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REFLEXÕES EMPÍRICAS SOBRE A DIMENSÃO SOCIAL DA SUSTENTABILIDADE EM CADEIAS DE SUPRIMENTO: O QUE PRECISA MUDAR?
Ana Paula Ferreira Alves; Minelle Enéas da Silva
Ana Paula Ferreira Alves; Minelle Enéas da Silva
REFLEXÕES EMPÍRICAS SOBRE A DIMENSÃO SOCIAL DA SUSTENTABILIDADE EM CADEIAS DE SUPRIMENTO: O QUE PRECISA MUDAR?
EMPIRICAL REFLECTIONS ABOUT THE SOCIAL DIMENSION OF SUSTAINABLE SUPPLY CHAIN MANAGEMENT: WHAT MUST CHANGE?
REFLEXIONES EMPIRICAS DE LA DIMENSIÓN SOCIAL DE LA SOSTENIBILIDAD EN LAS CADENAS DE SUMINISTRO: ¿QUÉ DEBE CAMBIAR?
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 6, núm. 1, pp. 13-25, 2017
Universidade Nove de Julho
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Resumo: Nos últimos anos, têm sido deflagrados vários escândalos observados em níveis mundiais, relacionados ao desrespeito aos direitos humanos, e também ao envolvimento de organizações de diversas cadeias de suprimento. Sob essa questão, este estudo objetiva identificar a aplicação de aspectos sociais em cadeias de suprimento de uma empresa de confecções brasileira. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa por meio de um levantamento documental a partir de três critérios de coleta apontados, quais sejam: discurso do social, ações sociais e prática do social. Os resultados apontam que a empresa vem evidenciando preocupações com a dimensão social, voltadas à cadeia de suprimento. Entretanto, estimula-se aprofundar discussões que podem ampliar sua performance social, ainda inconsistentes, e, portanto, contribuir com a inserção da sustentabilidade na cadeia de suprimento.

Palavras-chave:Dimensão SocialDimensão Social,Cadeias de SuprimentoCadeias de Suprimento,SustentabilidadeSustentabilidade,MudançaMudança.

Abstract: In recent years, several world scandals have been triggered in relation to human rights abuse, involving various supply chain members. About this question, this study aims to identify the application of social aspects in supply chains of a Brazilian clothing company. Therefore, a desk research was done from a qualitative approach according to three criteria for collection, which are: social discourse, social action, and social practice. The results show that the company has been showing concerns about the social dimension, focused on the supply chain. However, the deepening of discussions is encouraged so as to enhance their social performance, still inconsistent, and therefore contribute to the integration of sustainability in the supply chain.

Keywords: Social Dimension, Supply Chains, Sustainability, Change.

Resumen: En los últimos años, varios escándalos en todo el mundo se han disparado en relación con la violación de los derechos humanos, con la participación de varias organizaciones de la cadena de suministro. Siendo así, este estudio tiene como objetivo identificar la aplicación de las actividades sociales en cadenas de suministro de una empresa de ropa brasileña. Por lo tanto, llevamos a cabo una investigación cualitativa con la encuesta de la investigación documental de tres criterios: discurso social, la acción social, y la práctica social. Los resultados muestran que la compañía ha estado mostrando la preocupación por la dimensión social, centrado en la cadena de suministro. Sin embargo, se recomienda que la profundización de las discusiones que mejoran su desempeño social, aunque se es inconsistente, y, por tanto, contribuir a la integración de la sostenibilidad en la cadena de suministro.

Palabras clave: Dimensión Social, Cadenas de Suministro, Sostenibilidad, Cambiar.

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REFLEXÕES EMPÍRICAS SOBRE A DIMENSÃO SOCIAL DA SUSTENTABILIDADE EM CADEIAS DE SUPRIMENTO: O QUE PRECISA MUDAR?

EMPIRICAL REFLECTIONS ABOUT THE SOCIAL DIMENSION OF SUSTAINABLE SUPPLY CHAIN MANAGEMENT: WHAT MUST CHANGE?

REFLEXIONES EMPIRICAS DE LA DIMENSIÓN SOCIAL DE LA SOSTENIBILIDAD EN LAS CADENAS DE SUMINISTRO: ¿QUÉ DEBE CAMBIAR?

Ana Paula Ferreira Alves
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Minelle Enéas da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 6, núm. 1, pp. 13-25, 2017
Universidade Nove de Julho

Recepção: 04 Outubro 2016

Aprovação: 07 Fevereiro 2017

INTRODUÇÃO

As discussões relacionadas à cadeia de suprimento e à atuação da empresa focal, em meio aos relacionamentos interorganizacionais, têm sido bastante enfatizadas na literatura acadêmica e no contexto prático como estratégias que facilitam o alcance de metas e objetivos. Tal perspectiva está diretamente relacionada com a visão de Mentzer et al. (2001) no que se refere à interação entre atores na busca pela melhoria de performance em longo prazo, bem como à efetividade das ações organizacionais. A partir dessa discussão, o que se tem almejado com a realização de relacionamentos como a cadeia de suprimento é entender e direcionar as ações de uma empresa junto aos demais envolvidos nos seus processos.

O desenvolvimento da estratégia cadeia de suprimento (CS) vem se modificando, pois está sendo exigido das organizações buscar algo mais do que apenas a contribuição econômica. Destaca-se, nesse contexto, a perspectiva da sustentabilidade e, com isso, a emergência de aspectos sociais e ambientais nas atividades de uma empresa e de sua CS. Isso ocorre para que tais dimensões deixem de ocorrer em circunstâncias pontuais e/ou excepcionais (Elkington, 2001) e entrem na agenda das organizações. De acordo com Pagell e Schevchenko (2014), para que a sustentabilidade possa ser observada, as cadeias de suprimento devem tratar o ambiental e o social de forma equilibrada com a lógica de performance econômica. Com isso, as ações que eram até então focadas no retorno financeiro, fundamentalmente, passam a lidar com outros aspectos.

