Avaliação de diferentes esquemas de camada limite para simulação e previsão de eventos de nevoeiro no Rio Grande do Sul

Evaluation of different boundary layer schemes for fog events simulation and forecasting in Rio Grande do Sul

Nórton Franciscatto de Paula
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Franciano Scremin Puhales
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Gabriele Golart Silva
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Jéssica Melo Mintegui
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Vagner Anabor
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Everson Dal Piva
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Felipe Denardin Costa
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Avaliação de diferentes esquemas de camada limite para simulação e previsão de eventos de nevoeiro no Rio Grande do Sul

Ciência e Natura, vol. 39, núm. 2, pp. 451-458, 2017

Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 21 Fevereiro 2017

Aprovação: 23 Fevereiro 2017

Resumo: Neste trabalho empregou-se dois esquemas de camada limite para reproduzir numericamente um evento de nevoeiro persistente no centro do Rio Grande do Sul. O modelo utilizado foi o WRF utilizando como condições iniciais e de contorno os dados do modelo GFS. Os esquemas de camada limite empregados foram o Mellor-Yamada-Janic (MYJ) e o Yonsei University (YSU). De forma geral, os esquemas de camada limite sobrestimam os valores de velocidade do vento a 10m e representam relativamente bem a temperatura. Contudo, a umidade relativa não representa a condição de nevoeiro, não atingindo a saturação em alguns casos. Quando a saturação é atingida a mesma não se mantém adequadamente durante a ocorrência do evento.

Palavras-chave: Nevoeiro, WRF, Camada Limite Planetária, Mellor-Yamada-Janic (MYJ), Yonsei University (YSU).

Abstract: In this work we used two boundary layer schemes to reproduce numerically a persistent fog event in Santa Maria, Rio Grande do Sul. The model employed was WRF using, as initial and boundary conditions, GFS data. The boundary layer employed schemes were the Mellor-Yamada-Janic (MYJ) and Yonsei University (YSU). Generally, boundary layer overestimate of wind speed values schemes 10m and represent relatively well temperature. However, the relative humidity does not represent the fog condition, not reaching saturation in some cases. When saturation is achieved the same if not properly maintained during the occurrence of the event.

Keywords: Fog, WRF, Planetary Boundary Layer, Mellor-Yamada-Janic (MYJ), Yonsei University (YSU).

1 Introdução

O fenômeno nevoeiro está associado com a saturação da atmosfera, em relação à água líquida, levando a formação de gotículas de água. Essas gotículas permanecem suspensas na atmosfera reduzindo a visibilidade. A previsão desde fenômeno é fundamental, sobretudo para aquelas atividades ligadas a meios de transporte em qualquer modalidade tendo um maior impacto no transporte aéreo. O objetivo deste trabalho é avaliar o comportamento de duas parametrizações de camada limite disponíveis no modelo WRF (Weather Research and Forecast) (Skamarock et al., 2008). As parametrizações avaliadas são aquelas propostas por Hong et al. (2006) (Yonsei University Scheme (YSU) e Janjic (1994) (Mellor-Yamada-Janjic Scheme (MYJ)). O esquema YSU utilizada uma parametrização não local para os fluxos turbulentos, enquanto o esquema MYJ aplica um fechamento local (Xie et al., 2012).

O caso estudo é uma sequência de dias de nevoeiro na região de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil (29,7◦S; 53,7◦W ) que ocorreu entre os dias 19/06/2014 e 22/06/2014, sendo que entre 21 e 22 o nevoeiro não se dissipou durante o período diurno, durando aproximadamente 36h. A região de Santa Maria, RS, é fortemente afetada por eventos de nevoeiro durante todo ano, sobretudo para os meses de outono inverno, quando os nevoeiros além de ocorrer com grande frequência chegam a durar até parte da tarde ou o dia inteiro (de Paula et al., 2015)

O evento ocorreu sou uma condição sinótica com a presença de um intenso anticiclone com centro próximo a região de interesse deste trabalho. Tal condição é um forçante meteorológico para a ocorrência de céu claro e ventos pouco intensos, ingredientes para a formação de nevoeiros. A figura 1 mostra o campo da pressão reduzida ao nível do mar, baseado nos dados de análise do modelo GFS, para às 12UTC dos dias de interesse deste estudo.

