Resumo: Este artigo revisa e discute como o conceito de viabilidade ambiental é aplicado pelo IBAMA, para fins de decisão quanto à emissão de licenças prévias de hidrelétricas. Trata-se de um tema bastante relevante, uma vez que não há um consenso teórico e prático de como aplicar este conceito. Apresenta-se o procedimento adotado pelo IBAMA na fase de licenciamento prévio e as principais justificativas utilizadas tanto nos EIA's, quanto pelo órgão licenciador para atestar a viabilidade ambiental ou indeferir o pedido de Licença Prévia. A pesquisa foi realizada utilizando-se a técnica de Análise de Conteúdo dos processos de licenciamento ambiental federal de hidrelétricas que passaram pela fase de licenciamento prévio. Identificou-se a utilização dos seguintes critérios pelo IBAMA para subsidiar a decisão de viabilidade ambiental: compatibilidade do empreendimento com as normas legais; averiguação de presença de alternativa locacional e tecnológica, econômica e ambientalmente viável para o empreendimento e se as medidas mitigadoras propostas correspondem aos impactos identificados; avaliação para verificar se os impactos ambientais mais significativos são mitigáveis, reversíveis ou temporários; verificação da capacidade de suporte do meio ambiente frente aos impactos do empreendimento; avaliação da ocorrência de balanço positivo entre os ganhos e custos ambientais; comparação entre os cenários futuros da região, considerando a instalação ou não do empreendimento. Verifica-se que a deliberação quanto à emissão das licenças prévias, ainda que tecnicamente embasada e tomada a partir das informações e prognósticos apresentados nos EIA's, é realizada de forma discricionária pelo IBAMA e baseada, em muitos casos, em avaliações incertas e subjetivas.
Palavras-chave:Avaliação de ImpactoAvaliação de Impacto,Licenciamento AmbientalLicenciamento Ambiental,Viabilidade AmbientalViabilidade Ambiental,Usinas HidrelétricasUsinas Hidrelétricas.
Abstract: This article discusses how the concept of environmental viability has been applied by The Brazilian Environmental Institute [IBAMA] to support the issuing of environmental permits of hydropower plants. This is a very important issue, since there is no theoretical and practical consensus on how this applies. It covers the procedure followed and the criteria used both in environmental impact studies and by the institution to approve or deny the construction of hydropower plants. This research was carried out from the review of the federal environmental licensing processes of hydroelectric dams that went through the previous licensing phase. Examples of decisions taken by the institution are presented to illustrate the application of the criteria discussed. The following criteria are covered: verification if the installation or operation of the project would result in the violation of any law or legal rule; evaluation if is being proposed the better locational and technological alternative for the project; assessment if the most significant environmental impacts are mitigated, reversible or temporary; review if the environment can withstand the impact of the installation and operation of an enterprise and maintain a minimum environmental quality; assessment if there is a positive balance between gains and environmental costs and assessment if the scenario that considers the installation and operation of the enterprise is more promising than the scenario in which the enterprise is not installed. It is concluded that there is no formula or single criterion that can be applied in all cases. The decision if often qualitative, subjective and discretionary, even though based on environmental studies.
Keywords: Impact Assessment, Environmental Licensing, Environmental Acceptability, Hydropower plants.
