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Gestão da água sob sistema de irrigação tipo pivot central: uma análise exploratória do setor no estado de Goiás
Water management irrigation t under central pivot irrigation system: an exploratory analysis of the sector in the state of Goiás
Gestión del agua bajo sistema de irrigación del tipo pivote central: un análisis exploratorio del sector en el estado de Goiás
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 8, núm. 2, pp. 260-283, 2019
Universidade Nove de Julho


Recepção: 04 Outubro 2017

Aprovação: 16 Fevereiro 2018

DOI: https://doi.org/10.5585/geas.v8i2.1106

Resumo: Objetivo do estudo: Analisar a eficiência do manejo da irrigação agrícola nos municípios goianos com maior área irrigada por pivô central.

Metodologia/abordagem: Foi adotada abordagem qualitativa e quantitativa com objetivo exploratório, mediante realização de análise documental comparativa entre informações do cadastramento dos irrigantes de Goiás e instituições reguladoras de eficiência técnica e econômica de sistemas de irrigação.

Originalidade/Relevância: A ampliação no uso de tecnologias que se apropriam dos recursos hídricos tem gerado discussões no meio científico e político, buscando a definição de critérios institucionais que regulem os impactos ambientais e sociais da agricultura irrigada. Principais resultados: foi possível verificar que 48,52% dos irrigantes consultados não adotam nenhuma modalidade de gestão dos sistemas de irrigação que promova o uso eficiente, técnica e economicamente, da água.

Contribuições teóricas/metodológicas: Ao identificar o modelo de tomada de decisão sobre uso dos sistemas de irrigação com base em expectativas racionais, o trabalho destaca a necessidade de aprofundar os conhecimentos a respeito dos parâmetros que subsidiam a tomada de decisão do produtor irrigante, com vistas ao alcance da eficiência do uso do recurso hídrico.

Conclusão: Os resultados permitem inferir que, para que haja eficiência intertemporal na gestão dos sistemas de irrigação, torna-se necessário adotar estratégias de manejo que reduzam as perdas nos reservatórios, na condução e na aplicação de água nas áreas irrigadas, no aprimoramento dos métodos de irrigação e manutenção em equipamentos, bem como na seleção econômica dos produtos que serão fruto da utilização desse recurso, uma vez que o aumento da oferta destes é benefício social decorrente da utilização de um bem público, a água.

Palavras-chave: Irrigação, Eficiência técnica, Eficiência econômica.

Abstract: Aim of the study: To analyze the efficiency of agricultural irrigation management in the municipalities of Goiás State with the largest area irrigated by a central pivot system.

Methodology/approach: A qualitative and quantitative approach was used with an exploratory objective by conducting a document analysis, drawing comparisons between the information of the registration of irrigators in Goiás and regulatory institutions with regard to the technical and economic efficiency of irrigation systems.

Originality/Relevance: The growing use of technologies that require water resources has led to scientific and political discussions, seeking to define institutional criteria to regulate the environmental and social impact of irrigated agriculture. Principal results: It was found that 48.52% of the irrigators who were consulted do not use any form of management of irrigation systems that promote the efficient use of water, either technically or economically.

Theoretical/methodological contributions: By identifying the decision-making model for the use of irrigation systems based on rational expectations, the work highlights the need to gain further knowledge regarding the parameters that aid the decision making of irrigator farmers, with a view to achieving the efficient use of water resources.

Conclusion: The results suggest that to achieve intertemporal efficiency in the management of irrigation systems, it is necessary to adopt managerial strategies that reduce losses in reservoirs and in the conduction and application of water in irrigated areas. It is also necessary to improve irrigation methods and the maintenance of equipment, as well as the economic selection of products that will be the result of the use of water. This is because the increased supply of these products is the social benefit resulting from the use of a public good, water.

Keywords: Irrigation, Technical efficiency, Economic efficiency.

Palabras clave: Riego, Eficiencia técnica, Eficiencia económica

1. Introdução

O Brasil, nas últimas décadas, aumentou exponencialmente o uso da irrigação, passando de 2,3% da área cultivada, em 1970, para 8,3%, em 2012. Tal crescimento decorre de programas de fomento criados em 1980, como o Programa Nacional para Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis (Provárzeas), em 1981; o Programa de Financiamento de Equipamentos de Irrigação (Profir), em 1982; o Programa Nacional de Irrigação (Proni), em 1986; e o Programa de Irrigação do Nordeste (Proine), em 1986. Juntos, esses programas possibilitaram investimento público em obras coletivas e estímulo para o setor privado, que hoje representa 96,6% das áreas irrigadas (ANA, 2013).

Essas ações direcionadas promoveram a centralização da irrigação em regiões específicas, que atualmente, em virtude da vazão demandada, têm gerado conflitos entre o setor agropecuário e o abastecimento humano, pois, em média, um hectare irrigado demanda, em água, o mesmo utilizado para atender 100 pessoas (BRASIL, 2008).

A relevância das discussões, quanto à disponibilidade e ao uso da água na irrigação, remete à questão da utilização ótima do recurso hídrico, frente ao aumento da concorrência entre usuários e à diminuição gradativa desse recurso, em quantidade e qualidade, dado o aumento da demanda por usuários urbanos, agropecuários e industriais, além da sua necessidade para a manutenção dos diversos ecossistemas (ANA, 2007). Assim, alcançar a eficiência no uso do sistema de irrigação assegura não somente o retorno financeiro ao irrigante em detrimento do capital investido para o exercício da atividade produtiva, mas, especialmente, o abastecimento urbano e a minimização de danos ambientais.

