Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


A utilização do shadow e do silent reports como instrumentos de evidenciação das informações socioambientais: o caso da usina hidrelétrica de Belo Monte
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 5, núm. 2, pp. 1-18, 2016
Universidade Nove de Julho

Artigos


Recepção: 17 Julho 2015

Aprovação: 31 Março 2016

DOI: https://doi.org/10.5585/geas.v5i2.384

Resumo: O Shadow (sombra) e o Silent (silencioso) Reports são dois instrumentos sugeridos para a melhoria da divulgação das informações socioambientais. Esta pesquisa tem como objetivo analisar a partir do shadow e silent reports as informações socioambientais divulgadas pela empresa Norte Energia S.A. sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na Volta Grande do Xingu. Neste estudo, de característica qualitativa e descritiva, foram coletados e analisados os seguintes dados para a construção dos relatórios sombra e silencioso: o tratamento das contingências socioambientais; a mitigação dos impactos ambientais – o impacto na ictiofauna (peixes) da Volta Grande do Xingu; crescimento populacional do município de Altamira. Constatou-se que houve um tratamento dentro da realidade por parte da Norte Energia S.A., e que as normas brasileiras de contabilidade foram obedecidas quanto ao tratamento das contingências. Há um caráter experimental a respeito dos projetos de mitigação dos impactos ambientais ocasionados na ictiofauna da região. Identificou-se também uma divergência significativa entre o relatório sombra e o relatório silencioso em relação ao crescimento populacional do município de Altamira.

Palavras-chave: Relatório Sombra, Relatório Silencioso, Evidenciação Ambiental.

Abstract: The Shadow Report and the Silent Report are two suggested tools to improve the environmental information. This research aims to analyze the shadow and silent reports disclosed by the Norte Energia corporation about the construction of the Belo Monte hydroelectric plant in Volta Grande do Xingu. In this study, qualitative and descriptive characteristics were collected and analysed. The following data were analysed for the construction of Shadow and Silent Reports: the treatment of environmental contingencies; the mitigation of environmental impact - the impact on Volta Grande do Xingu’s icthyofauna (fish); population growth in the region of Altamira. We found that the Brazilian accounting standards have been followed by Norte Energia. There is a trial basis about the mitigation projects of environmental impact on fish on the region. We also identified a significant divergence between the Shadow and Silent Report findings with relation to population growth in the region of Altamira.

Keywords: Shadow Report, Silent report, Environmental Disclosure.

Resumen: El Shadow (sombra) y Silent (silenciosos) Reports son dos instrumentos sugeridos para mejorar la divulgación de las informaciones ambientales. Esta investigación tiene como objetivo analizar desde El shadow y silent reports las informaciones ambientales divulgadas por la empresa norte Energía S.A. en la construcción de la planta hidroeléctrica de Belo Monte en Volta Grande do Xingu. En este estudio, cualitativo y descriptivo, se recogerán y analizaran los siguientes datos para la construcción de los informes de sombra y silencio: El tratamiento de contingencias socio ambientales; mitigación de impactos ambientales - el impacto en la fauna (peces) de la Volta Grande do Xingu; crecimiento de la población del municipio de Altamira. Se observó que había un tratamiento dentro de la realidad de Norte Energía S.A., y que las normas brasileras de contabilidad experimentales no han sido seguidas cuanto al tratamiento de contingencias. Hay un carácter experimental en proyectos de mitigación de impactos ambientales causados en la fauna. También identificaron una divergencia importante entre la sombra y el silencio informe en relación con El crecimiento de la población del municipio de Altamira.

Palabras clave: Informe Sombra, Informe de silencio, Divulgación de información ambiental.

INTRODUÇÃO

Uma maior preocupação com o meio ambiente por parte da sociedade em geral faz com que as organizações sejam pressionadas a divulgar informações que demonstrem sua interação com o meio ambiente. Diante desse cenário, a comunidade científica e a sociedade vêm empreendendo esforços com o intuito de promover a melhoria da transparência das empresas quanto às informações de evidenciação ambiental.

De acordo com Rosa et al. (2011), as empresas utilizam a evidenciação ambiental para prestar contas à sociedade em geral. Monteiro (2007) demonstra que a comunicação de caráter ambiental vem chamando a atenção não somente dos usuários da informação (stakeholders) com distinto poder de decisão sobre a empresa, mas também de pesquisadores da área da Contabilidade social e ambiental. Lins e Silva (2010) ainda afirmam que a evidenciação exerce uma importante função de comunicação sobre o desempenho empresarial e seus stakeholders. Portanto, possui papel essencial na redução da assimetria de informação entre os gestores e aqueles que possuem interesse na empresa, principalmente os investidores.

Nas últimas décadas houve uma ascensão das práticas de evidenciação ambiental como forma de procurar atender aos anseios dos usuários desse tipo de informação, não mais restrita ao nível organizacional do processo decisório corporativo (Moreira, 2012). Nesse sentido, a Contabilidade auxilia a suprir informações desse âmbito.

Como forma de controlar, reduzir ou minimizar impactos socioambientais, surge a concepção de um modelo básico para as contas de silêncio (silent) e de sombra (shadow) que integrem padrões e formatos de divulgação (Collison et al., 2010).

Os relatórios sombra e silencioso configuram técnicas que a contabilidade utiliza para identificar diferenças entre o desempenho socioambiental observado pelos usuários interessados nas atividades da empresa (shadow report) e o desempenho que as empresas alegam ter alcançado por meio de suas demonstrações e relatórios divulgados publicamente (silent report). A sua construção, de acordo com Moreira (2012), é uma importante ferramenta para a melhoria da divulgação de informações socioambientais por parte da Contabilidade.

O surgimento dos relatórios sombra e silencioso deve-se ao potencial emancipatório e seus efeitos educativos sobre a qualidade dos reportes socioambientais corporativos que ambos proporcionam (Dai, 2010). O fato de as informações utilizadas em ambos os relatórios já se encontrarem disponíveis em fontes públicas torna sua construção uma atividade econômica por parte da Contabilidade.

