Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Indicadores para cidades inteligentes: a emergência de um novo clichê
Smart cities indicators: the emergence of a new cliché
Indicadores para ciudades inteligentes: la emergencia de un nuevo cliché
Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 8, núm. 2, pp. 389-405, 2019
Universidade Nove de Julho


Recepção: 11 Abril 2019

Aprovação: 16 Julho 2019

DOI: https://doi.org/10.5585/geas.v8i2.13574

Resumo: Objetivo do estudo: O presente estudo bibliográfico tem por objetivo realizar uma análise crítica entre indicadores para cidades sustentáveis (ABNT/ISO 37120:2014 e ODS) e para cidades inteligentes (Web of Science), relacionados aos desafios enfrentados nas cidades.

Metodologia/abordagem: O procedimento metodológico foi revisão de literatura na base do Web of Science, análise de conteúdo, categorização dos indicadores e comparação.

Originalidade/Relevância: A originalidade do estudo está em olhar para o conjunto de indicadores de cidades inteligentes e sustentáveis em relação à sensibilidade destes em avaliarem uma gestão urbana atual, inovadora e voltada aos desafios contemporâneos, como migrações, mudanças climáticas e desastres naturais.

Principais resultados: Observamos a presença de indicadores recorrentes nos temas saúde, educação, habitação, saneamento e pobreza, além de inovação e tecnologia e a ausência de indicadores voltados aos desafios mencionados acima.

Contribuições teóricas/metodológicas: Os resultados indicam referencial teórico de qualidade e reconhecido cientificamente.

Conclusão: A produção de ferramentas e tecnologias de uso na abrangência das questões urbanas apresenta uma grande lacuna na construção de indicadores sensíveis na mensuração de transformações inéditas do ponto de vista climático e de grande impacto sobre as cidades.

Palavras-chave: cidades inteligentes, cidades sustentáveis, indicadores de sustentabilidade.

Abstract: Study's Objective: the present bibliographic study aims to perform a critical analysis between indicators for sustainable cities (ABNT/ISO 37120:2014 and SDG) and for smart cities (Web of Science) related to the challenges faced in cities.

Methodology/approach: The methodological procedure was a literature review on the Web of Science database, content analysis, categorization of indicators and comparison.

Originality/Relevance: The originality of the study is to analyze the set of indicators for smart and sustainable cities regarding their sensitivity in assessing a modern, innovative urban management focused on current challenges, such as migrations, climate adaptation, and natural disasters.

Main results: The authors observed recurring indicators on health, education, housing, sanitation, and poverty, as well as on innovation and technology, and the absence of indicators related to the aforementioned challenges.

Theoretical/methodological contributions: The results indicate a theoretical reference of quality and recognized by the scientific community.

Conclusion: The production of tools and technologies for use in the scope of urban issues presents a great gap in the construction of sensitive indicators in the measurement of unprecedented transformations from a climatic point of view and of great impact on the cities.

Keywords: smart cities, sustainable cities, sustainability indicators.

Resumen: Objeto del estudio: El presente estudio bibliográfico tiene como objetivo realizar un análisis crítico entre indicadores para ciudades sostenibles (ABNT/ISO 37120:2014 y ODS) y ciudades inteligentes (Web of Science) relacionadas con los desafíos que enfrentan las ciudades.

Metodología/enfoque: El procedimiento metodológico fue una revisión de la literatura basada en la database Web of Science, análisis de contenido, categorización de indicadores y comparación.

Originalidad/Relevancia: La originalidad del estudio es observar el conjunto de indicadores de ciudades inteligentes y sostenibles en relación con su sensibilidad para evaluar una gestión urbana actual, innovadora y centrada en desafíos contemporáneos como la migración, el cambio climático y los desastres naturales.

Principales resultados: La presencia de indicadores recurrentes en las áreas de salud, educación, vivienda, saneamiento y pobreza, así como de innovación y tecnología, y la ausencia de indicadores que aborden los desafíos mencionados anteriormente.

Contribuiciones teóricas/metodológicas: Los resultados indican referencia teórica de calidad y científicamente reconocida.

Conclusión: La producción de herramientas y tecnologías de uso en la comprensión de problemas urbanos presenta una gran brecha en la construcción de indicadores sensibles en la medición de transformaciones sin precedentes desde el punto de vista climático y de gran impacto en las ciudades.

Palabras clave: ciudades inteligentes, ciudades sostenibles, indicadores de sostenibilidad.