Para Andrade (2001), a decisão de irrigar deve ser motivada por questões relacionadas à necessidade e à possibilidade de execução do processo de irrigação. Dentre os atributos de irrigação que impactam na produtividade das culturas o autor destaca a eficiência do uso da água para suprir as necessidades das plantas durante seu ciclo de produção. Assim, para alcançar a eficiência do uso desse recurso, deve-se levar em conta a sua otimização em relação à aplicação de fertilizantes; a possibilidade de uso intensivo do solo, com sucessão de culturas em até três vezes ao ano; e a racionalização do uso de máquinas, implementos e mão de obra ao longo do ano.

Segundo Tang, Folmer and Xue (2015), o rendimento oriundo do uso de sistemas de irrigação deve contabilizar, além da entrada do insumo água, a combinação deste com outras entradas, como fertilizantes, defensivos, sementes, mão de obra, dentre outros fatores, os quais precisam ser compensados pelo que se produz por m³ de água utilizada.

Dessa forma, o recurso hídrico, enquanto fator de produção, acarreta custos, mesmo que seu preço não esteja explícito, além disso, seu valor econômico encontra-se expresso no gasto com energia para realizar o bombeamento, no investimento para aquisição de equipamento para levar a água do manancial à lavoura e, especialmente, no custo social de oportunidade, por ser um bem público (Albuquerque, 2004).

A gestão pública dos recursos hídricos comuns precisa atender às demandas dos diversos usuários, atuais e futuros, além de resguardar a conservação dos ecossistemas, conforme assegurado em lei. Ao mesmo tempo, evidencia o desafio de produzir alimentos, por meio da intensificação de uso do capital investido em tecnologias no campo, em harmonia com a conservação ambiental e com a sustentabilidade da prática agrícola. (Brito, Silva, & Porto, n.d.).

A partir da promulgação da Lei n. 9.433/1997, a qual instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, vieram se desenvolvendo instrumentos políticos que regulassem o uso dos recursos hídricos para diversas finalidades. Nesse sentido, foram criados os Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos descentralizados e de representação público-privada, com poder de deliberação. Com a finalidade de fazer cumprir a gestão compartilhada e sustentável dos recursos hídricos, prevista em lei, estes comitês necessitam unificar as atuações de todos os governos, proporcionando a conservação e a restauração dos corpos d'água, de forma a assegurar o uso sustentável dos recursos hídricos. Dessa forma, esse conjunto de instituições, ao regulamentar o comportamento dos usuários desses recursos, definem expectativas em relação às funções de um determinado segmento da sociedade, no caso do presente estudo, o do setor de irrigação agrícola.

Particularmente importante em Goiás, estado que é centro divisor de águas para o país, possuindo em seu território a nascente de rios que formam a Bacia do São Francisco, a Bacia do Paraná e a Bacia do Tocantins/Araguaia (Nascimento, 1991), a ampliação no uso de tecnologias que se apropriam dos recursos hídricos tem gerado discussões no meio científico e político, buscando a definição de critérios institucionais que regulem os impactos ambientais e sociais da agricultura irrigada (Chagas, Leal, Campos, Peixoto, & Giustina, 2017).

Considerando que a expansão da irrigação no território nacional tem ocorrido desde a década de 1980, que o recurso hídrico é isento de preço em diversas regiões e que a complexidade da gestão desta tecnologia demanda do produtor rural um nível aprimorado de aprendizagem, este trabalho questiona se o recurso hídrico utilizado em sistemas de irrigação tem sido gerido sob condições de eficiência em seu uso.

Nesse sentido, o presente trabalho tem o objetivo de realizar uma análise exploratória em documentos que permitam inferir sobre a adequação do perfil de gestão do produtor irrigante à determinados parâmetros, técnicos e institucionais, de eficiência do processo de irrigação.

Ao evidenciar o perfil de gestão do produtor irrigante goiano, este trabalho proporciona um direcionamento para o poder público, quanto às formas de gestão e regulação dos recursos hídricos, que efetivamente fomente a adoção de práticas eficientes e sustentáveis, indicando pesquisas futuras que melhor subsidiem essas políticas.

2. Procedimentos metodológicos

O estado de Goiás é considerado um dispersor de águas no Brasil, por possuir, em seu território, rios que alimentam diversas bacias hidrográficas (Martins, Laranja, Santos, Ferreira, & Lima, 2014). Inserido na região hidrográfica do Tocantins/Araguaia, São Francisco e Paraná, o estado de Goiás possui área de 340.111,783 km2, o que corresponde a 3,99% do território nacional, contemplando 246 municípios, com população total, em 2010, de 6.003.788 habitantes, distribuídos 90,29% na zona urbana e 9,71% na zona rural (IBGE, 2017). Apresenta precipitação média anual de 1.564 mm, 197 mm abaixo da média nacional, com balanço hídrico, em termos quali-quantitativo, classificado como em situação satisfatória (ANA, 2013).

Para a execução deste trabalho, realizou-se abordagem exploratória, ou estudo preliminar, por revisão bibliográfica em literatura da área, a qual visa alcançar mais familiaridade com o problema e evidenciá-lo e descritiva, com a identificação e a análise dos aspectos relacionados ao fenômeno estudado. Para tanto, utilizou-se do método funcionalista, com natureza indutiva (Lakatos & Marconi, 2001). O método de interpretação de determinados componentes da sociedade, com suas funções institucionais, a natureza indutiva permite a generalização, a partir da evidência de comportamentos semelhantes em determinados grupos. (Lakatos & Marconi, 2001).

Os dados submetidos à análise documental são provenientes do projeto de cadastramento dos irrigantes do estado de Goiás. Este projeto, intitulado “Perfil do Irrigante Goiano” é uma realização da Secretaria de Desenvolvimento do estado de Goiás – SED, antiga Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Irrigação – SEAGRO, que nos anos de 2013/2014 realizou, em parceria com a EMATER, FAEG, FIEG, FUNDEPEC, OCB-GO e SEMARH, um cadastramento dos irrigantes no estado de Goiás, tendo como objetivo obter uma visão da realidade das áreas irrigadas em termo quantitativo e qualitativo.