Resumen: Este artículo describe cómo el concepto de viabilidad ambiental se ha aplicado por el Instituto Brasileño de Medio Ambiente [IBAMA], para apoyar la emisión de permisos ambientales de centrales hidroeléctricas. Este es un tema muy importante, ya que hay un consenso teórico y práctico sobre cómo aplicar este concepto. Se muestra el procedimiento adoptado por el IBAMA en la etapa de licenciamiento previo y las razones principales utilizadas tanto en los EIAs, como por la autoridad de concesión de licencias para certificar la viabilidad ambiental o no conceder la licencia preliminar. La investigación se realizó a partir de la revisión de los procesos federales de concesión de licencias ambientales de represas hidroeléctricas que pasaron por la fase previa de concesión de licencias. Se cubren los siguientes criterios: verificación si la instalación o operación del proyecto resultaría en la violación de cualquier ley o regla legal; evaluación si se propone la mejor alternativa locacional y tecnológica para el proyecto; evaluación si los impactos ambientales más significativos son mitigados, reversibles o temporales; revisar si el medio ambiente puede soportar el impacto de la instalación y operación de una empresa y mantener una calidad ambiental mínima; evaluación si hay un balance positivo entre ganancias y costos ambientales y evaluación si el escenario que considera la instalación y operación de la empresa es más prometedor que el escenario en el cual la empresa no está instalada. Se concluye que no existe una fórmula o criterio único que pueda aplicarse en todos los casos. La decisión es a menudo cualitativa, subjetiva y discrecional, aunque basada en estudios ambientales.
Palabras clave: Evaluación del Impacto, Licencias Ambientales, Viabilidad Ambiental, Hidroeléctricas.
Razões e critérios para definição da viabilidade ambiental de hidrelétricas no Brasil
Reasons and Criteria to define the environmental feasibility of hydroelectric plants in Brazil
Los criterios y las razones utilizados para definir la viabilidad ambiental de hidroeléctrica en Brasil

Recepción: 20 Septiembre 2017
Aprobación: 09 Febrero 2018
Este artigo visa discutir como o conceito de viabilidade ambiental é aplicada na prática pelo IBAMA, para fins de decisão quanto à emissão de licenças prévias de usinas hidrelétricas e também no contexto dos Estudos de Impacto Ambiental [EIA's] analisados pela instituição.
Os critérios adotados para definição da viabilidade ambiental foram levantados a partir de uma revisão dos processos de licenciamento ambiental federal de hidrelétricas que passaram pela fase de licenciamento prévio. Trata-se de um tema relevante, uma vez que estas decisões geram reflexos diretos no ritmo e no modelo de desenvolvimento do país e causam mudanças significativas nos ambientes nos quais os projetos são instalados, e também, porque não há um consenso prático e teórico de como o conceito de viabilidade ambiental se aplica para fins de decisão quanto à emissão de licenças prévias.
No caso de empreendimentos de grande complexidade e considerados de utilidade pública, nos quais os ganhos e perdas decorrentes da instalação e operação dos empreendimentos são bastante significativos, a decisão quanto à viabilidade ambiental se torna bastante complexa e relevante.
Frequentemente, esta decisão também se torna conflituosa e controversa. No caso da hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, levantamento realizado por Scabin (2014) identificou que até 2014 já haviam sido impetradas dezenove ações civis públicas, a maioria questionando a legalidade da licença prévia emitida pelo IBAMA, tendo sido solicitados trinta e um pedidos de liminares contra a instalação do empreendimento.
Entre as atividades de maior complexidade para a definição da viabilidade ambiental, destaca-se a instalação e operação de usinas hidrelétricas, tipologia bastante estudada (Duarte, Dibo, e Sánchez, 2017) e que será foco deste artigo. A instalação de hidrelétricas é considerada pelo governo brasileiro a melhor opção para geração de energia elétrica, devido aos seguintes fatores: 1) por ter o custo da energia mais competitivo em relação as demais fontes primárias (Tolmasquim, 2012); 2) por ser menos emissora de gases de efeito estufa (Dos Santos, Rosa, Sikar, Sikar, & Dos Santos, 2006; Akella, 2009); 3) pelo grande potencial a ser explorado (EPE, 2006); 4) por ser uma forma de energia renovável; 5) por possuir capacidade de induzir a um desenvolvimento socioeconômico local (Pereira, 2011). Por outro lado, a construção de hidrelétricas causa impactos ambientais altamente significativos e muitas vezes irreversíveis (WCD, 2000; Lees, Peres, Fearnside, Schneider, & Zuanon, 2016).
