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A LOGÍSTICA REVERSA DE PÓS-CONSUMO: UM ESTUDO DE CASO NA COOPERATIVA COOTRE DE ESTEIO-RS
POST-CONSUMER REVERSE LOGISTICS: A CASE STUDY IN THE COOTRE COOPERATIVE OF ESTEIO (RS)
LOGÍSTICA INVERSA POST-CONSUMO: UN ESTUDIO DE CASO EN COOPERATIVA COOTRE DE ESTEIO-RS
A LOGÍSTICA REVERSA DE PÓS-CONSUMO: UM ESTUDO DE CASO NA COOPERATIVA COOTRE DE ESTEIO-RS
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 6, núm. 1, pp. 72-86, 2017
Universidade Nove de Julho

Recepção: 06 Outubro 2016
Aprovação: 13 Fevereiro 2017
Resumo: Percebe-se ao longo dos anos um aumento global na fabricação de produtos customizados, o que tem gerado também um elevado descarte de materiais, ocasionando danos ao meio ambiente. Nesse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo identificar as práticas de logística reversa de pós-consumo realizadas por uma cooperativa de reciclagem localizada na cidade de Esteio, no Rio Grande do Sul, Brasil. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, de abordagem exploratória, operacionalizada mediante um estudo de caso. A partir de entrevistas e observações buscaram-se informações sobre as atividades da cooperativa e o modo como a mesma realiza seus processos. Os resultados indicam que a cooperativa de reciclagem estudada realiza diversas práticas de logística reversa, as quais são essenciais para o fluxo reverso dos materiais.
Palavras-chave: Logística Reversa, Pós-consumo, Cooperativa de Reciclagem, Região Sul do Brasil.
Abstract: A global increase in customized products manufacturing has been noticed over the years and it has generated a high level of disposed material, which may cause damages to the environment. In this context, the present study aimed to identify the postconsumption reverse logistics practices in a recycling cooperative located at Esteio, in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. To do so, a qualitative research with an exploratory approach and operationalized through a case study was carried out. Data about the cooperative activities and the way it performs its processes were collected through interviews and observations. The results show that the studied recycling cooperatives perform several reverse logistics practices, which are essential for the reverse flow of materials.
Keywords: Reverse Logistics, Post-consumption, Recycling Cooperative, Southern Brazil.
Resumen: Se observa en los últimos años un aumento global en la fabricación de productos a medida, que también se han generado una alta eliminación de materiales que causan daños al medio ambiente. En este contexto, el presente estudio tuvo como objetivo identificar las prácticas de logística inversa de post-consumo realizado por una cooperativa de reciclaje en la ciudad de Esteio, Rio Grande do Sul, Brasil. Por lo tanto, un estudio cualitativo se llevó a cabo, aproximación exploratoria, la práctica mediante un estudio de caso. A partir de entrevistas y observaciones buscando información sobre las actividades de cooperación y de la forma en que se lleva a cabo sus procesos. Los resultados indican que el estudio cooperativo, reciclaje lleva a cabo diversas prácticas de RL, que son esenciales para el flujo de material inversa.
Palabras clave: Logística Inversa, Post-consumo, Cooperativa de Reciclaje, El sur de Brasil.
INTRODUÇÃO
A crescente necessidade da inserção de questões ambientais no gerenciamento de sistemas produtivos torna cada vez mais importante o fortalecimento das relações estabelecidas entre as áreas da logística e da gestão ambiental. Nesse sentido, a logística reversa (LR) pode contribuir no alcance dos desafios ambientais mais comuns nas organizações, como destinação de resíduos, gestão de embalagens, reciclagem de materiais, dentre outros aspectos (Xavier & Corrêa, 2013).
Percebe-se nas últimas décadas um aumento de produtos específicos comercializados no mundo. Cada vez mais surgem produtos com modelos direcionados para diferentes tipos de clientes, os quais podem ser separados por idade, classe social, sexo, dentre outros fatores. Assim, o consumo e a descartabilidade de materiais tornam-se mais constantes e as pessoas começam a se desfazer dos produtos com mais frequência (Leite, 2009).
Muitos dos produtos consumidos e descartados pela sociedade podem ser considerados bens de pós-consumo. Esses produtos podem retornar ao ciclo produtivo via canais de distribuição reversos específicos ou ser descartados em aterros, lixões ou mesmo em locais inadequados (Leite, 2009). Mueller (2005) relata que os consumidores têm se preocupado com as questões ambientais, pois possuem consciência dos danos que os resíduos podem causar ao meio ambiente. Essa preocupação tem se refletido no ambiente das empresas e indústrias, as quais podem ter elevada participação no descarte de materiais.
Nesse contexto, surgem políticas de processos, como a logística reversa de pós-consumo, que contribuem para o desenvolvimento sustentável. A logística reversa possui um importante papel no gerenciamento do ciclo de vida dos produtos por meio dos canais reversos (Valle & Souza, 2014). Um desses canais reversos é a reciclagem, que se tornou mais ativa nos últimos anos no Brasil. Conforme dados do Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE, 2013), um dos motivos dessa realidade é a implantação da nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, que define responsabilidades compartilhadas entre empresas, governo e sociedade. Outro fator é o aumento de catadores, que são considerados os grandes fornecedores desse processo.
Os catadores são a parte mais frágil da cadeia de reciclagem: são pessoas vulneráveis economicamente e socialmente. Na maioria das vezes, são dependentes dos “atravessadores”, que são intermediários que definem os preços a serem pagos e as condições dos materiais. Com o objetivo de mudar essa situação, os catadores de materiais recicláveis estão buscando trabalhar coletivamente por meio de cooperativas de reciclagem. Dessa forma, conseguem maior agregação de valor aos materiais vendidos, maior poder de negociação com intermediários ou indústrias, e maior facilidade para negociar com o poder público (IPEA, 2013).
