Resumo: A agricultura brasileira tem passado por uma crise ambiental sem precedentes. Nesse cenário, estão as agroindústrias e fornecedores de cana-de-açúcar, atuantes no setor sucroenergético, que apresenta forte expansão, com significativos impactos econômico, social e ambiental. Estudos têm evidenciado que a inserção da dimensão ambiental na gestão corporativa pode trazer ganhos de competitividade para as organizações, além de melhorar sua imagem diante de seus stakeholders. A demanda social por um ambiente mais limpo, aliada ao aumento da regulação ambiental, tem forçado as empresas desse setor a realizar e participar de programas extensivos de prevenção e mitigação dos impactos ambientais. Dessa concepção, surge o Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético Paulista, que consiste num acordo de cooperação assinado em junho de 2007 entre o governo do Estado de São Paulo, representado pelas Secretarias de Estado do Meio Ambiente; da Agricultura e Abastecimento; a União da Indústria de Cana-de-Açúcar; e a Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul. A pesquisa aqui apresentada objetivou apurar a percepção dos gestores das agroindústrias e fornecedores situados na mesorregião de Assis-SP sobre a influência do Protocolo Agroambiental no processo de gestão ambiental empresarial. Foram aplicadas dezenove entrevistas semiestruturadas com gestores vinculados com aspectos ambientais dos casos objetos de estudos (4 produtores, 2 fornecedores e uma associação). Os resultados evidenciaram forte influência do Protocolo Agroambiental nos processos de gestão ambiental das organizações, sobretudo com a implementação e execução de ações para atender às diretivas técnicas do Protocolo Agroambiental, o que tem contribuído para que as organizações internalizem as questões ambientais e caminhem para uma postura mais proativa.
Palavras-chave:Desenvolvimento SustentávelDesenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente Meio Ambiente, Gestão Ambiental Gestão Ambiental, Setor Sucroenergético Setor Sucroenergético, Protocolo Agroambiental Protocolo Agroambiental.
Abstract: Brazilian agriculture has undergone an unprecedented environmental crisis. In this scenario, it is the agribusiness and sugarcane suppliers, working in the sugarcane industry, which have had a strong growth, with significant economic, social and environmental impacts. Studies have shown that the inclusion of environmental concerns in corporate management can bring competitiveness gains for organizations, as well as improve their image before their stakeholders. The social demand for a cleaner environment, coupled with increasing environmental regulation, have forced companies in this sector to perform and participate in extensive programmes for prevention and mitigation of environmental impacts. In this design, the Agro-environmental Protocol for the Paulista sugarcane industry has arisen, consisting of a cooperation agreement signed in June 2007 between the government of the State of São Paulo, represented by the Secretaries of State for the Environment; Agriculture and Supply; Industry Union of cane sugar; and the Sugar Cane Growers Organization's South-Central Region. The research presented here aimed to investigate the perception of managers of agribusinesses and suppliers located in the middle region of Assis-SP on the influence of the Agro-environmental Protocol in corporate environmental management process. Nineteen semi-structured interviews with the environmental managers of each signatory organization were applied. The results showed strong influence of the Agro-environmental Protocol in environmental management processes of organizations, especially with the implementation and enforcement actions to meet the directive techniques of the Agro-environmental Protocol, which has contributed to organizations internalize environmental issues and moving towards a more proactive stance.
Keywords: Sustainable Development, Environment, Environmental Management, Sugarcane industry, Agro-environmental Protocol.
Resumen: La agricultura brasileña ha sufrido una crisis ambiental sin precedentes. En este escenario, son proveedores de agro negocios y caña de azúcar, que trabajan en la industria de la caña de azúcar, que tiene un fuerte crecimiento, con impactos económicos, sociales y ambientales. Los estudios han demostrado que la inclusión de las preocupaciones ambientales en la gestión empresarial puede traer ganancias de competitividad para las organizaciones, así como mejorar su imagen ante sus grupos de interés. La demanda social de un medio ambiente más limpio, junto con el aumento de la regulación ambiental ha obligado a las empresas en este sector para realizar y participar en amplios programas de prevención y mitigación de los impactos ambientales. En este diseño, surge el Protocolo Agro ambiental de la industria de la caña de azúcar de Sao Paulo que consiste en un acuerdo de cooperación firmado en junio de 2007 entre el Gobierno del Estado de São Paulo, representada por los Secretarios de Estado para el Medio Ambiente; Agricultura y Abastecimiento; Sindicato de la Industria de la caña de azúcar; y la Región Centro-Sur de la Organización de Productores de Caña de Azúcar. La investigación que aquí se presenta como objetivo investigar la percepción de los gerentes de empresas agrícolas y proveedores ubicados en la región media de Assis-SP sobre la influencia del Protocolo Agro ambiental en el proceso de la gestión ambiental de las empresas. Se aplicaron Diecinueve entrevistas semi estructuradas con los gestores ambientales de cada organización firmante. Los resultados mostraron una fuerte influencia del Protocolo Agro ambiental en los procesos de gestión ambiental de las organizaciones, sobre todo con las acciones de aplicación y cumplimiento para satisfacer las técnicas de dirección del Protocolo Agro ambiental, que ha contribuido en las organizaciones que internalizan las cuestiones ambientales y avanzan hacia una postura más proactiva.