Como exemplo de complexidade para tomada de decisão quanto à viabilidade ambiental, cita-se o caso da Usina Hidrelétrica [UHE] de São Luiz do Tapajós, hidrelétrica planejada para afetar região caracterizada por uma altíssima diversidade biológica. Se por um lado a hidrelétrica seria capaz de gerar energia suficiente para atender cerca de vinte milhões de residências, por outro, o EIA previu a incidência de cento e vinte e três impactos sobre o meio físico, biótico e socioeconômico, diversos destes considerados negativos, de alta magnitude, irreversíveis (EIA SLT, 2014) e muitos outros em que há uma grande incerteza em relação à sua magnitude, assim como a efetividade das medidas mitigadoras propostas. O pedido de Licença Prévia foi indeferido pelo IBAMA em 2016, em razão dos impactos que seriam provocados em Terra Indígena e por falta de apresentação das informações complementares solicitadas pelo Instituto.
A incerteza em relação ao impacto em relação à viabilidade ambiental também aumenta quando não há um conhecimento preciso da região (Glasson, Therivel, e Chadwick, 2005), como é o caso, por exemplo, da região amazônica que, segundo Plano Decenal de Energia Elétrica 2024 (EPE, 2015), concentrará fortemente (93% em termos de capacidade instalada) a expansão da geração hidrelétrica no Brasil.
A complexidade e incerteza causam insegurança jurídica aos empreendedores, que não conseguem planejar com exatidão a instalação de empreendimentos. Assim, a identificação dos critérios que estão sendo aplicados pelo IBAMA para decisão da viabilidade ambiental podem nortear empresas de consultoria na elaboração dos EIA's, que serão submetidos ao órgão ambiental e também, podem subsidiar empreendedores na elaboração de projetos ambientalmente mais sustentáveis, para os quais se tenha maior garantia de efetiva instalação.
A Avaliação de Impacto Ambiental [AIA] pode ser definida como um instrumento para identificar, prever, interpretar e prevenir as consequências que determinadas ações, planos, programas ou projetos podem causar à saúde, ao bem-estar humano e ao meio ambiente (Bolea, 1994).
No Brasil, a AIA é realizada principalmente para dar suporte ao processo de licenciamento ambiental, considerado o principal instrumento de gestão ambiental do país (Banco Mundial, 2008).
O licenciamento ambiental brasileiro, conforme detalhado na Resolução CONAMA n. 237 de 19 de dezembro de 1997, é caracterizado e se distingue do procedimento adotado na grande maioria dos países (Arcadis Logos, 2015), pela existência de três fases: licença prévia [LP], quando se discute a viabilidade ambiental do empreendimento a partir da apresentação do estudo de impacto ambiental; licença de instalação [LI], quando é autorizado o início das obras; e licença de operação [LO], quando se autoriza o funcionamento da atividade.
O procedimento de licenciamento prévio no IBAMA foi detalhado na Instrução Normativa [IN] do IBAMA n. 184 de 17 de julho de 2008 e segue as etapas e o fluxo demonstrado na Figura 1:

A decisão quanto à emissão de licenças ambientais é discricionária do Presidente do IBAMA que, conforme a Instrução Normativa do IBAMA n. 11 de 22 de novembro de 2010, pode solicitar o assessoramento da Comissão de Avaliação e Aprovação de Licenças Ambientais, no caso de empreendimentos de maior complexidade.
O documento que subsidia esta instância de decisão é o parecer técnico conclusivo de avaliação do Estudo de Impacto Ambiental, preparado pela equipe técnica designada para conduzir o licenciamento do empreendimento. Quando a Comissão mencionada acima é convocada, além do parecer técnico, elabora-se também um Relatório do Processo de Licenciamento [RPL].