Emerge assim a relação sustentabilidade e cadeia de suprimento. Na literatura internacional, o conceito mais disseminado tem sido o Sustainable Supply Chain Management (SSCM) (Ahi & Searcy, 2013; Ashby, Leat & Hudson-Smith, 2012), o qual pode ser traduzido como Sustentabilidade em Cadeias de Suprimento (SCS) (Silva et al., 2013). Baseada na utilização dos preceitos do Triple Bottom Line (TBL) (Elkington, 2001), em essência, a SCS deve lidar com aspectos sociais, econômicos e ambientais, todavia não é o que tem acontecido nas pesquisas até então observadas. Grande quantidade de estudos tem aperfeiçoado o entendimento da relação ambiental- econômico; no entanto, o social é uma dimensão ainda pouco explorada, principalmente, como afirmam Pagell e Wu (2009), por sua característica mais intangível.

No Brasil, as discussões que consideram a sustentabilidade ao longo de cadeias de suprimento têm se intensificado (Abdala & Barbieri, 2014; Carvalho & Barbieri, 2013; Neutzling & Nascimento, 2014; Silva & Nascimento, 2015; Alves, Santos & Nascimento, 2015 etc.) e parecem se direcionar para uma maior ênfase no aspecto social. São raras as pesquisas com caráter empírico que enfatizam o social como uma dimensão a ser mais ressaltada. É em meio a essa perspectiva que emergiu o presente estudo. Uma das inquietações para quem estuda a sustentabilidade em cadeias de suprimento é: como o aspecto social pode ser incorporado na prática cotidiana da organização e sua cadeia de suprimento? Mais do que isso: o que é considerado como aspecto social recebe apenas indicação ou pode ser mensurado e observado efetivamente?

Existem várias linhas para o estudo do tema (Yawar & Seuring, 2015), tais como compras socialmente responsáveis, relatórios sociais, critérios sociais de seleção de fornecedores e análise social do ciclo de vida (Ciliberti, Pontrandolfo & Scozzi, 2008; Ehrgott et al., 2011; Hutchins & Sutherland, 2008; Leire & Mont, 2010). Ainda, outra perspectiva que pode ser observada relaciona-se à responsabilidade social aplicada à cadeia de suprimento (Ciliberti et al., 2008; Maloni & Brown, 2006; Campos, Alves & Pedrozo, 2014). No contexto brasileiro, a pesquisa de Campos et al. (2014) demonstra aspectos que facilitam considerar mais a dimensão social em cadeias de suprimento. Discussões existem, portanto, entende-se como contribuições buscar novos indícios sobre tal perspectiva.

Ao longo dos últimos anos, vários escândalos mundiais têm sido deflagrados no que se refere ao trabalho escravo e/ou infantil, envolvendo problemas com direitos humanos. Tais irregularidades chamam a atenção da sociedade de forma negativa. Dado que é preciso a harmonia entre as dimensões da sustentabilidade, fica complicado aceitar que organizações sigam na contramão dessa ideia. Com essa motivação, o objetivo dessa pesquisa é identificar a aplicação de aspectos sociais na cadeia de suprimento de uma empresa de confecções brasileira, uma vez que esta tem sido indicada como envolvida em escândalos. Para tanto, utiliza-se uma pesquisa documental no sentido de compreender o discurso da empresa, suas ações e a sua convergência com a prática do social. Ressalta-se que a proposta é focar os aspectos sociais e não a criação de juízo de valor para analisar o tema.

Justifica-se esta pesquisa a partir da argumentação de Silva e Nascimento (2015), que indicam que existe a necessidade de maior destaque para os aspectos sociais em meio ao contexto de sustentabilidade, principalmente em países emergentes. Para melhor compreensão do estudo, divide-se o texto em quatro seções além desta, introdutória. A segunda seção apresenta a base teórica utilizada, no que se refere à sustentabilidade em cadeias de suprimento e à dimensão social. Na terceira seção, estão os procedimentos metodológicos que precedem as análises dos resultados explicitadas na quarta seção. Por fim, apresentam-se as conclusões e considerações finais da pesquisa, ressaltando-se as contribuições da pesquisa.

REFERENCIAL TEÓRICO

A presente seção compreende o referencial teórico para este estudo, destacando-se a sustentabilidade na cadeia de suprimento e, particularmente, a dimensão social na CS.

Sustentabilidade na Cadeia de Suprimento

No sentido de reposicionar os resultados das empresas para o ambiente e a sociedade, para além do foco excessivo na lucratividade e na visão econômico- financeira, busca-se aproximar a sustentabilidade da estratégia de cadeia de suprimento. De acordo com Ashby et al. (2012), as discussões sobre essa temática iniciaram em 2003, mas apenas a partir de 2008 é que tiveram uma maior ênfase por parte dos pesquisadores. Não existem consensos sobre uma definição específica do tema, pois de acordo com o apresentado por Ahi e Searcy (2013) pelo menos 11 diferentes interpretações podem ser identificadas. No entanto, as definições mais disseminadas são as interpretações de Carter e Rogers (2008), Seuring e Müller (2008) e Pagell e Wu (2009). São elas:

[A] integração transparente e estratégica e a relação de metas econômicas, sociais e ambientais de organizações na coordenação sistêmica de processos-chaves de negócios interorganizacionais para melhorar o desempenho econômico ao longo prazo da empresa e sua cadeia de suprimento (Carter & Rogers, 2008, p.368).