Dessa maneira, de acordo com o contexto apresentado, o presente trabalho tem como objetivo analisar as informações socioambientais divulgadas pela empresa Norte Energia S.A., a partir da construção de uma proposta adaptada do shadow e silent reports. No presente artigo optou-se primeiro pela construção do shadow report e com base em suas informações construiu-se o silent report utilizando-se a metodologia “corte-e-cola” conforme Hamling et al. (2006) e Moreira (2012). Dessa maneira, preservam-se os anseios dos principais interessados em informações desse caráter, no caso os stakeholders (Hamling et al., 2006; Moreira, 2012). A escolha da Norte Energia S.A. deu-se por conta da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e todos os impactos socioambientais que uma construção de tal magnitude traz consigo.

Assim, a pesquisa pode contribuir para a disseminação do conhecimento e ampliação das práticas de transparência socioambiental. Os resultados desta pesquisa subsidiam as divulgações das informações socioambientais por parte da contabilidade.

REVISÃO DE LITERATURA

Moreira (2012) chama a atenção para práticas de evidenciações ambientais obrigatórias e voluntárias. Os defensores da evidenciação obrigatória afirmam que a regulamentação da divulgação ambiental melhora a qualidade da prestação de contas ambiental, por garantir um mínimo de divulgação das informações desse caráter (Maltby, 1997). Desse modo, a regulamentação incita as empresas no sentido de melhorar sua eficiência, abraçar e desenvolver tecnologias, ou aperfeiçoar as existentes, e uma consciência ambiental corporativa (Moreira, 2012). Os autores que defendem esse tipo de divulgação enfatizam a necessidade de um quadro jurídico de base, a fim de promover um nível de sofisticação comparável com os sistemas de relatórios financeiros obrigatórios (Hahn; Kühnen, 2013) Porém, Ribeiro (2009) aponta que uma das maiores desvantagens da evidenciação ambiental obrigatória está no aspecto da conformidade, a qual se refere à limitação de a divulgação ficar restrita somente ao que é exigido pela regulamentação, resultando na não divulgação ambiental voluntária por parte das empresas.

Quanto às motivações a favor da evidenciação ambiental voluntária é que um relatório obrigatório não poderia suprir as demandas informacionais diversas de todos os stakeholders (Azzone et al., 1997). De acordo com Holland & Foo (2003), a informação voluntária pode apresentar mais transparência em relação à divulgação por pressões regulatórias. Moreira (2012) afirma que a evidenciação voluntária proporciona inovações e a busca por valores fundamentais. Já Pereira, Luz & Carvalho (2015) afirmam que, de acordo com a teoria da divulgação voluntária, somente as empresas que obtiveram desempenho ambiental positivo estariam realizando a divulgação voluntária das informações ambientais, e aquelas que obtiveram desempenho negativo optariam por não se expor. Levy et al. (2010) ainda criticam as diretrizes dos relatórios voluntários por conta de serem muito genéricos, sem medidas quantificáveis, portanto, não satisfazem as necessidades de informações dos stakeholderes. De acordo com Hahn & Kühnen (2013), os autores que repreendem o uso da evidenciação voluntária a questionam por conta da possível falsa imagem da governança corporativa passada aos stakeholders.

Dentro das limitações das posições sobre o caráter da evidenciação ambiental, ainda há certa resistência por parte das empresas em divulgar seus informes sociais. Porém, verificou-se, nos relatórios anuais divulgados pelas organizações, a existência não desprezível de informações silenciosas que representaram uma reconstrução social interessante delas (Gibson et al., 2001).

Tendo em vista que a responsabilidade social é um acordo entre a empresa e seus stakeholders, o relatório silencioso e o relatório sombra surgem a fim de fornecer informações aos usuários, tanto do ponto de vista da empresa (silencioso) quanto do ponto de vista dos stakeholders (sombra) (Zikri, 2009).

De acordo com Dai (2010), o shadow e o silent reports consistem em uma técnica da contabilidade em que grupos ou indivíduos fornecem um relatório alternativo sobre a prática de uma organização. Tais relatórios, que normalmente contêm informações negativas elaboradas a partir da mídia e da população, são uma força alternativa ou meios para desafiar corporações através de relatórios sociais e ambientais que muitas vezes revelam a seleção de “boas notícias” (Bebbington et al., 2007; Dey, 2003; Ruffing, 2007; Dai, 2010). Dessa maneira, o relatório sombra e o relatório silencioso podem fornecer novos insights sobre os impactos sociais e ambientais de uma organização e revelar contradições entre o que eles escolhem relatar e o que eles escolhem omitir ou suprimir (Collison et al., 2010).

Segundo Moreira (2012), relatório sombra é um dos métodos utilizados pela contabilidade para construir mais informações que auxiliem os stakeholders em suas perspectivas sobre as práticas e ações de uma empresa, em que grupos ou indivíduos fornecem relatórios alternativos. É a partir do contraste entre o relatório socioambiental oficial da entidade e qualquer informação relevante sobre a empresa divulgada por meio de canais externos de comunicação e mídia que se constrói o relatório sombra.

A construção do relatório silencioso se dá por meio da comparação entre o relatório socioambiental corporativo oficial e informações divulgadas pela própria entidade por outros canais de comunicação, canais esses de domínio público (Dey, 2003). Moreira (2012) complementa que o relatório silencioso representa o relato e o discurso da entidade sobre suas atividades socioambientais declarados por ela.

Os relatórios sombra e silencioso têm como objetivo identificar as diferenças no que diz respeito ao desempenho socioambiental percebido por terceiros e o desempenho socioambiental que as entidades afirmam atingir por meio de suas contas e relatórios divulgados publicamente, e melhorar a transparência da informação contábil (Dey, 2003). Porém, o objetivo explícito para identificar essas diferenças não é a única expectativa dos acadêmicos de contabilidade quanto ao uso dos relatórios sombra e silencioso, em que eles também podem auxiliar a combater o discurso hegemônico dos relatórios socioambientais corporativos que configuram a realidade atual (Bebbington et al., 2007; Dai, 2010). Bebbington et al. (2007) esclarecem que esse objetivo consiste em alargar o número e os tipos de histórias que são contadas e os atores que as dizem, em vez de substituir uma história existente. O autor ainda complementa que o shadow e o silent reports podem ser vistos como uma forma eficaz para antagonizar corporações, quebrando esse monopólio da divulgação, desenvolver capacidades reforçadas para a reflexão crítica e para, eventualmente, conseguir um efeito emancipatório e educativo.