A amostra estudada pelo governo do estado foi composta por 2.544 cadastros o que corresponde a 52% da população de irrigantes estimada em Goiás. O estudo apresenta a evolução histórica da prática da irrigação no território goiano, identificando os sistemas instalados no período de 1978 a 2014. Os dados referentes à amostra (MAPA, n.d) foram analisados comparativamente aos documentos que instituem um comportamento previsto ao segmento de produtores agrícolas que utilizam sistemas de irrigação, os quais compõe a fundamentação teórica do presente trabalho.

Importante salientar que a amostra e documentação institucional analisada não são exaustivas, tendo sido selecionadas aleatoriamente, com um grau de coerência e coesão que permitisse atender a finalidade de um estudo preliminar e apontar continuidade da pesquisa. Os critérios de seleção da amostra foram: situação do sistema com “status” em operação e adoção de sistema de equipamento de irrigação tipo pivô central, uma vez que tal seleção representa a maioria (62%) do número de sistemas cadastrados, o que corresponde a 90 % da área irrigada na população amostrada. Além disso, conforme aponta Schmidt (2007) a predominância pela adoção do sistema tipo pivô tem se consolidado em novas áreas de irrigação e em áreas de expansão, em virtude do alto grau de automação do sistema e maior aproveitamento dos recursos produtivos utilizados.

3. Referencial teórico

3.1 Instituições reguladoras do uso do recurso hídrico no estado de Goiás

A promulgação da Lei n. 9.433/1997 deliberou como unidade territorial para a aplicação da Política Nacional de Recursos Hídricos, conforme estabelecido pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, na resolução n. 32, de 15 de outubro de 2003, as bacias hidrográficas (BH) e suas divisões, ou seja, definiu o ambiente que abrange uma bacia, grupos de bacias ou sub-bacias hidrográficas com características similares a fim de que auxiliem no processo de gestão e na tomada de decisão inerente aos recursos hídricos.

O Conselho Estadual de Recursos Hídricos, por meio da Resolução n. 003, de 10 de abril de 2001, estabeleceu as diretrizes para a formação e o funcionamento dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH’s) do estado de Goiás, cujo curso de água seja de domínio estadual. Ficando definido, no art. 1º, que os CBH’s são órgãos colegiados com prerrogativas normativas, deliberativas e consultivas a serem adotadas na BH de sua alçada, funcionando em conformidade com o disposto na Lei Federal n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e na Lei Estadual n. 13.123, de 16 julho de 1997. Os CBH’s são criados por Decreto do Governo Estadual, por intermédio de parecer que proponha a criação, via diagnóstico aprovado no Conselho Estadual de Recursos Hídricos, tendo área de atuação conforme art. 37 e composição representativa segundo art. 39 da “Lei das Águas”:

Art. 37 – Os Comitês de Bacia Hidrográfica terão como área de atuação:

  1. I – a totalidade de uma bacia hidrográfica;

    II – sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal, ou de tributário desse tributário; ou

    III – grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. Parágrafo único – A instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio da União será efetivada por ato do Presidente da República.

Art. 39. Os Comitês de Bacia Hidrográfica são compostos por representantes:

  1. I - da União;

    II - dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;

    III - dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação;

    IV - dos usuários das águas de sua área de atuação;

    V - das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. (ANA, 2013).

Os aspectos comumente aprovados em CBH Estadual definem que os representantes dos CBH’s Estadual não serão remunerados, o mandato terá duração de dois anos, a eleição do Presidente e Vice-Presidente será realizada por seus pares e a representatividade dos votos no comitê será de 40% para estado e municípios, 40% usuários e 20% entidades civis e de categoria.

Os CBH’s são estruturas colegiadas que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cujos membros são usuários de água, representantes da sociedade civil e/ou do poder público. No sentido de fazer cumprir a gestão compartilhada e sustentável dos recursos hídricos prevista em lei, os comitês necessitam unificar as atuações de todos os governos, seja na esfera dos municípios, dos estados ou da União, proporcionando a conservação e a restauração dos corpos d'água, de forma a assegurar o uso sustentável dos recursos hídricos. Esses comitês se dividem em bacias estaduais e interestaduais, cabendo a eles a elaboração dos planos de recursos hídricos e a definição de políticas que atendam as demandas de cada localidade. Sua atuação abrange, necessariamente, a gestão da disponibilidade dos recursos hídricos em quantidade e qualidade, considerando seus múltiplos usos, frente a crescente demanda pelo uso da água em diferentes setores, além de incentivar o uso racional da água pela valoração econômica desse recurso enquanto insumo produtivo (ANA, 2014). Nesse sentido, o Quadro 1 apresenta características gerais acerca das Regiões Hidrográficas (RH) contempladas no território goiano.

Quadro 1
Caracterização das Regiões Hidrográficas do estado de Goiás

Fonte: Adaptado de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil (ANA, 2013).

A Agência Nacional das Águas (ANA) é uma autarquia, criada sob regime especial e vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que busca desenvolver a articulação com órgãos das diversas esferas do poder público e privado sobre os usos de recursos hídricos de competência da União por meio do estímulo à criação dos CBH, além de prestar apoio aos estados na criação de órgãos gestores, ou seja, criando uma cadeia de valor para o recurso água.

Os recursos hídricos em Goiás, no que tange à disponibilidade, estão associados às respectivas bacias Hidrográficas presentes no território goiano: Bacia Hidrográfica do Rio

Araguaia, Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, Bacia Hidrográfica do Rio Tocantins e parcela da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. O estado está inserido em dois Planos de Recursos Hídricos Interestaduais, elaborados para as Bacias do São Francisco e Tocantins- Araguaia, já concluídos, e da Bacia do Paranaíba, em fase de implantação.