Conforme estabelecido pela IN IBAMA n. 184 de 17 de julho de 2008, os estudos de impacto ambiental devem ser elaborados segundo Termos de Referências a serem emitidos pela Instituição, os quais, via de regra, determinam que os estudos de impactos devam ser conclusivos quanto à viabilidade ambiental. Entretanto, nos Termos de Referência não é estabelecido um método ou critério para se chegar a esta conclusão. O excesso de informações, pouco relevantes, dos EIAs, dificulta a tomada de decisão (Borioni, Gallardo, & Sánchez, 2017).
Na fase de licenciamento prévio, o projeto deve ser avaliado quanto a sua concepção, design e localização, a partir da análise dos estudos ambientais requisitados pelo órgão ambiental. Esta fase é crucial para o processo, já que na LP o órgão ambiental deve, segundo a Resolução CONAMA n. 237 de 19 de dezembro de 1997, “atestar a viabilidade ambiental” e, em caso positivo, estabelecer as principais condições para execução da atividade e os requisitos básicos a serem detalhados e atendidos nas fases de instalação e operação.
Entretanto, o conceito de viabilidade ambiental não foi legalmente definido e tampouco há um consenso teórico e prático de como este conceito se aplica.
De acordo com Sánchez (2015), o conceito de viabilidade ambiental “não é unívoco”. A sua concepção deve ser um “produto de um processo específico, considerando sempre a natureza e o porte da atividade ou projeto e o entorno onde há pretensão de implantá-lo(a)” (Silva Filho, 2011).
Para Montano e Souza (2008), concorrem para a viabilidade ambiental as características do meio (físico, biótico e antrópico) e as características (tecnológicas) da atividade ou empreendimento que se pretende implantar, considerando o nível de qualidade ambiental estabelecido para o momento da implantação e requerido ao longo do tempo. A análise deve considerar não somente os aspectos estritamente ambientais, mas também, questões sociais, econômicas e deve basear-se no EIA, ainda que este não seja vinculante (Bim, 2014) ou determinante para a tomada de decisão (Bragagnolo, Lemos, Ladle, & Pellin, 2017; Cashmore, Gwilliam, Morgan, Cobb, & Bond, 2004).
Em uma análise simplista, a viabilidade ambiental é avaliada mediante verificação se todos os procedimentos estabelecidos na etapa de licenciamento prévio foram cumpridos e se a execução de uma atividade poderia resultar na infração de lei ou demais dispositivos legais. A avaliação da viabilidade ambiental não deve, entretanto, se restringir à análise exclusivamente formal, que vise unicamente identificar algum vício processual. Também é necessário considerar a avaliação de alternativas, impactos, riscos, prognósticos, medidas mitigadoras e compensatórias.
De forma geral, a análise de viabilidade ambiental deve ser fruto da avaliação dos impactos, que deve ser realizada no âmbito dos EIA's. A avaliação dos impactos pode ser qualitativa ou quantitativa. Diversas técnicas foram desenvolvidas para realizar esta avaliação: métodos intuitivos, matrizes ponderadas, análises multicritério, etc. Dependendo da técnica a ser utilizada, diferentes resultados podem ser obtidos, e pode-se chegar a conclusões distintas sobre a viabilidade de um mesmo empreendimento.
Pondera-se, contudo, que a avaliação dos impactos, mesmo que representada quantitativamente, é resultado de técnicas que invariavelmente se baseiam em avaliações subjetivas (Bruce, 2006), uma vez que, para comparar os impactos, é necessário estabelecer pesos ou juízos de valor para cada um deles (Sánchez, 2015). Conforme ponderado por Bim (2014), o peso a ser atribuído a cada elemento analisado não é cartesiano e a decisão, sendo fruto de complexa ponderação, “está longe de ser uma conta matemática”.