Dey (2003) afirma que uma das justificativas da elaboração de ambos os relatórios é o seu custo/benefício favorável, por conta de não necessitar de trabalhos dispendiosos para sua concepção. Eles podem ser produzidos rapidamente e em grande quantidade, já que não existe a necessidade de nenhum acesso ou permissão a dados e informações da organização investigada. O autor evidencia que é na identificação das informações de caráter socioambiental no conjunto dos relatórios anuais, demonstrações financeiras e demais documentos societários que se tem o ponto de partida para a construção do relatório silencioso. Não há, portanto, qualquer ruído ou interferência externa (extracorporativa) a essa comunicação realizada pela corporação ao público e para as partes interessadas. Moreira (2012) diz que tal abordagem demonstra o quanto pode ser barato, simples e rápido agrupar as informações necessárias, a partir dos dados da própria entidade em questão, para se construir o relatório silencioso.

Um dos desafios a serem superados em relação ao relatório silencioso, apontado por Dey (2003), é que o padrão de adesão a um exercício social adotado pela classe contábil pode vir a ser um empecilho no que diz respeito a termo de coleta e organização de informações socioambientais divulgados pela entidade.

Como evidencia Dey (2003), não há um método específico para a elaboração dos relatórios sombra e silencioso. Esse tipo de padronização está em construção, porém pode-se extrair algumas contribuições importantes a partir de experiência de alguns autores.

Um exemplo disso foi o trabalho apresentado por Hamling et al. (2006), em que os autores adotaram o processo de “cortar-e-colar” dos relatórios da entidade divulgados, a fim de reduzir a possível influência de vieses dos autores na elaboração do relatório silencioso.

O relatório sombra é elaborado com base em informações externas e independentes do controle da organização, construído por diversas fontes e canais de comunicação diferentes como: relatórios externos, reportagens, informações de terceiros em geral etc., ressaltando que não sejam informações publicadas pela empresa e voltadas para o público interessado em seus relatórios (Zikri, 2009; Collison et al., 2010).

Com o relatório sombra, muda a perspectiva antes voltada para a organização, e as prestações de contas passam a ser mais independentes e com uma visão voltada aos anseios dos stakeholders (Moreira, 2012). O autor levanta a questão de o relatório sombra ter um caráter subjetivo e litigioso e de que há a necessidade da confiabilidade das informações utilizadas para sua concepção. O tipo e porte da entidade em questão também são variáveis que influenciam consideravelmente nesse aspecto.

Nesse sentido, por possuir essa natureza suscetível à subjetividade, que pode acarretar a distorção desse relatório, os autores sugerem o empreendimento de esforços no que diz respeito à diversificação das fontes de coleta de dados e pulverização do horizonte de captura das informações na finalidade de garantir alguma imparcialidade ao âmago do relatório sombra (Hamling et al., 2006).

Gibson et al. (2001), os formuladores da proposta dos relatórios sombra e silencioso, aplicaram essa proposta para cinco empresas do Reino Unido, sem emitirem nenhuma opinião sobre as informações publicadas, tanto no relatório sombra quanto no relatório silencioso. O intuito de Gibson et al. (2001) era verificar as possíveis reações, tanto das empresas exploradas quanto dos stakeholders envolvidos, quando da construção de tais relatórios. Eles constataram que profissionais de Organizações Não Governamentais (ONG) e de Investimento Socialmente Responsável (ISR) expressaram interesse nesse tipo de informação, justificando a continuidade dos seus projetos.

Hamling et al. (2006) construíram um relatório sombra e silencioso para a empresa de aviação irlandesa Ryanair sobre quatro vertentes socioambientais: emprego, clientes, comunidade e meio ambiente. No que diz respeito ao emprego, os autores perceberam que a Ryanair prioriza suas metas de alcançar lucros e praticar tarifas baixas em detrimento de manter e criar boas relações com seus funcionários. Quanto à vertente clientes, percebeu-se uma relutância da empresa de mudar suas políticas de atendimento ao cliente, mesmo que a companhia tenha sido citada em uma pesquisa de viajantes de todo o mundo como a pior companhia aérea. Em relação à comunidade, as práticas adotadas pela Ryanair em atingir eficiência surtiram efeitos positivos quanto aos impactos na comunidade. Por fim, quanto ao meio ambiente, os autores perceberam que, por querer se tornar uma empresa de máxima eficiência e maximização de lucro, os impactos ambientais positivos são apenas um bônus, um efeito da utilização de tecnologia de menor impacto ambiental. Hamling et al. (2006) enfatizam que a Ryanair nunca priorizou o meio ambiente em seus objetivos.

Zikri (2009) aplicou a proposta do relatório sombra e silencioso para a empresa Freeport – McMoran Copper & Gold Inc., empresa do ramo de mineração e exploração de ouro, cobre e molibdênio. O estudo da autora se concentrou sobre a filial da empresa em Papua, na Indonésia, por conta dos danos ambientais ocasionados pela entidade e denunciados pela sociedade. A autora chegou à conclusão de que o sistema de gestão ambiental da empresa não evita a ocorrência dos impactos ambientais. A Freeport declarou que, pelo sistema de gerenciamento de rejeitos, o local pode ser recuperado com vegetação natural ou usado para cultivo. Entretanto, Zikri (2009) percebeu que na realidade alguns rios estão contaminados com poluentes químicos.

Dai (2010) buscou verificar os impactos do relatório sombra e relatório silencioso sobre os relatórios socioambientais de algumas organizações. Os impactos de ambos os relatórios foram investigados de acordo com a existência, natureza e eficácia dos impactos, respectivamente. Para tanto, o autor valeu-se de relatórios sombras criados por o que ele chamou de dois sites. O Site um foi o relatório sombra criado pela ONG Save Happy Valley Coalition (SHVC) para a empresa Solid Energy New Zealand Ltd (Solid Energy). O Site dois, composto por relatórios sombra promovidos pelas ONGs Action on Smoking, Health (ASH), Friends of the Earth (FoE) e Christian Aid sobre a segunda maior empresa de tabaco do mundo, a British American Tobacco (BAT). O autor conclui que o relatório sombra tem a capacidade de realizar mudanças nos relatórios socioambientais corporativos. Quanto ao site um, o autor mostrou que quatro das sete questões estudadas apresentaram um razoável progresso imediato e contínuo nos relatórios corporativos pós-relatório sombra. Já no site dois, quatro das cinco questões levantadas pelo relatório sombra alcançaram fortes respostas logo no relatório posterior da BAT.