Campos de pressão reduzida ao nível do mar para às 12UTC do período de estudo. A cidade de Santa Maria é indicada com
uma cruz no mapa.
Figura 1
Campos de pressão reduzida ao nível do mar para às 12UTC do período de estudo. A cidade de Santa Maria é indicada com uma cruz no mapa.

Nota-se a presença de um intenso anticiclone no dia 19/06 (figura 1(a)), com centro a sudoeste da região de interesse que se desloca na direção nordeste, passando pela região de interesse e se enfraquecendo, conforme indicam as figuras 1(b), 1(c) e 1(d).

2 Metodologia

Para o estudo foram utilizadas duas grades aninhadas. A grade externa foi construída com uma resolução horizontal de 12km enquanto a grade interna empregava uma resolução horizontal de 4km. A figura 2 apresenta o domínio de cada uma das grades utilizadas;

Domínio de aplicação do estudo. A grade maior é definida pela área sombreada no mapa enquanto a grade menor é definida pela caixa interna. Aproximadamente no centro do domínio está localizada a cidade de Santa Maria.
Figura 2
Domínio de aplicação do estudo. A grade maior é definida pela área sombreada no mapa enquanto a grade menor é definida pela caixa interna. Aproximadamente no centro do domínio está localizada a cidade de Santa Maria.

O experimento numérico deste trabalho foi conduzido com duas abordagens: uma de simulação, utilizando como condição inicial e de contorno os campos de análise do modelo GFS NCEP (2000), com resolução espacial de 0,5◦ e temporal de seis horas. A outra abordagem, a de previsão, utilizou-se das mesmas condições iniciais porém as condições de contorno foram aquelas determinadas pela previsão do modelo GFS para o período, com a mesma resolução espacial e temporal. Além disso, foram utilizas duas rodadas: a primeira iniciando às 12UTC do dia 18/06/2014 e a outra às 12UTC do dia 20/06/2014. Este artifício foi empregado para avaliar o comportamento do modelo quando iniciado durante um evento de nevoeiro, caso do dia 20/06/2014.

3 Resultados

Condição inicial

Para avaliar a condição inicial do modelo, no local de interesse do estudo, foram utilizados como comparação os dados de sondagem do Aeródromo de Santa Maria (SBSM), para as 12 UTC dos dias 18 e 20 de junho. As figuras 3, 4 e 5 mostram a comparação entre a condição inicial da baixa troposfera para a magnitude da velocidade do vento, temperatura e umidade relativa, respectivamente. As tabelas 1(a) e 1(b) mostram o coeficiente de correlação entre os dados observados e os utilizados como condição inicial entre os níveis de 1000hPa e 900hPa e 1000hPa e 700hPa.

Tabela 1
Coeficientes de correlação entre as condições iniciais do modelo e os dados observados.
Coeficientes de correlação entre as condições iniciais do modelo e os dados
observados.

Esta avaliação estatística mostra uma maior dificuldade da análise em presentar o perfil do campo de velocidade na camada limite planetária. Além disso, perfil de temperatura foi melhor amostrado para a primeira rodada (antes da formação do nevoeiro). Já o perfil de umidade apresentou uma baixa correlação com os dados observados nesta rodada.

 Perfil vertical da magnitude da velocidade do vento, entre 1000hPa e 700hPa, observado no aeródromo de Santa Maria
e o extraído da condição inicial do modelo para a rodada dos dias 18/06/2014 (a) e para o dia 20/06/2014 (b). Ambos os perfis são para o horário das 12 UTC.
Figura 3
Perfil vertical da magnitude da velocidade do vento, entre 1000hPa e 700hPa, observado no aeródromo de Santa Maria e o extraído da condição inicial do modelo para a rodada dos dias 18/06/2014 (a) e para o dia 20/06/2014 (b). Ambos os perfis são para o horário das 12 UTC.

O mesmo que a figura 3 porém para a temperatura.
Figura 4
O mesmo que a figura 3 porém para a temperatura.

O mesmo que a figura 3 porém para a umidade relativa.
Figura 5
O mesmo que a figura 3 porém para a umidade relativa.

Evolução temporal

As figuras 6, 7 e 8 mostram a evolução temporal, com resolução de três horas, para a velocidade a 10m, temperatura a 2m e umidade relativada a 2m, respectivamente, para o ponto de grade mais próximo das coordenadas de Santa Maria. Os dados do modelo são comparados com aqueles obtidos pela estação automática do INMET. Nota-se que, de forma geral, não há grande diferença entre os valores simulados e previstos pelo WRF com cada parametrização.

