Resumo: O presente trabalho teve como objetivo principal determinar os padrões atmosféricos e oceânicos relacionados a alterações na precipitação sobre a bacia amazônica para os episódios de secas extremas de 1982/83, 2004/2005 e 2009/10. Foram utilizados dados das componentes zonal e meridional do vetor velocidade do vento, ômega, umidade específica, precipitação e temperatura da superfície do mar. Os dados foram obtidos a partir das reanálises-2 do NCPE/NCAR, com exceção da variável precipitação a qual foi obtida a partir do CMAP. Foi utilizado o método de composição de anomalias para se determinar os campos atmosféricos e oceânico característicos de episódios de secas intensas. Os resultados mostram déficit de chuvas na pré-estação chuvosa (SON) sobre parte da região norte da América do Sul e nordeste do Brasil. A deficiência das chuvas também persiste durante a estação chuvosa (dezembro a abril). Associados a estes padrões anômalos de chuva observou-se anomalias positivas de TSM semelhantes a episódios de El Niño, seguidas de movimentos subsidentes anômalos. Na pré-estação chuvosa foram observados campos de divergência do vento sobre o estado do Amazonas e norte da América do Sul. Durante a estação chuvosa a divergência no campo das linhas de corrente mostram o enfraquecimento dos alísios de nordeste. Ademais, a divergência anômala de fluxo de umidade integrado na vertical revela consistência com os deficits de chuva na pré e estação chuvosas na bacia amazônica.
Palavras-chave:Eventos ExtremosEventos Extremos, Secas Secas, Amazônia Amazônia, Reanalises 2 Reanalises 2.
Abstract: This study aimed to determine the atmospheric and oceanic patterns related to changes in precipitation over the Amazon basin during the episodes of extreme drought occurred in the years of 1982/83, 2004/2005 and 2009/10. Data from the zonal and meridional components of the wind vector, wind speed, omega, specific humidity, precipitation and sea surface temperature was used. The data was obtained from the reanalysis-2 NCPE/NCAR (except for the variable precipitation which was obtained from the CMAP). The anomalous composition method was used to determine the atmospheric and ocean fields that were characteristic of episodes of intense drought. The results show a deficit in rainfall in the rainy pre-season (SON) in part of the northern region of South America and northeastern Brazil. The lower level of rainfall also persists during the rainy season (December to April). Associated with these anomalous patterns of rainfall, positive anomalies of SST were observed which were similar to El Niño events, followed by anomalous subsidence in the Amazon. In the rainy pre-season, wind divergence over the state of Amazonas and the north of South America was observed. During the rainy season, the divergence in streamlines shows the weakening of the northeast trade winds. In addition, the anomalous divergence of vertically integrated moisture flux reveals consistency with rainfall deficits in theipre and rainy season in the Amazon basin.
Keywords: Extreme Events, Drought episodes, Amazon, Reanalysis 2.
Padrões atmosféricos e oceânicos associados a eventos secos na bacia amazônica nos anos de 1982/83, 2004/05 e 2009/10
Atmospheric and oceanic patterns related to dry events in the Amazon Basin during 1982/83, 2004/05 and 2009/10
Recepção: 15 Junho 2016
Aprovação: 19 Janeiro 2017
Nos últimos anos, eventos extremos chuvosos, tem afetado o Brasil, em especial a Amazônia, onde casos de secas e cheias extremas, associados a déficit e excesso de chuvas, tem ocorrido com maior frequência e intensidade. A ocorrência frequente dessas anomalias climáticas impacta diretamente a população desses locais. O déficit de precipitação muitas vezes afeta as atividades agrícolas, produção hidrelétrica, falta de água potável, criação de animais, piscicultura e os ecossistemas. Por outro lado, o excesso de chuvas pode ocasionar problemas de drenagem em geral, condições sanitárias das comunidades socialmente menos favorecidas e o saneamento básico.
