Artigos
ANALISANDO A EFICIÊNCIA DOS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO, SAÚDE E URBANISMO NO SEMIÁRIDO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
ANALYSIS OF THE EFFICIENCY OF INVESTMENTS IN EDUCATION, HEALTH AND URBANISM IN THE SEMIARNED OF THE STATE OF RIO GRANDE DO NORTE
ANALIZANDO LA EFICIENCIA DE INVERSIONES EN EDUCACIÓN, SALUD Y URBANISMO EN EL SEMIARIO DEL ESTADO DEL RÍO GRANDE DEL NORTE
ANALISANDO A EFICIÊNCIA DOS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO, SAÚDE E URBANISMO NO SEMIÁRIDO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 7, núm. 3, pp. 437-450, 2018
Universidade Nove de Julho

Recepción: 11 Abril 2017
Aprobación: 24 Agosto 2017
Resumo: Esse estudo tem como principal problema investigar o grau de eficiência e qualidade nos gastos públicos em educação, saúde e urbanismo dos 59 municípios do Semiárido do Estado do Rio Grande do Norte e elencar possíveis caminhos na resolução do problema. Para tanto, adotou-se a metodologia de Análise Envoltória de Dados [DEA]. Os principais resultados informam um preocupante grau de ineficiência na gestão dos recursos públicos. Especificamente, apurou-se que em média 70% dos recursos destinados às respectivas áreas são desperdiçados. Além disso, verifica-se que aproximadamente nove em cada dez municípios aplicam inadequadamente recursos em educação, saúde e urbanismo. Adicionalmente, verifica-se que apenas 10% dos municípios, isto é, seis deles foram considerados eficientes na gestão desses recursos. Os cinco piores resultados observados ocorreram respectivamente em Rafael Godeiro, João Dias, Porto do Mangue, Taboleiro Grande e Viçosa. Onde o nível médio de ineficiência produtiva ficou em torno de 67%. Outro importante achado mostra que 25,42% dos municípios analisados desperdiçam no mínimo metade dos seus recursos. Destes, somente 1/5 tem população acima de 10.000 habitantes. Por outro lado, 73,33% dos municípios analisados que desperdiçam na melhor das hipóteses metade dos recursos destinados as mencionadas áreas possuem população inferior a 4.000 habitantes. Essa caracterização traz fortes evidências de que nessas localidades trabalha-se com rendimentos crescentes de escala. Ou seja, operam seus serviços abaixo da capacidade ótima de produção. Uma possível solução para o problema poderia ser a oferta conjunta de serviços de educação, saúde e urbanismo.
Palavras-chave: Gastos Públicos, Eficiência, DEA.
Abstract: This study has as main problem investigate the degree of efficiency and quality in the public expenditures on education, health and urbanism of the 59 municipalities of the Semi-arid state of Rio Grande do Norte and list possible ways to solve the problem. For that, the methodology of Data Envelopment Analysis [DEA] was adopted. The main results indicate a worrying degree of inefficiency in the management of public resources. Specifically, it was found that on average 70% of the resources allocated to the respective areas are wasted. In addition, approximately nine out of ten municipalities inadequately apply resources in education, health and urban planning. Additionally, it is verified that only 10% of the municipalities, that is, six of them were considered efficient in the management of these resources. The five worst observed results occurred respectively in Rafael Godeiro, João Dias, Porto do Mangue, Taboleiro Grande and Viçosa. Where the average level of productive inefficiency was around 67%. Another important finding shows that 25.42% of the municipalities analyzed waste at least half of their resources. Of these, only 1/5 has a population of over 10,000 inhabitants. On the other hand, 73.33% of the analyzed municipalities that waste in the best of the hypotheses half of the resources destined to the mentioned areas have population less than 4,000 inhabitants. This characterization brings strong evidence that these localities are working with increasing returns to scale. That is, they operate their services below the optimum capacity of production. A possible solution to the problem could be the joint provision of education, health and urban planning services.
Keywords: Public spending, Efficiency, DEA.