Evolução temporal da magnitude da velocidade do vento a 10m para os diferentes esquemas de parametrização de camada limite utilizados em cada uma das rodadas de previsão (a) e simulação (b), iniciadas às 12UTC dos dias 18 e 20 de junho de 2014.
Figura 6
Evolução temporal da magnitude da velocidade do vento a 10m para os diferentes esquemas de parametrização de camada limite utilizados em cada uma das rodadas de previsão (a) e simulação (b), iniciadas às 12UTC dos dias 18 e 20 de junho de 2014.

O mesmo que a figura 6, porém para a temperatura a 2m.
Figura 7
O mesmo que a figura 6, porém para a temperatura a 2m.

Na figura 6 é notável que o WRF sobrestima os valores de velocidade. A evolução da temperatura apresentada pelo modelo, figura 7 é coerente com os dados experimentais, contudo os valores de temperatura mínima são sobrestimados nos eventos de nevoeiro. Além disso, durante o período de nevoeiro entre os dias 20 e 22 a temperatura máxima é também sobrestimada indicando que a formação de nevoeiro não foi representada nas parametrizações de radiação. Isto é mais claro ao analisar-se a umidade relativa na figura 8, onde a condição de saturação não foi atingida nos dois primeiros dias (nevoeiros isolados) e, para o período de nevoeiro contínuo o modelo se aproxima da saturação, porém não mantém essa condição, devido a um aquecimento não realístico da baixa atmosfera.

As figuras 9, 10 e 11 mostram o coeficiente de correlação cumulativo para cada rodada do modelo, para as variáveis velocidade a 10m, temperatura a 2m e umidade relativada a 2m, respectivamente. O primeiro ponto de correlação foi calculado a partir das primeiras 12 horas de cada rodada, enquanto cada ponto subsequente descreve o coeficiente de correlação entre o novo horário e o início da rodada.

Observando-se os coeficientes de correlação para a velocidade a 10m, dados pela figura 9 é possível inferir que não há grade diferença entre as rodadas de simulação e previsão de cada esquema de parametrização. Contudo, o esquema MYJ apresentou uma melhor correlação, quando comparada ao esquema YSU. A correlação diminui com o tempo, o que é esperado, porém para o esquema YSU o valor é relativamente baixo, sendo inferior à 0,5 em praticamente todo o domínio temporal do experimento. Além disso, para a rodada do dia 18/06 há o esquema YSU indica um tempo de spinup maior que MYJ. Para o dia 20/06 este comportamento não é verificado, porém, a previsão os valores de velocidade a 10m perdem correlação com os dados observados rapidamente, e chegam a ser negativos para o esquema YSU.

O mesmo que a figura 6, porém para a umidade relativa a 2m.
Figura 8
O mesmo que a figura 6, porém para a umidade relativa a 2m.

Evolução temporal do coeficiente de correlação para a magnitude da velocidade do vento a 10m entre os dados observados e a saída do modelo, para cada um dos esquemas de parametrização de superfície utilizados nas rodadas de simulação
e previsão. A figura 9(a) representa a evolução da correlação para as rodadas iniciadas no dia 18/06/2014 enquanto 9(b) para o dia
20/06/2014. O primeiro valor é associado à correlação entre as primeiras 12 horas da rodada. Após, cada ponto de correlação é obtido adicionando-se mais 3
horas a série anterior.
Figura 9
Evolução temporal do coeficiente de correlação para a magnitude da velocidade do vento a 10m entre os dados observados e a saída do modelo, para cada um dos esquemas de parametrização de superfície utilizados nas rodadas de simulação e previsão. A figura 9(a) representa a evolução da correlação para as rodadas iniciadas no dia 18/06/2014 enquanto 9(b) para o dia 20/06/2014. O primeiro valor é associado à correlação entre as primeiras 12 horas da rodada. Após, cada ponto de correlação é obtido adicionando-se mais 3 horas a série anterior.

O mesmo que a figura 9, porém para temperatura a 2m.
Figura 10
O mesmo que a figura 9, porém para temperatura a 2m.

O mesmo que a figura 9, porém para umidade relativa a 2m.
Figura 11
O mesmo que a figura 9, porém para umidade relativa a 2m.