Dentre os CBH’s constituídos no estado têm-se: o Meia Ponte, composto pelo rio Meia Ponte e seus afluentes, abrangendo a capital goiana e praticamente todos os municípios em seu entorno. Neste CBH, destaca-se como principais fatores de degradação ambiental e poluição das águas, os dejetos de origem urbana e rural, elevados níveis de contaminação por defensivos, além da grande demanda de água para fins de irrigação.

O CBH do Rio Vermelho, formado pelo Rio Vermelho e seus afluentes: Rio Uvá, Água Limpa e Rio Ferreira. Atende a 11 dos 246 municípios goianos, tendo, em sua bacia, a predominância da pecuária extensiva, como responsável pela degradação ambiental em virtude do manejo e da ocupação dos solos inadequados; igualmente preocupante, a expansão da agricultura irrigada nos municípios de Santa Fé, Jussara, Britânia e Aruanã, inseridos neste CBH.

O CBH dos rios Corumbá, Veríssimo e afluentes goianos do São Marcos ou Bacias Hidrográficas do Sudeste Goiano se faz presente na Região Hidrográfica do Paraná, na Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, região sudeste do estado de Goiás, representando 44 municípios goianos (dentre eles Cristalina, Morrinhos, Ipameri, Luziânia e Rio Quente) total ou parcialmente nela inseridos. A região centraliza considerável parcela da produção agrícola do estado, além de importantes polos agroindustriais que impactam os recursos ambientais em diversos setores.

O CBH Baixo Paranaíba ou Sudoeste Goiano compreende a Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, na porção sudoeste do estado e os afluentes do Rio Paranaíba, no sentido leste- oeste, sendo dezoito municípios goianos inseridos nessa região, total ou parcialmente, que, pela configuração econômica voltada à produção agrícola e pela presença de grandes indústrias, conjuntamente com a ocupação populacional desordenada, compromete a capacidade hídrica e gera conflitos pelo uso da água.

O CBH do Rio Turvo e do Rio dos Bois possui como limites ao norte o rio das Almas, a oeste o rio Caiapó, a leste o rio Meia Ponte, a sudoeste o Rio Claro e ao sul deságua no rio Paranaíba. A região dessa bacia é composta por 46 municípios, que apresentam conflitos entre o setor de abastecimento público e o setor de irrigação e pequenos usuários em toda a extensão de diversos mananciais da bacia, como: Rio Turvo, Verde ou Verdão, Ribeirão Santa Bárbara, Ribeirão Bonsucesso, entre outros.

Por sua vez, o CBH do Paranaíba contempla a Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, formada por parte dos estados de Goiás, Minas Gerais, toda a porção urbanizada do Distrito Federal e uma reduzida parcela do estado do Mato Grosso do Sul. Quanto aos seus afluentes, são eles: no Distrito Federal, as bacias dos rios São Marcos, São Bartolomeu, Corumbá e Descoberto; em Goiás, as do Rio São Marcos, Rio Veríssimo, Rio Corumbá, Rio Meia Ponte, Rio Turvo, Rio dos Bois, Rio Alegre, Rio Claro, Rio Verde, Rio Corrente e Rio Aporé; no estado de Mato Grosso do Sul, os rios Santana e Aporé; e, em Minas Gerais, Rio Paranaíba, composto pela nascente Rio Dourados. O Rio São Marcos, que banha o município de Cristalina, entre outros, tem suas águas usadas largamente para a irrigação de lavouras, a geração de energia e a mineração, tendo desencadeado conflitos por uso entre os setores. Desse modo, o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba (2012, p. 150) apresenta que:

O crescimento da agricultura moderna na bacia além de acirrar o processo pré- existente de degradação do cerrado, introduziu novas variáveis: o uso intensivo da água para irrigação e o risco de contaminação do solo, das águas e do lençol freático pela utilização de agrotóxicos. A esse crescimento associa-se o aumento do parque industrial e dos núcleos urbanos, gerando maiores necessidades de consumo da água e, por outro lado, maior degradação dos recursos hídricos por rejeitos industriais e sanitários. O aumento constante das perspectivas de uso da água para irrigação, para o atendimento às necessidades de uma industrialização crescente e para o abastecimento de cidades que assistem a uma ampliação progressiva de seus contingentes populacionais, se confronta, inevitavelmente, com o uso das águas para a geração de energia elétrica existente e planejada para a bacia do Paranaíba.

Fato comum identificado para a implantação dos CBH’s refere-se à necessidade de normatizar o uso da água, dado os limites de disponibilidade em quantidade e qualidade a serem geridos por diferentes esferas de governo, para promover a sustentabilidade, ao impor restrições aos usos múltiplos e valorar economicamente a vazão demandada, fomentando a participação e a articulação dos diversos setores sociais e econômicos. Todavia, embora legitimada desde 1997, pela Lei n. 9.433, a efetiva cobrança pelo uso da água no estado ainda não foi instituída por nenhum comitê.

A mesma Lei estabelece a constituição da Política Nacional de Recursos Hídricos, cuja hierarquia dos órgãos gestores na esfera nacional e estadual e suas principais atribuições são: Conselhos – promover a articulação dos planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores/usuários e dirimir conflitos; MMA/SRHU – legislar sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos e auxiliar a formulação do Orçamento da União; ANA – entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, outorga e fiscalização do uso de recursos hídricos de domínio da União; Órgão Estadual – outorgar e fiscalizar o uso de recursos hídricos de domínio do estado; Comitê de Bacia – decidir sobre o Plano de Recursos Hídricos (quando, quanto e para quê cobrar pelo uso de recursos hídricos); Agência de Água – escritório técnico do comitê de Bacia.