Cada condição oceânica e atmosférica causadoras de um evento de seca ou de cheia possui padrão diferente em relação as suas causas físicas. Porém, em geral, suas causas são associadas a variabilidade natural da temperatura da superfície do mar (TSM), sobretudo nos oceanos Pacífico e Atlântico Tropical, e consequentemente a modificação do padrão atmosférico (Marengo et al., 2013).
A seca de 1982/83 foi bastante significativa para a região norte. Segundo Borma e Nobre (2013), janeiro de 1983 foi o mês onde as anomalias negativas de precipitação foram as mais altas, com precipitação acumulada abaixo de 50% em relação a média climatológica. O ano de 1982 foi caracterizado como um ano de El Niño, uma vez que as anomalias de TSM estavam significativamente altas no Pacífico equatorial. Assim, o ramo ascendente da célula de Walker deslocou-se para leste do Pacífico, tendo seu ramo descendente sobre a Amazônia. Marengo e Hastenrath (1993) identificaram os impactos do oceano Atlântico na precipitação, onde o ramo de subsidência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) localizou-se sobre o norte da bacia Amazônica, bem como movimentos ascendentes sobre o oeste dos Andes foram observados, resultando em chuvas sobre essa região. Os autores também observaram os jatos subtropicais de oeste com maior intensidade no período da seca de 1982/83.
Nos últimos 11 anos foram registradas duas grandes secas na Amazônia, uma em 2005 e outra em 2010. De acordo com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) a cota do Rio Negro em 2005 foi de 14,75 m e de 13,64 m em 2010. Em 2005 os baixos níveis dos rios foram provocados por um significativo déficit de chuvas, principalmente a partir do mês de abril deste ano. Esta seca, porém, foi influenciada também pela condição de El Niño de 2002/2003, o qual produziu um volume de chuva abaixo da média em 2003 na bacia amazônica. Em 2004 as chuvas ficaram em torno da média, mas não foram suficientes para repor o déficit de chuva do ano anterior (Zeng et al., 2008). As causas do evento de 2005 não foram relacionadas apenas pelo El Niño de 2004/2005, mas também com as anomalias positivas de TSM do oceano Atlântico tropical Norte que por suas vezes provocaram um padrão de circulação anômalo significativo que inibiu a formação de chuva sobre a região norte (Marengo et al., 2008).
Lewis et al. (2011) observaram que no ano de 2010 cerca de 3 milhões de km2 foram afetados pela seca. Este evento foi caracterizado por níveis baixos nos rios da bacia amazônica, onde a redução das chuvas teve início entre final de 2009 e início de 2010 nos setores noroeste e nordeste, estendendo-se para oeste e leste (Borma e Nobre, 2013). A causa das anomalias negativas de precipitação foi associada a um evento de um El Niño e agravada pelos altos valores de TSM do Atlântico Norte (Marengo et al., 2011).
Diante do exposto, o presente trabalho tem por objetivo realizar um estudo baseado em análise de composição de anomalias de padrões atmosféricos e oceânicos para os principais casos de secas intensas que ocorreram nas últimas décadas na região amazônica com o intuito de avaliar principalmente as anomalias nos campos dinâmicos associadas a estes eventos e ter um quadro geral oceânico e atmosférico que produzem eventos extremos secos na região amazônica.
Os
dados utilizados neste trabalho são oriundos das Reanálises-2 do National
Centers for Environmental Prediction (NCEP-2)
(Saha et al., 2010) e do CMAP (CPC Merged Analysis of Precipitation) (Xie e
Arkin, 1997). Ambos dados estão
disponíveis para o período de janeiro de 1979 até o presente momento. Os dados
provenientes das reanálises do NCEP-2 são distribuídos em 17 níveis de pressão
na vertical (1000 925 850 700 600 500 400 300 250 200 150 100 70 50 30 20 10
hPa) para o domínio global espaçado regularmente de 2,5◦ 2,5◦ de latitude-longitude. Os
dados utilizados no presente trabalho correspondem as seguintes variáveis: componentes zonal (u) e meridional (v) do
vetor velocidade do vento (
), velocidade vertical ômega
, umidade específica (q), precipitação (p) e TSM.