A gestão de material, informações e fluxo de capital, bem como a cooperação entre as empresas ao longo da cadeia de suprimento, com objetivos de todas as dimensões da sustentabilidade (econômico, social e ambiental), em relação ao requerido por consumidores e demais stakeholders (Seuring & Müller, 2008, p.1700).

Ações gerenciais específicas realizadas para tornar a cadeia de suprimento mais sustentável, com o objetivo final de criar uma cadeia verdadeiramente sustentável (Pagell & Wu, 2009, p.38).

Das três definições apresentadas, as duas primeiras trazem uma base forte da área de operações, e a terceira busca melhor se adaptar à proposta de sustentabilidade. Inicialmente, os termos “sustentabilidade” e “meio ambiente” foram empregados, de forma equivocada, como sinônimos por pesquisadores e gestores (Carter & Easton, 2011). Desse modo, a ideia de desenvolvimento sustentável, na cadeia de suprimento, é muitas vezes reduzida a melhorias ambientais (Seuring & Müller, 2008). Por sua vez, Seuring (2013) afirma que a dimensão ambiental domina os estudos relacionados à cadeia de suprimento e os aspectos sociais são normalmente interpretados de modo simplista. Nesse mesmo sentido, Abdala e Barbieri (2014) afirmam que a principal diferença entre a green supply chain management (GSCM) e SCS está relacionada à incorporação de aspectos sociais nas práticas e ações da cadeia de suprimento.

Entende-se que o aspecto social emerge definitivamente como um dos diferenciais, mas não necessariamente o principal em uma análise mais acurada, uma vez que, ao se preocupar com a dimensão ambiental, indiretamente gera-se influência e resultados positivos para a dimensão social. Essa perspectiva social é bem disseminada na literatura acadêmica e fortalecida por outros autores. Assim sendo, a discussão que se segue ressalta melhor o posicionamento deste estudo, entendendo que o aspecto aqui considerado está no processo de inserção da sustentabilidade na cadeia de suprimento que surge por motivos maiores do que a dualidade (ou complementaridade) entre o ambiental e o social.

A Dimensão Social da Sustentabilidade na Cadeia de Suprimento

No debate sobre as dimensões da sustentabilidade, compreende-se que a agenda social teria uma história mais longa para as empresas, uma vez que estas lidam com relações sociais e de trabalho. Todavia, é notável que o aspecto ambiental recebe maior atenção (Elkington, 2001). Alguns estudos argumentam que as questões sociais ainda são pouco exploradas na gestão de cadeias de suprimento (Ashby et al., 2012; Beske, Land & Seuring, 2014; Carvalho & Barbieri, 2013; Leppelt et al., 2011; Pagell & Wu, 2009; Seuring & Müller, 2008; Silva et al., 2013; Wolf, 2011). Uma vez comparadas, a dimensão ambiental é significativamente mais bem representada na literatura do que a dimensão social. Mesmo quando ambas são discutidas, a ênfase que se dá é sobre o meio ambiente. Considerando as pesquisas que tratam especificamente da dimensão social, percebe-se que estas tendem a se concentrar em uma prática em particular em vez de tomar uma visão mais holística (Ashby et al., 2012).

Na perspectiva de cadeia de suprimento, a dimensão social não é apenas sinônimo de ética nas operações e de interações entre as partes, mas inclui práticas associadas à filantropia, trabalhos com as comunidades, diversidade no local de trabalho, garantia de segurança, direitos humanos, apoio para a minoria, dentre outras (Markley & Davis, 2007). Em outras palavras, a dimensão social relaciona-se com todo um processo de aproximação do relacionamento interorganizacional no contexto no qual este está inserido. Além disso, entende-se que essa não é apenas mais uma dimensão introduzida na discussão, mas traz consigo uma carga cultural-histórica de grande influência no processo, ao refletir sobre como organizações interagem em busca da entrega de seu produto/serviço.

Segundo Silva e Nascimento (2015, p. 480), os estudos que consideram a dimensão social da sustentabilidade como foco de discussão se esquecem da influência do social na cadeia de suprimento, portanto “[...] em alguns casos a dimensão social deve ser considerada como o core das estratégias de sustentabilidade, e então num segundo momento as estratégias ambientais se tornam possíveis”. Uma discussão que pode ser realizada está no fato de que as práticas sociais na cadeia de suprimento sejam fomentadas pela empresa focal para com seus fornecedores, evidenciando a importância da integração, comunicação, desenvolvimento de parceiros e relacionamento de longo prazo (Ashby et al., 2012). Desse modo, as empresas consideradas focais devem investir em práticas sociais, integradas às práticas ambientais e econômico-financeiras (Markley & Davis, 2007).

Todavia, a avaliação do desempenho social de fornecedores é considerada muito mais difícil de ser analisada e/ou mensurada do que a performance ambiental. Os problemas comumente vinculados ao aspecto social incluem trabalho escravo, trabalho ilegal, trabalho infantil, assédios, baixos salários e qualquer tipo de discriminação (Pagell & Wu, 2009). Dessa maneira, ignorar questões sociais na cadeia de suprimento pode representar grandes riscos ao desempenho da cadeia de suprimento como um todo (Maloni & Brown, 2006). Essa discussão foi realizada por Campos et al. (2014) quando esses autores indicam a responsabilidade social como um ponto importante para o desenvolvimento de parcerias e, então, à inserção da sustentabilidade em cadeias de suprimento.