Para aplicar as técnicas de avaliação dos impactos, é necessário comparar impactos com características e abrangências totalmente distintas; positivos e negativos; de curto, médio e longo prazo; reversíveis ou irreversíveis; mitigáveis ou não mitigáveis. Como resultado de uma mesma avaliação de impactos, pode-se chegar a conclusões distintas sobre o grau, a importância e magnitude dos impactos e, como consequência, sobre a viabilidade ambiental do empreendimento. Nessa linha, a decisão da viabilidade ambiental está atrelada à própria discussão do conceito de significativo impacto ambiental, que é considerado subjetivo e juridicamente indeterminado (Domingues, 2009).
A análise de viabilidade ambiental também deve envolver uma avaliação dos efeitos induzidos pelas ações antrópicas, de modo a verificar a sua compatibilidade com a capacidade do meio em assimilar tais efeitos, sem prejuízo para a produtividade dos sistemas ambientais (Montano e Ranieri, 2013). É necessário avaliar se o meio consegue suportar o impacto provocado pela atividade. Por mais vantagens que um empreendimento possa resultar, há consequências que são inadmissíveis e não devem ser aceitas (ex: extinção de espécies). Assim, é necessário avaliar os limites máximos para a ocorrência de impactos negativos e a resiliência do ambiente frente a impactos de alta magnitude.
Quando há um padrão de qualidade preestabelecido ou um limite para as alterações admissíveis [thresholds] é importante verificar se o impacto resultante de ações necessárias para a instalação de um determinado empreendimento resultaria na infração a estes limites (Ex.: com a realização de prognóstico de qualidade de água do reservatório, é possível verificar se padrões de qualidade estabelecidos pela Resolução CONAMA n. 357 de 17 de março de 2005 serão respeitados).
Esta visão se aplica bem aos casos de impactos previstos para ocorrer majoritariamente sobre o meio físico. Nestes casos, a tarefa é facilitada tanto em razão da existência de padrões de qualidade muitas vezes preestabelecidos (qualidade do ar, água, solo, etc.), mas também, quando há uma boa previsibilidade de impactos, os quais, em geral, podem ser previstos e quantificados através de modelos matemáticos.
No caso de atividades potencialmente geradoras de acidentes, adota-se como componente fundamental para a definição da viabilidade ambiental, a verificação, a partir de estudos de análise de riscos, se os riscos decorrentes da operação da atividade são toleráveis. Estes estudos podem ser qualitativos e quantitativos e normalmente o critério de tolerabilidade é definido a partir da avaliação quanto à probabilidade e consequência de um eventual acidente.
No caso de atividades de grande complexidade, como usinas hidrelétricas, verifica-se também o entendimento de que a viabilidade ambiental está condicionada a um balanço favorável entre os impactos positivos e negativos, ou custos versus ganhos ambientais e sociais. Como um dos parâmetros indiretos para a avaliação do custo/benefício, utiliza-se a relação energia a ser gerada/área alagada.
Ressalta-se, entretanto, que este parâmetro não pode ser utilizado de forma isolada, já que há outras questões devem ser levadas em conta, como: biodiversidade a ser afetada, população a ser removida, etc..A avaliação dos impactos é ainda mais complexa caso a atividade afete bens com valores de não uso (ex: bens culturais); quando há questões éticas envolvidas (ex: extinção de espécies) e quando há incertezas ligadas à previsibilidade e grau de magnitude dos impactos, o que ocorre principalmente no caso de impactos sobre o meio biótico (Gontier, Balfors, & Mörtberg, 2006).
A viabilidade ambiental também pode estar atrelada à comparação de cenários futuros, considerando ou não a instalação da hidrelétrica. Cenários são descrições plausíveis sobre como o futuro pode acontecer e devem ser elaborados considerando os resultados do diagnóstico, avaliação dos impactos e prognóstico apresentados no EIA. Contudo, não devem ser interpretados como previsões de futuro (Partidário, 2009). Nesse sentido, a técnica de avaliação de cenários busca a adoção de uma visão de longo prazo num mundo de grande incerteza (Schwartz, 2000) e possibilita que se avaliem prováveis resultados e comportamentos em sistemas complexos (Rovere, 2013).