Palabras clave: Desarrollo Sostenible, Ambiente, Gestión Ambiental, Industria de la caña de azúcar, Protocolo Ambiental.
Artigos
Percepção dos players do setor sucroenergético sobre a influência do protocolo agroambiental no processo de gestão ambiental empresarial: um estudo com gestores do setor na mesorregião de Assis-SP
Recepção: 03 Novembro 2015
Aprovação: 07 Março 2016
Vive-se atualmente uma crise ambiental sem precedentes na história da humanidade, caracterizada, sobretudo, por mudanças climáticas, aumento da poluição e escassez de recursos naturais. De acordo com Leff (2006), a degradação do meio ambiente e a crise energética, entre outras, foram evidenciadas nas últimas décadas do século XX como uma crise de civilização, questionando a racionalidade econômica e tecnológica dominante.
A problemática ambiental gerou mudanças globais em sistemas socioambientais de alta complexidade, afetando as condições de sustentabilidade do planeta como um todo, implicando diretamente a necessidade de internalizar as bases ecológicas, bem como os princípios jurídicos e sociais, no intuito de salvaguardar a gestão democrática dos recursos naturais.
O crescente interesse pelas questões ambientais no âmbito da sociedade contemporânea é reflexo direto da degradação ambiental provocada pelo sistema produtivo como resultado das cobranças e articulações das mais diversas esferas sociais com o fito de propor uma mudança paradigmática no binômio homem-natureza.
No cerne dessa questão tem-se o polêmico debate entre desenvolvimento e meio ambiente, que, de certo modo, já encontrou refúgio na proposta do desenvolvimento sustentável, “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento [CMMAD], 1988, p. 46).
Importa frisar que a questão sobre meio ambiente e desenvolvimento é transdisciplinar, envolvendo aspectos tecnológicos, ecológicos, sociais, políticos e éticos, devendo os decisores públicos desenvolver políticas que provejam orientação e regulamentação às partes interessadas (Bootsma, Vermeulen, Dijk & Schot, 2014; Zhen, Fu, Lu & Wang, 2014).
A transdisciplinaridade utiliza os desafios da vida real como gênese. Assim, lidar com a complexidade do desenvolvimento sustentável requer colaboração de vários atores (academia, organizações empresariais, governo e sociedade civil). Parte-se do pressuposto de que não existe uma única disciplina, perspectiva ou abordagem que ofereça respostas completas e satisfatórias aos desafios da sustentabilidade. Portanto, faz-se necessária uma busca interativa para soluções colaborativas (Shrivastava, Ivanaj & Persson, 2013; Schaltegger, Beckmann & Hansen, 2013).
A sustentabilidade desafia os tomadores de decisão não apenas a gerir os recursos em um dado momento, mas gerenciá-los ao longo do tempo, considerando as incertezas, uma vez que o futuro nem sempre é conhecível (Bansal & Desjardine, 2014).
Em conformidade com suas características e as especificidades do meio no qual estão diretamente inseridas, as organizações estão submetidas a diferentes tipos e intensidades de pressão. Assim, a empresa pode corresponder de várias formas a esse ambiente de pressão, variando de uma postura de indiferença até um posicionamento estratégico (Abreu, Castro & Lazaro, 2013). Além disso, considerando que a reputação da empresa constitui-se numa vantagem competitiva, uma das fontes de reputação refere-se à maneira como a organização incorpora as questões ambientais (Miles & Covin, 2000).
Assim, as empresas passaram a incorporar a dimensão ambiental na gestão dos seus negócios. A solução dos problemas ambientais, ou sua minimização, exige das empresas uma postura diferenciada que, impreterivelmente, deve considerá-los em suas decisões estratégicas (Barbieri, 2007). De acordo com Backer (2002), da integração entre negócios e meio ambiente surge a gestão ambiental empresarial como possibilidade de a organização abrigar processos que reduzam os impactos ambientais causados por suas atividades.