As atividades dos catadores de materiais recicláveis são de extrema importância para a preservação do meio ambiente. Silva et al. (2015) afirmam que esses catadores desempenham um papel essencial nos países em desenvolvimento. Entre os benefícios econômicos e sociais que esses trabalhadores podem trazer, destacam-se: contribuição à saúde pública e ao sistema de saneamento; emprego e fonte de renda; fornecimento de materiais recicláveis a baixo custo às indústrias; redução de gastos municipais; e contribuição à sustentabilidade.
Nesse contexto, Santos (2012) relata que as cooperativas de catadores de materiais recicláveis desempenham um papel extraordinário. Com práticas de logística reversa, essas cooperativas minimizam a quantidade de resíduos sólidos gerados, contribuindo para a sustentabilidade. Heiden (2007) ainda comenta que as cooperativas, tanto de trabalho como de serviços, são oportunidades administrativas que deveriam ser analisadas e avaliadas com mais seriedade, pois apresentam uma nova relação de trabalho, com ganhos importantes e relevantes para todos os inseridos no sistema.
Visto que as cooperativas de reciclagem são importantes para o sistema reverso de materiais, a presente pesquisa buscou identificar as práticas de logística reversa de pós-consumo realizadas pela Cooperativa COOTRE, localizada na cidade de Esteio, no Rio Grande do Sul. A COOTRE é uma cooperativa de reciclagem que possui atualmente 31 cooperados trabalhando e três caminhões, os quais atendem de forma conjunta a aproximadamente 1.800 pontos de coleta na cidade.
Este artigo está estruturado em cinco seções. Na primeira seção apresenta-se uma breve introdução ao tema e o objetivo geral da pesquisa. O referencial teórico que serviu de base para o desenvolvimento da pesquisa é apresentado na segunda seção. Na terceira seção apresenta-se a metodologia de pesquisa utilizada na realização do trabalho. O estudo de caso, compreendendo a caracterização da cooperativa, a análise e discussão dos resultados e as proposições de melhorias são descritos na quarta seção. Por fim, na quinta seção descrevem-se as considerações finais da pesquisa.
REFERENCIAL TEÓRICO
Nesta seção apresentam-se os principais conceitos que serviram de base para o desenvolvimento da pesquisa, os quais compreendem a logística reversa, os canais reversos de pós-consumo e as cooperativas de materiais recicláveis.
Logística Reversa
Leite (2009) define a logística reversa como a área da logística empresarial que planeja, opera e controla o fluxo e as informações logísticas correspondentes ao retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo, por meio de canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, de prestação de serviços, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, dentre outros. Para Marchese (2013) e Sencovici & Demajorovic (2015), as empresas tornam-se mais competitivas quando a logística reversa é bem administrada, pois assim os custos totais do produto podem ser reduzidos e as empresas ainda estarão atuando de forma sustentável e de acordo com as leis.
A logística reversa pode ser compreendida como o processo contrário ao da logística convencional. O sistema reverso utiliza-se dos mesmos processos, como transporte, armazenagem, estocagem, dentre outros, porém algumas diferenças podem ser percebidas, como, por exemplo, o fato de a maioria dos produtos reversos serem “empurrados” pelo sistema, visto que há leis que obrigam a realizar o processo de determinada forma (Sinnecker, 2007; Soares, Streck & Trevisan, 2016).
A Lei 12.035, de 2 de agosto de 2010, define a logística reversa como o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. Conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos, essa Lei determina a gestão e a destinação adequada de resíduos gerados no país, instituindo a responsabilidade compartilhada de todas as partes (fabricantes, comerciantes, consumidores, dentre outros) que de algum modo geram resíduos (Jardim, Yoshida & Filho, 2012).
Segundo Novaes (2007), a logística reversa cuida dos fluxos de materiais que se iniciam nos pontos de consumo dos produtos e terminam nos pontos de origem, com o objetivo de recapturar valor ou estabelecer a disposição final. Alguns produtos já fazem parte desse processo há alguns anos, como, por exemplo, as garrafas de vidro, que são retornáveis e são utilizadas novamente, gerando um ciclo contínuo. Apesar de várias empresas não verem a logística reversa como parte integrante dos seus processos, muitas delas já a utilizam em produtos que são devolvidos pelos consumidores ou pela compra de materiais reciclados (Donato, 2008).
Canal reverso de pós-consumo
Conforme Santos (2012), a logística reversa de pós-consumo envolve o fluxo reverso de produtos que possuem pouca utilidade, podendo ser classificados como resíduos, lixo, sucata, dentre outros. Tais produtos não possuem mais o mesmo valor de um produto no início da cadeia. Giovine & Sacomano (2007) relatam que a logística reversa pós- consumo atua nos bens descartados que retornam ao ciclo produtivo após terminarem sua vida útil, podendo ser reutilizados ou descartados como resíduos industriais.
A logística reversa de pós-consumo é o processo que opera as informações e o fluxo físico dos produtos descartados pela sociedade e que voltam ao ciclo da cadeia logística. O seu objetivo é agregar valor a esses produtos. Sousa & Madeira (2015) afirmam que existem dois tipos de resíduos de pós-consumo: os de origem industrial e os de origen doméstica. Devido às leis e regulamentações, os processos de fluxo reverso dos produtos de origem industrial estão mais bem estruturados e mais desenvolvidos, diferentemente da gestão dos resíduos de origem doméstica, que ainda está em estágio menos maduro.
Os canais reversos de pós-consumo podem ser considerados os meios pelos quais ocorrem os fluxos reversos dos bens de pós-consumo. Cada produto pode ser direcionado a diferentes canais, dependendo do tipo de material que o constitui. Bens descartáveis, duráveis, semiduráveis e resíduos industriais, depois de seu uso original, podem ser direcionados aos canais de reciclagem, desmanche, reúso, entre outros (Leite, 2009).