Os dados de precipitação foram obtidos a partir do CMAP. Estes dados estão
dispostos em grade horizontal e regular de 2,5◦×2,5◦ de latitude-longitude para o domínio global. Os dados de TSM foram obtidos a partir
de séries temporais reconstruídas (Smith et al., 2008), com resolução espacial
de 2,0◦ 2,0◦ de
latitude-longitude, disponíveis em http://research.jisao.washington.edu/data_sets/ersst/.
Todas as variáveis utilizadas no presente trabalho estavam em
frequência de média mensal.
Para se alcançar os objetivos do trabalho foram construídos campos compostos de anomalias médias mensais das variáveis descritas na seção anterior para 3 eventos de fortes secas na bacia amazônica: 1982/1983, 2004/2005 e 2009/2010.
A composição dos casos é baseada na média aritmética dos meses correspondentes a cada caso de seca selecionado. Por exemplo, a composição da precipitação para o caso das secas de 1982/1983, 2004/2005 e 2009/2010 é construída a partir da soma dos valores das chuvas para os meses de janeiro de 1982, janeiro de 2004 e janeiro de 2009 e calculando-se a média aritmética. Para construir todos os campos para o caso das secas, repete-se este processo até se alcançar a média aritmética dos dezembros de 1983, 2005 e 2010. O mesmo procedimento é aplicado as variáveis atmosféricas e oceânica. Uma vez construídos os campos compostos, são determinadas as anomalias dos campos compostos em relação a climatologia. Neste trabalho a climatologia é baseada no período de 1979 a 2015 (37 anos). A partir de então, são analisados os campos de anomalias dos casos de secas, objetivando-se apresentar as características comuns dos oceanos e da atmosfera que produzem anomalias negativas de chuva e, portanto, secas expressivas na bacia amazônica. As análises são feitas a partir do mês de setembro do ano precedente (ano 0 (zero)) até o mês de abril do ano seguinte (ano +1), ano em que o evento se caracterizou como seca.
Para se estabelecer associações entre as anomalias de precipitação e os campos dinâmicos da atmosfera, inclui-se o calculo dos transportes horizontais de fluxo de vapor d’água através de uma das componentes do balanço de umidade atmosférico. O componente calculado é a divergência do fluxo horizontal de umidade integrado na vertical (Veiga et al., 2005) dada por ∇·
˙ . Em coordenadas cartesianas Q˙ é definido por:

onde as componentes Qx e Qy, podem ser calculadas da seguinte forma:
(1)
(2)De forma que:
(3)Substituindo-se as equações 1 e 2 em 3, tem-se:
(4)Na equação 4, g representa a aceleração da gravidade, q é a umidade específica, ps representa a pressão atmosférica em 1000 hPa e pté a pressão em 300 hPa. Os produtos qu e qv, representam, respectivamente, os transportes horizontais de umidade pelo vento zonal e meridional.
A composição de anomalias mensais de precipitação e percentual em relação a climatologia, para o período de setembro do ano anterior (ano 0) a abril do ano subsequente (ano +1), são apresentados na Figura 1. Optou-se por apresentar os meses da pré-estação chuvosa da bacia amazônica (setembro a novembro) uma vez que este período pode modular a qualidade (positivamente ou negativamente) da estação chuvosa na região. Neste sentido, a partir das Figuras 1a-b, observa-se que nos meses de setembro e outubro, para a condição média de eventos secos, as anomalias de precipitação apresentam valores negativos sobre o extremo norte do estado do Amazonas e na Colômbia. O percentual de anomalias de chuva, em relação a condições climatológicas, mostra redução em torno de 30% a 50%, respectivamente, nestes locais. Ademais, notam-se baixos valores de anomalias positivas sobre o estado do Acre e na Bolívia.
Para a composição de novembro (1c), observam-se anomalias negativas de precipitação em uma ampla área estendendo-se desde a Colômbia, passando pela região norte e nordeste do Brasil, até o estado do Espírito Santo. Na região amazônica, entre os estados do Pará e Amazonas, o percentual de queda nas chuvas chega até 80%, sugerindo uma estação pré-chuvosa significativamente deficiente em comparação a condições normais.