Resumen: Este estudio tiene como principal problema investigar el grado de eficiencia y calidad en los gastos públicos en educación, salud y urbanismo de los 59 municipios del Semiárido del estado de Rio Grande do Norte y elencar posibles caminos en la resolución del problema. Para ello, se adoptó la metodología de Análisis Envoltorio de Datos – [DEA]. Los principales resultados informan un preocupante grado de ineficiencia en la gestión de los recursos públicos. En concreto, se constató que en promedio el 70% de los recursos destinados a las respectivas áreas son desperdiciados. Además, se verifica que aproximadamente nueve de cada diez municipios aplican inadecuadamente recursos en educación, salud y urbanismo. Además, se observa que sólo el 10% de los municipios, es decir, seis de ellos se consideraron eficientes en la gestión de esos recursos. Los cinco peores resultados observados ocurrieron respectivamente en Rafael Godeiro, João Dias, Porto do Mangue, Taboleiro Grande y Viçosa. Donde el nivel medio de ineficiencia productiva se situó en torno al 67%. Otro importante hallazgo muestra que el 25,42% de los municipios analizados pierden al menos la mitad de sus recursos. De ellos, sólo 1/5 tiene población por encima de 10.000 habitantes. Por otro lado, el 73,33% de los municipios analizados que desperdician en el mejor de los casos la mitad de los recursos destinados a las mencionadas áreas tienen una población inferior a 4.000 habitantes. Esta caracterización trae fuertes evidencias de que en esas localidades se trabaja con rendimientos crecientes de escala. Es decir, operan sus servicios por debajo de la capacidad óptima de producción. Una posible solución al problema podría ser la oferta conjunta de servicios de educación, salud y urbanismo.
Palabras clave: El gasto público, Eficiencia, DEA.
Introdução
No Brasil, a partir da estabilidade econômica obtida com o processo de descentralização fiscal iniciado na década de 1980 e o Plano Real em 1994, a situação fiscal, em especial, referente aos gastos públicos passou por importantes modificações. Nesse contexto, acreditava-se que essa reformulação fiscal, na qual originava mais liberdade econômica a Estados e Municípios, promoveu uma gestão pública democrática e participativa, em especial, alinhada aos interesses da sociedade (Gasparini & Ramos, 2004).
Nesse sentido, o processo promoveria maior responsabilidade social e, proporcionaria aos cidadãos bens públicos com maior eficiência e qualidade. Por exemplo, melhoria nos serviços básicos ofertados a população, especialmente, os referentes à educação, saúde, segurança e infraestrutura. Associado a esses fatores positivos, algumas características desfavoráveis foram apontadas por teóricos opostos a descentralização fiscal. Essa corrente alertava que esse procedimento aumentaria as desigualdades regionais, dificultaria o controle macroeconômico e originaria o aumento de gastos públicos, em especial, com as assembleias municipais. Além disso, aumentaria significativamente a possibilidade de corrupção da gestão pública (Prud'Homme, 1995).
Nessa perspectiva, surgiram diversos estudos voltados para gestão dos gastos públicos no Brasil. A maior parte dos trabalhos aponta para a criação de mecanismos que analisem – mensurar e avaliar – a gestão pública dos recursos, conforme Rezende, Slomski e Corrar (2005) e Cândido Júnior (2009). Surge o questionamento chave sobre a eficiência na gestão dos recursos públicos, especialmente, aos destinados as regiões mais pobres. Uma vez que, nessas economias o nível educacional é bem inferior ao observado nas regiões mais ricas. Aliás, é razoável aceitar que o nível de fiscalização e cobrança nessas regiões seja bem menor, inúmeros escândalos de corrupção em todas as esferas públicas – federal estadual e municipal – foram deflagrados nos últimos anos, em especial, após a década de 1990.
Outra característica fundamental na gestão dos recursos públicos é a presença do Problema de Principal Agente. Em outras palavras, é possível que os gestores públicos ajam em favor dos seus interesses e não de acordo com as demandas sociais. Diante disso, analisar eficiência dos gastos públicos é uma ferramenta essencial na busca por um estado democrático, justo e mensurar a eficiência do setor público como um forte mecanismo de alinhar os interesses do povo e de seus governantes.
Pergunta-se: Como estão sendo alocados os recursos nas regiões mais pobres? Qual o nível de eficiência nos gastos com educação, saúde e infraestrutura? Há desperdício de dinheiro público? Entre outras palavras, este estudo pretende investigar a eficiência dos gastos públicos no Semiárido Potiguar, região localizada no estado do Rio Grande do Norte e divisa com os estados do Ceará e Paraíba. A escolha por essa região ocorre em especial por três aspectos: i) elevados índices de pobreza e desigualdade socioeconômicas observadas na região; ii) alta vulnerabilidade, especialmente, as decorrentes do colapso de recursos hídricos; iii) alto grau de oligarquias existentes no sertão potiguar.
Esse estudo tem como principal objetivo investigar o grau de eficiência e qualidade dos gastos públicos em educação, saúde e urbanismo dos 59 municípios do Semiárido Potiguar. E elencar possíveis caminhos na resolução do problema. O artigo foi estruturado em cinco seções incluindo esta introdução. Na segunda parte, faz-se um breve resumo de alguns estudos relacionados ao tema. Na terceira apresentam-se os aspectos metodológicos adotados. Na seção seguinte são apresentados os resultados, e na última seção faz-se as considerações finais.