Considerando tal perspectiva e a proposta de enfatizar o social em cadeias de suprimento, pode-se considerar para este estudo que não existe uma linha de pesquisa específica (como responsabilidade social, relatórios sociais etc.). A proposta é identificar o que vem sendo praticado efetivamente para que então seja possível disseminar tais ações na literatura e, a partir disso, aprofundar a discussão para o contexto brasileiro. Para isso, parte-se da perspectiva de Gonçalves-Dias, Labegalini e Csillag (2012, p.529), que consideram que “é preciso dar ênfase à realidade do país, ressaltar inovações genuinamente brasileiras, [...] e sobre iniciativas práticas ainda não sistematizadas pela academia”. Entende-se que as empresas devem buscar por meio da diversidade de aspectos a inserção do social nas relações dentro da CS. A seguir, são detalhados os procedimentos metodológicos da pesquisa.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento desta pesquisa, tem- se como objetivo central identificar quais são os aspectos sociais na cadeia de suprimento em uma empresa têxtil brasileira por meio da abordagem qualitativa. Entende-se que essa abordagem permite descrever os fenômenos e os elementos que os circundam, analisando os depoimentos dos atores sociais envolvidos, os seus discursos, significados e contextos (Vieira, 2006). Além disso, a pesquisa pode ser caracterizada como exploratória, uma vez que busca o reconhecimento do contexto argumentativo- teórico e das características pertinentes às organizações para explicar o fenômeno (Creswell, 2010).

A empresa selecionada tem protagonizado problemas e denúncias em meio aos aspectos sociais, o que influencia o foco deste estudo. Para tanto, a coleta de dados se efetivou a partir de um levantamento documental. Justifica-se a seleção desse procedimento de coleta, pois segundo Marconi e Lakatos (2010) os documentos trazem informações que podem representar aspectos específicos a dado fenômeno de análise. A coleta dos dados foi realizada nos meses de Novembro e Dezembro de 2014, via Internet. Assim, foram utilizados critérios de análise ao longo do processo de coleta para entender o objetivo de pesquisa (Quadro 1).

Quadro 1
Critérios para análise de documentos

Fonte: Elaboração própria

Para a análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo, definida por Bardin (2009) como o tratamento das informações contidas nas mensagens passadas. A autora indica ser necessário seguir três etapas: (a) pré-análise do material coletado nas entrevistas, bem como dos documentos levantados; (b) análise do material propriamente dito; e (c) tratamento dos resultados. A partir de todos os documentos coletados, foi possível utilizar os critérios de análise e então delinear uma análise dos aspectos sociais desenvolvidos pela empresa selecionada junto a sua cadeia de suprimento. É importante ressaltar que a confiabilidade das informações depende da efetiva divulgação das informações por parte da empresa, todavia, é válida a utilização de todas as informações coletadas, uma vez que estas são consideradas de caráter público.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesta seção, são expostas a análise e a discussão dos resultados obtidos. Para uma compreensão mais detalhada sobre a cadeia de suprimento da indústria têxtil e de confecção e sua relação com a sustentabilidade, assume-se que é preciso uma compreensão macro do contexto analisado. Dessa maneira, em primeiro lugar, são apresentadas informações sobre o setor têxtil e de confecção brasileiro e a empresa estudada de forma genérica. Em segundo lugar, são descritos os resultados com suas categorias de análise.

O Setor Têxtil e de Confecção Brasileiro

O mercado têxtil e de confecção mundial é caracterizado por sua dinamicidade, em virtude de lançamentos ocorrendo, no mínimo, quatro vezes no ano. Na primeira década dos anos 2000, a produção de têxteis e confeccionados cresceu 34% e o crescimento do comércio mundial aumentou 83%, atingindo US$ 648,6 bilhões em 2010. Considerando os produtores têxteis mundiais, o Brasil ocupa a quinta colocação, com representatividade de 3% do mercado global. Por sua vez, no que diz respeito aos produtores de vestuário, o país figura na quarta colocação, com 2,8% de representatividade. No entanto, ainda que o Brasil seja um grande produtor e consumidor do setor, sua participação no comércio global é pequena, ocupando a vigésima terceira posição no ranking de exportadores (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção [ABIT], 2013).

No Brasil, o setor têxtil e de confecção compreende mais de 32 mil empresas em todo o território nacional, das quais cerca de 80% são fábricas de confecções de pequeno e médio porte. O mercado nacional é responsável por 97,5% do consumo da produção, e o restante destina-se às exportações. Aproximadamente, existe 1,7 milhão de brasileiros empregados no setor de forma direta – 4 milhões se forem considerados empregos diretos e indiretos. Na maior parte, 75% desses empregados são mulheres e estão alocados na área de confecção do processo produtivo. Na Figura 1, é ilustrado o faturamento do setor nos anos de 2010, 2011 e 2012, em bilhões de dólares (ABIT, 2013). Pode-se perceber que o ano de 2012 marca uma redução de receitas, que pode ser entendida como perda em competitividade.


Figura 1
Faturamento do Setor Têxtil e de Confecção (em US$ bilhões)
Fonte: ABIT (2013).

De acordo com a ABIT (2013), a cadeia do setor têxtil se inicia com as fibras e filamentos, que podem ser fibras vegetais, e pelos ou fibras e/ou filamentos artificiais e sintéticos. Essas fibras são transformadas em fios fiados, que passam para a tecelagem. Da tecelagem, avança-se para o beneficiamento de tecidos planos e de malha e, em seguida, para a confecção da linha lar (cama, mesa e banho), vestuário (roupas e acessórios) e técnicos (sacaria, encerados, fraldas, automotivos etc.). Após a confecção, os produtos são distribuídos em exportação, varejo físico, vendas por catálogo ou comércio eletrônico, e chegam aos consumidores. Além disso, é destacado o relacionamento com escolas técnicas e universidades, centros de pesquisa e desenvolvimento, órgãos governamentais, fundações e associações do setor. Salienta-se que a empresa analisada representa o varejo físico (e também o eletrônico).