Segundo Veit (2005), para a reciclagem ser efetiva, é preciso haver a separação adequada dos materiais, sendo que isso deve ser feito de acordo com suas características e propriedades. De acordo com Castro (2009), a reciclagem é o ato de tornar útil o produto que seria descartado, fazendo com que retorne ao ciclo produtivo, reduzindo a utilização de recursos naturais.
A reciclagem pode ser definida como uma das alternativas de tratamento de resíduos sólidos mais proveitosas, tanto para o meio ambiente como para a sociedade. Na questão ambiental, a reciclagem reduz a extração de matéria-prima, diminui a poluição, poupa energia, entre outros benefícios. No contexto social, quando há uma coleta seletiva bem desenvolvida, a reciclagem acaba gerando renda e emprego para os catadores de materiais recicláveis (Vital, Ingouville & Pinto, 2014).
Moura (2008) define os motivos que incentivam a reciclagem, os quais são:
• altruísticos: mesmo sabendo que, na maioria das vezes, é mais fácil descartar os produtos de forma indevida, as pessoas sabem das consequências que isso pode trazer, então dedicam seu tempo a descartá- los no local adequado;
• econômicos: a prática da reciclagem pode evitar custos com incinerações e aterros;
• obrigações legais: na maioria das vezes, esse motivo é referente às empresas, que podem sofrer penalidades e multas pelo descarte indevido;
• conhecimento dos danos ambientais: é a consciência que as pessoas e empresas têm dos riscos que o descarte incorreto pode trazer ao meio ambiente.
O governo tem a função de oferecer condições mínimas para que a reciclagem seja viável. Para isso, é necessário que o mesmo tome ações como proporcionar serviços de coleta seletiva à população, construir infraestrutura adequada para a coleta em pontos selecionados, dar apoio às cooperativas de catadores, entre outras (Moura, 2008).
2.2. COOPERATIVAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) relata que cooperativa é uma sociedade de natureza civil, que deve ser constituída por, no mínimo, 20 pessoas. Deve ser administrada de forma democrática e participativa, tendo objetivos sociais e econômicos. Os associados, líderes e representantes são responsáveis pela administração e fiscalização da cooperativa.
As primeiras cooperativas e associações de catadores foram formadas a partir da década de 1990, em cidades como Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Suas propostas eram de investimentos em novas tecnologias, mobilização social, valorização de funcionários de limpeza pública e desenvolvimento de parcerias (Demajorovic & Besen, 2007).
Aquino, Castilho Jr. & Pires (2009) definem alguns conceitos relacionados às cooperativas, para melhor compreensão:
• catador de material reciclável: é o(a) trabalhador(a) que possui a função de catar, selecionar e vender os materiais recicláveis, que podem ser papelão, papel, plástico, materiais ferrosos e não ferrosos, dentre outros;
• intermediário: é a organização que, normalmente, faz a compra e a venda dos materiais recicláveis. Outras atividades desenvolvidas são a coleta, pesagem, triagem, prensagem, trituração, armazenagem e transporte;
• indústria de reciclagem: é a empresa que realiza o processo de transformação do material reciclável.
A principal diferença entre associações e cooperativas está na natureza de seus processos. Associações têm o objetivo de promover a assistência social, educacional e cultural. Já as cooperativas possuem finalidade essencialmente econômica, sendo seu objetivo principal viabilizar o negócio produtivo (SEBRAE, 2015).
De acordo com o IPEA (2013), existe ainda uma baixa quantidade de catadores trabalhando em conjunto no Brasil, ou seja, em cooperativas ou associações. Existem vários motivos para isso, sendo os principais os seguintes: i) muitos catadores preferem trabalhar sozinhos, administrando seu tempo e ritmo de trabalho; ii) há muita desinformação sobre as exigências para a constituição de associações e cooperativas; iii) o processo para criar uma cooperativa exige conhecimento técnico especializado, que serve tanto para a sua constituição quanto para a gestão; e iv) vários catadores veem a cooperativa como um agente externo, sem saber que os próprios catadores são os donos do empreendimento.
Carmo, Oliveira & Arruda (2006) relatam que os catadores de lixo autônomos não precisam pagar impostos, porém são dependentes do sucateiro, pois são obrigados a vender as sucatas ao final da coleta. Como o catador trabalha sozinho, não possui grande volume de materiais e acaba dependendo de atravessadores, conseguindo, assim, preços baixos pelas vendas.
As cooperativas de reciclagem têm a vantagem de ter uma gestão mais organizada e estruturada, o que pode motivar os catadores a trabalhar em conjunto. Além disso, as cooperativas conseguem trabalhar com uma quantidade maior de materiais recicláveis, tendo assim capacidade de maior ganho na comercialização desses materiais (Gonçalve- Dias & Teodósio, 2006).
Soto (2011) comenta que, apesar de as cooperativas serem fundamentais para o processo de fluxo inverso dos materiais, são os atravessadores que ditam as condições de negócio. As razões disso podem ser a falta de conhecimento das cooperativas, pouca infraestrutura, baixo investimento, dentre outras. A autora relata também que o local em que a cooperativa atua pode alterar a forma de negociação com os intermediários, pois, caso fique em local distante de grandes centros produtivos, o custo de logística e transporte aumenta.
Behs (2013) afirma que o trabalho de catador reciclável foi regulamentado no Brasil em 2002 pelo Ministério do Trabalho e Emprego e está registrado na Classificação Brasileira de Ocupações. Porém, Oliveira (2007) afirma que os catadores ainda são excluídos socialmente, por suas rendas baixas e pelo fato de a atividade de catação de materiais ser discriminada.