Referencial teórico
Esta seção será dividida em quatro subseções: em 2.1 abordam-se questões referentes a gastos públicos; em 2.2 estão apresentados alguns relatos do Índice de Desenvolvimento Humano [IDH] e sua importância na implementação de políticas públicas destinadas a melhoria do bem estar social. Em 2.3 definiu-se de maneira sucinta bens públicos e sua importância social. Por fim, em 2.4 estão apresentado alguns resultados da literatura nacionais referentes à eficiência na gestão de recursos públicos.
Gastos públicos
A partir do ganho de estabilidade na economia brasileira alcançada na década 1990, a situação fiscal do país teve grandes transformações. Características relacionadas à carga tributária e as despesas efetuadas pelo setor público tornaram-se motivo de maiores reflexões. A partir de então surgiram diversos estudos a cerca da qualidade dos gastos e dos serviços prestados pelo governo, vários trabalhos sugerem a criação de instrumentos que mensurem e avaliem de forma mais precisa a dimensão qualitativa dos gastos públicos (Sousa Júnior & Gasparini, 2006).
Isso se deve ao fato de muitos serviços ofertados pelo Estado serem essenciais para o desempenho econômico e social. Como exemplo, é possível citar serviços como: educação, urbanismo, saúde, entre outros. Porém, observa-se que a maior parte desses fatores não tem mostrado efeitos significativos na produtividade da economia brasileira.5 Segundo Levy, Villela, Barros, Carvalho, Marinho, Franco e Fiuza (2006), essa situação impõe-se como um dos fatores que barra o crescimento econômico e social do país.
Nesse contexto, Barros (1995) desenvolve um modelo que busca avaliar a importância dos gastos públicos. Onde o tamanho do governo origina influência sobre a taxa de crescimento econômico. Segundo a abordagem, os gastos públicos originam externalidades positivas até um determinado nível. Apontando que gastos acima da capacidade ótima refletem negativamente sobre as taxas de crescimento do produto e da poupança.
Nessa linha de pensamento, segundo Alesina e Angeletos (2005), quanto maior for o tamanho do governo, maiores os níveis de corrupção. O estudo também relata que quanto mais corrupção, maior o apelo por políticas redistributivas que objetivam corrigir a desigualdade e a injustiça gerada pela corrupção. Por sua vez, observa-se que um feedback positivo entre o passado e os atuais níveis de tributação e corrupção surge tanto quando a riqueza proveniente da corrupção e rent-seeking são consideradas injustas, ou quando a capacidade de se envolver em corrupção é desigualmente distribuída na população. O estudo aponta que essas características determinam uma persistência no tamanho do governo e grau de corrupção e desigualdade (Alesina & Angeletos, 2005).
Seguindo outra corrente, Wagner (1890); Peters (2001); Rohr (2015), apontam que a Lei dos Dispêndios Públicos Crescentes, o crescimento per capita, ou desenvolvimento econômico em termos gerais, requer a participação cada vez maior do governo na oferta de bens públicos. Segundo esse estudo tal caracterização se sustenta nas seguintes prerrogativas:
i. Os gastos governamentais, na sua maior parte referem-se a bens superiores. Por exemplo, equipamentos escolares e hospitalares, estradas, etc., pois, a elevação da renda acarreta um incremento na demanda para esses bens.
ii. Economias com população predominantemente ativa – jovem e com altos índices de natalidade – necessitam de um estado mais paternalista. Em síntese, apresentam maiores gastos em educação, ou seja, maiores gastos na formação do capital humano.
iii. Essas economias requerem um maior nível de políticas públicas voltadas para redistribuição de renda e amparo social.
Diante da importância atribuída aos gastos governamentais na busca pelo desenvolvimento econômico e social do país, surge à necessidade cada vez mais de desenvolver ferramentas e mecanismos de controle e busca pela eficiência. Diversos estudos procuram demonstrar a eficiência desses gastos, tornando-os produtivos. Cândido Junior (2009), advoga que os dispêndios produtivos são aqueles onde os benefícios sociais marginais dos bens públicos igualam-se aos custos marginais para obtê-los. O estudo aponta que a eficiência tanto do setor público, quanto do privado, pode ser impulsionada pela ação de mecanismos de regulação. O estudo cita a criação de leis e diretrizes contratuais que garantam a existência de ambientes propícios ao desenvolvimento, buscando corrigir possíveis falhas de mercado.