O Brasil possui uma das últimas cadeias têxteis completas, visto que as indústrias nacionais produzem desde as fibras até as confecções. No entanto, a baixa escala de produção das confecções brasileiras juntamente com a necessidade de atender a um mercado nacional crescente acabam resultando em processos de terceirizações para pequenas fábricas, que tendem a compartilhar a produção com fábricas ainda menores (ABIT, 2013). A terceirização visa reduzir os custos com confecção, enquanto a equipe responsável pela criação de produtos e controle de qualidade permanece vinculada diretamente às grifes. Em virtude da terceirização, problemas relacionados às leis trabalhistas passaram a ocorrer com maior frequência.

Segundo a ABIT (2014), o trabalho irregular é um tema prioritário por questões econômicas e de dignidade humana, principalmente porque o setor têxtil é intensivo em mão de obra e sofre a concorrência desleal de empresas que não seguem a legislação. A ABIT foi convidada no ano de 2014 a ser um membro da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo na cidade de São Paulo (COMTRAE/SP), juntamente com membros do poder público, organizações não governamentais e entidades de classe (ABIT, 2014). O propósito inicial da Comissão é construir um Plano Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo. Além disso, a ABIT apresentou uma proposta de projeto de lei visando controlar as práticas trabalhistas dos principais parceiros comerciais globais do Brasil e publicar anualmente uma lista de países e setores cujas práticas violam as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, usando, por exemplo, trabalho forçado e/ou infantil em suas cadeias de suprimento (ABIT, 2014).

A Empresa e a relação com sua Cadeia de Suprimento

A empresa analisada atua no Brasil há mais de cinquenta anos. Suas primeiras instalações foram na região Sul do país. Atualmente, a empresa possui lojas espalhadas por todo o território brasileiro. Imersa na tendência nacional de aproximar-se da busca pela sustentabilidade, essa empresa divulga anualmente relatórios de sustentabilidade, evidenciando as suas iniciativas ambientais, sociais e econômicas. O foco desta pesquisa está em analisar as iniciativas sociais evidenciadas pela empresa, por meio das categorias discurso do social, ações sociais e prática do social.

No que diz respeito ao discurso do social, a empresa se intitula “socialmente responsável”. De acordo com o seu relatório (2009), isso se evidencia, uma vez que a empresa afirma ter “[...] a certeza de consolidar o posicionamento da organização entre as empresas comprometidas com o investimento social e o desenvolvimento de seus colaboradores e das comunidades onde atua”. Para tanto, ao ter noção do discurso disseminado e considerando o contexto da cadeia de suprimento, torna-se claro que para a empresa:

“Muitos de nossos fornecedores terceirizam parte da produção a pequenas oficinas. Ter o controle de todo esse processo é bastante desafiador. Estamos cientes da importância de contribuirmos para a formação desses empresários. Oferecer cursos em gestão, prestar consultoria sobre aspectos legais e dar apoio no desenvolvimento do seu negócio estão entre as nossas prioridades” (Relatório, 2010).

“Para contribuir com o desenvolvimento dos nossos fornecedores de produtos têxteis, vamos estender o processo de auditoria para todos os nossos parceiros para mapear as oportunidades da melhoria” (Relatório, 2010).

“Alguns exemplos importantes são o Programa de Gestão de Resíduos Sólidos e a gestão de nossos fornecedores, que são monitorados constantemente, como parte do nosso compromisso de combater o trabalho escravo e infantil e garantir condições adequadas a todos os envolvidos na cadeia de produção. Nos próximos dois anos, investiremos mais de R$ 1 milhão no Programa de Estruturação da Gestão de Fornecedores, que inclui monitoramento de desempenho e de riscos das empresas contratadas, além de ações para estimular o desenvolvimento contínuo dessas empresas” (Relatório, 2011).

“[...] Temos importante foco na qualificação e gestão de nossos fornecedores, para garantir que nossa visão em sustentabilidade e nossa defesa dos direitos humanos sejam também adotadas pela cadeia de valor da empresa. Entre as iniciativas que desenvolvemos para assegurar esse alinhamento estão a Política de Relação com Fornecedores, o Programa de Qualificação de Fornecedores [...] e a reestruturação da área de Gestão de Fornecedores [...]” (Relatório, 2012).

“[A política de relação com fornecedores] Visa promover a sustentabilidade na cadeia de suprimento, evitar conflitos de interesses e estabelecer limites e critérios para a seleção justa de fornecedores. Esses são alguns dos principais objetivos dessa política, que regula o relacionamento com fornecedores, em especial durante o processo de seleção. Seu cumprimento reduz riscos, gera benefícios para o setor e reforça a responsabilidade e transparência na gestão” (Relatório, 2012).

Além disso, o Código de Ética e de Conduta da Empresa (2013) evidencia que:

“Para a empresa, os fornecedores e prestadores de serviço são parceiros estratégicos na realização de seu negócio e se constituem em um elo fundamental na sustentação da cadeia de valor da Companhia. Os critérios para o estabelecimento da relação com os fornecedores e prestadores de serviço vão além dos aspectos preço, produto e prazo de entrega, uma vez que, hoje, as condições em que eles são produzidos e os impactos gerados nas dimensões econômica, social, ambiental e de governança corporativa também devem ser considerados na escolha do fornecedor e do prestador de serviço”.

“A empresa estimula seus fornecedores e prestadores de serviço a adotarem práticas de gestão que respeitem os direitos humanos, a ética e a preservação do meio ambiente como forma de promover e garantir sua competitividade e a longevidade da parceria”.