Gestão ambiental diz respeito à incorporação de objetivos e estratégias ambientais aos objetivos e estratégias mais amplos existentes na organização (Haden, Oyler & Humphreys, 2009), afinal, os conceitos de preservação ambiental e gestão estão intrinsecamente conectados, sendo, ambos, parte do mundo dos negócios (Psomas, Fotopoulos & Kafetzopoulos, 2011).
González-Benito e González-Benito (2006) substanciam que o principal fator que leva as organizações a adotarem a gestão ambiental refere-se às exigências dos stakeholders. De fato, a pressão das partes interessadas tem sido significativamente apontada como um importante fator para elevar o nível de transparência das empresas a partir da divulgação de seus relatórios socioambientais (Fernandez-Feijoo, Romero & Ruiz, 2014; Tatoglu, Bayraktar & Arda, 2015).
É sabido que a melhoria do desempenho ambiental representa uma fonte potencial de vantagem competitiva, aumentando a eficiência dos processos, melhoria da produtividade, além da redução de custos e novas oportunidades de mercado (Alexopoulos, Kounetas & Tzelepis, 2012).
Os resultados do trabalho de Gotschol, De Giovanni e Vinzi (2014) proporcionam sustentação à opinião predominante entre os pesquisadores quanto ao impacto positivo da performance ambiental da empresa sobre seu desempenho econômico.
Não obstante a isso, as empresas desempenham um papel crucial no processo de desenvolvimento econômico, sendo também responsáveis pela acentuada exploração de recursos naturais (Kudlak, 2014). Por outro lado, constituem-se em importantes players que precisam redesenhar suas estratégias, operações e atitudes com relação ao ambiente natural para contribuir com o equilíbrio e o equilíbrio do ecossistema global.
A gestão ambiental tem se tornado uma área de importância fundamental para o estabelecimento de novos paradigmas da concorrência empresarial e, portanto, tem surgido como um espaço de investigação e prática de negócios na última década (Dao, Langella & Carbo, 2011; Albino, Balice, Dangelico & Iacobone, 2012), em especial para o setor sucroenergético, considerando a forte intensidade do impacto ambiental de suas operações a montante e a jusante.
Este trabalho está organizado em cinco seções, além desta introdução. A seção seguinte apresenta o problema de pesquisa, o objetivo geral do estudo e uma breve caracterização do recorte geográfico. Na segunda seção é apresentado um breve aporte teórico sobre o Desenvolvimento Sustentável, Gestão Ambiental Empresarial, Gestão Ambiental no Setor Sucroenergético, finalizando com o esboço da estrutura geral do Protocolo Agroambiental.
A terceira seção reservou-se à explanação dos procedimentos metodológicos, incluindo caracterização da área de estudo, além de uma síntese histórica das organizações estudadas. A quarta seção apresenta a análise e discussão dos resultados. Por fim, a quinta seção apresenta as considerações finais do estudo, as limitações da pesquisa e uma proposta de agenda para futuras pesquisas.
No contexto acima esboçado, sobressai o papel da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA) e da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), ao estabelecerem parceria com o setor sucroenergético paulista, por meio da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), cuja finalidade é desenvolver tratativas que resultem em ações a serem executadas pelas agroindústrias e fornecedores do setor.
A referida parceria resultou na elaboração de um Acordo de Cooperação, o Protocolo Agroambiental, programa integrante do Projeto Etanol Verde, considerado um projeto estratégico da SMA, cujo objetivo precípuo consiste em estabelecer diretivas que promovam ações que, por sua vez, estimulem a sustentabilidade da cadeia produtiva do açúcar, etanol e bioenergia.
Em face do exposto, a questão de pesquisa que impulsiona a realização deste estudo pode ser definida da seguinte maneira: Qual é a influência do Protocolo Agroambiental do ponto de vista dos gestores das agroindústrias, fornecedores e associação do setor sucroenergético da mesorregião de Assis-SP no processo de gestão ambiental de suas respectivas empresas? O objetivo desta pesquisa consiste em analisar a influência do Protocolo Agroambiental no processo de gestão ambiental empresarial, a partir das percepções dos gestores das agroindústrias, fornecedores e associação localizados na mesorregião de Assis-SP. Para atender à questão proposta, foram estudadas quatro agroindústrias produtoras de açúcar, etanol e/ou bioenergia, dois fornecedores de cana-de-açúcar, além da associação que representa os produtores, todos localizados na mesorregião geográfica de Assis-SP, distribuídos em sete municípios.
Desenvolvimento Sustentável
Pode-se afirmar que as ameaças ao meio ambiente tiveram seu início fortemente marcado com a Revolução Industrial, agravando-se posteriormente às duas grandes guerras mundiais. Portanto, a preocupação do homem com os problemas ambientais é relativamente recente.