Em outro estudo, Souza Júnior e Gasparini (2006), analisou a eficiência e equidade de serviços públicos. Os resultados apontaram que a região Nordeste possui forte disparidade em
relação às demais regiões e todos os estados desta região mostraram-se ineficientes. O estado nordestino que apresentou o melhor desempenho, Bahia, se estava posicionado abaixo do pior desempenho observado nas demais regiões do país. O estudo apontou que o objeto central do Fundo de Participação dos Estados [FPE] em atenuar/erradicar as desigualdades socioeconômicas regionais, em especial, nas regiões Norte e Nordeste, não foi alcançado.
Índices de Desenvolvimento Humano [IDH]
No início da década de 1990, foi criado pela Organização das Nações Unidas [ONU] o índice de desenvolvimento humano [IDH] com a finalidade de observar o nível de desenvolvimento humano de uma região, pais, continente. Para tanto, são utilizados indicadores de desempenho econômico e social (Torres, Ferreira, & Dini, 2003).
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], o principal objetivo da implantação do IDH foi oferecer uma alternativa a índices diretos como o Produto Interno Bruto [PIB] que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. O IDH é composto pela combinação três aspectos relevantes que buscam retratar de forma mais contundente o desenvolvimento humano:
I. Longevidade: que representa em especial às condições de saúde da população. Este índice é mensurado com base na esperança de vida ao nascer;
II. Educação: reflete a combinação de fatores como, índices de alfabetização de adultos, percentual de matrícula no ensino fundamental, médio e superior;
III. Renda: mensurada pelo poder aquisitivo individual. Este índice leva em conta o PIB real per capita.

A ideia de um indicador de desenvolvimento humano conota a estreita relação com as discussões diante das definições de qualidade de vida, pois se defende que tal indicador não deva retratar apenas o ambiente econômico. Ratificando essa linha, Scarpin e Slomski (2007), relatam que o desempenho econômico de uma sociedade, seja municipal, regional ou nacional não pode ser atribuído somente ao aspecto monetário de seus cidadãos, mas também deve englobar aspectos voltados à qualidade da educação, saúde e urbanismo.
De acordo com Paiva (1998), o grau de desenvolvimento humano em uma região é diretamente proporcional ao nível educacional observado de seus agentes. Segundo o estudo, o maior retorno está ligado ao nível fundamental. Esse resultado, em especial, parece identificar um importante caminho para elaboração de políticas públicas educacionais. Nesse contexto, Scarpine e Slomski (2007), defenderam que à medida que
a educação de qualidade se estabelece em sua base – Ensino Fundamental – o ensino superior se desenvolve e, dentro dele, a educação profissional, fatores esses, considerados
essenciais para o desenvolvimento produtivo em todos os setores da economia.
Outro aspecto essencial no desenvolvimento humano de uma sociedade refere-se ao observado no âmbito da saúde. Segundo Anjos (2010), o grande volume de recursos públicos destinados à área versus a baixa qualidade observada apontaram ineficiência do Rio Grande do Norte na gestão desses recursos, retratando o descaso e a péssima qualidade desses serviços nesse estado.
Por sua vez, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional [FMI] incentivam ações que busquem incrementar a urbanização, diminuir a pobreza e desigualdade. De acordo com essas instituições estima-se que economias que apresentam bons níveis de urbanização acima de 60%, possam incrementar seus objetivos de IDH em torno de 50% (Envolverde, 2014).
Bens públicos
Para Pindyck e Rubinfeld (2010), um bem público é caracterizado pelo fato do seu consumo por determinado indivíduo não diminuir o consumo do mesmo, por qualquer outro indivíduo. O que o denomina como bem econômico puro. Para Mankiw (2001), os bens públicos possuem duas características inconfundíveis. Primeiro, são não excludentes, isto é, o consumo desse bem por um agente não impossibilita o consumo pelos demais agentes da sociedade. Segundo, não há rivalidade no consumo, ou seja, a utilização do bem por um agente não diminui a satisfação do outro que utilizar aquele bem. Em síntese, o custo marginal de ofertar o bem para um consumidor adicional é zero para qualquer nível de produção.
Wonnacott e Wonnacott (1994) defendem que um bem público puro proporciona benefícios que não podem ser excluídos a nenhum indivíduo, inclusive, os chamados caronas, isto é, aqueles que não contribuem para sua oferta. A produção de um bem público pode ser feita por agentes públicos ou privados. Segundo Pindyck e Rubinfeld (2010), a produção de um bem público pelo estado é benéfica em virtude da possibilidade de avaliação dos impostos ou tarifas que deverão ser responsáveis pelo pagamento de tal bem.