Do que foi exposto neste tópico, é possível evidenciar que os CBH’s são órgãos de gestão pública de recursos comuns constituídos pelos representantes dos diferentes setores da sociedade (público, civil e usuários). A predominância da representação dos usuários (40%) e poder público (40%) em relação as entidades civis e de classes (20%) evidencia a finalidade de deliberação sobre a gestão dos recursos hídricos da bacia em conformidade com os limites legais e utilitários, bem como legitima a gestão pública de recursos comuns, e a caracterização das bacias com base nas suas fragilidades ambientais e sociais indica os limites de tomada de decisão estratégica, com base em parâmetros de sustentabilidade das bacias. A não remuneração dos representantes evidencia a participação de tomadores de decisão que tenham real interesse na gestão da bacia, com finalidade de desenvolvimento regional. Finalmente, a hierarquia dos órgãos gestores demonstra o caráter burocrático estabelecido sob diretrizes legais, que permite a instituição das regulamentações com base em prioridades e parâmetros técnicos. Dessa forma, é possível esperar que a função social dos usuários irrigantes deve atender, além dos critérios de produção de bens agropecuários, a conservação ambiental e distribuição justa dos produtos gerados pelo recurso hídrico.

3.2 Critérios técnicos e administrativos: diretrizes para eficiência do uso da água para fins de irrigação em Goiás

Na agricultura irrigada, a maior produtividade é consequência, necessariamente, da combinação ótima dos insumos empregados na produção, com o uso do fator água. A eficiência no uso da água é resultante do maior nível de produção obtida a cada nível desse recurso, fixada a quantidade dos demais fatores de produção. Assim, a relação solo-água- planta-atmosfera é um aspecto fundamental a ser considerado no planejamento e na operação de um projeto de irrigação. Para estabelecer a interrelação entre esses elementos, e identificar suas limitações, é necessário elaborar um plano de irrigação, cujas etapas contemplem as particularidades da localidade, a cultura a ser cultivada, o sistema de irrigação a ser adotado, além da competência técnica na gestão dos sistemas de irrigação (Bernardo, Soares, & Mantovani, 2006).

Conforme destaca Schmidt (2007), a seleção do método e do sistema adequado à região, o manejo adequado do sistema e a manutenção regular dos equipamentos são parâmetros imprescindíveis para obter a eficiência socioeconômica-ambiental do uso da água, isso porque o uso intensivo do solo em áreas irrigadas - em média três safras ao ano - pode acarretar danos ambientais como degradação dos solos, contaminação ou esgotamento dos recursos hídricos, aumento no uso de agroquímicos, dentre outros.

Estima-se que a eficiência média da irrigação mundial é de 37%, pois, além do desperdício dos recursos hídricos, têm-se como agravante a contaminação do solo pelo volume de água perdido, misturado a pesticidas e elementos tóxicos que podem comprometer a disponibilidade do recurso hídrico, também por qualidade (Paz, Teodoro, & Mendonça, 2000). De acordo com Paz, Teodoro e Mendonça (2000, p. 11): “Os métodos e equipamentos de irrigação podem e devem ser aprimorados para reduzir as perdas e induzir ao manejo adequado em conjunto com o solo, a planta e o clima, com ganhos de eficiência do uso da água. Métodos pouco eficientes tornam-se incompatíveis com as políticas atuais de uso da água” (Paz, Teodoro e Mendonça, 2000, p. 11).Aspecto igualmente relevante na busca pela eficiência da irrigação refere-se à escolha do método adequado, de acordo com a cultura a ser explorada. Segundo Andrade (2001, p. 15), a eficiência do sistema de irrigação pode ser aferida a partir de determinados padrões de eficiência mínima: “Sistemas de irrigação por superfície, em geral, requerem vazões maiores com menor frequência. Sistemas de aspersão e localizada podem ser adaptados a fontes de água com vazões menores. Sistemas de irrigação por superfície são potencialmente menos eficientes (30-80%) quando comparados com sistemas de irrigação por aspersão (75-90%) e localizada (80-95%)” (Andrade, 2001, p. 15)

Dessa forma, a elaboração do projeto de irrigação deve ser realizada contemplando essa tecnologia em um contexto sistêmico, no qual atributos técnicos, ambientais e gerenciais sejam complementares, alinhando-se aos parâmetros definidos pelos órgãos públicos que regulamentam o uso do recurso hídrico. O Manual Técnico de Outorga (2012) constitui um documento de referência no processo de outorga para uso dos recursos hídricos no estado de Goiás, tem como fundamentação a Resolução n. 09, de 2005, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e aborda, em detalhes, os principais procedimentos técnicos que envolvem os processos e análises de pedidos de outorga organizados pelos principais tipos de uso de recursos hídricos. Tal documento apresenta uma sequência de etapas a serem seguidas no processo de outorga, que se inicia com a solicitação da taxa de concessão ou autorização até a retirada da declaração/portaria de outorga pelo usuário e todo o tramite tem prevista a consolidação em até 60 dias, após manifestação de adequação do projeto às normativas solicitadas.

Segundo Seckler, Molden and Sakthivadivel (2003), grande avanço acerca da eficiência da irrigação foi obtido a partir do alinhamento do objetivo de implantar um sistema em consonância com o cumprimento dos requisitos reais de evapotranspiração da cultura. A partir da relação entre a evapotranspiração de referência (ETo) e a evapotranspiração da cultura (ETc) torna-se possível identificar, em diferentes fases de desenvolvimento da cultura, o kc ou coeficiente da cultura. Esses valores são apresentados em formato de tabela, contemplando diferentes culturas e seu respectivo ciclo vegetativo. O estado de Goiás sugeriu o método Penman-Monteith (FAO, Boletim n. 56) como padrão para a estimativa do Kc, a ser utilizado como referência para a elaboração de projeto de irrigação, conforme consta no Manual Técnico de Outorga (2012) do estado.