A publicação do relatório The limits to growth (1972) contribuiu para a repercussão internacional da questão ambiental, pois introduziu a ideia de finitude na discussão econômica sob uma nova perspectiva: não apenas apresentou a problemática da poluição e da utilização de recursos naturais finitos como variáveis fundamentais do processo econômico e social, mas, também, popularizou fortemente a questão ambiental (Nobre & Amazonas, 2002).
Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos naturais, a coordenação dos investimentos, a proposição do investimento tecnológico e a mudança institucional se conciliam e reforçam o potencial presente e futuro de atender às necessidades e aspirações humanas (CMMAD, 1988).
De forma geral, a relação entre o desenvolvimento econômico e degradação ambiental não pode ser vista sob o prisma da dicotomia. Trata-se de uma questão medial, ponto de partida para a análise e compreensão dos problemas ecológicos.
Verdade seja dita, o compromisso com as questões de sustentabilidade tornou-se uma questão de importância estratégica no cenário competitivo atual (Goyal, Rahman & Kazmi, 2013).
Deve-se ressaltar que o desenvolvimento sustentável e seus modelos de internalização constituem-se em algo relativamente recente para a maioria das organizações empresariais (Vilha & Quadros, 2012). A assertiva desses autores dialoga com a afirmação de Porter e Van der Linde (1999, p. 383) ao afirmarem que “estamos [...] numa fase de transição da história industrial, em que as empresas ainda são inexperientes no gerenciamento criativo das questões ambientais”.
Haden et al. (2009) advogam que a gestão ambiental diz respeito à incorporação de objetivos e estratégias ambientais aos objetivos e estratégias mais amplos existentes na organização, afinal, os conceitos de preservação ambiental e gestão estão interligados, fazendo, ambos, parte do mundo dos negócios, através da gestão ambiental como componente da gestão empresarial (Psomas et al., 2011).
González-Benito e González-Benito (2006) reforçam que o principal fator que leva as organizações a adotarem uma gestão ambiental refere-se às exigências dos stakeholders. No âmbito desse grupo, destacam-se as exigências regulamentadoras impostas por força de lei. Contudo, para Paulraj (2009), além dos requisitos legais, as empresas têm adotado práticas ambientais por vários outros motivos, como o aumento da competitividade, além de preocupações de ordem ética.
Nesse campo, o treinamento ambiental tem se mostrado de grande relevância para a consolidação da organização no trabalho efetivo na temática, sobretudo ao incorporá-la na comunicação organizacional (Jabbour, 2013).
A rigor, os gestores ambientais devem ser capazes de avaliar a forma como as mudanças na economia e nos mercados afetam a qualidade ambiental da empresa, positiva ou negativamente. As realidades macroeconômicas e de mercado sempre serão drivers importantes para as estratégias ambientais de uma organização. Cabe ao gestor, portanto, desenvolver a sensibilidade para articular e compreender de que forma essas forças (mudanças na economia global, financiamentos para infraestrutura, impactos econômicos das mudanças regulatórias, novas tecnologias etc.) afetarão o desempenho e a qualidade ambiental da corporação (Oliveira, 2015).
O setor sucroenergético apresenta grande potencial econômico, decorrente da comercialização de produtos e subprodutos do processamento da cana-de-açúcar, como o açúcar, o etanol e a bioenergia.
A produção total de cana-de-açúcar moída na safra 2014/2015 é estimada em 642,1 milhões de toneladas, queda de 2,5% em relação ao volume colhido na safra 2013/2014, que foi de 658,8 milhões de toneladas. Na Região Centro-Sul a produção está estimada em 602,1 milhões de toneladas, o que representa 3,2% a menos se comparado à safra anterior (Companhia Nacional de Abastecimento [Conab], 2014). O Estado de São Paulo é o maior produtor de cana-de-açúcar do país (Wells & Faro, 2011).
Machado e Cirani (2013) apontam que o Brasil acumulou liderança tecnológica do etanol como biocombustível a partir de uma trajetória lenta, cumulativa e gradual, com ganhos na produtividade, além dos ganhos logísticos das usinas, bem como do reaproveitamento dos subprodutos industriais.
Nos idos de 1970, a indústria sucroalcooleira apresentava elevado potencial poluidor (Rossetto, 2010), agravado pela escassa regulamentação e fiscalização do setor. Nas décadas seguintes, esse cenário começa a tomar uma nova configuração. Impulsionadas por pressões de partes interessadas, as indústrias passaram a se posicionar de maneira diferenciada com relação aos seus impactos ambientais, sobretudo ao incorporarem novas tecnologias que permitiram maior eficiência no seu desempenho ambiental (Jabbour, Jugend, Jabbour, Gunasekaran & Latan, 2015).