Porém, devido à escassez de recursos públicos e privados, eclode a importância da alocação ótima dos recursos públicos, especialmente na oferta de bens públicos de qualidade. Nesse sentido, gestores públicos deveriam ter amplo conhecimento dos principais determinantes – variáveis/causas – do desenvolvimento econômico e social a fim de possibilitar ao poder público gerir políticas destinadas a originar o maior bem-estar social possível.
Resultados importantes da literatura
Em Sousa e Ramos (1999), avaliam-se os gastos públicos municipais do Nordeste e Sudeste do país. Por meio de técnicas não paramétricas para mensurar a eficiência produtiva de bens públicos ofertados a sociedade. Os principais resultados evidenciam que ambas as regiões grande parte dos municípios, especialmente, os que possuem 15.000 habitantes há um baixo nível de eficiência observada. Além disso, o estudo enfatiza a política de descentralização na época não promoveu o uso eficiente dos recursos públicos.
Segundo Almeida e Gasparini (2016), 28,5% dos 179 municípios paraibanos analisados são apontados como exemplos para os demais, representando as melhores práticas analisadas para a educação fundamental. Desses municípios ditos eficientes, vários deles foram citados mais de uma vez como benchmark, que é o caso do município de Diamante, que foi citado 100 vezes, tal característica se deu pelo mesmo apresentar uma média em educação acima da média paraibana.
Em Cândido Junior (2009), sobre a produtividade de gastos públicos, verificou-se que a aplicação eficiente dos gastos públicos envolve uma relação de custo/benefício, onde o tipo de gasto e sua composição afetam a produtividade e a realocação de recursos pode produzir resultados satisfatórios na melhoria da produção. Através da metodologia DEA, na qual captam os efeitos dinâmicos da relação gasto público/produto, o autor mostrou que o Brasil apresenta uma produtividade positiva, porém em comparação, o setor publicou representou apenas 60% da produtividade do setor privado.
No estudo de Rezende, Slomski e Corrar (2005), por meio da análise de cluters, diagnosticou que os municípios do estado de São Paulo que apresentam maiores investimentos, necessariamente, não estão no cluster dos que
possuem melhores índices de desenvolvimento humano. E também por meio da técnica de regressão múltipla notou-se que a relação entre os municípios de maiores IDH e os com maior volume de investimento não atende uma relação
linear, mostrando que o IDH desses municípios se deve a fatores além dos investimentos públicos.
Em estudo Ribeiro (2008), utilizando a análise DEA, apresentou o Brasil com um resultado de desempenho em torno da média na avaliação dos serviços públicos e abaixo da média em relação à eficiência dos gastos, em comparação com os países da America Latina. Países como Costa Rica, Uruguai e Chile obtiveram melhores resultados tanto no desempenho dos serviços como na eficiência dos gastos.
Procedimentos metodológicos
A Análise Envoltória de Dados [DEA] é uma metodologia utilizada para apurar a eficiência e utiliza regras de programação linear. Os resultados são obtidos através da avaliação do desempenho de unidades tomadoras de decisão (Meza, Biondi Neto, Soares de Mello, Gomes, & Coelho, 2003). O método DEA vem sendo bastante difundido na avaliação empírica de eficiência ou produtividade, especialmente, no setor público. Essa particularidade ocorre essencialmente por esse setor possuir um grande número de insumos e produtos. Além do mais, o setor público exige um ambiente menos restrito sobre a função de tecnologia (Mello, Meza, Gomes, Neto, 2005).

O DEA diferentemente de métodos paramétricos que adotam uma reta de regressão a partir de amostras observáveis, trabalha aperfeiçoando cada uma das observações individuais com a finalidade de construir uma fronteira de eficiência baseada nas unidades tomadoras de decisão que se mostram eficientes no sentido de Pareto6. Há diferentes formas de expressar os modelos DEA multidimensionais.
Há dois modelos clássicos. No primeiro modelo, assumem-se Retornos Constantes de Escala – CCR (Charnes, Cooper, & Rhodes, 1979). Trata-se de uma relação perfeita entre os inputs e outputs. Na segunda modelagem consideram-se Retornos Variáveis de Escala – BCC (Banker, Charnes, & Cooper, 1984), onde se postula uma correlação não perfeita entre produção e insumos utilizados. O Gráfico 1 ilustra a produção com a utilização dos insumos em ambos os modelos.
A modelagem matemática do modelo BCC apresenta-se sob duas formas, respectivamente direcionadas: inputs ou outputs.

A resolução do sistema (1) e (2) reflete o tamanho da redução/elevação radial necessária para que a Unidade Tomadora de Decisão [DMU] – se encontre exatamente na fronteira de eficiência tecnológica, onde o valor ótimo de situa-se entre zero e um e a sua diferença representa justamente a proporção na qual os investimentos poderiam ser poupados sem alterar o valor dos índices, de maneira que, quanto mais próximo de 1, mais eficiente é a DMU.