Conforme o Manual Técnico de Outorga (2012, p. 27), a eficiência de irrigação (Ei), calculada a partir do volume mensal líquido de irrigação, descontadas as perdas da captação, condução e aplicação, é parâmetro previsto em lei: A eficiência de irrigação deverá, de acordo com o sistema de irrigação, estar compatível com a Resolução ANA n. 707/2004 (ANA, 2004). A resolução apresenta indicadores mínimos de eficiência [(Tabela 1)] para o uso racional da água. Pedidos com eficiências menores do que os valores ali expressos, somente deverão ser aceitos, se devidamente justificados. Na Nota Técnica n. 364/2007/GEOUT/SOF- ANA, além dos valores da Resolução n. 707/2004 são apresentados valores de eficiências mínimas para um número maior de métodos de irrigação.

Tabela 1
Indicadores de eficiência de água para sistemas de irrigação

Fonte: ANA (2004) - Elaborado pelos autores

Conforme exposto ao longo deste tópico, para alcançar a eficiência técnica na irrigação, é necessário estabelecer uma visão sistêmica acerca de todos os elementos que compõem a implantação de um projeto de irrigação, sendo esse o marco inicial para se obter a eficiência alocativa e, por conseguinte, a eficiência econômica, ou citando Catermol (2004, p. 125) “[o] critério de eficiência alocativa diz que os recursos existentes em uma economia devem ser alocados de um modo que permita ser extraído o benefício líquido máximo possível de seu uso”. Esse fator seria um modelo de apreciação da capacidade de geração de benefícios, mediante a alocação eficiente dos recursos escassos considerando usos alternativos.

4. Resultados e discussões

A adoção de técnicas de manejo de irrigação emerge como estratégia de aprimoramento no uso da tecnologia que oportuniza economia no consumo de água e redução nos custos de produção. Todavia, a adoção de manejo da água depende do perfil do empreendedor rural e de sua percepção acerca da utilização do insumo.

O cadastramento dos irrigantes do estado de Goiás (SEAGRO, 2014) apresenta a evolução histórica da prática da irrigação no território goiano, identificando os sistemas instalados no período de 1978 a 2014, sendo que de 1978 a 1987 foram implantados 57 equipamentos de irrigação, de 1988 a 1997 o número de equipamentos instalados saltou para 526 e, a partir de 1998, o estado experimentou um processo de ampla expansão neste modelo de produção, sendo que do ano citado até 2007, 980 equipamentos foram implantados e de 2008 a 2014 mais 981. Deste total, a maciça maioria dos sistemas de irrigação comercializados se refere ao modelo de pivô central, o qual é do tipo aspersão, correspondendo a 1.587 equipamentos.

Considerando que no estado de Goiás, aproximadamente 250.000 hectares da área agricultada é irrigada, o que representa menos de 5% da área irrigada nacional, os dados da pesquisa revelaram que apenas dez municípios concentram 45,6% da área irrigada. A elevada concentração (Figura 1) é percebida mesmo dentro desse grupo, como é o caso do município de Cristalina, que detém cinco vezes mais sistemas em operação do que o segundo colocado, Morrinhos, ambos com áreas municipais equivalentes (IBGE, 2017).

Nesse sentido, é possível inferir que a expansão da irrigação e, por consequência a formação de polos de irrigação, poderiam ser explicados por modelo de expectativas racionais, idealizado por John Muth, em 1960. O modelo é constituído a partir da hipótese de que as expectativas dos agentes são formadas mediante probabilidade condicional diante do conjunto de informações disponíveis no sistema econômico. Isso significa que informações sobre o modelo de previsão, sobre as políticas de governo e valores anteriores das demais variáveis, importantes para a definição das expectativas, proporcionam experiências e constituem uma base de dados que possibilita aos agentes antecipar, ou reagir de forma racional, às ações e às políticas futuras do governo no presente, minimizando o efeito adverso dessas políticas.

Portanto, tal configuração estaria sujeita a: a) acesso as informações escassas b) a estrutura do sistema econômico norteia a formação das expectativas c) uma projeção pública só afetará as operações do sistema econômico se forem baseadas em informações privilegiadas. Assim, considerando oferta, demanda e equilíbrio de mercado de um produto em específico e suas variações de preço de curto prazo torna-se possível que agentes que estejam dentro do mercado e possuam informações privilegiadas lucrem com esses conhecimentos ao criarem mais do que expectativas e sim oportunidades de mercado. Dito de outra forma, o modelo poderia explicar o que estaria motivando essa concentração e a destinação dos sistemas de irrigação, assumindo a hipótese de que regiões e culturas mais consolidadas seriam responsáveis por atrair investimentos semelhantes, frente a complexidade do ambiente de tomada de decisão.


Figura 1
Número de equipamentos usados com manejo de irrigação
Fonte: Elaborado pelo autor.

Essa elevada concentração regional tem implicações diretas no conflito pelo uso do recurso hídrico, com reflexos nos ecossistemas e no meio urbano industrial (Furquim & Abdala, 2016). Dentre os métodos e tecnologias de manejo utilizados pelos irrigantes se destacam:

  • Turno de rega – consiste no intervalo de tempo que pode transcorrer entre uma irrigação e outra, ou seja, considera a capacidade de suporte hídrico do solo para se estimar o intervalo entre as irrigações. Assim, o turno de rega será maior quanto maior for a aptidão de armazenamento de água do solo, podendo ser realizado com rega fixa e lâmina variável, ou rega variável e lâmina fixa (Frizzone, 2007).