1. Introdução

Diferentemente das contribuições de Italo Calvino (1972), Henri Lefebvre (1969), Georg Simmel (1903), David Harvey (2012), entre outros, que tomaram a cidade como objeto para análise sobre as dimensões culturais presentes nas práticas urbanas, suas modificações, transformações e um pulsar próprio de suas gêneses, as cidades, que abrigam mais de 54% da população mundial, vêm, de tempos-em-tempos, tomando diversas denominações e transformando simbolicamente a possibilidade de novos interesses em suas dinâmicas.

São as cidades saudáveis, cidades sustentáveis, cidades resilientes e, mais recentemente, as cidades inteligentes, na tentativa de que a cada adjetivação possibilitem novas tendências no desenvolvimento de tecnologias e conceitos de “urbanidades” voltados para o consumo em diversas cidades e continentes. Os desenhos representativos sobre estas cidades resultam em representações de cidades imaginárias, possíveis de serem deletadas a qualquer momento por suas narrativas serem despossuídas das práticas culturais urbanas.

A qualidade de vida nas cidades vem sendo tema, desde 1978, da United Nations Habitat – UN-Habitat). O último encontro da United Nations Conferences on Housing and Sustainable Urban Development – Habitat III, em 2016, em Quito, Equador, teve por objetivo a adoção de uma nova agenda urbana. Esta agenda reafirma os compromissos da sustentabilidade urbana em todos os níveis com a participação de atores relevantes, contribuindo para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS (Sustainable Development Goals – SDGs, em inglês), e suas metas, especialmente o ODS 11, que trata das cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Também, compromete-se com a abordagem da cidade inteligente, que se utiliza das oportunidades de digitalização, conectividade, energia limpa e tecnologia, para opções de escolhas ambientalmente mais amigáveis, favorecendo o crescimento econômico e melhor acesso a serviços (Habitat III).

O conceito das cidades inteligentes emerge, em 2010, com o uso do termo pela União Europeia para qualificar ações e projetos sustentáveis no espaço urbano (Dameri e Cocchia, 2013), com vistas ao cenário “Europa 2020 - Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”, tendo por metas o emprego, a pesquisa e inovação, as mudanças climáticas e a energia, a educação e o combate à pobreza. Como já analisado anteriormente por alguns autores, cada ciência especializada recorta no fenômeno urbano um certo “campo”, um “domínio” - o seu, iluminando-o à sua maneira (Lefebvre, 1969).

O continente europeu, como o resto do mundo, depara-se com o enorme desafio da geração de energia e do combate às mudanças climáticas. Ele hoje depende de combustíveis fósseis para 80% da sua energia e, até 2050, precisa reduzir as emissões de gases de efeito de estufa em 80%. Isto exige uma reinvenção completa do seu sistema de energia. Para isso, a inteligência está presente especialmente nos objetivos estratégicos do Projeto europeu SETIS – Strategic Energy Technologies Information Systems, para redução das emissões de gases do efeito estufa nas cidades em 40% até 2020, por meio do uso de tecnologias apropriadas e medidas políticas nos campos da eficiência energética, transporte sustentável, produção de baixo carbono, entre outras.

A ideia surge também a partir de campanhas agressivas de grandes multinacionais das indústrias de tecnologia e serviços, como IBM, Microsoft, Google, Amazon, Apple, entre outras emergentes, desde o início dos anos 2000, para gerar novos mercados para tecnologias e serviços.

Apesar do conteúdo vago e utópico das adjetivações às cidades, a partir de cada uma delas, buscou-se, em seu tempo, a proposição de indicadores que pudessem mensurar o quão saudáveis, resilientes e inteligentes as cidades estão se tornando. Com o apoio destas narrativas, proliferam-se normas, estudos acadêmicos nacionais e internacionais particularmente focados na relação ou interação das sociedades urbanas mediadas por tecnologias digitais.

No Brasil, tomam-se de exemplos diversas iniciativas, tais como, desde 2002, a publicação sobre Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que seguiu orientação e incentivo iniciais da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Malheiros, Philippi e Coutinho, 2008); a plataforma de indicadores propostos pela Rede Nossa São Paulo, Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis e Instituto Ethos, no âmbito do Programa Cidades Sustentáveis, desde 2010; a norma ABNT ISO 37120:2014 - Sustainable Development in Communities - Indicators for City Services and Quality of Life, da International Organization for Standardization- ISO, que define e estabelece metodologia para um conjunto de indicadores para orientar e medir o desempenho dos serviços e qualidade de vida das cidades; e, ainda, o conjunto dos 232 indicadores para avaliar os objetivos e metas da Agenda 2030, desenvolvido pela Inter-Agency and Expert Group on SDG Indicators e adotado, em 2017, pela General Assembly on Work of the Statistical Commission, das Nações Unidas.