É sabido que cada setor possui suas próprias exigências a respeito dos impactos ambientais que devem ser constantemente monitorados, bem como a frequência e os limites permitidos, enquanto as exigências de modelagem e os interesses políticos são frequentemente gerais para todos os setores (Goldstein, Hilliard & Parker, 2011).
Apesar da tradição e importância na economia nacional, o setor canavieiro tem sido alvo de julgamentos críticos, mormente por ser considerado de elevado potencial poluidor. Rodrigues (2013) entende que, se, de fato, a expansão da cana afeta, direta ou indiretamente, outros setores, torna-se necessária uma análise mais acurada, no intuito de investigar os impactos, seja na esfera ambiental, social, econômica ou institucional.
O setor sucroenergético brasileiro apresenta uma crescente tendência no uso mais eficiente dos recursos, bem como a promoção de boas práticas de manejo que contribuem na redução dos impactos ambientais (Galdos, Cavalett, Seabra, Nogueira & Bonomi, 2013).
De maneira geral, o setor vem apresentando mudanças substanciais na gestão de suas atividades (agrícolas e industriais), adotando medidas com o fito de atenuar os efeitos deletérios ao meio ambiente (Rossetto, 2010). Esse é o pressuposto que se investigou neste estudo, sob a ótica da percepção dos gestores diretamente envolvidos com as ações empreendidas pelas organizações signatárias, no cumprimento das diretivas técnicas do Protocolo Agroambiental.
A demanda social por um ambiente mais limpo, aliada ao aumento da regulação ambiental, tem forçado as empresas a promoverem efetivamente programas de redução de seus impactos ambientais, prevenindo a poluição, além de envidarem esforços para se anteciparem às novas demandas (ação proativa).
A proposta do Protocolo Agroambiental consistiu numa alternativa para reduzir os prazos determinados pela Lei Estadual 11.241/2002, que trata do fim da colheita da cana com o uso do fogo. Tal propositura caracterizou uma mudança na postura do setor público, que, ao invés de trabalhar com o princípio de comando-e-controle, passa a adotar o sistema de parceria com o setor canavieiro, possibilitando seu engajamento na temática ambiental (SMA, 2008).
Na perspectiva de Herrera (2014), o Protocolo Agroambiental vai além da redução e supressão das queimadas, dispondo sobre outros temas de extrema relevância, como a proteção dos remanescentes florestais de nascentes e matas ciliares, o controle das erosões e melhores práticas de manejo do solo, o adequado gerenciamento das embalagens dos produtos fitossanitários, além da redução do consumo de água no processo industrial. Estudos desenvolvidos nessa mesma região demonstraram aumento de áreas verdes, redução significativa da queima da cana-de-açúcar e redução do consumo de água (m3/ton. de cana processada), inferior à média do Estado (Oliveira & Pereira, 2013).
O Protocolo Agroambiental define diretivas técnicas ambientais a serem implementadas e executadas pelas agroindústrias signatárias. O Quadro 1 descreve as diretivas técnicas do Protocolo Agroambiental para as unidades agroindustriais.

Há pequenas diferenças nas diretivas técnicas estabelecidas para os fornecedores. O Quadro 2 apresenta as quatro primeiras diretivas específicas para fornecedores.

Esta é uma pesquisa descritiva e exploratória considerando-se que, conforme aponta Gil (2010), elaborada com a finalidade de identificar possíveis relações entre variáveis. Em relação à sua natureza, esta pesquisa pode ser caracterizada como qualitativa (Myers, 2009). Esse tipo de pesquisa é adequado para a obtenção de uma visão crítica e reflexiva sobre o mundo das organizações e seus processos (Eriksson & Kovalainen, 2008). Quanto à sua finalidade, trata-se de uma pesquisa aplicada, uma vez que está voltada “à aquisição de conhecimentos com vistas à aplicação numa situação específica” (Gil, 2010, p. 27).
De acordo com os procedimentos técnicos, a pesquisa encaixa-se na categoria de estudos de casos múltiplos (Gil, 1994; Swanborn, 2010; Yin, 2010).
Na visão de Cunningham (1997), a estratégia de estudo de caso pode se desdobrar em dois tipos:
Estudo de caso único, o qual somente se justifica quando o fenômeno que está sendo analisado será investigado em uma organização com a melhor representatividade possível; Estudo de casos múltiplos, quando o objetivo é comparar vários casos, em que ocorre o mesmo fenômeno, explicando as similaridades e diferenças, desafios e oportunidades, além de aprendizados comuns.
Sob essa perspectiva, a presente pesquisa caracteriza-se por empregar o estudo de casos múltiplos (Stake, 2005).