  • Estruturação do perfil do solo – diz respeito às técnicas que otimizam a infiltração da água aplicada sobre a superfície de um terreno, reduzindo o escoamento superficial e contribuindo para elevar a capacidade de armazenamento do solo (Schmidt, 2007).

  • Tensiômetro – equipamento que monitora as alterações de teor de água, medindo a capacidade de retenção de água no solo (Azevedo & Silva, 2003).

  • Sistema computacional – são softwares ou aplicativos de assessoramento ao produtor que possibilitam suporte técnico e gerencial no exercício das atividades produtivas, a partir de banco de dados formado por visitas in loco à propriedade. Integra as características de solo, clima, cultura a ser cultivada e sistema de irrigação utilizado, em consonância com informações de estações meteorológicas, imagens de satélite e demais ferramentas que proporcionem suporte à tomada de decisão (Bernardo, Soares, & Mantovani, 2006).

  • Manejo de estresse hídrico – consiste em otimizar o uso da água, associando o volume aplicado à quantidade a ser produzida, de maneira a realizar a irrigação proporcional à demanda, segundo o ciclo de desenvolvimento da cultura (Silva, 2003).

Em relação aos métodos de manejo, é possível observar que os métodos de sistema computacional e de manejo de estresse hídrico são métodos que, apesar de evidenciar um grau maior de complexidade de gestão, apresentam abordagem mais sistêmica em relação aos resultados de eficiência no uso do recurso hídrico.

Segundo o cadastramento dos irrigantes do estado de Goiás (SEAGRO, 2014) considerando as principais técnicas de manejo utilizadas pelos gestores dos sistemas de irrigação no estado de Goiás (Quadro 2), verificou-se que: em Paraúna, Morrinhos e Catalão aproximadamente 30% dos cadastrados não fazem manejo de água, sendo turno de rega o método mais utilizado; em Ipameri, Campo Alegre de Goiás e Cristalina, em cerca de 50% dos equipamentos não se utiliza manejo, sendo o mais comum a adoção de sistemas computacionais; em Rio Verde, Luziânia, Jussara e Água Fria de Goiás, em mais de 70% dos equipamentos não é feito manejo da água. Em média, 48,52% dos irrigantes cadastrados não fazem nenhum manejo de água no sistema de irrigação.

Quadro 2
Métodos de manejo dos sistemas de irrigação utilizados por seus gestores no estado de Goiás

Fonte: SEAGRO, 2014.

Os dados revelam ainda, que o estado de Goiás apresenta significativa porcentagem dos equipamentos de irrigação com mais de vinte anos de uso, do total de equipamentos existentes até 2014, 470 possuíam mais de 20 anos de uso e, destes, 408 são do tipo pivô central, o que contribui para reduzir a eficiência do método de irrigação para até 50%, ou seja, na contramão do que preconiza a eficiência econômica dos recursos. Além disso, fato notório que aproximadamente 30% da população amostrada não possuem outorga para captação do recurso hídrico, o que constitui um indicativo de inadequação do sistema de irrigação aos parâmetros técnicos e ecológicos exigidos para concessão de uso do recurso.

Todavia, é possível encontrar ainda, como técnica de eficiência de uso do recurso hídrico na irrigação agrícola, a construção de barragens para represar a água da chuva, uma vez que as mesmas aumentam a oferta do recurso. Entretanto, segundo Furquim (2017), essa técnica ainda é incipiente para evitar conflitos pelo uso da água, pois esses barramentos não asseguram o fornecimento necessário para a realização de três safras/ano. Além disso, o grande desafio quanto ao uso de represas está nos custos de construção, que variam entre mil e quatro mil reais por hectare irrigado adicionais ao projeto. Mesmo assim, os dados da pesquisa cadastramento dos irrigantes do estado de Goiás (SEAGRO, 2014), revelam que aproximadamente 20% dos sistemas de irrigação não utilizam barramento, sendo a captação realizada diretamente na fonte do recurso hídrico.

Finalmente, importante destacar que o conceito de eficiência de irrigação deve incorporar, também, o aspecto econômico do uso do recurso hídrico. Conforme Albuquerque (2004, p. 14), “O conceito clássico de “eficiência de irrigação”, usado pelos engenheiros, omite os parâmetros econômicos. Para a determinação da eficiência de irrigação em seu nível ótimo, os economistas procuram conhecer o valor da água de irrigação e o custo do acréscimo no sistema de produção ao controlar ou manejá-la” (Albuquerque, 2004, p. 14).

Assim, a água deve, como os demais recursos, ser alocada eficientemente por ser fator de um sistema de produção com capacidade de reduzir os custos econômicos.

Nesse sentido, Kijne, Barker and Molden (2003) descrevem a eficiência econômica do uso da irrigação, como a capacidade do sistema agrícola de produção de transformar água em alimentos e fazê-lo eficientemente, representando um indicador de desempenho econômico, que considera os elementos básicos de um sistema de irrigação, expressos como a proporção da saída de produtos para cada unidade de entrada de fator água que consome, ou seja, o componente água, na irrigação, é apresentado em determinado contexto econômico, constituindo um dos parâmetros (fator) de uma função de produção, devendo ser gerido para se alcançar a otimização do recurso.

Cook, Gichuki and Turral (2006) apresentam, a partir do conceito de produtividade da água de Kijne, Barker and Molden (2003), diferentes parâmetros para análise econômica (Quadro 3). Esses autores propõem a análise econômica fundamentada em indicador de eficiência alocativa. Dessa forma, o que deverá ser analisado pelo indicador de desempenho (WP) é a relação entre custos e benefícios a partir do fator de produção água.