Trata-se de uma abordagem menos preditiva e mais intervencionista. O que se faz é, a partir de diferentes visões do futuro, estabelecer quais medidas deveriam ser adotadas para que se chegue a um desenvolvimento mais sustentável. Busca-se um maior protagonismo para se alcançar objetivos previamente determinados.
Contudo, esta técnica também possui limitações. Não há garantia que os cenários apresentados nos EIA's sejam concretizados, mesmo nos casos em que se adotem todas as medidas planejadas. Além disso, a descrição dos cenários também depende dos resultados da avaliação subjetiva dos impactos e do julgamento dos profissionais responsáveis pela sua elaboração. Desta forma, esta hipótese não afasta a subjetividade da tomada de decisão e a possibilidade de questionamentos futuros, muitos destes baseados no princípio da precaução.
O levantamento dos critérios adotados para definição da viabilidade ambiental foi obtido a partir de uma revisão documental dos processos de licenciamento ambiental federal de hidrelétricas que passaram pela fase de licenciamento prévio.
Foi utilizada a técnica da Análise de Conteúdo proposto por Bardin (1977). Procurou-se identificar as razões e justificativas para a emissão ou o indeferimento das licenças prévias apontadas em cada um dos documentos analisados. Comparou-se os argumentos para justificar a viabilidade apontados nos EIA's com as justificativas para verificação da viabilidade identificados nos documentos internos do IBAMA, em especial os pareceres técnicos, despachos e ATA's de reunião que subsidiaram a emissão ou o indeferimento da licenças prévias.
Os documentos foram obtidos a partir da revisão dos processos físicos disponíveis no arquivo da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA e por meio de consulta no– Sistema de Licenciamento Ambiental Federal [SISLIC], plataforma on line do IBAMA que disponibiliza os documentos inseridos nos processos administrativos.
As informações foram colhidas entre janeiro de 2013 e novembro de 2014. Buscou-se realizar a revisão de todos os vinte e nove processos de usinas hidrelétricas que, segundo informação disponível no SISLIC, haviam passado pela fase de licenciamento prévio até novembro de 2014. Assim, este diagnóstico não considerou informações posteriores a novembro de 2014 e tampouco informações dos processos de Pequenas Centrais Hidrelétricas [ PCHs].
Vale esclarecer que a maioria das hidrelétricas em operação não passaram pelo processo de licenciamento ambiental prévio, uma vez que iniciaram a sua construção antes do estabelecimento da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal n. 6938 de 31 de agosto de 1981) e da regulamentação do licenciamento ambiental federal, realizada por meio do Decreto Federal n. 99274 de 06 de junho de 1990 e Resolução CONAMA n. 237 de 19 de dezembro de 1997. Assim, de um total de noventa e três processos de usinas hidrelétricas com licenciamento federal em trâmite no IBAMA, apenas vinte e nove passaram por uma avaliação de viabilidade ambiental.
Em cinco casos não foi possível obter informações completas, uma vez que os processos não haviam sido digitalizados e não estavam disponíveis no arquivo da Diretoria de Licenciamento Ambiental. A relação dos vinte e quatro processos analisados é apresentada na Figura 2.
No levantamento dos processos de licenciamento ambiental federal de usinas hidrelétricas que passaram pela fase de licenciamento prévio, verificou-se que nem sempre os critérios são explicitados, tanto nos EIA's quanto nos pareceres emitidos pelo IBAMA, para definição da viabilidade ambiental.