Moreira (2012) aplicou uma proposta adaptada do relatório sombra e silencioso para o setor elétrico como instrumento de melhoria da qualidade informacional dos repórteres sobre o desempenho socioambiental de um grupo de empresas do sistema Eletrobrás. O autor identificou um baixo nível de prestações de contas socioambientais na comparação e verificação entre o que a corporação comunica e o que divulgam fontes de terceiros.

Assim, com base no assunto abordado sobre os impactos socioambientais e a responsabilidade da contabilidade quanto às práticas de evidenciação ambiental e social, esta pesquisa tem o intuito de aplicar uma proposta adaptada do relatório sombra e do relatório silencioso. Tais relatórios podem exercer um papel de suporte para os principais interessados nas ações socioambientais das entidades e seus impactos, podem contribuir no desenvolvimento e aperfeiçoamento da qualidade da informação divulgada pela Norte Energia S.A.

METODOLOGIA

A pesquisa se caracteriza como predominantemente descritiva quanto aos objetivos. Quanto aos procedimentos adotados, a mesma se caracteriza como documental, e baseia-se nas reportagens de fontes de informações externas, relatórios e documentos divulgados pela empresa. Sobre a abordagem do problema, a pesquisa se caracteriza como qualitativa, pois requer a compreensão da natureza de um fenômeno social (Raupp; Beuren, 2003).

Esta pesquisa teve como escolha de objeto de pesquisa a empresa Norte Energia S.A., empresa de propósito específico, propósito esse de construir e gerir a concessão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu. A pesquisa limitou-se a explorar informações de cunho socioambiental conforme definição do Pacto Global da ONU (Moreira, 2012).

A proposta da Hidrelétrica de Belo Monte é voltada de grande controvérsia graças à grandiosidade do projeto e seus prováveis impactos que a construção que uma hidrelétrica desse tamanho pode gerar no meio ambiente e na população ao seu entorno (Fearnside, 2010).

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo, e está cercada de inúmeras pressões sociais e polêmicas em torno de sua construção. Tal fato motivou a realização desta pesquisa, devido aos impactos socioambientais que uma obra dessa magnitude ocasiona. Limitou-se um corte temporal de janeiro de 2013 a dezembro de 2013, com exceção de uma informação extraída em 03 de setembro de 2014 utilizada no Quadro 07 desta pesquisa. O levantamento de dados ocorreu via internet pela facilidade de acesso aos dados e baixo custo para divulgação das informações de natureza socioambiental, tanto para a construção do shadow report quanto para o silent report.

Vale ressaltar que, ao se elaborar os relatórios sombra e silencioso da empresa Norte Energia S.A., primeiro construiu-se o relatório sombra com origem em informações que, a priori, refletem os interesses dos stakeholders no cunho das informações socioambientais. Assim, manteve-se o propósito de fornecer informações de acordo com os anseios dos principais interessados por tais informações. Caso contrário, ter-se-ia o risco de a pesquisa não dispor do senso crítico necessário, dado que o relatório silencioso poderia estar repleto de informações que não ditam os principais interesses dos stakeholders, principalmente aqueles com menor poder de influência (Hamling et al., 2006; Moreira, 2012).

Para a compilação do relatório sombra procurou-se usar o maior número de informações possíveis de terceiros, tanto de fontes de abrangência nacional quanto de abrangência regional e local, a partir de canais de órgãos públicos e empresas privadas de informação a fim de se manter uma maior imparcialidade (Dey, 2003; Moreira, 2012).

Para a construção do relatório sombra foram selecionados os seguintes canais de informações tanto de abrangência nacional quanto regional:

Quadro 01
Relação dos canais de informações externos

elaboração própria

Vale ressaltar que foram utilizados canais de informação de abrangência local (como Altamira Hoje e OXingu), mas ambos replicavam informações de canais de informação com maior circulação, como a Folha de S. Paulo e do próprio Ministério Público do Pará.

A busca de informações se limitou no uso das terminologias “Norte Energia”, “Belo Monte” e “Altamira” no sistema interno de cada sítio consultado. Foi feito o uso do sinal gráfico de aspas nos termos para que nos resultados apresentassem no texto a citação da referida expressão (Moreira, 2012). Após a busca foi feita a leitura de cada notícia que incluísse os termos pesquisados e dentre elas selecionaram-se as de cunho socioambiental relacionadas com a empresa Norte Energia S.A. Posteriormente, foram selecionadas as seguintes informações socioambientais: o tratamento das contingências socioambientais; mitigação dos impactos ambientais – o impacto na ictiofauna (peixes) da Volta Grande do Xingu; crescimento populacional no município de Altamira. Vale ressaltar que essas variáveis foram também utilizadas por Moreira (2012), com exceção do crescimento populacional. Esta última foi selecionada por conta de inúmeros impactos ocasionados por tamanho crescimento populacional no município de Altamira.

A partir das informações do relatório sombra foi construído o relatório silencioso, utilizando a metodologia de “corta-e-cola” aplicada por Hamling et al. (2006) e Moreira (2012), para reduzir possível viés provocado pela influência dos autores na construção do devido relatório.

Quadro 2
Shadow e Silent Report

Para a construção do relatório silencioso foram utilizadas informações divulgadas pela própria empresa Norte Energia S.A. em seus canais de informações e relação com o investidor (http://norteenergiasa.com.br/site/), bem como os relatórios divulgados pela entidade.

Vale ressaltar que a metodologia do presente estudo teve como base as metodologias aplicadas por Gibson et al. (2001), Hamling et al. (2006) e Moreira (2012).

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a Norte Energia S.A.

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE de Belo Monte) está em construção na Volta Grande do Rio Xingu, região amazônica que já se encontra em estágio avançado de ocupação. Isso acarreta, além dos impactos ambientais causados por um empreendimento desse tamanho e dessa natureza, impactos sociais desproporcionais (Leite et al., 2013).

Uma barragem será construída a quarenta quilômetros do município de Altamira. Estudos apontam que ela causará a inundação permanente do leito do rio, que atualmente só alaga por inteiro nos períodos de cheias. Por conta da barragem, a sequência do rio posterior a ela passará a ter sua vazão completamente reduzida, ficando com o fluxo definitivo que hoje ele tem somente nos períodos de secas, afetando diretamente as populações indígenas e ribeirinhas que vivem ao longo do rio e que dependem dele para sobreviver (Leite et al., 2013).