Segundo Stravos e Westberg (2009), o uso de múltiplos casos acrescenta confiança aos resultados, além de ajudar na proteção de ocorrência de vieses por parte do pesquisador (Voss et al., 2002), permitindo-lhe estabelecer comparações entre os casos estudados, descobrindo possíveis particularidades ou a existência de um padrão comum de ocorrências, o que sugere a existência de uma regularidade empírica (Tsang, 2013), além de possibilitar a criação de uma teoria mais robusta, uma vez que as proposições estão mais profundamente fundamentadas na evidência empírica variada (Eisenhardt & Graebner, 2007). Optou-se por escolher o estudo de múltiplos casos, em vez de um único, em função da oportunidade de análise entre os casos.
Quanto aos métodos empregados para coleta de dados, utilizou-se inicialmente como delineamento a pesquisa bibliográfica e em dados disponíveis no site oficial da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA/Projeto Etanol Verde). Posteriormente, procedeu-se à elaboração de um roteiro semiestruturado contendo vinte questões, que foi submetido à apreciação de quatro especialistas docentes de universidades públicas na área de gestão ambiental empresarial, os quais verificaram a pertinência da relação das questões com o arcabouço teórico do trabalho.
O roteiro serviu como eixo norteador para as entrevistas, cujo conteúdo foi digitalmente gravado e devidamente transcrito na íntegra, retornando, via e-mail, ao entrevistado para que desse endosso final ao conteúdo.
A técnica de análise de dados adotada neste estudo foi a Análise de Conteúdo, que consiste em um conjunto de instrumentos metodológicos em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos, falas, depoimentos, extremamente diversificados (Bardin, 2011).
As agroindústrias e fornecedores foram codificados a fim de manter o sigilo e privacidade dos depoentes; à pesquisa interessa o conjunto total das unidades que compõem exclusivamente a região de interesse para o trabalho.
Para fins deste estudo foi considerada a concepção clássica de mesorregião, entendida como um agrupamento de municípios limítrofes que exigem planejamento integrado para o seu desenvolvimento e integração regional, que apresente, cumulativamente, características de integração funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa (São Paulo, 1994).
De acordo com Graymore, Sipe e Rickson (2008), a região tem emergido como um foco substancial para pesquisadores, gestores de sustentabilidade dos recursos naturais, além dos técnicos envolvidos com o planejamento estratégico que visa desenvolver e implementar metas monitoráveis.
A mesorregião de Assis é uma das mesorregiões do Estado de São Paulo pertencente à região de Assis, cuja população, em 2014, foi estimada em 278.220 habitantes, dividida em 17 municípios (IBGE, 2014). A Figura 1 situa a mesorregião de Assis no mapa do Estado de São Paulo, com destaque para os municípios onde se localizam as unidades estudadas.

A região assume características de uma mesorregião com polo na cidade de Assis. A região estende-se pelo Vale do Paranapanema, de leste para oeste, ao longo da antiga estrada de ferro Sorocabana e da rodovia Raposo Tavares, limitando-se ao norte com o Estado do Paraná, a sudoeste com o Estado de São Paulo. Espaço geográfico que se qualifica por uma forte integração comercial entre os municípios que compõem o território em questão, a mesorregião possui a potencialidade de um polo modal de transportes, que sobressai com a expansão das atividades econômicas no interior do Estado de São Paulo (Oliveira, Gaspar, Fernandes & Silva Filho, 2014).
A Tabela 1 apresenta os dezessete municípios que formam a mesorregião de Assis-SP, seus respectivos números de habitantes, com destaque para os municípios onde estão localizados as agroindústrias e fornecedores pesquisados.

As agroindústrias e os fornecedores previamente selecionados para esta pesquisa estão localizados nos municípios de Paraguaçu Paulista, Maracaí, Tarumã, Quatá e Borá.
O Quadro 3 apresenta, resumidamente, a caracterização histórica de cada um dos casos em que atuam os gestores que participaram da pesquisa, composto por 4 produtores, 2 fornecedores e uma associação.

Em todas as organizações, com exceção da AGR4, foi possível entrevistar mais de uma pessoa que estava ligada diretamente às questões ambientais da empresa. A maioria dos gestores entrevistados confirmou ter dado mais ênfase às questões ambientais a partir da adesão ao Protocolo Agroambiental, o que pode ser constatado nos excertos transcritos das entrevistas realizadas com os técnicos. O Quadro 4 apresenta os entrevistados e seus respectivos cargos nas organizações.

Nesta seção serão apresentados os principais resultados aferidos com a realização das entrevistas apoiadas no roteiro semiestruturado.