Nos EIA's, a viabilidade ambiental foi normalmente justificada com base nos resultados do estudo. As justificativas apontadas nos EIA's para justificar a viabilidade ambiental dos empreendimentos estão apresentadas na Figura 2:

Nos estudos, destacou-se como argumentos para justificar a viabilidade ambiental: a possibilidade de minimização dos impactos negativos prognosticados por meio da adoção de programas ambientais e medidas mitigadoras, seguida da possibilidade de geração de renda e dinamização da economia da região. Verificou-se que a capacidade de induzir a um desenvolvimento socioeconômico local, conforme abordado por Pereira (2011), é um aspecto considerado relevante para a definição da viabilidade ambiental, principalmente nos estudos ambientais.
Já a decisão do IBAMA para declarar a viabilidade ambiental muitas vezes não foi claramente e explicitamente justificada. Quando não foram vislumbradas alternativas para viabilizar o projeto, a licença foi indeferida e declarou-se a inviabilidade ambiental. Nestes casos, os motivos para o indeferimento das licenças foram claramente justificados.
A relação dos argumentos do IBAMA para indeferir o pedido de Licença Prévia e declarar a inviabilidade ambiental dos empreendimentos analisados foram listados na Figura 3:

Entre as razões para o indeferimento do pedido de licença prévia, destacaram-se a possibilidade de interferência direta em unidades de conservação de proteção integral ou área com intenção de criação e a possibilidade de aumentar o risco de extinção de espécies endêmicas ou ameaçadas. Verificou-se que a alta magnitude e a irreversibilidade dos impactos ambientais decorrentes da instalação e operação de usinas hidrelétricas, conforme abordado por WCD (2000) e Lees, Peres, Fearnside, & Zuanon, (2016) são aspectos que vêm sendo considerados pelo IBAMA para definição da viabilidade ambiental. A interferência direta em terras indígenas e a necessidade de apresentação de informações complementares são aspectos preponderantes para a suspensão da tramitação dos processos.
Constatou-se a utilização do conceito de viabilidade ambiental proposto por Montano e Ranieri (2013), no qual a viabilidade ambiental estaria atrelada à capacidade do ambiente em suportar os impactos do empreendimento, conforme exemplificado na Figura 4.
Contudo, em especial quando não havia uma definição em relação à qualidade ambiental mínima, verificou-se a avaliação foi realizada caso a caso, utilizando outros critérios para a tomada de decisão, corroborando com a ideia defendida por Sánchez (2015), que defendeu que o conceito de viabilidade ambiental não comporta uma única forma interpretativa, e Silva Filho (2011), que defendeu que a viabilidade ambiental é um produto de um processo específico.
Identificou-se a utilização dos seguintes critérios pelo IBAMA para subsidiar e decisão de viabilidade ambiental: compatibilidade do empreendimento com as normas legais; averiguação de presença de alternativa locacional e tecnológica, econômica e ambientalmente viável para o empreendimento e se as medidas mitigadoras propostas correspondem aos impactos identificados; avaliação se os impactos ambientais mais significativos são mitigáveis, reversíveis ou temporários; verificação da capacidade de suporte do meio ambiente frente aos impactos do empreendimento; avaliação da ocorrência de balanço positivo entre os ganhos e custos ambientas; comparação entre os cenários futuros da região, considerando a instalação ou não do empreendimento.
Não se identificou a utilização do critério de tolerabilidade do risco nos casos analisados. O custo da energia e a emissão de gases de efeito estufa decorrentes da instalação/operação dos empreendimento também não têm sido considerados relevantes pelo IBAMA para a definição de viabilidade ambiental.
É importante ressaltar que o levantamento dos critérios foi resultado de uma análise interpretativa dos documentos internos do IBAMA, uma vez que se constatou a ausência de um modelo, padrão ou procedimento técnico a ser seguido nos pareceres técnicos e despachos internos que subsidiaram a emissão ou o indeferimento das licenças.