Quando houve o leilão em 20 de abril de 2010 para a concessão da construção da UHE de Belo Monte, coube à Norte Energia S.A. a outorga por um prazo de 35 anos. O Ibama concedeu a licença prévia de Belo Monte em 01/02/2010. Essa licença foi concedida a partir do cumprimento de um conjunto de condicionantes exigidos. Isso resultou em um Projeto Básico Ambiental (PBA), que prevê dezenas de programas, tais como: a construção de escolas e postos de saúde, instalação de redes de água e esgoto em Altamira e Vitória do Xingu; monitoramento da qualidade da água e das populações de peixes; detalhamento de um sistema de transposição de barcos no barramento de Pimental. Nunca foi feito um programa de mitigação tão ambicioso quanto esse na história da construção de barragens no Brasil. É previsto um gasto de mais de R$ 4 bilhões somente para tais programas de mitigações socioambientais (Leite et al., 2013).

Relatório Sombra x Relatório Silencioso

O relatório sombra que será apresentado nesta pesquisa foi feito a partir de informações de terceiros. O relatório silencioso foi elaborado com informações divulgadas pela própria Norte Energia S.A. Em seguida, realiza-se uma comparação entre os dois relatórios.

Tratamento das Contingências Socioambientais

O quadro 3 diz respeito à construção do relatório sombra quanto aos processos judiciais levantados contra a empresa Norte Energia S.A.

Quadro 03
Shadow Report das contingências socioambientais

elaboração própria Percebe-se, no ano de 2013, uma grande participação do Ministério Público Federal do Pará, representado pela Procuradoria da República do Pará, por conta do não cumprimento de diversas exigências feitas à Norte Energia S.A. para que a mesma obtivesse seus devidos licenciamentos. Não cabe ao objetivo dessa pesquisa investigar as motivações do MP/PA, mas confrontar tais informações com o que é divulgado pela entidade.

No quadro 4 foi construído o relatório silencioso, a fim de fazer um contraponto a essas informações do relatório sombra.

Quadro 04
Silent Report das contingências socioambientais

elaboração própria

Os itens de número 1, 2 e 3 do relatório silencioso exposto no quadro 3 são notas divulgadas pela empresa Norte Energia S.A. no seu canal de comunicação no próprio site da entidade. Nelas não há como perceber alguma relação direta com os processos do MP/PA descritos no relatório sombra exposto no quadro 4.

Os itens de número 4 e 5 são as Notas Explicativas de número 12 e 24 das Demonstrações Financeiras da empresa Norte Energia S.A. referentes ao exercício social de 31 de dezembro de 2013. Na nota explicativa de número 12 a empresa reconhece um Passivo com Contingência de R$ 6.692 (mil) no seu Balanço Patrimonial referente à aquisição e indenizações de benfeitorias de terrenos litigiosos na região atingida pela construção da usina, valor esse explícito no Balanço Patrimonial da empresa de mesma data. Já na nota explicativa de número 24 a empresa evidencia e reconhece outras demandas administrativas e judiciais. Nas referentes ações discriminadas na nota explicativa de número 24, pode-se fazer uma relação direta dos processos descritos nas letras a) e c) com os citados no relatório sombra.

De acordo com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), Pronunciamento Técnico 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, quando se diz respeito a passivo contingente, somente os eventos possíveis de acontecer são explícitos em nota explicativa, e os prováveis de acontecer são reconhecidos no Balanço Patrimonial e em nota explicativa. Por esse motivo pode-se chegar à conclusão do não reconhecimento no Balanço Patrimonial das contingências geradas pelos processos descritos na nota explicativa de número 24 e relacionados com o relatório sombra, pois tiveram prognóstico de perda possível e não provável. Mas estão explicados em nota explicativa.

No Brasil, a evidenciação socioambiental não é compulsória, logo o disclosure é considerado voluntário (Rover et al., 2012). Porém, o CPC 25 exige a evidenciação de passivos e ativos contingentes, mesmo ele sendo de caráter socioambiental. Pode-se utilizar esse exemplo para justificar a defesa da divulgação obrigatória tida por Maltby (1997) e Levy et al. (2010). Mesmo com suas limitações, a obrigatoriedade da divulgação de passivos contingentes de caráter socioambiental permite que a lacuna da informação entre stakeholder e entidade seja menor. Consegue-se associar alguns itens do relatório sombra com o relatório silencioso.

Com exceção dessas três notícias e as Notas Explicativas de número 12 e 24 das Demonstrações Financeiras da empresa, não há nenhum outro tipo de informação que diz respeito a essa natureza divulgada pela Norte Energia S.A.

Mitigação dos impactos ambientais: o impacto na ictiofauna (peixes) da Volta Grande do Xingu

A população ribeirinha da Volta Grande do Xingu tem na pesca sua principal fonte de renda, e para obter uma renda extra mensal há o comércio de peixes ornamentais. Com a diminuição da vazão do rio, os peixes que dependem das cheias para sua sobrevivência serão atingidos, o que afetará diretamente o estilo de vida das pessoas que dependem do rio para sua sobrevivência.

O processo de licenciamento pelo Ibama resultou num Projeto Básico Ambiental (PBA), que prevê projetos voltados para a mitigação dos impactos ambientais dessa amplitude ocasionados pela construção da UHE de Belo Monte. Pelos estudos de impacto ambiental, cerca de 50% das espécies de peixes da região irão sofrer alterações na sua densidade e abundância por conta desse empreendimento.

No quadro 05 foi construído o relatório sombra, com os impactos na ictiofauna na região da Volta Grande do Xingu.

Quadro 05
Shadow Report das mitigações dos impactos ocasionados na ictiofauna

elaboração própria O item 1 do quadro 04 expressa a preocupação e a emergência quanto ao impacto que a UHE de Belo Monte ocasionará na ictiofauna da Volta Grande do Xingu e, consequentemente, no estilo de vida da população ribeirinha da região.

Em entrevista para a Folha de S. Paulo, exposta no item de número 2 do relatório sombra apresentado no quadro 04, o responsável pela gestão ambiental da Norte Energia, Antônio Neto, admite que não se pode saber o que realmente irá acontecer com a queda da vazão média nas cheias do rio, pelo fato de a maioria dos projetos nesse sentido serem de caráter experimental.