A correlação entre as temperaturas a 2m geradas pelo WRF com os dados observados, figura 10 mostram um bom comporta- mento do modelo, principalmente para a rodada do dia 18/06 (figura 10(a)). Nesta rodada, começam a surgir diferenças mais expressivas entre as parametrizações no terceiro a partir das 12UTC do dia 20/06. Para a rodada do dia 20/06, figura 10(b), o esquema MYJ se mostra mais eficiente, tanto para previsão como para simulação dos eventos. Porém, a correlação é, em geral, mais baixa que para a rodada do dia 18/06.

Os valores de umidade relativa a 2m, figura 11, não há uma diferença significativa entre os resultados obtidos para as rodadas de simulação e previsão para ambos esquemas de parametrização. Para a rodada do dia 18/06, figura 11(a), os valores determinados pelo WRF seguem a tendência dos dados experimentias, o que não acontece para a rodada do dia 20, figura 11(b), onde baixos valores de correlação são evidenciados. De fato, para esta rodada, o modelo deveria partir de uma condição inicial de saturação, o que não ocorre. Assim, as primeiras horas da simulação não tem um bom nível de representatividade da baixa atmosfera, comprometendo assim toda a rodada.

4 Conclusões

O modelo WRF foi utilizado para simular e prever um evento de nevoeiro. A simulação utilizou duas grades aninhadas, uma com resolução espacial de 12km e a outra de 4km. Como condição inicial e de contorno foram empregados dados do modelo global GFS, com resolução horizontal de 0,5° e temporal de 6h. Além disso, foram testadas e comparadas duas opções de fechamento para camada limite planetária: Yonsei University Scheme (YSU) e Mellor-Yamada-Janjic Scheme (MYJ).

As condições iniciais, quando comparadas com dados observados, mostram diferenças significativas. Tais dados dão ao modelo condições não adequadas para as soluções das equações, afetando diretamente os resultados. Neste ponto destaca-se a descrição do perfil de velocidade do vento, bastante diferente daquele observado.

A evolução temporal das variáveis de superfície não mostraram uma diferença significativa entre os resultados das simulações e previsões. Contudo, principalmente para a velocidade do vento, apresentam baixa correlação com os dados observados, em geral por sobrestimar os valores de velocidade. Dentre os esquemas de fechamento, o modelo MYJ apresentou os melhores resultados. A representação da temperatura a 2m se mostrou a variável mais bem correlacionada do estudo, para ambos os esquemas de camada limite. Os valores de umidade relativa a 2m não são representativos da formação de nevoeiro. Nos primeiros dias do estudo eles não atingem a saturação e nos dias finais, quando atingem não permanecem nesta condição, não representando o evento de 36h de duração.

Este trabalho é uma primeira análise. Ainda precisam ser melhor quantificada a condição inicial do modelo. Além disso, precisa-se avaliar se técnicas de assimilação de dados poderiam melhorar a descrição inicial dos campos meteorológicos.

Agradecimentos

Os autores agradecem o suporte financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE/UFSM).

Referências

Hong, S. Y., Noh, Y., Dudhia, J. (2006). A new vertical diffusion package with an explicit treatment of entrainment processes. Monthly Weather Review, 134(9), 2318–2341.

Janjic, Z. I. (1994). The step-mountain eta coordinate model: Further developments of the convection, viscous sublayer, and turbulence closure schemes. Monthly Weather Review, 122(5), 927–945.

NCEP (2000). National centers for environmental prediction/national weather service/"NOAA". URL http://www.emc.ncep.noaa.gov/index.php?branch=GFS, acessado em 22 set 2014.

de Paula, N. F., Puhales, F. S., Anabor, V., Piva, E. D., de Lima Nascimento, E. (2015). Características meteorológicas médias associadas a nevoeiro de radiação em santa maria – rs. Ciência e Natura, 37(3), 613–624.

Skamarock, W. C., Klemp, J. B., Dudhia, J., Gill, D. O., Barker, D. M., Duda, M. G., Huang, X. Y., Wang, W., Powers, J. G. (2008). A Description of the Advanced Research WRF Version 3. Boulder, URL http://www2.mmm.ucar.edu/wrf/users/docs/arw_v3.pdf.

Xie, B., Fung, J. C., Chan, A., Lau, A. (2012). Evaluation of nonlocal and local planetary boundary layer schemes in the wrf model. Journal of Geophysical Research, 117(D12103).

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