Segundo Meza, et al. (2003), os modelos DEA fornecem, para cada DMU, os pesos das variáveis, os benchmarks e os alvos para as DMU’s ineficientes, sendo esses dois últimos determinados a partir dos valores das variáveis duais, isto é, através da resolução dos Problemas de Programação Linear.
Outra característica importante possibilitada pelo DEA refere-se à avaliação dos rendimentos de escala apresentados pelas DMU’s. Para tanto, pode-se utilizar o teste de Färe, Grosskopf e Lovell [FGL] presente na literatura. Este método usa três versões do modelo DEA: CCR, BCC e o modelo com tecnologia de retornos não crescentes de escala – NIRS.
Todavia, destaca-se que os resultados obtidos nesse estudo foram possibilitados pelo uso do Sistema Integrado de Apoio à Decisão [SIAD]. Desenvolvido por um grupo de pesquisadores vinculado a Universidade Federal Fluminense [UFF] que trabalham com diferentes áreas do conhecimento.
Aplicou-se o Teste de Grubbs7, no qual se verificou a existência de dados discrepantes nas amostras, uma vez que a presença dessas anomalias nos dados aumenta consideravelmente a variância e gera vieses nas estimações, e, portanto, comprometem significativamente a análise. Um dos pressupostos básicos assumidos na modelagem DEA é a homogeneidade das DMU’s. Ao comparar a eficiência produtiva – empresas e/ou municípios – precisa-se garantir uma semelhança na amostra. Os resultados dos testes apontam para inexistência desse problema.
Descrição dos dados
A composição da amostra contém os dispêndios executados entre os anos de 2000 a 2010. Foram utilizados dados de 59 municípios que compõem o Semiárido Potiguar. Os inputs representam os gastos per capita em saúde, educação e urbanismo por se buscar uma melhor homogeneidade nos dados. Foi feita a média dos anos analisados, tanto nos gastos como na população, para transforma-los em per capita. Por sua vez, o IDH municipal 2010 – saúde, educação e renda – representa o output utilizado. Foram abordadas também as receitas correntes do período citado a fim de verificar a relação existente entre os investimentos nas referidas áreas. Foi utilizado o modelo BCC da análise DEA, orientado a inputs. Conforme destacado anteriormente aplicou-se o teste de Grubbs. De acordo com os resultados a amostra não possui nenhum outlier.
Análise e discussão dos resultados
O Gráfico 2 apresenta a relação entre as receitas correntes e os gastos em educação, saúde e urbanismo, per capita.8 Ressaltando que não há homogeneidade nos investimentos considerados chaves na esfera pública, embora, perceba-se certo padrão. Quanto maior a arrecadação municipal maiores são os gastos em educação, saúde e urbanismo. Esse fenômeno pode indicar a ausência de um mecanismo de controle dos gastos públicos municipais. Em síntese, parece não haver um percentual de gasto mínimo por área sobre a receita corrente dos municípios analisados.

As eficiências reportadas pelo Gráfico 3 retratam que apenas 10,16% dos municípios do Semiárido Potiguar utilizam seus recursos de forma eficiente. Para se ter a dimensão do problema, o índice médio de eficiência apurado é de 35,25%. Os resultados informam que 64,75% dos recursos destinados à educação, saúde e urbanismo são desperdiçados, ou alocados de forma ineficiente pelos seus gestores.
Outra constatação preocupante mostra que 25,42% dos municípios analisados desperdiçam, no mínimo, metade dos seus recursos. Todavia, destes apenas 20% tem população acima de 10.000 habitantes. Por outro lado, 73,33% dos
municípios que desperdiçam 50% dos recursos destinados às mencionadas áreas possuem população inferior a 4.000 habitantes. Essa caracterização traz fortes evidências de que nessas localidades trabalha-se com rendimentos crescentes de escala. Ou seja, operam seus serviços abaixo da capacidade ótima de produção. Uma vez constatada essa situação, a possível solução seria a composição de sistemas integrados de serviços públicos, em especial, nos municípios circunvizinhos.

Ratificando os resultados expostos, a Tabela 1, apresenta a eficiência e grau de desperdício apurado por município. Destaca-se que os resultados reportados foram focados no modelo BCC orientado a inputs.9 Conforme destacado anteriormente, em números, apenas seis municípios se apresentam como eficientes nos gastos públicos designados a educação, saúde e urbanismo. São eles: Açu, Apodi, Itajá, Mossoró, Pau dos Ferros e Rafael Fernandes.

