucionais que afirmam a memória como um campo de estudo da Ciência da Informação, visto que “a mente humana não é um repositório seguro” (ASSMANN, 2011, p. 34). Portanto, existe a necessidade do registro informacional em múltiplos suportes, passíveis de serem recuperados para construção e reconstrução da memória, entendendo que ela é um elemento de representação social que contribui para construção das identidades.
Por fim, podemos concluir que a memória coletiva enquanto fenômeno social que permite a atualização seletiva do passado possui um poder transformador que a memória individual não possui. Ainda, as Instituições de Memória são indispensáveis no processo de legitimação, visto que a memória, enquanto construto social, é constantemente atualizada no presente.
Referências
ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018.
ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação? Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 1, p. 01-30, jan./abr. 2014. ISSN 1981-8920.
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformação da memória cultural. Campinas: Ed UNICAMP, 2011.
AZEVEDO NETTO, Carlos Xavier. Entrevista com o Professor Doutor Carlos Xavier Azevedo Netto [Entrevista realizada em 11 de setembro de 2014]. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 15, n. 29, p. 207-210. jul./dez. 2014. Entrevistadoras: Eva Cristina Leite da Silva; Marcia Silveira Kroeff.
BARROS, José D’Assunção. História e memória - uma relação na confluência entre tempo e espaço. Mouseion, Canoas, vol. 3, n. 5, Jan-Jul/2009.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Ed. UNESP, 1992.
CANDAU, Joel. Memória e identidade. Tradução de Maria L. Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011.
CAPURRO, R. Epistemologia e Ciência da Informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5, 2003, Belo Horizonte. Anais [...] Belo Horizonte: UFMG, 2003.
CASADEI, Eliza Bachega. Maurice Halbwachs e March Bloch em torno do conceito de memória coletiva. Revista Espaço Acadêmico, [s.l.] v. 9, n. 108, p. 153-161, maio 2010.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
D'ALESSIO, Marcia Mansor. Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n.25/26, p. 97-103, 1992.
FERRARINI, Pâmela Pitágoras Freitas Lima; MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha. O conceito de memória na obra freudiana: breves explanações. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 5, n. 1, p. 109-118, jun. 2014.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Paz e terra, 2014.
GALINDO, Marcos. A redescoberta do trabalho colaborativo. In: AZEVEDO NETTO, Carlos Xavier de (org.). Informação, patrimônio e memória:diálogos interdisciplinares. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015. p. 65-98.
GONDAR, Jô. Cinco proposições sobre a memória social. Morpheus: revista de estudos interdisciplinares em memória social, Rio de Janeiro, v. 9, n. 15, p. 19-40, 2016. ISSN 1676-2924.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2013.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HJØRLAND, Birger. Information science and its core concepts: Levels of disagreement. Dordrecht, 2013.
JUSTINO, Ana Cristina Fernandes Cortês Santana. O desafio da homogeneização normativa em Instituições de Memória. 2012. 314 f. Tese (Doutorado) – Curso de Doutorado em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais, Departamento de Comunicação e Arte, Faculdade de Letras, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2013.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão. et al. 3. ed. Campinas (SP): UNICAMP, 1994.
OLIVIERA, Eliane Braga de; RODRIGUES, Georgete Medleg. O conceito de memória na ciência da informação: análise das teses e dissertações dos programas de pós-graduação no Brasil. Liinc em Revista, Rio de Janeiro v. 7, n. 1, p. 311-328, mar. 2011.
OLIVIERA, Eliane Braga de; RODRIGUES, Georgete Medleg. As concepções de memória na ciência da informação no Brasil: estudo preliminar sobre a ocorrência do tema na produção científica. Ponto de Acesso, Salvador, v. 3, n. 3, p. 216-239, dez. 2009.
OLIVEIRA, Eliane Braga de; RODRIGUES, Georgete Medleg (org.). Memória: interfaces no campo da informação. Brasília: Ed. UnB. 2017.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2. n. 3, 1989, p. 3-15.
SARACEVIC, Ciência da informação: origem, evolução e relações. Perspectiva em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 41-62, jan./jun. 1996.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. A 3ª geração dos Annales: cultura histórica e memória. In: CURY, Cláudia Engler. et al. Cultura Histórica e Historiografia: legado e contribuições históricas do século XX. João Pessoa: Ed. UFPB. 2010.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
SUCHMAN, Mark C. Managing legitimacy: strategic and institutional approaches. Academy of Management Review, New York, v. 20, n. 3, p.571-610, 1995.
THIESEN, Icléia. Memória Institucional. João Pessoa: editora UFPB, 2013.
Notas de autor
igor.oliveira@estudantes.ufpb.br
gracykmg@gmail.com
Información adicional
Declaração de autoria: Concepção e elaboração do estudo: Igor Oliveira da Silva e Gracy Kelli Martins Coleta de dados: Igor Oliveira da Silva e Gracy Kelli Martins Análise e interpretação de dados: Igor Oliveira da Silva e Gracy Kelli Martins Redação: Igor Oliveira da Silva e Gracy Kelli Martins Revisão crítica do manuscrito: Igor Oliveira da Silva e Gracy Kelli Martins
Como citar:: SILVA, Igor Oliveira da Silva; MARTINS, Gracy Kelli. Apropriação da memória pela ciência da informação e o papel legitimador das instituições de memória. Em Questão, Porto Alegre, v. 28, n. 2, e-109562, abr./jun. 2022.