De acordo com a Secretaria Nacional da Economia Solidária, existem diversas políticas públicas de apoio e fomento ao setor de catação e reciclagem de materiais, porém a maioria chega apenas aos grupos de catadores organizados, principalmente cooperativas. É o caso do Decreto no 5.940/2006, que institui separação de materiais recicláveis da administração pública direta e indireta e a destinação dos mesmos às associações e cooperativas. Também é o caso da lei que dispensa licitação na contratação de associações e cooperativas para coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos (SENAE, 2012).
2.2.1 A Importância e o Papel das Cooperativas de Materiais Recicláveis
A coleta seletiva realizada pelos catadores de cooperativas gera trabalho e renda com as práticas de separação, transformação e comercialização dos materiais recicláveis, além dos empregos criados indiretamente com a indústria da reciclagem. A coleta seletiva também oferece oportunidades para o desenvolvimento das pessoas envolvidas, além de preservar o meio ambiente, recuperando matérias-primas (Gutberlet, 2010).
As cooperativas de reciclagem apresentam um papel de grande importância para a redução de resíduos sólidos. As práticas de logística reversa realizadas nas cooperativas constituem uma importante ferramenta para a sustentabilidade (Santos, 2012).
Em pesquisa realizada em 2007 pelo Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), foi registrada a existência de 386 empreendimentos econômicos solidários que atuam no setor de serviços de coleta e reciclagem de materiais, sendo quase 25% deles localizados na região Sul. A pesquisa ainda revelou que 52% dos empreendimentos são compostos por grupos informais, 28,4% são formados por associações e 16,8% são cooperativas (SENAES, 2012).
Segundo dados do CEMPRE (2013), em uma pesquisa realizada com base em dados coletados pela LCA Consultores (empresa de consultoria), em 2012 existiam 800 mil catadores de materiais recicláveis atuando no Brasil, com cerca de 30 mil deles organizados em 1.175 cooperativas. Nesse mesmo ano, 18% dos resíduos separados para reciclagem foram responsabilidade desses catadores cooperados, sendo que o restante ficou sob a responsabilidade dos atacadistas de materiais recicláveis, que muitas vezes utilizam como mão de obra os catadores autônomos.
As cooperativas atuam como unidades de pré-processamento e realizam atividades de triagem, compactação, enfardamento e armazenagem. Essas atividades facilitam as operações das indústrias de reciclagem, que recebem um fornecimento de insumos com mais previsibilidade para o planejamento de seus processos produtivos. É nesse aspecto que a operação em rede apresenta vantagens para os membros da cadeia (Xavier & Corrêa, 2013).
De acordo com Streit (2006), as cooperativas surgem como oportunidade de emprego e, consequentemente, novas relações trabalhistas acabam surgindo. Muitas vezes, essas cooperativas são as únicas oportunidades de trabalho para pessoas marginalizadas da sociedade, como ex-moradores de rua, dentre outros.
METODOLOGIA DE PESQUISA
Conforme Marconi e Lakatos (2010), a pesquisa pode ser entendida como um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para que se conheça a realidade ou se descubram verdades parciais. Na Figura 1 apresenta-se a estrutura metodológica utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa.

Quanto à sua natureza, esta pesquisa caracteriza-se como aplicada. Para Appolinário (2009) e Gil (2010), a pesquisa aplicada objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas específicos, envolvendo verdades e interesses locais.
Quanto à abordagem, pode-se classificá-la como qualitativa. Neves (1996) relata que nessa abordagem é habitual que o pesquisador busque compreender os fenômenos de acordo com a perspectiva dos participantes da situação estudada, para então situar sua interpretação.
Este trabalho apresenta-se também como uma pesquisa exploratória. Segundo Gil (2010), esse tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar uma proximidade maior com o problema, tornando-o mais explícito ou constituindo hipóteses.
Como este trabalho analisou as práticas da cooperativa COOTRE, optou-se por desenvolvê-lo como um estudo de caso. Yin (2010) comenta que esse procedimento técnico é utilizado quando se deseja entender fenômenos sociais e complexos. O autor ainda relata que o estudo de caso é uma investigação prática que analisa um fenômeno da atualidade dentro de seu contexto real. Esse é o caso da presente pesquisa, que aborda uma situação tecnicamente única, considerando várias fontes de evidências e uma série de variáveis de interesse.
Método de trabalho
A partir da definição da metodologia de pesquisa, foram realizadas três etapas para atingir o objetivo do trabalho. Tais etapas são apresentadas na Figura 2.

Na Etapa 1 foi realizada a elaboração do instrumento de coleta, o qual levou em consideração os objetivos da pesquisa e o seu referencial teórico. O instrumento de coleta foi composto por três blocos de perguntas. No primeiro bloco, as questões tiveram como objetivo verificar a estrutura da cooperativa, as funções dos cooperados, os recursos (máquinas e equipamentos) disponíveis e o modelo de renumeração utilizado. No segundo bloco, as questões tiveram como foco os aspectos relacionados ao processo de coleta, triagem e expedição dos materiais. E no terceiro bloco buscou-se identificar quais eram os atores envolvidos no processo de reciclagem da cooperativa, tanto no âmbito interno como também no externo. No Quadro 1 apresentam-se os blocos de perguntas e as questões aplicadas na pesquisa.