Vale destacar que esses municípios, com exceção de Itajá e Rafael Fernandes, possuem o maior PIB per capita entre os analisados. Quatro são os que possuem maior densidade populacional, com destaque, para Mossoró, que tinha uma população em 2010 estimada em 259.815, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2010). Mossoró possui uma população que representa aproximadamente 90% do total de habitantes registrados em 45 municípios que apresentaram um grau de eficiência não superior a 80%.
Observa-se que entre os municípios que se mostraram eficientes, com exceção de Rafael Fernandes, estão entre o grupo dos 20 melhores IDH’s da amostra. Não foi constatada nenhuma eficiência falsa, a denominada eficiência por default. Nesse sentido, todos os municípios são benchmarking – referência – para ao menos outro município qualquer. Em suma, representam um caminho para erradicar o desperdício de recursos públicos.
Os cinco piores resultados observados ocorreram, respectivamente, em Rafael Godeiro, João Dias, Porto do Mangue, Taboleiro Grande e Viçosa. O nível médio de ineficiência produtiva ficou em torno de 67%. Em termos monetários isso representa R$ 20 milhões anuais. Contudo, uma característica intrigante é que dentre os cinco citados, três pertencem ao extrato inferior do IDH – os 10 menos desenvolvidos – observado no Semiárido Potiguar. Como é o caso do município de João Dias, que possui o menor IDH dentre a amostra.
Por outro lado, a cidade de Rafael Godeiro, apresenta um IDH 0.65 – o sétimo maior IDH entre os municípios analisados e, ainda assim, somente apresenta um índice de eficiência nos gastos públicos em torno de 0,39 e possui grau de desperdício de recursos ligeiramente inferior aos outros quatro municípios citados, entre os cinco mais ineficientes, reafirmando que o seu IDH se deve a fatores além dos seus investimentos públicos.
Considerando que o grau de ineficiência servisse como mecanismo de premiação/punição para o mau uso dos recursos públicos e o orçamento seguinte ao ano avaliado fosse expresso pela equação abaixo, matematicamente, e o mesmo sofresse uma redução conforme seu grau de ineficiência, em média, seria economizado R$ 176.135.928,35 anualmente.
Onde representa a redução da receita corrente no período atual. A punição decorrente da ineficiência. Entretanto, os valores apreendidos – não liberados – retornariam aos municípios para serem gastos efetivamente nas áreas mais carentes.
Considerações finais
Este estudo buscou promover uma investigação sobre o índice de eficiência na alocação dos recursos públicos do Semiárido Potiguar. O principal objetivo foi mensurar a eficiência e qualidade nos gastos públicos municipais em educação, saúde e urbanismo dos 59 municípios da Região. Para tanto, foram levados em conta os orçamentos públicos no período que vai 2000 a 2010. Utilizou-se o IDH 2010 em educação, saúde e renda como fatores a serem produzidos pelos municípios através do Modelo DEA.
A priori o estudo permite acreditar na ausência de um mecanismo de controle dos gastos públicos, pois existe uma alta arrecadação de impostos, e um baixo investimento nos setores de educação, saúde e urbanismo e percebe-se que não há homogeneidade nessa relação entre os municípios analisados.
Os principais resultados apontam para um alto grau de desperdício de recursos públicos. Constatou-se uma ineficiência produtiva se aproximando dos 70%. E verificou-se que aproximadamente 9 em cada 10 municípios empregam recursos em educação, saúde e urbanismo de forma equivocada. Entretanto, conforme denotado aproximadamente 10% dos municípios são produtivos e eficientes na gestão dos recursos. São eles: Açu, Apodi, Itajá, Mossoró, Pau dos Ferros e Rafael Fernandes.
Cabe destacar duas limitações deste estudo. Primeiro, os resultados poderiam ser diferentes dos apresentados, caso fossem adotados bases de análise, como a densidade populacional, por exemplo. Segundo, é possível que o IDH não represente o melhor output ou o indicador IDEB pode não representar fielmente a qualidade e realização educacional da região? Nesse sentido, espera-se que esse estudo contribua para o desenvolvimento de novas pesquisas referentes à qualidade dos gastos públicos dessa região. Além disso, que possibilite a criação de políticas públicas que visem melhorar o uso dos re cursos cada vez mais escassos.
Referências
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em . Acessado em 15 de março de 2016.
Alesina, A., & Angeletos, G. M. (2005). Corruption, inequality, and fairness. Journal of Monetary Economics, 52(7), 1227-1244.
Almeida, A. T. C., & Gasparini, C. E. (2016). Gastos públicos municipais e educação fundamental na Paraíba: uma avaliação usando DEA. Revista Econômica do Nordeste, 42(3), 621-640.