Para a composição do mês de dezembro (Figura 1d), nota-se a persistência de anomalias negativas de chuva no norte da América do Sul (AS) e nordeste do Brasil, com exceção do extremo nordeste. Este padrão é seguido por anomalias positivas de precipitação em grande parte do estado do Amazonas. As anomalias compostas para o mês de janeiro (Figura 1e) mostram uma faixa zonal alongada de anomalias negativas de chuva entre o estado do Amazonas e norte do nordeste brasileiro. Percentuais de queda de precipitação, com valores entre 30% e 50% são observados na divisa entre os estados do Pará e Amazonas. Forte queda nos valores das chuvas também são presentes em parte da Colômbia, Equador, Chile e Argentina. Sobre algumas regiões dos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul observam-se anomalias positivas de chuva, com percentuais entre 30% e 40%. Para o mês de fevereiro (Figura 1f), as maiores quedas no volume chuvoso ocorrem sobre o estado do Mato Grosso.
Em março (Figura 1g), parte do norte da AS volta a apresentar anomalias negativas de precipitação, com regiões apresentando queda de até 50% no volume chuvoso. Sobre o estado do Pará e leste dessa região observam-se anomalias negativas de precipitação, seguidas ao sul de anomalias positivas de precipitação. Para a composição de abril (Figura 1h) observam-se anomalias negativas de precipitação ao longo de uma faixa quase zonal estendendo-se aproximadamente de oeste a leste da faixa tropical, com exceção do norte da AS no mês de abril. Para este mês, há fortes anomalias positivas de chuva, com valores de percentuais entre 40% e 60% no extremo norte da América do Sul.
O padrão de anomalias negativas de precipitação a partir do mês de setembro, intensificando gradativamente com o passar dos meses, foi observado nas secas analisadas neste estudo. O que mostra um déficit de chuva na pré-estação chuvosa, como foi o caso do evento extremo de 2005. De acordo com Marengo et al. (2008), as anomalias negativas de precipitação foram observadas desde o final de 2004.
Com o intuito de se avaliar o comportamento médio das anomalias de TSM nos oceanos Atlântico e Pacífico tropical e relações com as anomalias de chuva na bacia amazônica, apresenta-se a Figura 2. Esta figura mostra os resultados correspondentes a composição de anomalias de TSM para os eventos secos estudados. A partir da Figura 2a, representativa do mês de setembro, observam-se anomalias positivas de TSM sobre o oceano Pacífico central, com valores entre 0.8◦ C e 1.2◦ C. Para a composição dos meses de outubro e novembro (Figuras 2b-c), observam-se anomalias positivas sobre o oceano Pacífico central e leste, estendendo-se sobre a costa oeste da América do Sul desde o Equador até o Peru. Nota-se também a gradual intensificação dessas anomalias, acima de 1,8◦ C, na parte central do oceano Pacífico até a costa da AS tropical. Este padrão sugere a evolução de um evento tipo El Niño durante a pré-estação chuvosa de eventos secos, padrão que pode ser corroborado pelos campos de anomalias de TSM para os eventos estudados.