Constatou-se, ainda, casos nos quais os argumentos para a emissão ou indeferimento das Licenças adotadas pelo IBAMA divergiram dos critérios e justificativas apresentados no EIA, corroborando com resultado de pesquisa realizada por Cashmore et al (2004) que o EIA nem sempre é determinante para a decisão quanto à implementação ou não de um projeto, e casos nos quais utilizou-se mais de um critério para subsidiar tomada de decisão. Verificou-se que os aspectos sociais e econômicos, decorrentes da instalação/operação dos empreendimentos, têm sido considerados relevantes para a definição da viabilidade ambiental, tanto nos EIA's quanto pelo IBAMA.
No intuito de ilustrar a técnica utilizada para identificação dos critérios, apresenta-se a Figura 4, relacionando as justificativas apontadas pelo IBAMA para tomada de decisão e o critério utilizado.

Neste artigo, levantou-se as principais razões, justificativas e critérios que estão sendo utilizados nos EIA's e pelo IBAMA para a definição da viabilidade ambiental de usinas hidrelétricas. Foram verificadas visões e abordagens distintas de como este conceito está sendo aplicado para fins de tomada de decisão quanto à emissão de licenças prévias, corroborando com a ideia defendida por Sánchez (2015) e Silva Filho (2011).
Nos estudos avaliados, destacou-se como argumentos para justificar a viabilidade ambiental: a possibilidade de minimização dos impactos negativos prognosticados por meio da adoção de programas ambientais e medidas mitigadoras, seguida da possibilidade de geração de renda e dinamização da economia da região.
Observou-se, frequentemente, a solicitação do IBAMA de ajustes no projeto para subsidiar a emissão das licenças prévias que, na sua grande maioria, foram emitidas. Quando não foram vislumbradas alternativas para viabilizar o projeto, a licença foi indeferida e declarou-se a inviabilidade ambiental. Nestes casos, os motivos para o indeferimento das licenças foram claramente justificados e listados neste artigo.
A possibilidade de interferência direta em unidades de conservação de proteção integral ou área com intenção de criação e a possibilidade de aumentar o risco de extinção de espécies endêmicas ou ameaçadas destacaram-se como argumentos para o indeferimento do pedido de licença prévia. Já a interferência direta em terras indígenas e a necessidade de apresentação de informações complementares são aspectos preponderantes para a suspensão da tramitação dos processos.
Verificou-se que a decisão do IBAMA para declarar a viabilidade ambiental nem sempre é claramente e explicitamente justificada. Já nos casos em que a licença prévia foi indeferida, a decisão do IBAMA foi devidamente justificada.
Foram identificados os seguintes critérios de avaliação da viabilidade ambiental: compatibilidade do empreendimento com as normas legais; averiguação de presença de alternativa locacional e tecnológica, econômica e ambientalmente viável para o empreendimento e se as medidas mitigadoras propostas correspondem aos impactos identificados; avaliação se os impactos ambientais mais significativos são mitigáveis, reversíveis ou temporários; verificação da capacidade de suporte do meio ambiente frente aos impactos do empreendimento; avaliação da ocorrência de balanço positivo entre os ganhos e custos ambientas; comparação entre os cenários futuros da região, considerando a instalação ou não do empreendimento. Em muitos casos, constatou-se a utilização de mais de um critério para se chegar à decisão.
Conclui-se, a partir da análise dos critérios identificados, que não há uma fórmula ou critério único que possa ser aplicado em todos os casos e defende-se que um conjunto de critérios, adaptados a cada tipologia e características ambientais da área a ser afetada, poderia subsidiar os órgãos ambientais na definição da viabilidade ambiental de empreendimentos.
A deliberação quanto à emissão das licenças prévias, ainda que tecnicamente embasada e tomada a partir das informações e prognósticos apresentados nos EIA's, é realizada de forma discricionária pelo IBAMA e baseada, em muitos casos, em avaliações incertas e subjetivas. Assim, é importante que o órgão ambiental reconheça, considere e incorpore a subjetividade e as incertezas inerentes e relacionadas à avaliação dos impactos na tomada de decisão quanto à viabilidade ambiental.