| Blocos | Perguntas |
| 1 - Estruturação da cooperativa | 1.1 Como foi fundada a cooperativa? |
| 1.2 Como é a estrutura organizacional da cooperativa? | |
| 1.3 Como era essa estrutura quando a cooperativa iniciou suas atividades? | |
| 1.4 Quais são os setores que a cooperativa possui? | |
| 1.5 Como está organizado o layout das máquinas e equipamentos? | |
| 1.6 Como é realizada a manutenção de máquinas e equipamentos e de quem é a responsabilidade? | |
| 1.7 Como são organizadas as funções de cada cooperado? | |
| 1.8 Como é o modelo de divisão dos recebíveis da cooperativa? | |
| 1.9 A cooperativa realiza cursos de capacitação para os cooperados? | |
| 2. Processo de coleta, triagem e expedição | 2.1 Como funciona o processo de coleta seletiva dos materiais que a COOTRE realiza? |
| 2.2 Quais são as outras maneiras pelas quais os materiais chegam à cooperativa? | |
| 2.3 Quais são os principais tipos de materiais que a cooperativa coleta/recebe? | |
| 2.4 Como é realizada a triagem desses materiais? Qual é o critério utilizado? | |
| 2.5 Quais são as máquinas e equipamentos que a cooperativa utiliza para trabalhar com os materiais? | |
| 2.6 O que é realizado com os materiais depois que são separados de acordo com suas características? | |
| 2.7 Como ocorre a comercialização dos materiais? | |
| 2.8 Como funciona a logística de comercialização desses materiais? | |
| 3. Atores envolvidos | 3.1 Qual é o envolvimento da Prefeitura com a cooperativa? |
| 3.2 As pessoas da comunidade em que a COOTRE atua possuem participação nas atividades da cooperativa? | |
| 3.3 Quais são as empresas envolvidas nas atividades da cooperativa e de que forma elas atuam? |
Na Etapa 2 foi realizada a seleção dos entrevistados e um pré-agendamento das entrevistas. Inicialmente, foi realizada uma reunião com o presidente da cooperativa COOTRE, na qual foi apresentado o instrumento de coleta e foi questionado ao mesmo quais seriam as pessoas que poderiam responder às perguntas, além, é claro, do próprio presidente da cooperativa. Ao todo quatro pessoas foram entrevistadas, conforme o Quadro 2.
| Entrevistado | Função | Tempo de Cooperativa |
| E1 | Presidente | 7 anos |
| E2 | Tesoureira | 9 anos |
| E3 | Conselheiro Fiscal | 4 anos |
| E4 | Secretária | 7 anos |
A aplicação das entrevistas ocorreu na terceira etapa. Inicialmente, as entrevistas foram pré-agendadas em reunião realizada com o presidente da cooperativa, pois o objetivo era que as mesmas ocorressem em um horário que não fosse conflitante com as atividades desenvolvidas pelos cooperados.
Três entrevistas tiveram que ser reagendadas em razão da demanda de trabalho dos entrevistados. No Quadro 3 é apresentado o cronograma de realização das entrevistas, contendo o período em que as mesmas foram realizadas e também o tempo de duração dos diálogos.
| Data Pré-agendada | Data da entrevista realizada | Entrevistado | Duração da entrevista |
| 11/02/2016 | 12/02/2016 | E1 | 02:26 hs |
| 17/02/2016 | 17/02/2016 | E1 | 01:54 hs |
| 17/02/2016 | 17/02/2016 | E2 | 02:32 hs |
| 08/03/2016 | 10/03/2016 | E3 | 01:27 hs |
| 15/03/2016 | 16/03/2016 | E3 | 01:38 hs |
| 22/03/2016 | 22/03/2016 | E4 | 01:46 hs |
As entrevistas foram previamente agendadas, pois em uma entrevista em profundidade é necessário contar com a disponibilidade dos entrevistados. A aplicação das entrevistas ocorreu na sede da cooperativa, em local reservado (sala de reuniões dos cooperados) para garantir a concentração do entrevistado, evitando, assim, influências externas. As entrevistas foram gravadas e transcritas, para que as informações passadas pelos entrevistados fossem captadas de forma adequada e se mantivesse o registro para novas pesquisas e possíveis esclarecimentos de dúvidas.
Havia uma preocupação por parte dos entrevistados em relação à linguagem por meio da qual eles iriam responder às questões, pois se tratava de pessoas de origem humilde. Nesse sentido, os pesquisadores deixaram claro para os entrevistados que não havia restrições e que os mesmos não deveriam se preocupar com a linguagem utilizada, pois o objetivo era que respondessem às questões propostas da forma que julgassem mais adequada.
A técnica de análise de dados utilizada nesta pesquisa foi a análise de conteúdo. Hair Jr. et al. (2007) afirmam que esse tipo de análise é realizado a partir do conteúdo ou mensagem de texto escrito. A partir da análise sistemática e da observação, é possível examinar o número de vezes que palavras e temas principais ocorrem e, assim, identificar o conteúdo e as características de informações presentes no texto. Na próxima seção descrevem-se os resultados da aplicação das entrevistas e as proposições de melhorias feitas à cooperativa analisada.
RESULTADOS
A COOTRE é uma cooperativa de recicladores situada na cidade de Esteio, no Rio Grande do Sul. Suas atividades começaram no ano de 2003 como uma associação e, em 2012, tornou-se uma cooperativa. Atualmente, a cooperativa trabalha com a coleta, triagem e expedição de materiais recicláveis que são coletados na cidade de Esteio e também fornecidos por empresas e moradores da região.
Características da Cooperativa
O espaço utilizado atualmente pela cooperativa foi cedido pela Prefeitura, que também é responsável pelas despesas de água e energia elétrica. A Prefeitura também cedeu os três caminhões utilizados para realizar a coleta seletiva e é responsável pela manutenção dos veículos, bem como pelos motoristas, que são funcionários públicos. Os catadores, que acompanham os caminhões e fazem a coleta dos materiais, são todos cooperados. Atualmente, há 31 funcionários trabalhando na cooperativa, sendo que o lucro mensal é dividido igualmente entre todos. Há também um controle de faltas dos cooperados, sendo que cada dia faltado é descontado do salário do funcionário e distribuído entre os demais.