Percebeu-se que, de modo geral, o Protocolo Agroambiental contribuiu sobremodo com a questão ambiental, inserindo-a na agenda dos atores envolvidos. Além disso, temas como Desenvolvimento Sustentável, Sustentabilidade, Impactos Ambientais, Gestão Ambiental Empresarial, Certificação, entre outros, passaram a incorporar oficialmente a comunicação corporativa, o que pode ser corroborado pelos estudos de Jabbour (2013).
Ao todo, foram ouvidos dezenove profissionais relacionados diretamente à área ambiental das empresas. Todavia, serão considerados nesta pesquisa somente os depoimentos mais relevantes e contundentes para o alcance do objetivo proposto.
O Quadro 5 apresenta os excertos dessas entrevistas

Nos depoimentos supratranscritos há evidências claras de que a adesão ao Protocolo bem como o esforço de adaptação para atender às suas diretivas técnicas provocaram mudanças estratégicas no setor e, consequentemente, mudança no cenário ambiental, incluindo a flora e a fauna do cerrado interiorano do Estado.
No depoimento de um dos entrevistados da ASS1, “Ele (o fornecedor) até pode optar por não aderir ao Protocolo, mas a gente mostra pra ele a viabilidade, especialmente quando ele precisar de algo junto à Cetesb, porque, como eu falei pra você, quem tá no Protocolo tem certo privilégio...”. Nesse sentido, é notório o trabalho de conscientização por parte da Associação junto a seus associados. Sabe-se que, para esta, não há vantagem econômico-financeira direta sobre o fato de o associado aderir ao Protocolo. Pelo contrário, há, de imediato, um aumento no volume de trabalho, uma vez que fica sob responsabilidade da Associação a efetivação da adesão do associado, bem como o informe anual mediante planilhas específicas do sistema do Projeto Etanol Verde/SMA, de todos os dados da propriedade.
O Protocolo Agroambiental, como certificação socioambiental, de caráter voluntário, pode ser considerado um instrumento de mercado, com o fito precípuo de promover mudanças e melhorias ambientais e sociais em setores produtivos da economia, a exemplo do setor sucroenergético.
Observa-se que o caso do gestor 1 da AGR2, ao afirmar “O Novo Código Florestal reduziu de 50 metros para 15 metros a distância da mata ciliar, mas nós temos seguido o Protocolo e mantido o distanciamento maior”, corrobora a afirmação de que em vários pontos o Protocolo é mais restritivo que a própria legislação ambiental. Nessa mesma linha, é o caso do entrevistado 4 da AGR1, quando afirma que “A AGR1 tá mudando bastante, mudando o foco na preservação ambiental, o que originou mesmo a partir do Protocolo, antes do Protocolo as empresas faziam só o que a Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo] exigia, naquele passo a passo, e aí o Protocolo exigiu prazos mais apertados”.
Destaca-se, também, a fala do entrevistado 1 do FOR2 ao dizer que “o monitoramento das emissões atmosféricas foi graças ao Protocolo Agroambiental [...]; não era uma prática que era feita aqui anteriormente”.
O Protocolo Agroambiental tem valido como um atestado de conformidade para certificações internacionais do setor, o que pode ser constatado na fala do entrevistado 1 da AGR4 ao afirmar que “[...] o que a gente tem percebido de valor no Protocolo Agroambiental é quando a gente usa ele, por exemplo, no atendimento a clientes, nas auditorias de sustentabilidade. [...] A Coca-Cola é cliente nosso, então, ela valoriza nossa certificação pelo Protocolo Agroambiental; a certificação Bonsucro, o Protocolo Agroambiental é muito útil; a primeira certificação do nosso etanol para venda para os Estados Unidos, para o EPA [United States Environmental Protection Agency] o Protocolo Agroambiental teve um peso importantíssimo”.
Dados oficiais do Protocolo Agroambiental mostram que o setor sucroenergético, nesse caso composto pelos seus signatários (unidades agroindustriais e fornecedores de cana), agrega, sob responsabilidade de recuperação e proteção, 299.038 hectares de matas ciliares e mais de 9.300 nascentes.
Os resultados da safra 2013/2014, mostram que, desde a implantação do Protocolo Agroambiental, 7,17 milhões de hectares de cana deixaram de ser queimados, podendo-se afirmar que o equivalente a 4,4 milhões de toneladas de GEE (Gases de Efeito Estufa) deixaram de ser emitidos, além da não emissão de 26,7 milhões de toneladas de outros poluentes como Monóxido de Carbono, Hidrocarbonetos e Material Particulado (SMA/Projeto Etanol Verde, 2014).