Anjos, R. M. D. (2010). Relação entre investimento em saúde e desenvolvimento dos estados brasileiros (Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo).
Banker, R. D., Charnes, A., & Cooper, W. W. (1984). Some models for estimating technical and scale inefficiencies in data envelopment analysis. Management science, 30(9), 1078-1092.
Barros, R. P. D., & Mendonça, R. S. P. D. (1995). Os determinantes da desigualdade no Brasil.
Cândido Júnior, José Oswaldo. Os gastos públicos no Brasil são produtivos? Planejamento e políticas públicas, 23, 2009.
Charnes, A., Cooper, W. W. & Rhodes, E. (1979). Measuring the efficiency of decision-making units. European journal of operational research, 3(4), 339.
ENVOLVERDE – Jornalismo e Sustentabilidade. Recuperado em: 19 março, 2016, de: http://www.envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/urbanismo-pavimenta-o-desenvolvimento-humano/
Gasparini, C. E., & Ramos, F. S. (2004). Incentivos à eficiência na descentralização fiscal brasileira: o caso do FPM no estado de São Paulo.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Recuperado em: 10 maio, 2016 de: http://www.ibge.gov.br/home/.
Levy, P. M., Villela, R., Barros, R. P. D., Carvalho, M. D., Marinho, A., Franco, S., ... & Fiuza, G. (2006). Uma agenda para o crescimento econômico e a redução da pobreza.
Mankiw, N. G., & Monteiro, M. J. C. (2001). Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. São Paulo.
Mello, J. C. S.; Meza L. A.; Gomes E. G.; Neto L. B. (2005). Análise Envoltória De Dados (DEA), XXXVII Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional, Gramado.
Meza, L. A., Biondi Neto, L., Soares de Mello, J. C. C. B., Gomes, E. G., & Coelho, P. H. (2003). SIAD–Sistema Integrado de Apoio à Decisão: uma implementação computacional de modelos de análise de envoltória de dados. Simpósio de Pesquisa Operacional da Marinha, 6, 2003.
Paiva, V. (1998). Educação e mundo do trabalho: notas sobre formas alternativas de inserção de setores qualificados. Contemporaneidade e Educação, 3(4), 8-21.
Peters, B. G. (2001). The Anglo-American Administrative Tradition. Anglo-American Administrative Systems. Cheltenham: Edward Elgar.
Pindyck, R., & Rubinfeld, S. (2010). Daniel L. Microeconomia.
PORTAL DA INDUSTRIA. Recuperado em: 10 maio, 2016 de: http://www.portaldaindustria.com.br/.
PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: apresenta informações sobre oprograma e conceitos dos indicadores. Recuperado em: 15 março, 2016, de: http://www.pnud.org.br.
Prud'Homme, R. (1995). The dangers of decentralization. The world bank research observer, 10(2), 201-220.
Ramos, F. S., & SOUZA, M. D. (1999). Criação de municípios e a necessidade de mensuração da performance dos gestores públicos municipais: o caso do Nordeste. Economia e região, Nordeste e economia regional: ensaios. Recife: Editora Universitária, 69-81.
Rezende, A. J., Slomski, V., & Corrar, L. J. (2005). A gestão pública municipal e a eficiência dos gastos públicos: uma investigação empírica entre as políticas públicas e o índice de desenvolvimento humano (IDH) dos municípios do Estado de São Paulo. Revista Universo Contábil, 1(1), 24-40.
Ribeiro, M. B. (2008). Desempenho e eficiência do gasto público: uma análise comparativa entre o Brasil e um conjunto de países da América Latina.
Rohr, J. A. (2015). Ethics and Public Administration. Routledge.
Scarpin, J. E., & Slomski, V. (2007). Estudo dos fatores condicionantes do índice de desenvolvimento humano nos municípios do estado do Paraná: instrumento de controladoria para a tomada de decisões na gestão governamental. Revista de Administração Pública, 41(5), 909-933.
Souza Júnior, C. V. N. D., & Gasparini, C. E. (2006). Análise da equidade e da eficiência dos estados no contexto do federalismo fiscal brasileiro. Estudos Econômicos (São Paulo), 36(4), 803-832.
Torres, H. D. G., Ferreira, M. P., & Dini, N. P. (2003). Indicadores sociais: por que construir novos indicadores como o IPRS. São Paulo em Perspectiva, 17(3-4), 80-90.
Wagner, A. (1890). Finanzwissenschaft (Leipzig: Winter).
Wonnacott, P., & Wonnacott, R. (1994). Economia. São Paulo: Ed.
Notas
Notas de autor
Enlace alternativo