Já o item 3 do relatório sombra evidencia os avanços na discussão dos projetos de mitigação dos impactos ambientais da construção da UHE de Belo Monte, nesse caso, o sistema de transposição de peixes. Porém deixa mais claro esse caráter experimental.

O quadro 06 traz as informações divulgadas pela Norte Energia S.A. quanto às mitigações dos impactos ocasionados na ictiofauna por conta da construção da UHE de Belo Monte.

Quadro 06
Silent Report das mitigações dos impactos ocasionados na ictiofauna

elaboração própria

O item número 1 do relatório silencioso exposto no quadro 05 foi retirado do trecho do Relatório Anual de Administração de 2013 divulgado pela Norte Energia S.A. e mostra o desenvolvimento dos projetos previstos pelo PBA. Pode-se concluir esse caráter experimental comentado no relatório sombra. Percebe-se também o alto grau de dependência da população ribeirinha em relação a esses projetos, já que a criação e reprodução de peixes ornamentais irão ficar a critérios dos laboratórios, tanto quanto o projeto que prevê a pesca sustentável da região. A população ribeirinha perde a autonomia de sua sustentabilidade.

As obras da UHE de Belo Monte já estão em andamento desde 2011 e os projetos de mitigação dos impactos ambientais na ictiofauna da região estão ainda em fase de construção e estudos, o que vem gerando grandes embates com a população local, ribeirinha e indígena que já sentem o impacto no seu estilo de vida e sustento com os andamentos da construção da UHE de Belo Monte. Não foram encontrados outros tipos de informações nesse âmbito nos meios de comunicação da Norte Energia S.A., bem como em seus relatórios administrativos e financeiros.

Diferentemente da empresa analisada por Hamling et al. (2006), a Norte Energia S.A. deixa clara sua suposta preocupação quanto ao meio ambiente e a sociedade que a cerca, mas, ao analisar as informações do shadow e do silent reports quanto ao impacto da ictiofauna da região, percebe-se uma divergência de interesses entre stakeholder e empresa.

Crescimento Populacional do município de Altamira

A construção da UHE de Belo Monte tem em sua área de influência 11 municípios, mas nenhum está sendo mais afetado que Altamira e um dos maiores impactos sociais é o efeito de migração ocasionado pela construção da usina. O quadro 7 representa o relatório sombra quanto ao crescimento populacional de Altamira.

Quadro 07
Shadow Report do crescimento populacional do município de Altamira

elaboração própria De acordo com pesquisa do Data Folha, exposto na reportagem do item número 1 do relatório sombra presente no quadro 7, a população de Altamira cresceu quase 40% em apenas quatro anos. Pode-se dizer que esse crescimento populacional desenfreado é o que mais gera impactos sociais quanto ao empreendimento da Norte Energia S.A.

Essa informação é corroborada pelo que é divulgado pela prefeitura de Altamira no item 2 do relatório sombra exposto no quadro 7. O último censo feito pelo IBGE foi realizado em 2010, um ano antes de as obras da UHE de Belo Monte começarem. Ainda de acordo com o item 2 do quadro acima, esse crescimento desenfreado da população do município de Altamira trouxe sérios problemas por conta da falta de infraestrutura da cidade, onde não existe sistema de esgoto e apenas 40% da população é contemplada com abastecimento de água.

Não foi encontrada nenhuma divulgação por parte da Norte Energia S.A. em relação ao crescimento demográfico de Altamira entre os dias 01/01/2013 e 31/12/2013. Porém, em 03/09/2014 a empresa divulgou a seguinte informação disposta no relatório silencioso do quadro 08.


Quadro 08

Silent Report do crescimento populacional do município de Altamira

elaboração própria

A informação do item 1 do relatório silencioso exposto no quadro 07 não condiz com as informações divulgadas no relatório sombra do quadro 06. Baseando-se em uma projeção de crescimento populacional divulgado pelo IBGE, a Norte Energia S.A. afirma que a população de Altamira cresceu 7.693 de 2010 para 2014.

O documento emitido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que explica a metodologia adotada para se fazer a projeção anual dos municípios do Brasil diz o seguinte:

As estimativas da população residente para os municípios brasileiros, com data de referência em 1o de julho de 2014, foram elaboradas a partir da projeção para cada estado, incorporando os resultados dos parâmetros demográficos calculados com base nos resultados do Censo Demográfico 2010 e nas informações mais recentes dos registros de nascimentos e óbitos. Os totais populacionais dos municípios, enumerados pelos Censos Demográficos 2000 e 2010, foram ajustados linearmente, utilizando-se o fator de ajuste aplicado nestes anos em cada Unidade da Federação. Esses totais populacionais municipais, em 2000 e 2010, serviram de base para o estabelecimento da tendência de crescimento de cada município no cálculo das estimativas municipais, com data de referência em 1o de julho de 2014 (IBGE, 2014 p. 4).

O que se pode entender pelo documento emitido pelo IBGE, que o cálculo da projeção de crescimento demográfico dos municípios do Brasil se utiliza um fator de ajuste, fator esse calculado levando em consideração o comportamento do crescimento populacional entre um censo e outro, no caso para 2014, esse fator foi calculado utilizando como base o crescimento populacional entre o censo de 2000 e 2010.

Pode-se concluir que, talvez, a construção da UHE de Belo Monte e a migração de pessoas para suas áreas de influência, principalmente para a cidade de Altamira, não foi incluída no cálculo da estimativa de crescimento populacional desse município, o que gera essa discrepância entre o relatório sombra e o relatório silencioso.

Vale ressaltar que se tentou entrar em contato com pessoas dentro do IBGE responsáveis por esse cálculo e até o fim deste trabalho não se obteve resposta.

Tal resultado evidencia a lacuna que existe entre a percepção da realidade pelos stakeholders e a Norte Energia S.A. É clara a seleção de informação favorável por parte da Norte Energia S.A. no que diz respeito ao crescimento populacional do município de Altamira. O relatório sombra e silencioso apresentado nesta seção deixa evidente a crítica tida pela literatura quanto à seleção de informações ambientais positivas e omissão de informações negativas da performance ambiental no que diz respeito à evidenciação voluntária (Collison et al., 2010; Moreira, 2012; Pereira, Luz & Carvalho, 2015).