Análise e Discussão das Entrevistas
Nesta seção apresenta-se a análise e discussão das entrevistas realizadas, assim como as proposições de melhoria relacionadas ao processo de logística reversa de pós-consumo. As análises foram divididas em três blocos, conforme a aplicação das entrevistas.
Estruturação da Cooperativa COOTRE
De acordo com o IPEA (2013), nos últimos anos os catadores de materiais seletivos vêm buscando realizar suas atividades coletivamente, visando reverter a situação de exclusão social e também agregar valor ao material seletivo vendido. Essa prática pode ser percebida na Cooperativa dos Trabalhadores Recicladores de Esteio e os entrevistados afirmam que seus ganhos aumentaram com a fundação da cooperativa.
Conforme o E2 relatou, quando trabalhavam como uma associação, não importava a quantidade de material coletado e vendido, o valor recebido era sempre o mesmo no final do mês. Depois que se tornou uma cooperativa, o lucro dos materiais vendidos começou a ser dividido igualmente. Essa realidade vai ao encontro do que relata o SEBRAE (2015), que afirma que as cooperativas têm o objetivo de desenvolvimento econômico, diferentemente das associações, que são voltadas para a filantropia, assistência social e educacional, dentre outros objetivos. Segundo Filho (2011), as cooperativas buscam o desenvolvimento econômico e social, sendo um sistema democrático e justo de trabalho.
O processo de formalização da cooperativa e início de suas atividades realizou-se mediante parcerias com empresas, entidades e a Prefeitura Municipal de Esteio. Nesse contexto, Filho (2011) comenta que os empreendimentos sociais são estimulados pelos poderes públicos e incentivados pela doação de terrenos, acesso ao capital com juros subsidiados e isenção de impostos. Isso gera a inclusão social e também melhora a gestão de resíduos, no caso das cooperativas de reciclagem.
Conforme E1 relatou, os treinamentos e informações cedidos pela Gerdau e pela Unilasalle foram essenciais para o aprendizado dos cooperados, que passaram a ter conhecimento sobre como gerir a cooperativa. Esse fato se confirma com as observações do pesquisador, que constatou que a cooperativa atua de forma organizada, tanto em sua gestão como em suas atividades.
Conforme os relatos dos entrevistados, percebe-se a importância que as empresas e órgãos públicos possuem ao realizarem ações para o bom funcionamento da cooperativa. Essa realidade associa- se com os resultados da pesquisa realizada pelo CEMPRE (2013), que evidenciou que a evolução da gestão dos resíduos sólidos é proporcional ao desenvolvimento econômico, aos avanços nas práticas sustentáveis das empresas, às ações bem construídas da gestão pública e a uma maior conscientização dos consumidores.
Em relação ao desenvolvimento da cooperativa, apesar de sua estrutura física ainda ser a mesma de quando iniciou suas atividades, é importante comentar a evolução do número de cooperados. O entrevistado E1 comentou que essas pessoas começaram a ver boas possibilidades de ganhos trabalhando em conjunto. O que ajuda as cooperativas a se desenvolverem é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelece responsabilidade do Poder Público em relação à gestão dos resíduos sólidos, devendo dar prioridade às cooperativas e associações de catadores.
O processo de coleta, triagem e expedição dos materiais reciclados
Conforme os entrevistados comentaram, a cooperativa trabalha com três caminhões de coleta seletiva na cidade de Esteio/RS. O entrevistado E1 relatou que, até o início de 2015, os caminhões passavam em todas as ruas de cada bairro, gerando assim um custo alto de combustível e tendo um retorno desigual na quantidade de materiais coletados.
Porém, conforme E1, nesse ano iniciou-se a adesão à coleta seletiva e os caminhões começaram a passar somente nas ruas com coleta seletiva. Esse tipo de mudança, implementada com o intuito de reduzir custos e facilitar o serviço prestado, também faz parte da logística convencional, gerando concordância com afirmação de Mueller (2005) de que a logística reversa atua como versão contrária da convencional, porém utilizando processos iguais, como transporte, fluxo de materiais, nível de serviço, dentre outros.
Nesse contexto, E1, E2, E3 e E4 afirmaram que também realizam coleta nas empresas Carrefour, Votorantim e Grupo Bioseta, que já deixam os materiais seletivos separados. Foi observado que, além dessa ação, todas essas empresas aderem a práticas de sustentabilidade e logística reversas em seus negócios. Segundo Sinnecker (2007), a logística reversa vem sendo utilizada como estratégia de competitividade e tem impacto positivo na imagem institucional das empresas, devido à maior conscientização dos consumidores.
Segundo Leite (2009), a coleta seletiva é todo tipo de coleta que seleciona previamente os materiais a serem recolhidos, que, no caso da COOTRE, são todos os materiais que podem ser reciclados ou reutilizados. Cabe salientar, no entanto, que em alguns casos a cooperativa recebe resíduos orgânicos misturados com resíduos sólidos. Segundo o entrevistado E2, quando isso acontece, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) procura entrar em contato com os moradores, escolas, empresas ou instituições envolvidas para informar quais materiais devem ser separados. Mas, mesmo assim, esses casos se repetem, segundo relato do entrevistado E2, que acredita que o motivo é a falta de consciência das pessoas.
Referente aos materiais recebidos pela cooperativa, constatou-se que a mesma trabalha com qualquer resíduo que possa ser reciclado ou reutilizado. Conforme os entrevistados, apenas materiais corrosivos e prejudiciais à saúde são separados e enviados para a Prefeitura, que os destina corretamente, pois a cooperativa não possui tecnologia para trabalhar com esse tipo de material. Todos os bens recebidos pela COOTRE enquadram-se nas categorias de bens descartáveis, bens duráveis e bens semiduráveis (Leite, 2009).