“A empresa assume o compromisso de não admitir a exploração do trabalho infantil e/ou trabalho escravo em suas dependências e reservam-se o direito de não contratar serviços ou ter relacionamento comercial com empresas, entidades ou instituições que adotem essa prática”.

Com os trechos apresentados, fica evidente que a empresa discursa pelo socialmente responsável e busca ressaltar a necessidade desse comportamento junto a todos os membros de sua cadeia de suprimento. Tal fato reflete aspectos bastante disseminados no mercado.

No que diz respeito às ações sociais, percebe- se que a grande parte das iniciativas efetivadas está relacionada com a criação de uma fundação pela empresa – ainda que não estejam diretamente vinculadas com a cadeia de suprimento. A fundação foi criada nos anos 2000, com o propósito de gerir e direcionar o investimento social da empresa. A fundação promove projetos que estejam relacionados com educação e formação profissional, empreendedorismo econômico e geração de renda e apoio aos mecanismos de inserção no mercado de trabalho. Ainda, é evidenciado que a proposta da fundação está alinhada com a Meta 3 da Declaração do Milênio das Nações Unidas, que prevê a promoção da igualdade entre os gêneros e a possibilidade de mais poder às mulheres.

Pode-se citar, como exemplo, uma escola de costura com o objetivo de “formar mão de obra qualificada para atuar na produção de vestuário nas empresas que fornecem artigos para revenda” (Relatório, 2011). Ainda que esteja voltado para os fornecedores de costura, o projeto é realizado pela fundação da empresa. Ainda, existe uma parceria firmada com organizações da sociedade civil e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Ashby et al. (2012) afirmam que quando se trata da dimensão social muitas vezes aspectos pontuais são mais utilizados por empresas ao se considerar a sua dificuldade de mensuração. Seguindo essa perspectiva, esse projeto da fundação pode representar um dos aspectos sociais desenvolvidos pela empresa, o qual impacta fortemente a dinâmica de sua CS.

Embora existam diversas ações voltadas para os fornecedores (ainda, pode-se indicar o Portal de Relacionamento com Fornecedores e o Programa Crescendo Juntos) que são informadas nos balanços sociais, relatórios de sustentabilidade e website da empresa, percebe-se que essas são ações relacionadas com o voluntariado e o assistencialismo. Assim, verificou-se que o entendimento de ação social por parte da empresa está diretamente atrelado a essa fundação – o propósito de sua criação é gerenciar o investimento social da empresa. Nesse sentido, percebe-se que as ações sociais são repassadas para a fundação. O questionamento que pode emergir estaria atrelado à questão de finalidade e objetivo dessas ações, pois deveria ser atribuição direta da empresa lidar com o tema e disseminar essa visão para sua cadeia de suprimento.

No entanto, é evidenciado, nos relatórios, que os fornecedores de costura representam os maiores riscos relacionados ao negócio da empresa. Em outras palavras, existem ações sociais direcionadas para que se gerencie o risco de alguma irregularidade. Por exemplo, a empresa considera como risco a ocorrência de trabalho infantil, irregular e/ou escravo nas pequenas oficinas que prestam serviço como terceirizadas dos fornecedores. A empresa afirma que monitora as oficinas da região metropolitana da cidade de São Paulo, porque existe risco de contratação de estrangeiros em situação irregular no país e de ocorrência de trabalho forçado e/ou escravo. Além disso, a cidade de São Paulo é justificada em função do volume de compra dos fornecedores da empresa.

Como o trabalho envolve um grande volume de mão de obra contratada por pequenos empregadores, é preciso controlar periodicamente o cumprimento de toda a legislação fiscal, tributária e trabalhista vigente. Dessa maneira, no que se refere à prática do social, a empresa informa realizar auditorias em fornecedores nacionais e, também, nas terceirizadas desses fornecedores. A auditoria das subcontratadas é aplicada com o objetivo de minimizar os riscos relacionados à regularização das condições de trabalho. Os fornecedores estrangeiros não passam por auditoria, porém devem se comprometer com os mesmos parâmetros de ética e conduta responsável, por meio da assinatura do termo de compromisso de conduta responsável.

No seu contrato de trabalho, a empresa inclui cláusulas específicas referentes a direitos humanos, abordando questões como trabalho infantil; trabalho forçado ou análogo ao escravo; saúde e segurança; liberdade de associação e direito a negociação coletiva; discriminação; práticas disciplinares; expediente de trabalho; remuneração; e legalidade. Ainda, é informado que a empresa possui um manual de fornecedores e guia de relacionamento com fornecedores.

“Além das auditorias, a empresa exige que todos os seus fornecedores assinem o Termo de Compromisso de Conduta Responsável. O documento inclui cláusulas como: recusa em utilizar trabalho infantil e escravo; responsabilidade com a saúde e a segurança no ambiente de trabalho; limite de expediente de trabalho em 44 horas semanais; pagamento de salários de acordo com o mínimo definido para o setor. Os fornecedores também devem seguir os princípios e valores expressos no código de ética e conduta da companhia. Além disso, o termo abrange a contratação de empresas terceirizadas por esses fornecedores. Caso qualquer dos itens seja descumprido, a empresa é descredenciada” (Relatório, 2010).

“Também é feita a checagem das folhas de pagamentos e do controle de ponto e se somente o próprio funcionário é quem registra sua entrada e saída. As medidas preventivas adotadas são a assinatura de contrato com cláusulas de direitos humanos e o Termo de Conduta Responsável Fornecedor” (Relatório, 2011).