Para os meses de dezembro e janeiro (Figuras 2d-e), as composições de anomalias apresentam valores positivos sobre o Pacífico equatorial. Porém, com maior intensidade quando comparado aos meses anteriores (Figuras 2a-c), tipicamente como se espera durante a evolução das anomalias da TSM no Pacífico equatorial durante eventos de El Niño. Observa-se ademais, que o padrão de anomalias positivas de TSM de 1,8◦ C a 2,1◦ C sobre o Pacífico equatorial persiste por vários meses (Figuras 2c-f), semelhante a eventos de El Niño. Anomalias positivas de TSM sobre o oceano Atlântico tropical sul são observadas nesses mesmos meses. As anomalias de TSM no Pacífico equatorial começam a enfraquecer a partir do mês de março (Figura 2g). Por outro lado, a partir deste mês anomalias positivas de TSM com valores acima de 0.6◦ C começam a surgir no Atlântico norte tropical entre a costa oeste africana e a costa norte da AS (Figuras 2g-i). Segundo Marengo e Espinoza (2015), os eventos secos com anomalias positivas de TSM no Atlântico norte tem como resultado o enfraquecimento dos ventos alísios de nordeste, reduzindo o fluxo de umidade transportado para a Amazônia, assim como a ZCIT é deslocada para norte da sua posição climatológica, e seu ramo de subsidência posiciona-se sobre a Amazônia, inibindo a formação de nuvens com grande desenvolvimento vertical e consequentemente chuvas. Estes padrões foram observados nos episódios secos de 2005 e 2010.
Desta forma, o padrão de composição de anomalias positivas de TSM no leste do oceano Pacífico equatorial como observado desde o mês de outubro até abril (Figuras 2b-h) resulta em diminuição na formação de atividades convectivas e a consequentemente diminuição das chuvas sobre parte da bacia amazônica. Esta alteração se dá na célula de Walker, como normalmente ocorre em anos de El Niño (Marengo e Hastenrath, 1993). A isto, soma-se o efeito das anomalias positivas de TSM sobre o Atlântico tropical que provoca subsidência do ar mais intensa sobre a bacia amazônica.

A composição de anomalias de movimento vertical omega no nível de 850 hPa para os eventos secos, é apresentada na Figura 3. No mês de setembro (Figura 3a) observam-se anomalias positivas de ômega sobre o estado do Pará e a costa norte da AS, indicando subsidência anômala do ar sobre estas regiões. Anomalias negativas de ômega são observadas sobre o norte e oeste da Colômbia, sobre o sul do Mato Grasso e leste da Bolívia. As composições para o mês de outubro (Figura 3b), mostram anomalias positivas que se estendem desde o nordeste da Colômbia, norte do estado do Amazonas até o estado do Pará. Como consequência há redução das chuvas próximo a essas regiões (Figura 1b). Observa-se ademais, uma faixa de anomalias negativas cobrindo a região central, sudeste e nordeste do Brasil, cobrindo também parte do oceano Atlântico sul.
Para novembro (Figura 3c), as composições de anomalias de omega são positivas sobre a região norte e nordeste da AS. Este padrão de anomalias positivas de omega em 850 hPa é coerente com o padrão de déficit de chuva em parte da bacia amazônica durante a pré-estação chuvosa (Figura 1c).
No mês de dezembro (Figura 3d), são observadas anomalias negativas sobre grande parte do oceano Pacífico equatorial, indicando ascendência do ar, como resultado das anomalias positivas de TSM (Figuras 2c-g). As anomalias positivas observadas nos meses anteriores sobre a costa norte da AS se desintensificam. No Atlântico norte, notam-se anomalias negativas de omega próximo ao norte da AS. De acordo com Marengo et al. (2008), nos anos de 2004/05 as atividades convectivas foram mais fracas próximo a superfície durante a pré-estação chuvosa, cobrindo a cabeceira do Rio Solimões (Figuras 3c-e), com anomalias positivas de movimentos subsidentes, inibindo a formação de chuva. Os valores positivos de ômega em uma faixa que segue do extremo norte até o nordeste brasileiro são consistentes com anomalias negativas de precipitação (Figura 3d).
Para a composição dos meses de janeiro e fevereiro (Figuras 3e-f), notam-se anomalias positivas sobre os estados do Ceará, Maranhão, Pará, estendendo-se até o estado do Amazonas, sul da Colômbia, Equador e Peru. Observam-se também anomalias negativas sobre o Atlântico sul. Em altos níveis, foi observado anomalia anticiclônica no ano de 2005 no pico da estação chuvosa (Marengo et al. (2008)), o que reduziu o fluxo de umidade do norte para o sudoeste da Amazônia. Para os compostos de fevereiro e março nota-se anomalia negativa de ômega em baixos níveis sobre a Bolívia (Figuras 3f-g), indicando movimento ascendente do ar.