No Estado de São Paulo, estudos têm mostrado que, em locais em que o uso do solo foi destinado ao plantio da cana-de-açúcar, as áreas de mata aumentaram (Rudorff, Aguiar, Silva, Sugawara, Adami & Moreira, 2010), o que comprova o fato de que as agroindústrias e fornecedores de cana têm investido no reflorestamento das Áreas de Preservação Permanente.
Tais resultados atestam que o sistema de parceria entre o setor público e o setor privado com objetivos bem definidos podem trazer resultados positivos a todos, notadamente, aos anseios sociais. Altera-se o paradigma do foco na vantagem competitiva para o foco na vantagem colaborativa (Glavas & Mish, 2015).
Na concepção da maioria dos entrevistados, o Protocolo Agroambiental é visto de maneira bastante positiva, haja vista os resultados divulgados pela SMA/Etanol Verde, comparados aos dados obtidos em campo. Mais especificamente, para atender às Diretivas Técnicas do Protocolo Agroambiental, os signatários promovem ações majoritariamente de caráter preventivo, o que pode ser considerado um passo significativo na mudança para uma postura proativa das organizações do setor sucroenergético, o que pode ser corroborado nas falas dos entrevistados 2 e 4 da AGR1; 1 da AGR2; 2 da AGR3; 1 da AGR4 e 2 da ASS1, principalmente (Quadro 5).
Por conseguinte, depreende-se que o Protocolo Agroambiental tem sido utilizado pelos players do setor sucroenergético como uma ferramenta contribuinte da gestão ambiental.
Esta pesquisa objetivou apurar a influência do Protocolo Agroambiental no processo de gestão ambiental empresarial, a partir da percepção dos gestores das agroindústrias e fornecedores situados na mesorregião de Assis-SP. Embora tenham sido entrevistados dezenove profissionais de todos os casos estudados (Quadro 4), para o alcance do objetivo proposto para esta pesquisa foi suficiente a análise de excertos de entrevistas de treze gestores ambientais, distribuídos entre todas as unidades pesquisadas (Quadro 5).
Os resultados deste trabalho evidenciam a percepção de valor por parte dos gestores no que se refere ao Protocolo Agroambiental, que impulsionou mudanças positivas ocorridas em vários setores das empresas a fim de promover adequações para atender às diretivas técnicas do Protocolo.
Todavia, ressalta-se que o Protocolo Agroambiental é fruto de pressão social, que persuadiu o poder público e a iniciativa privada a darem resposta a essa demanda, o que vai ao encontro da assertiva proposta por vários autores de que o principal fator que leva as organizações a adotarem a gestão ambiental diz respeito às exigências dos seus stakeholders (González-Benito & González-Benito, 2006; Fernandez-Feijoo, Romero & Ruiz, 2014; Tatoglu, Bayraktar & Arda, 2015).
Além disso, o aumento da eficiência no desempenho ambiental representa uma potencial fonte de vantagem competitiva, com repercussão direta na melhoria dos processos, da produtividade, bem como redução de custos e geração de novas oportunidades de mercado (Alexopoulos, Kounetas & Tzelepis, 2012).
Outro ponto relevante diz respeito aos investimentos realizados em novas tecnologias (máquinas, equipamentos, sistemas de gestão, infraestrutura, entre outros) a fim de aumentar a eficiência dos processos tanto no campo (setor agrícola) quanto na indústria (produção).
Consideram-se como limitações desta pesquisa o fato de ter sido utilizado somente um instrumento de coleta de dados (entrevista com roteiro semiestruturado), além do recorte geográfico, restrito à mesorregião de Assis-SP, muito embora seja uma região tradicionalmente canavieira.
Sugere-se que, para trabalhos futuros, seja ampliada a área de abrangência, utilizando de outras ferramentas de coleta de dados, como o survey, por exemplo, para abarcar uma amostra representativa das agroindústrias e fornecedores signatários em todo o Estado de São Paulo.

Há pequenas diferenças nas diretivas técnicas estabelecidas para os fornecedores. O Quadro 2 apresenta as quatro primeiras diretivas específicas para fornecedores.



As agroindústrias e os fornecedores previamente selecionados para esta pesquisa estão localizados nos municípios de Paraguaçu Paulista, Maracaí, Tarumã, Quatá e Borá.

Em todas as organizações, com exceção da AGR4, foi possível entrevistar mais de uma pessoa que estava ligada diretamente às questões ambientais da empresa. A maioria dos gestores entrevistados confirmou ter dado mais ênfase às questões ambientais a partir da adesão ao Protocolo Agroambiental, o que pode ser constatado nos excertos transcritos das entrevistas realizadas com os técnicos. O Quadro 4 apresenta os entrevistados e seus respectivos cargos nas organizações.