A triagem dos materiais, conforme relato dos entrevistados e observação dos pesquisadores, é feita de modo organizado e minucioso. A pré-triagem, atividade pela qual são separados o papelão, o vidro e a sucata do resto dos materiais, é realizada bem próxima da esteira de triagem dos materiais miúdos, facilitando o deslocamento dos mesmos. Os bags (sacolas grandes) em que são alocados os materiais miúdos ficam bem próximos da esteira de triagem, agilizando o processo de separação. Segundo o SEBRAE (2003), a triagem precisa ter um padrão de separação prévia, com capacitação e motivação dos catadores, garantindo assim produtividade com qualidade.
Conforme relatado pelos entrevistados E1 e E3, quando se acumulam cinco bags de cada material, os mesmos são passados para o setor de prensa e, assim, são formados os fardos, que são conduzidos ao setor de armazenagem. Observou-se que o deslocamento dos bags até a máquina de prensa e o transporte dos fardos prontos até o setor de armazenagem são realizados de modo bem organizado, pois, além de esses setores estarem bem próximos um do outro, o fluxo desse processo é contínuo. Essa interligação das áreas da COOTRE evidencia o relato de Gonçalve-Dias & Teodósio (2006), que afirmam que as cooperativas possuem vantagens por serem mais organizadas e estruturadas.
Os entrevistados informaram que os fardos ficam armazenados até o final do mês. Então a cooperativa entra em contato com as empresas de aparas (atravessadores) que compram os materiais. O SEBRAE (2003) afirma que as cooperativas não podem ficar com materiais encalhados e, ao mesmo tempo, devem conseguir comercializá-los a um bom preço. Observou-se que, mesmo vendendo seus fardos apenas no final do mês, a COOTRE não se prejudica com isso, pois há espaço para armazenagem e as empresas atravessadoras possuem caminhões suficientes para transportar todo o estoque da cooperativa.
Segundo Xavier & Corrêa (2013), as cooperativas trabalham como unidades de pré- processamento dos materiais, pois já os deixam compactados e enfardados, facilitando o trabalho das indústrias de reciclagem, que já recebem os materiais separados e conseguem ter uma previsibilidade melhor para o planejamento de seus processos. Essa operação em rede traz mais vantagens para todos os atores envolvidos na cadeia.
Como relatado pelos entrevistados, a COOTRE não vende seus materiais direto para as indústrias de reciclagem pelo fato de não ter volume suficiente e também por não possuir veículos de transporte. Essa realidade corrobora a observação de Soto (2011), que comenta algumas exigências das indústrias de reciclagem, como qualidade, quantidade e regularidade de fornecimento. Porém, mesmo vendendo seus materiais para empresas atravessadoras, os cooperados ainda possuem ganhos mais elevados do que se fossem catadores autônomos. Isso porque os atravessadores também pagam melhor por resíduos pré-processados e por volumes maiores.
Foi possível observar, de acordo com as respostas dos entrevistados e a análise dos pesquisadores, que a cooperativa trabalha com os principais canais reversos de bens de pós-consumo, que, segundo Leite (2009), são a reciclagem, o desmanche e o reúso. Isso se confirma com o fato de que todos os fardos comercializados são posteriormente vendidos pelos atravessadores às indústrias de reciclagem. Na questão do reúso, E2 afirma que muitos materiais coletados ainda são passíveis de reutilização, sendo os mesmos vendidos por preços acessíveis aos próprios cooperados. Quanto ao desmanche, conforme já relatado, a COOTRE possui um setor específico para essa atividade.
Os atores envolvidos nos processos da cooperativa
Foi possível perceber, de acordo com os entrevistados e a análise dos pesquisadores, que a Prefeitura Municipal de Esteio possui um papel importante para a cooperativa, pois cede caminhões e motoristas para realização da coleta, auxilia com algumas despesas (luz, água, dentre outras) e paga 15 mil reais por mês pelo serviço que a COOTRE presta. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente da cidade de Esteio também está integrada, fazendo o cadastro de adesão à coleta seletiva e dispondo-se a passar informações e receber sugestões e críticas.
De acordo com E2, poucos moradores da região aderem à coleta seletiva. Os motivos disso, acredita o entrevistado, podem ser a falta de consciência das pessoas e a pouca divulgação da cooperativa. De acordo com o IPEA (2013), as ações de educação ambiental são essenciais para conscientizar a população, e os catadores poderiam realizar o papel de agente ambiental, divulgando conhecimentos sobre a coleta seletiva.
Conforme relatado pelos entrevistados, diversas empresas estão envolvidas nas atividades da Cooperativa dos Trabalhadores Recicladores de Esteio. A formação da cooperativa, os pontos de coleta e a comercialização dos materiais são processos que possuem atuação direta de empresas. Analisando- se os principais atores que participam das práticas de logística reversa de pós-consumo da cooperativa, que são os órgãos públicos, as empresas e a sociedade, é importante ressaltar o conceito de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que, segundo Mesquita Jr. (2007), é a forma de administrar a gestão de resíduos sólidos da melhor maneira possível, considerando a cooperação e participação de todos os representantes da sociedade (governo, empresas, catadores, dentre outros) e buscando, assim, o desenvolvimento sustentável. Segundo Dias (2009) e Seiffert (2010), para que ocorra o desenvolvimento sustentável, é necessário que o desenvolvimento econômico, social e ambiental atue de forma equilibrada.