O relatório sombra e o relatório silencioso que trata do crescimento populacional do município de Altamira cumprem com seu objetivo de dar voz a outros atores e quebrar a hegemonia do relatório socioambiental corporativo que configuram a realidade atual, como acusam Bebbington et al. (2007) e Dai (2010).

CONCLUSÃO

Atendendo à demanda cada vez maior de informações socioambientais mais precisas por parte dos stakeholders, pesquisadores em Ciências Contábeis, por meio dos esforços de seus pesquisadores e entidades interessadas, estão desenvolvendo ferramentas e métodos para atender a essa demanda.

O shadow e silent reports foram intuídos para ajudar e aperfeiçoar a divulgação da informação socioambiental por parte das entidades. O primeiro utiliza informações de terceiros e o segundo, informações da entidade objeto em questão, com o intuito de diminuir o gap de informações entre a organização e a sociedade que a cerca. Além de auxiliar no combate do discurso hegemônico dos relatórios socioambientais corporativos tipos na configuração atual (Bebbington et al., 2007; Dai, 2010).

Levando em consideração essa demanda por parte dos stakeholders e impactos socioambientais gerados pela construção e funcionamento de uma hidrelétrica, este trabalho teve como objetivo analisar as informações socioambientais divulgadas pela empresa Norte Energia S.A., a partir da construção de uma proposta de shadow e silent reports. Foram selecionados os seguintes pontos para análise: o tratamento das contingências socioambientais; mitigação dos impactos ambientais – o impacto na ictiofauna (peixes) da Volta Grande do Xingu; e crescimento populacional do município de Altamira. Limitou-se um corte temporal de janeiro de 2013 a dezembro de 2013, com exceção de uma informação extraída em 03 de setembro de 2014, utilizada como mencionado na sessão 3 deste trabalho.

O relatório sombra mostra alguns dos processos movidos pelo MP/PA contra a empresa Norte Energia S.A. Ao se comparar com o relatório silencioso, percebe-se o reconhecimento desses processos na Demonstração Financeira de exercício social de 31 de dezembro de 2013, de acordo com as normas brasileiras de contabilidade. O relatório sombra e silencioso, construídos para essa conta, desempenham o seu papel e demonstram ao usuário o tratamento que a empresa empreende às suas contingências socioambientais. Pode-se afirmar que houve um gap menor de informação entre stakeholder e a Norte Energia S.A. por conta da obrigatoriedade tida pelo CPC 25 para a divulgação de ativos e passivos contingentes, mesmo os de caráter socioambiental. Por mais que a evidenciação socioambiental no Brasil seja exclusivamente voluntária (Rover et al., 2012), as exigências do CPC 25 quanto à divulgação das contingências atribui certo caráter compulsório às contingências socioambientais e a associação de alguns itens do relatório sombra ao relatório silencioso justifica a defesa da divulgação obrigatória tida por Maltby (1997) e Levy et al. (2010).

Nesta pesquisa foram reunidas informações que demonstram o impacto que a população de peixes vem sofrendo com a construção da UHE de Belo Monte, e consequentemente os indivíduos que dependem da mesma para sua sobrevivência, bem como o caráter dos projetos desenvolvidos pela Norte Energia S.A. para a mitigação desses impactos. O caráter experimental desses projetos de mitigação é o que mais preocupa os principais indivíduos atingidos por esses impactos, pois existe uma grande incerteza se tais projetos darão resultado ou não, ainda mais contando-se com a grande diminuição da vazão do volume de água no período das cheias. A construção do relatório sombra e silencioso cumpre seu papel no momento em que consegue fazer a ligação das informações de um para o outro e demonstrar mais conclusivamente esse caráter experimental dos projetos. Diferentemente da empresa estudada por Hamling et al. (2006), a Norte Energia S.A. discursa sempre a favor do meio ambiente e da sociedade que a cerca, porém, percebe-se uma diferença de interesses dos stakeholders e da empresa quanto às medidas de mitigação dos impactos da ictiofauna da Volta Grande do Xingu.

Além disso, o relatório sombra mostra um crescimento populacional de 40% de 2010 até o final de 2013 no município de Altamira, a cidade que foi mais atingida pela construção da UHE de Belo Monte na área de influência direta da usina. Já o relatório silencioso mostra um crescimento um pouco menor de 8% de 2010 até junho de 2014. A Norte Energia S.A. utilizou-se de uma projeção de crescimento populacional desenvolvida pelo IBGE para informar o crescimento do município de Altamira. Analisando a metodologia utilizada para o desenvolvimento dessa projeção, não se percebe a influência da construção da UHE de Belo Monte nos cálculos do IBGE, e sim uma relação direta do comportamento do crescimento populacional entre o censo de 2000 e de 2010. A construção da UHE de Belo Monte teve início em 2011, o que pode ter gerado resultados enviesados nos cálculos do IBGE. Esse ponto da análise é onde ficou mais evidente toda a lacuna entre a informação tida pelo stakeholder e a informação divulgada pela entidade. Fica em foco a seleção de informação favorável por parte da Norte Energia S.A. nessa situação, o que corrobora as afirmações de Collison et al. (2010), Moreira (2012) e Pereira, Luz & Carvalho (2015) quanto à divulgação de informações positivas e ao caráter favorável para a entidade em detrimento e omissão de informações negativas e de caráter desfavorável.

O desalinhamento de informações encontrado neste estudo é semelhante ao de Moreira (2012), em respeito à tendência de divulgação socioambiental de informações caráter positivo por parte das empresas. Isso aponta para um comportamento semelhante do gestor no que tange à decisão sobre a evidenciação voluntária de aspectos socioambientais. Este estudo contribui para os achados de Gibson et al. (2001), Hamling et al., (2006), Zikri (2009), Dai (2010) e Moreira (2012), pois foram construídos um relatório sombra e um relatório silencioso a fim de atender a diversos stakeholders e contribuir com a transparência da evidenciação ambiental e social e a diminuição da lacuna da informação tida pela sociedade e a divulgada pela entidade, assim como o trabalho desses autores.