A composição para o mês de março (Figura 3g), é caracterizada por anomalias positivas de movimento vertical sobre o norte do nordeste brasileiro e sobre o leste do estado do Amazonas. Sobre o Pacífico tropical, nota-se uma faixa zonal de anomalias positivas e outra de anomalias negativas. Bem como sobre o Atlântico Sul, observa-se a presença de anomalias negativas. Para o mês de abril (Figura 3h), pode-se observar uma faixa de anomalia negativa estendida desde o Pacífico tropical percorrendo a costa oeste do Equador e norte da América do Sul, com excessão do nordeste do Brasil. Ademais, nota-se a presença de anomalias positivas desde o sul do estado do Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, norte de Goiás, abrangendo Tocantins, Maranhão e extremo nordeste do Brasil. Sobre o oeste do estado do Amazonas, sul da Bolívia e norte do Peru, observa-se a presença de anomalia positiva.
A composição de anomalias mensais de linhas de corrente em 850 hPa é apresentada na Figura 4. Observa-se a presença de uma anomalia anticiclônica sobre o nordeste brasileiro no mês de setembro (Figura 4a). Sobre o oeste do estado do Amazonas, notam-se anomalias divergentes no escoamento do vento nos oceanos Atlântico e Pacífico. Um dos resultados desse padrão de circulação divergente pode ser observado na Figura 1a, onde as anomalias de precipitação são negativas sobre parte do norte da AS. Para as composições de outubro (Figura 4b), observa-se o escoamento do ar divergindo a partir do extremo norte da Amazônia e direcionando-se para sudeste e nordeste do Brasil. Por outro lado, anomalias ciclônicas são observadas sobre o Atlântico norte próximo a costa norte da AS. Uma zona de divergência estendendo-se do norte do estado do Amazonas até o nordeste brasileiro é observada na composição de novembro (Figura 4c). Ao longo desta zona, há anomalias negativas de chuva (Figura 1c) ocasionadas também pelas anomalias de movimento subsidente (Figura 3c).
Para os compostos de dezembro (Figura 4d), as anomalias do escoamento do vento se dão de nordeste para sudoeste no estado do Amazonas. Sobre o sul do Mato Grosso e leste da Bolívia, nota-se a presença de uma anomalia ciclônica, resultando em anomalias positivas de chuva (Figura 1d), bem como sobre o Atlântico norte.
A anomalia ciclônica torna-se mais intensa sobre o leste da Bolívia, devido a colaboração das anomalias do escoamento provenientes desde o estado do Amazonas no mês de janeiro (Figura 4e). Como observado na composição de anomalias de TSM, com o oceano Pacífico central mais aquecido, produzindo consequentemente redução de pressão em superfície, pode-se notar pela composição de anomalias de linhas de corrente, o escoamento do vento direcionando-se para o mesmo no mês de janeiro. No ano de 1983, segundo Marengo e Hastenrath (1993), os ventos em superfície foram mais intensos devido ao fenômeno El Niño, com anomalias no fluxo do vento de leste.


Para a composição de fevereiro (Figura 4f), observa-se pequena anomalia anticiclônica sobre o estado do Acre. Por outro lado as anomalias do escoamento do vento direcionam-se de nordeste para os estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso. Sobre o Atlântico sul, há intensificação da anomalia anticiclônica. Para março (Figura 4g), a anomalia anticiclônica sobre o Acre, desloca-se para o sul de Rondônia e norte da Bolívia. Na costa leste do sul do Brasil, observa-se a presença de anomalia ciclônica. Sobre o estado do Amazonas, as anomalias do escoamento do vento proveniente de nordeste, divergem para sul e para norte em direção ao Atlântico norte. De acordo com Marengo et al. (2008), no ano de 2005 foi observado sobre o leste da Bolívia, no pico da estação chuvosa, a presença de uma anomalia ciclônica, reduzindo o fluxo de umidade do norte para sudoeste da Amazônia, consequentemente resultando no enfraquecimento dos Jatos de baixos níveis.