PROPOSIÇÕES DE MELHORIAS
Com base nas observações e nas entrevistas realizadas na cooperativa, destacam-se algumas ações de melhoria que podem ser desenvolvidas. As proposições têm o objetivo de indicar ações que possam melhorar as atividades de coleta, triagem e comercialização. Desse modo, sugere-se:
• buscar mais parcerias com empresas e instituições que tenham práticas sustentáveis. Segundo Pereira et al. (2011), cada vez mais empresas estão agindo de forma sustentável, preocupando-se com o descarte correto dos resíduos. Nesse sentido, a cooperativa poderia buscar apoio e formar parcerias com essas organizações, com o intuito de coletar mais materiais e também receber doações de equipamentos, como, por exemplo, uma empilhadeira elétrica (que a COOTRE ainda não possui) para transportar os bags para a prensa;
• buscar possíveis novos compradores. Observou-se que a cooperativa comercializa seus materiais sempre para as mesmas empresas. Algumas dessas organizações atuam em locais distantes, o que aumenta o custo de transporte. Seria interessante estar sempre pesquisando e entrando em contato com novos comerciantes com o objetivo de negociar melhores preços na venda dos materiais e reduzir os custos de transporte;
• criar uma rede de cooperação com outras cooperativas de reciclagem, com o objetivo de obter melhores equipamentos e mais volume de materiais e assim vender diretamente para as indústrias de reciclagem. Soto (2011) comenta que as redes de cooperativas de catadores ainda são novas no país, porém vêm aumentando com o intuito de ganhar mais competitividade no mercado de materiais recicláveis. Entende-se que esse processo envolve várias etapas e vários colaboradores, mas seria interessante a cooperativa se informar e pesquisar modelos de redes já existentes no Brasil;
• entrar em contato com Universidades e Organizações não Governamentais com o propósito de obter mais capacitação sobre gerenciamento e administração. Apesar de a COOTRE já possuir boas noções de como administrar a cooperativa, a mesma poderia desenvolver novas atividades, como o estabelecimento de objetivos e metas e a formulação de planos de trabalho, que, segundo o SEBRAE (2003), são atividades básicas de uma cooperativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A logística reversa de pós-consumo vem se tornando um assunto cada vez mais importante e explorado pelas empresas, órgãos públicos, instituições e sociedade. A preocupação do novo consumidor com o meio ambiente e as práticas sustentáveis dos geradores de resíduos têm sido de extrema importância para a evolução desse tema. Pode-se perceber que, ao longo dos últimos anos, diversos autores divulgaram pesquisas e teorias sobre a logística reversa de pós-consumo, apresentando como o processo é realizado, quais são as melhores maneiras de desenvolvê-lo, quais são as dificuldades, os benefícios que os fluxos reversos trazem, dentre outros aspectos. Esses estudos enriquecem a literatura sobre o tema, facilitando a compreensão de interessados e trazendo informações de como fazer uma boa gestão dos resíduos descartados.
Para que a logística reversa de pós-consumo seja eficiente, a mesma precisa seguir um fluxo contínuo de atividades, tendo ligações em todas as etapas. Nesse aspecto, destaca-se a importância do papel dos catadores de lixo e das cooperativas de reciclagem, que realizam grande parte das atividades práticas desse processo, que são a coleta, a triagem, a compactação e a comercialização desses resíduos.
Nesta pesquisa identificaram-se as práticas de logística reversa de pós-consumo realizadas pela Cooperativa dos Catadores Recicladores de Esteio. Entende-se que o objetivo geral desta pesquisa foi atingindo, pois os resultados demonstraram diversas atividades de fluxo reverso que a cooperativa realiza, desde a catação dos materiais até a comercialização aos atravessadores.
As cooperativas de reciclagem vêm se tornando um ótimo meio de os catadores elevarem seus ganhos com a comercialização de resíduos sólidos. Trabalhando com volumes maiores de materiais, elas passam a ter maior poder de negociação com os compradores. Além disso, o governo incentiva as atividades de associações e cooperativas, cedendo recursos e local, e também criando leis que as beneficiam.
Em relação à comercialização dos materiais da cooperativa, constata-se que, apesar de os cooperados terem ganhos mais elevados que os catadores autônomos, ainda assim são os atravessadores que ditam os preços a serem praticados, pois são eles que vendem para as indústrias de reciclagem. Conforme relatado pelos entrevistados, a cooperativa possui dificuldade de vender direto para essas indústrias, pois as mesmas só compram em grandes quantidades e a COOTRE não possui caminhões para o transporte dos fardos.
Outro aspecto relatado pelos entrevistados contempla a falta de conscientização de algumas pessoas em relação à separação de materiais. Diversas vezes a cooperativa recebe resíduos orgânicos misturados com os resíduos sólidos, o que dificulta o trabalho dos cooperados. De modo geral, verifica-se que a Cooperativa dos Trabalhadores Recicladores de Esteio realiza práticas sustentáveis e que contribuem para a geração de renda aos cooperados e para uma melhor gestão dos resíduos sólidos. Portanto, as ações da cooperativa contribuem significativamente para o fluxo reverso dos materiais.
Como sugestão para estudos futuros, propõese que sejam desenvolvidas pesquisas voltadas a: i) verificar os métodos utilizados nas cooperativas de reciclagem para processar seus materiais, analisando em detalhe a qualidade da triagem e se uma separação mais selecionada dos resíduos impacta o preço de comercialização; ii) explorar de forma mais minuciosa outros atores envolvidos nos processos de logística reversa de pós-consumo, como empresas e órgãos públicos, e como os mesmos contribuem para a gestão dos resíduos; iii) analisar as razões que levam alguns catadores autônomos a continuarem trabalhando sozinhos; e iv) desenvolver meios para inseri-los em associações e cooperativas.
Os resultados desta pesquisa poderão ser utilizados como hipóteses para novas observações e aplicações que auxiliem a tornar ainda mais robusto o conhecimento que se tem acerca da participação das cooperativas de reciclagem na realização da logística reversa de pós-consumo.
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