Visando monitorar os fornecedores, uma prática desenvolvida foi a elaboração de um indicador para mensuração de desempenho de fornecedores, que incluirá avaliação de qualidade de produto e entrega, performance comercial e nota obtida na auditoria Os fornecedores com desempenho abaixo do esperado irão participar de capacitações oferecidas, enquanto aqueles com ótimo desempenho serão selecionados para um programa de excelência. Outras práticas desenvolvidas são apresentadas nos relatórios e balanços sociais:

“[...] foi criada uma certificação para fornecedores diretos e terceirizados. Trata-se do Programa de Qualificação de Fornecedores para o Varejo. A proposta é qualificar e desenvolver esse público por meio de auditorias, monitoramento e capacitação. A avaliação tem como foco temas ligados à responsabilidade social e cobre aspectos como condições de trabalho, presença de trabalho escravo ou infantil, respeito à legislação trabalhista, liberdade de associação e horas trabalhadas. Também são observados os impactos causados por esses fornecedores no meio ambiente e a estrutura das instalações. Alguns aspectos, no entanto, são considerados críticos. Caso haja constatação de trabalho infantil, escravo ou análogo ou estrangeiro irregular, a empresa não será qualificada como fornecedora e só poderá pedir uma nova avaliação depois do prazo de seis meses. Os fornecedores também devem validar a lista de subcontratados que estão na sua cadeia de fornecimento para que sejam auditados” (Relatório, 2011).

“Um dos importantes resultados desse mapeamento foi a criação do Indicador de Desempenho Global dos Fornecedores (IDGF), composto por índices de qualidade, comercial, logístico e social. O Programa de Melhoria Contínua surgiu a fim de mitigar riscos e buscar o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Por meio de análises dos resultados de desempenho do IDGF, foram eleitas empresas para atuação conjunta visando à melhoria contínua de seus processos e produtos. Essas empresas foram suportadas em visitas mensais por uma equipe técnica, em um trabalho de parceria, consolidando cada vez mais os conceitos de sustentabilidade do negócio” (Relatório, 2012).

Nesse contexto, pode-se perceber que várias iniciativas são evidenciadas pela empresa com o intuito de contribuir para a erradicação do trabalho escravo, irregular e/ou infantil e, assim, colaborando para uma sociedade mais justa, igualitária e sustentável. Entretanto, é preciso compreender que essas iniciativas foram informadas em relatórios de sustentabilidade e em balanços sociais, que são documentos elaborados e publicados para apresentar ações feitas pela empresa para seus stakeholders. Dessa maneira, se uma empresa deseja evidenciar boas ações que são feitas em prol do meio ambiente e da sociedade, dificilmente apresentará nesses relatórios problemas ambientais, sociais e econômicos que aconteceram ao longo do período analisado. Assim, esses problemas podem ser tratados como escândalos e acabam influenciando a imagem da empresa diante das partes interessadas. O próximo subitem da análise dos resultados traz essa discussão.

Dimensão Social: o que precisa mudar?

Embora as ações antes apresentadas estejam evidenciadas em balanços sociais e em relatórios de sustentabilidade da empresa, em novembro de 2014 foi divulgado na mídia um escândalo envolvendo essa empresa. Uma indústria localizada na região Sudeste foi interditada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em virtude de denúncias de que existiam trabalhadores em regime análogo ao escravo, ainda que tivessem registro em carteira de trabalho. Foram resgatados 37 funcionários bolivianos, incluindo um adolescente. Segundo o MTE, uma fábrica com 20 funcionários explorados das formas encontradas pode obter vantagem competitiva mensal de US$ 20.000,00 em comparação ao empresário que cumpre a legislação vigente (Carta Capital, 2014).

A jornada de trabalho durava em torno de 14 horas diárias. O registro de ponto na parede da fábrica servia apenas para burlar a fiscalização. Um cronômetro ao lado da máquina de costura monitorava o ritmo de produção visando o atingimento das metas, que, se não fossem cumpridas, acarretavam desconto salarial indevido. Também eram descontados indevidamente valores de emissão de documentos, multas por não cumprimento de tarefas, pagamentos de creche e custos por danificar algum material de trabalho. Além disso, os trabalhadores viviam em alojamentos em ambientes degradantes, com péssimas condições higiênicas (Carta Capital, 2014).

Os relatos sobre os abusos físicos, verbais e psicológicos surgiram somente após o resgate dos trabalhadores. Quando acontecia a fiscalização da fábrica, os funcionários informavam que trabalhavam oito horas por dia, cumprindo com a legislação brasileira vigente (Carta Capital, 2014). Isso significa que, ao longo de auditorias e fiscalizações realizadas por parte da empresa focal, nada irregular foi identificado. Em outras palavras, os mecanismos de controle da empresa não foram capazes de verificar essas situações. Tal fato questiona o processo de auditoria e de certificação de fornecedores da empresa focal: até que ponto essas formas de controle podem ser aplicadas à realidade brasileira? Por que não estão sendo satisfatórias? Como podem ser mais efetivas?

Nesse contexto, apesar de a empresa evidenciar em seus relatórios de sustentabilidade a utilização de iniciativas de gestão de risco (representadas pelas auditorias, qualificações e as certificações do fornecedor) – principalmente no que diz respeito ao controle de práticas sociais –, parece que essas iniciativas não estão alcançando o resultado esperado. De acordo com a reportagem publicada, pode-se constatar que as fábricas fornecedoras de costura burlavam os mecanismos de controle da empresa, indicando que a situação de suas terceirizadas estava regular (fato que não foi confirmado). Aqui cabe outro questionamento: por que a empresa fornecedora estava burlando os mecanismos de controle da empresa focal?