Para o mês de Abril (Figura 4h) sobre o estado de Goiás, nota-se anomalia anticiclônica no campo de escoamneto. Sobre o oeste do Peru, pode-se observar a presença de anomalia ciclônica. As anomalias do escoamento do vento sobre o estado do Amazonas direcionam-se saindo do continente e deslocando-se para o oceano. Ou seja, anomalias na entrada e no transporte do vento úmido do oceano para o continente, levando umidade da Amazônia para o extremo norte da América do Sul, resultando em maiores volumes de precipitação nesta região, como pode ser observado na Figura 1h.
A Figura 5 mostra a composição de anomalias mensais da divergência do fluxo de umidade integrado na vertical entre os níveis de 1000 e 300 hPa para o período de setembro do ano anterior (ano 0) a abril do ano seguinte (ano+1) relativo as secas em estudo. A partir da Figura 5a observam-se anomalias positivas (divergência anômala do fluxo de umidade) sobre o leste da Venezuela, Roraima, leste do estado do Amazonas, Pará e Maranhão, assim como sobre o Acre, Peru e sul da Bolívia. Além disso, observa-se uma faixa com anomalia negativa posicionada da região central do estado do Amazonas e indo até o Mato Grosso do Sul. Para outubro (Figura 5b), a composição de anomalias apresenta valores positivos sobre o norte da AS, com valores mais intensos de divergência sobre o norte do Pará e Maranhão. Note que este padrão de divergência anômalo está associado a anomalias negativas de chuva (Figura 1b). Para a composição do mês de novembro (Figura 5c), observa-se uma grande faixa de anomalia positiva localizada desde o Peru, passando pelo norte da AS, estendendo-se até parte da região central do Brasil e nordeste brasileiro, corroborando as anomalias negativas de precipitação nesta área. Nota-se por outro lado que a divergência anômala do fluxo de umidade intensifica-se no fim da pré-estação chuvosa, o que indica diminuição do transporte de umidade proveniente do Atlântico para a Amazônia, que tem como consequência a redução das chuvas. Fazendo uma associação com a Figura 1c, pode-se perceber a redução das chuvas quando comparada com a divergência do fluxo de umidade para o mesmo mês.
Para os compostos de dezembro (Figura 5d), observa-se a desintensificação da anomalia positiva sobre o norte e nordeste da AS. No Equador, Bolívia, sul do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, sul de Minas Gerais e Rio de Janeiro, apresentam anomalias negativas do fluxo de umidade. Para janeiro (figura 5e) há divergência de fluxo de umidade sobre grande parte do norte da AS, cobrindo todo o estado do Amazonas. Regiões com maiores intensidades de divergência podem ser observadas sobre a Colômbia, Peru e próximo a costa norte da AS. Em fevereiro (Figura 5f) a composição de anomalias do fluxo de umidade é positiva sobre o sul da Colômbia, Equador, Peru, oeste do estado do Amazonas, Pará e nordeste do Brasil. Sobre o sul da bacia Amazônica, estendendo-se sobre o Mato Grosso, Goiás, norte de Minas Gerais, Espírito Santo e sul da Bahia, há convergência anômala do fluxo de umidade associada a déficit de chuvas nessas áreas.
A composição de anomalias do fluxo de umidade para o mês de março (Figura 5g), mostra valores positivos sobre o sul da Colômbia, Equador, norte do Peru, estendendo-se sobre o estado do Amazonas, sul do Pará e Tocantins. O mesmo pode ser visto sobre toda a extensão da costa norte da AS. Este padrão de divergência sobre o oceano Atlântico, mostra a redução do transporte de umidade do oceano para o continente. Sobre o norte da Bolívia e Minas Gerais, observam-se anomalias negativas do fluxo de umidade. Em abril (Figura 5h), as anomalias observadas são negativas sobre o norte da América do Sul, estado do Amazonas e noroeste do Pará, com exceção do nordeste do Brasil, onde são observadas anomalias positivas. Em todo o caso, observa-se a consistência entre as anomalias divergentes (convergentes) de fluxo de umidade integrado na vertical com as anomalias negativas (positivas) de precipitação.