Acredita-se que o presente trabalho atingiu seu objetivo de analisar as informações socioambientais divulgadas pela empresa Norte Energia S.A., a partir da construção de uma proposta adaptada do shadow e silent reports. Dessa maneira diminuindo a lacuna existente entre as informações tidas pelos stakeholders e as divulgadas pela entidade. Além de representar uma força alternativa de informação contra essa seleção de “boas notícias” preconizadas por Gibson et al. (2001), Bebbington et al. (2007), Dey (2003), Ruffing (2007), Dai (2010), Collison et al. (2010) e Moreira (2012).

Para futuros estudos sugere-se explorar outros fatores socioambientais e impactos socioambientais gerados pela UHE de Belo Monte, como em outras empresas brasileiras.

Além de deixar sua contribuição, este trabalho deixa como sugestão para futuras explorações acadêmicas a compilação de relatórios sombra e silencioso de outros pontos de impactos socioambientais acarretados pela UHE de Belo Monte, pois os projetos de mitigação dos mesmos são os mais ambiciosos que já se viu na construção de uma hidrelétrica, além de incentivar esse tipo de exploração para outras empresas nacionais.

Referências

Azzone, G., Brophy, M., Noci, G., Welford, R., & Young, W. (1997). A stakeholders' view of environmental reporting. Long Range Planning, 30(5), 699-709.

Bebbington, J., Brown, J., Frame, B., & Thomson, I. (2007). Theorizing engagement: the potential of a critical dialogic approach. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 20(3), 356-381.

Beck, A. C., Campbell, D., & Shrives, P. J. (2010). Content analysis in environmental reporting research: Enrichment and rehearsal of the method in a British-German context. The British Accounting Review, 42(3), 207-222.

Collison, D., Dey, C., Hannah, G., & Stevenson, L. (2010). Anglo-American capitalism: the role and potential role of social accounting. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 23(8), 956-981.

Dai, B. (2010). Investigating the impacts of shadow reports on the social and environmental reports of their targeted corporations (Master dissertation, Auckland University of Technology).

Dey, C. (2003). Corporate “silent” and “shadow” social accounting. Social and Environmental Accountability Journal, 23(2), 6-9.

Fearnside, P. M. (2010). As hidrelétricas de Belo Monte e Altamira (Babaquara) como fontes de gases de efeito estufa. Novos Cadernos NAEA,12(2), 5-56.

Gibson, K., Gray, R., Laing, Y., & Dey, C. (2001, August). The Silent Accounts Project: Draft Silent and Shadow Accounts 1999-2000. In BAA Scottish Group Conference, Stirling. Disponível em https://www.st-andrews.ac.uk/csear/.

Hahn, R., & Kühnen, M. (2013). Determinants of sustainability reporting: a review of results, trends, theory, and opportunities in an expanding field of research. Journal of Cleaner Production, 59, 5-21.

Hamling, A., Kololian, C., Lloyd, Z.; Yuill, Z. (2006). Silent and Shadow Report: RyanAir. University of St Andrews. Disponível em http://www.st-andrews.ac.uk/media/csear/app2practice-docs/CSEAR_ryanair2007.pdf.

Holland, L., & Foo, Y. B. (2003). Differences in environmental reporting practices in the UK and the US: the legal and regulatory context. The British Accounting Review, 35(1), 1-18.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2014). Estimativas da população residente nos municípios brasileiros com data de Referência em 1o de julho de 2014. Disponível em ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/nota_metodologica_2014.pdf.

Leite, M., Amora, D., Kachani, M., Almeida, L., & Machado, R. (2013, Dezembro 16). A batalha de belo Monte. Folha de S. Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/especial/2013/belomonte/

Levy, D. L., Brown, H. S., & De Jong, M. (2010). The Contested politics of corporate governance the case of the global reporting initiative. Business & Society, 49(1), 88-115.

Lins, L. D. S., & Silva, R. N. S. (2010). Responsabilidade Socioambiental ou Greenwash: uma avaliação com base nos relatórios de sustentabilidade ambiental. Sociedade, Contabilidade e Gestão, 4(1).

Maltby, J. (1997). Setting its own standards and meeting those standards: voluntarism versus regulation in environmental reporting. Business Strategy and the Environment, 6(2), 83-92.

Monteiro, S. (2007). Factores explicativos do grau de divulgação ambiental em grandes empresas a operar em Portugal: análise multivariada. Conocimiento, innovación y emprendedores: camino al futuro, 1005-1023.

Moreira, F. N. (2012). Shadow Report: A informação socioambiental à sombra do disclosure contábil no setor elétrico. (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil).

Pereira, F. E., Morais Luz, J. R., & Carvalho, J. R. M. (2015). Evidenciação das Informações Ambientais das Empresas do Setor de Energia Elétrica do Brasil. Revista Evidenciação Contábil & Finanças, 3(2), 60-72.

Raupp, F. M., & Beuren, I. M. (2003). Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e prática, 3, 76-97.

Ribeiro, A. M. (2009). Evidenciação Ambiental: uma investigação transnacional dos reflexos de diferentes marcos regulatórios sobre as práticas de evidenciação ambiental das empresas do setor de petróleo e gás natural. (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, SC, Brasil).

Rosa, F. S., Ensslin, S. R., Ensslin, L., & Lunkes, R. J. (2011). Gestão da evidenciação ambiental: um estudo sobre as potencialidades e oportunidades do tema. Engenharia Sanitária Ambiental, 16(1), 157-166.

Rosa, L. P., Sigaud, L., & Rovere, E. L. (1995). Estado, energia elétrica e meio ambiente: o caso das grandes barragens. COPPE.

Rover, S., Tomazzia, E. C., Murcia, F. D. R., & Borba, J. A. (2012). Explicações para a divulgação voluntária ambiental no Brasil utilizando a análise de regressão em painel. Revista de Administração, 47(2), 217-230.

Ruffing, L. (2007). Silent vs. shadow reports: What can we learn from BP's sustainability report versus the financial times? Social and Environmental Accounting Journal, 27(1), 9-16.

Sousa, W. L. (2000). Impacto ambiental de hidrelétricas: uma análise comparativa de duas abordagens (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil).

Zhouri, A., & Teixeira, R. (2007). Desenvolvimento, Conflitos Sociais e Violência no Brasil Rural: o caso das hidrelétricas. Ambiente e Sociedade, 119-135.

Zikri, M. (2009). Silent and Shadow Account of Freeport Indonesia. MSc-Business with Management.

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por