Quadro 3
Parâmetros para estimar a produtividade da água

Fonte: Cook, Gichuki and Turral, 2006.

Assim, tendo como indicador da produtividade da água o WP, é possível identificar os resultados de gestão da água em termos de eficiência alocativa do recurso, ou seja, com base em benefícios sociais decorrentes da alocação do recurso produtivo. Um exemplo ocorre em relação ao uso do recurso hídrico para a produção de culturas agrícolas de baixo valor de mercado, reduzindo a produtividade global da bacia em termos econômicos (Mdemu & Francis, 2013).

Segundo Abdala (2012) e Furquim (2017), os sistemas de irrigação tipo pivô central, em Goiás, têm sido cada vez mais alocados para produção de produtos de baixo valor de produção por unidade de área. Esses autores concluíram que a lógica de alocação do fator água para sistemas de irrigação no estado não tem sido a de eficiência alocativa.

Importante salientar que, apesar de as análises aqui apresentadas fundamentarem-se exclusivamente na amostra da população do projeto de cadastro da pesquisa do perfil do irrigante goiano (SEAGRO, 2014) em comparação com as informações dos documentos de referência, entretanto, os resultados permitem levantar um conjunto de propostas à continuidade da pesquisa que venham contribuir de forma mais robusta ao desenvolvimento do setor de irrigação no estado de Goiás.

Dessa forma, torna-se importante aprofundar os conhecimentos a respeito dos parâmetros que subsidiam a tomada de decisão do produtor irrigante, em relação ao perfil de gestão de seus sistemas, com vistas ao alcance da eficiência do uso do recurso hídrico. Nesse sentido, é possível a indicação das seguintes questões de investigação:

  • Qual a lucratividade média das culturas irrigadas no estado de Goiás? Ao decidir sobre o que plantar, o produtor está maximizando seus lucros e otimizando o uso do recurso hídrico?

  • A teoria das expectativas racionais é um modelo adequado para entender a tomada de decisão do produtor irrigante?

  • Como a cobrança pelo uso do recurso hídrico impactaria a decisão de produção, a configuração agrícola e a sustentabilidade da agricultura irrigada no estado, sob diferentes níveis de preço?

  • Quais os instrumentos políticos mais efetivos ao alcance da sustentabilidade da agricultura irrigada, os de comando e controle ou os de mercado?

  • Quais os fatores responsáveis pela inadequação do produtor irrigante às funções institucionais esperadas do mesmo e estabelecidas como normativas?

  • A resposta a estas questões traria maior robustez aos problemas aqui levantados, uma vez que os mesmos, por se tratar, esse trabalho, de uma análise exploratória, se situa ainda no campo de evidências.

Considerações finais

O resultado deste trabalho consiste em apresentar o dilema quanto ao uso privativo da água, que, na verdade, é um bem comum, regulamentado pelo Estado. A partir dessa premissa, buscou-se evidenciar lacunas presentes no setor, nos municípios analisados, por não possuírem eles um padrão de gestão de irrigação que promova o uso eficiente da água como insumo produtivo para uma agricultura competitiva e com responsabilidade socioambiental.

Por isso, este trabalho contribui para o setor público no estabelecimento de políticas que visem o aprimoramento dos processos de gestão dos sistemas de irrigação no estado de Goiás.

Especialmente quando se estima o volume de água consumido por setor, a produção agrícola se destaca pela elevada intensidade de uso da água, correspondendo a 70,1% do total da água captada no mundo, enquanto o setor industrial e o abastecimento público utilizam 20% e 9,9%, respectivamente. Quando se verifica a distribuição efetivamente consumida por setor, a água destinada ao abastecimento humano retorna em até 70% depois de usada. Na produção industrial também grande parcela da água extraída é restituída, enquanto na agricultura irrigada de 70% a 95% da água é consumida (Martins et al., 2014).

Considerando o fato de que a água é um recurso com disponibilidade cada vez mais limitada, em quantidade e qualidade, e de utilidade múltipla, a sustentabilidade em seu uso torna-se fator condicionante na promoção do desenvolvimento econômico e do bem-estar social.

A sustentabilidade do uso da água na irrigação está intrinsecamente relacionada à melhoria na eficiência, técnica e econômica, de uso da água e pode ser alcançada por ações que limitam a quantidade de água utilizada por unidade de qualquer atividade, favorecendo a conservação dos corpos hídricos.

Portanto, para que haja eficiência intertemporal, torna-se necessário adotar estratégias de manejo que reduzam as perdas nos reservatórios, na condução e na aplicação de água nas áreas irrigadas, no aprimoramento dos métodos de irrigação e manutenção em equipamentos, bem como na seleção econômica dos produtos que serão fruto da utilização desse recurso, uma vez que o aumento da oferta destes é benefício social decorrente da utilização de um bem público, a água.

A necessidade e a preocupação, quanto ao nível de eficiência no uso de sistemas de irrigação, já se manifestam no mercado, sobretudo nas parcerias entre produtores irrigantes e agroindústrias, uma vez que estas têm exigido comprovantes de eficiência e uniformidade de aplicação de água do pivô para fornecimento de insumos aos irrigantes, tendo em vista a otimização da utilização desses insumos (Furquim, 2017).

Por serem as tecnologias de irrigação imperativas para a modernização da agricultura brasileira, elevar o elemento água a recurso produtivo e considerá-lo como diferencial para o desenvolvimento de um agronegócio competitivo, torna-se o grande desafio para o setor de irrigação no estado de Goiás.

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Autor notes

a Mestre em Agronegócio – Universidade Federal de Goiás – UFG. Iporá, Goiás – Brasil.
b Doutor em Ciências Ambientais – Universidade Federal de Goiás – UFG. Goiânia, Goiás – Brasil.


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