Com o propósito de avaliar os padrões oceânico e atmosférico associados a eventos de secas, aplicou-se uma metodologia baseada em composição de anomalias mensais. Foram selecionados um total de três casos de secas extremas ocorridas na Amazônia: 1982/83, 2004/05 e 2009/10. Os dados utilizados para a realização do trabalho foram oriundos das reanálises-2 do NCEP e do CMAP para um período de 37 anos (1979 à 2015).
O método de composição de anomalias mostrou-se importante na definição de padrões médios oceânicos e atmosféricos, como forma de identificação de padrões para eventos secos extremos que que tem ocorrido com certa frequência na bacia amazônica. Observou-se que as composições de anomalias de precipitação apresentaram valores negativos na pré-estação chuvosa (SON), onde os percentuais de redução das chuvas em relação a climatologia variaram de 30% a 80% em parte da bacia amazônica. Esse padrão de pré-estação chuvosa com deficits negativos de chuva levam a estações chuvosas com volumes de precipitação ainda menores. Anomalias negativas de precipitação foram persistentes na composição de anomalias dos meses de DJF, com percentuais de queda no volume de chuva de até 50%, cobrindo grande parte da bacia amazônica. Nos últimos meses analisados, notaram-se percentuais menores na redução das chuvas, no entanto, ainda foi possível perceber anomalias negativas de precipitação.
Com base nos resultados da composição de anomalias de TSM, notou-se a intensificação gradual de anomalias positivas de TSM na parte central e leste do oceano Pacífico durante a pré-estação chuvosa (SON). Foi observado também que nos meses de DJF as anomalias positivas de TSM sobre o Pacífico tropical intensificaram-se quando comparadas com os meses anteriores, mostrando um padrão típico de El Niño, como comumente é observado nestes eventos. A partir do mês de março o padrão de El Niño começa a desaparecer. Todavia, no Atlântico sul observam-se anomalias positivas em gradual desenvolvimento. No pico da estação chuvosa, percebeu-se que o Atlântico sul apresentou seus máximos valores de anomalias positivas, desintensificando-se nos meses seguintes. Como descrito em trabalhos anteriores (Zeng et al., 2008; Marengo et al., 2008; Tomasella et al., 2011; Marengo e Espinoza, 2015), o aquecimento anômalo do Atlântico norte resulta em enfraquecimento dos ventos alísios de nordeste que consequentemente reduzem o transporte de umidade para a Amazônia. Este padrão também condiciona a ZCIT a manter-se deslocada para norte da sua posição climatológica, com seu ramo subsidindo sobre a bacia amazônica.
Os resultados para a composição de anomalias de movimento vertical omega em 850 hPa mostram anomalias subsidentes sobre a região norte da AS na pré-estação chuvosa, sendo coerente com anomalias negativas de precipitação. Sobre o oceano Pacífico, foram observadas anomalias de movimento vertical ascendente indicando alterações na célula de Walker. Nos resultados da composição das anomalias de linhas de corrente foi observado escoamento anômalo do norte da América do Sul, dirigindo-se para o oceano Atlântico norte, sugerindo alterações nos ventos alísios e enfraquecimento dos mesmos. Quando comparado a divergência do fluxo de umidade integrado na vertical com a precipitação, foram observadas anomalias positivas intensificadas no fim da pré-estação chuvosa, o que indica diminuição do transporte de umidade para a bacia amazônica, levando a reduções das chuvas. Durante o pico da estação chuvosa, a presença de anomalias positivas do fluxo de umidade foram observadas, com desintensificação gradual nos meses seguintes.
O presente trabalho mostrou-se relevante para o entendimento dos comportamentos médios oceânicos e atmosfé- ricos de eventos secos ocorridos na bacia amazônica e como trabalho futuro pretende-se realizar análises similares para eventos extremos chuvosos.