Dentre as iniciativas evidenciadas, a empresa informa preocupação significante com a questão da terceirização de fornecedores. A preocupação mais latente seria a utilização de trabalho escravo, infantil ou estrangeiro irregular, bem como as inconformidades com as leis trabalhistas. A empresa estudada comenta, considerando todos os seus relatórios, em um período de seis anos, que oito empresas apresentaram problemas com trabalho escravo, infantil, irregular, em péssimas condições do local de trabalho e/ou problemas com a legislação brasileira vigente. É informado que o fornecimento dessas empresas foi descontinuado, ou seja, o contrato foi rompido por justa causa. No entanto, a empresa focal não comenta o reflexo dessas irregularidades em suas próprias estratégias, práticas e ações sociais.

A empresa possui também um setor de gestão de risco de imagem. De acordo com o seu website e também o relatório (2013), esse setor é responsável por prevenir e amenizar situações de crise que podem manchar a imagem e a reputação da empresa, aumentar os conflitos com stakeholders, desvalorizar o patrimônio da entidade e resultar em prejuízos financeiros. A partir dessas considerações, entende-se que o que precisa mudar de fato envolve a predisposição por parte de empresas focais para considerar o impacto de suas atividades ao longo de sua cadeia de suprimento e não apenas junto ao consumidor final. É evidente que gerir a imagem é um aspecto importante para o desenvolvimento das atividades organizacionais, todavia, a gestão da cadeia de suprimento possui igual ou maior importância na entrega de seus produtos ao consumidor, principalmente no que se refere à cadeia de suprimento.

Com isso, estendendo a afirmação para outros contextos, a mudança se baseia em um novo comportamento, ou seja, relaciona-se com a preocupação sobre o que de fato “sou” em detrimento do que “pareço ser”. É natural para as organizações buscar atender a expectativas de imagem, no entanto, seu comportamento ético não necessariamente é levado em consideração nem recebe destaque no desenvolvimento de suas atividades. Para que exista uma efetiva preocupação com a sustentabilidade, deve-se buscar uma reflexão sobre a saúde da sociedade e de como a comunidade é contemplada pelas atividades e direcionamentos que são definidos socialmente. Quando esse debate se estende à cadeia de suprimento, o humano não pode ser esquecido, e precisa ser evidenciado para que uma real mudança se efetive.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que a discussão social tem passado por um processo de “esquecimento” nas pesquisas acadêmicas, ou, ainda, deliberadamente não tem sido estudada principalmente por sua característica mais humanizada e a dificuldade em considerar aspectos tão intangíveis na análise de performance de uma cadeia de suprimento. No entanto, como indicado anteriormente, já existem diversos indicadores e perspectivas de estudos que facilitam a maior compreensão do aspecto social.

Entende-se que o ponto central para essa discussão é dar o passo inicial, pois após isso se torna mais factível desenvolver pesquisas nesse sentido. Por meio do que foi apresentado ao longo deste estudo, fica claro que a relação discurso, ação e convergência prática é algo que pode ser pesquisado sem que haja juízo de valor, mas por meio de uma análise pontual de ações e publicações sobre tais aspectos.

Diante das discussões realizadas, entende-se que o objetivo proposto foi alcançado, uma vez que foi possível identificar como aspectos sociais estão sendo aplicados na cadeia de suprimento de uma empresa de confecções do Brasil. Foi verificado que a empresa focal tem buscado se adequar ao novo contexto que surge, ao evidenciar preocupações com a dimensão social voltadas à cadeia de suprimento, principalmente no que diz respeito ao gerenciamento de risco do fornecedor. Além disso, ficou clara a compreensão de que escândalos que denunciam irregularidades de algum membro da cadeia acabam expondo a empresa focal, repercutindo em pagamento de multas e manchando a imagem da organização negativamente junto ao mercado.

A partir dessa discussão, evidenciou-se que a preocupação com o que se pratica deve ser enfatizada, ao invés de uma lógica de discurso pelo discurso. Não é difícil compreender que para diversos contextos empresariais existe uma complicada perspectiva em lidar com algo tão intangível, mesmo que este seja tido como um dos principais recursos desses. Todavia, para empresas de grande porte, como a que foi analisada, torna-se questionável a sua eficácia (seja em gestão de risco, seleção ou avaliação de fornecedores) e estimula-se a inclusão e o aprofundamento de discussões como análise social do ciclo de vida, responsabilidade social, seleção social de fornecedores, dentre outros aspectos que podem ampliar sua performance social e, portanto, facilitar a inserção efetiva da sustentabilidade em sua cadeia de suprimento.

Dentre as limitações desta pesquisa, pode ser citado o estudo de apenas um caso ilustrativo utilizando ações divulgadas por meio de documentos por uma empresa focal e veículos midiáticos. Estudos que consideram mais de uma empresa focal ou a visão das empresas fornecedoras podem auxiliar no entendimento da discussão da sustentabilidade na cadeia da indústria têxtil e de confecção. Uma forma de melhor compreender as características de uma empresa pode ocorrer a partir de uma coleta de dados primários, no qual se torne facilitada uma triangulação entre o que é dito, o que é praticado e o que é publicado sobre um mesmo tema, no caso a perspectiva social. Percebe-se que a presente pesquisa possui contribuição para a temática, na medida em que traz para discussão uma cadeia de suprimento muitas vezes considerada como problemática e demonstrando ações e práticas que podem ser desenvolvidas por meio de uma mudança inicial de comportamento.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Quadro 1
Critérios para análise de documentos

Fonte: Elaboração própria

Figura 1
Faturamento do Setor Têxtil e de Confecção (em US$ bilhões)
Fonte: ABIT (2013).
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