Desde então, o número de publicações e pesquisas sobre o tema tem aumentado, sendo publicada recentemente a ISO 37122:2019 - Sustainable development in communities -- Indicators for Smart Cities, não inserida na análise trazida neste artigo.

A avaliação por meio de Indicadores para Cidades Inteligentes (ICI) ganhou força na agenda científica e encontrou seu caminho na pesquisa em diversos países, pois o desafio, como citado por Baum (2013, p. 11), seria desenvolver sistemas de monitoramento adequados e práticos que pudessem ser efetivamente utilizados para verificar se as metas pretendidas para as cidades inteligentes estão sendo atingidas, numa tentativa de consensuar, por recursos mensuráveis, padrões ideais de cidades, como se fossem possíveis os indicadores, como retrato dessa realidade, espelhar a complexidade das cidades, sejam elas resilientes, saudáveis, sustentáveis ou inteligentes.

Pretende-se explorar, a partir de revisão da literatura, o conceito de cidades inteligentes, seguida de análise comparativa entre sistemas de indicadores.

2. Referencial Teórico

São diversas as expressões para as cidades inteligentes, adjetivadas em intelligent cities, digital cities, ubiquous cities, e pouco consenso sobre sua definição, não existindo uma compreensão clara e consistente do seu significado (Angelidou, 2015; Chourabi et al., 2012; Caragliu, Del Bo e Nijkamp, 2011; Hollands, 2008; Marsal-Llacuna et al, 2015; Navarro, Ruiz e Pena, 2017).

Para Angelidou (2015, p. 95) “as cidades inteligentes representam um modelo de desenvolvimento urbano conceitual com base na utilização do capital humano, coletivo e tecnológico para o desenvolvimento de aglomerações urbanas, destacando o papel da Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC para alcançar prosperidade, eficácia e competitividade” (tradução livre).

Para Marsal-Llacuna et al, 2015, p. 617/618 “as cidades inteligentes evoluíram a partir de cidades habitáveis, criativas, digitais e de conhecimento, valendo-se do conceito da cidade sustentável e tendo em comum um grande componente tecnológico. Uma definição menos conceitual seria que a iniciativa cidades inteligentes tenta melhorar o desempenho urbano usando Tecnologias de Informação (TI) para fornecer serviços mais eficientes aos cidadãos, monitorar e otimizar a infraestrutura existente, aumentar a colaboração entre diferentes atores econômicos e incentivar modelos de negócios inovadores nos setores público e privado” (tradução livre).

A literatura que destaca o uso das TIC e das tecnologias modernas como chave para uma cidade inteligente é extensa (IBM, s/d; Frost e Sullivan, s/d; Komninos, 2008; Angelidou, 2014; Washburn et al, 2010; Bélissent, 2010; European Commission, 2012; Chourabi et al., 2012). Outro grupo da literatura insere, além da tecnologia, o papel do capital humano e social no desenvolvimento de cidades inteligentes para melhor sustentabilidade econômica, social e ambiental (Navarro, Ruiz e Pena, 2017; Monzon, 2015; Giffinger et al, 2007; Hollands, 2008; Nam & Pardo, 2011; Caragliu, Del Bo, & Nijkamp, 2011; Correia e Wünstel, 2011; Lombardi, Giordano e Farouh, 2012), resultando em cidades ambientalmente amigáveis e habitáveis, abrangendo os conceitos de sustentabilidade e qualidade de vida, mas com a importante e significativa adição de componentes tecnológicos e informativos (Marsal-Llacuna et al., 2015; IEEE, 2014; Baum, 2013; Ahvenniemi et al, 2016).

Com interesse organizacional e financeiro a IBM (s/d, p.07) conceitua as cidades inteligentes como “aquelas que são impulsionadas por contribuições de instituições públicas e privadas, usando tecnologia, preferencialmente da IBM, para tornar as cidades mais adequadas para se viver, mais sustentáveis e eficientes” (tradução livre).

Para Navarro, Lopez e Pena (2017, p.272) “seria uma cidade que sabe administrar adequadamente seus ativos intangíveis. O conceito de cidade inteligente vai muito além das novas tecnologias, levando duas dimensões em consideração: os futuros urbanos e a economia do conhecimento e da inovação. O primeiro está intimamente associado à influência das novas tecnologias no desenvolvimento futuro da cidade, enquanto o segundo inclui a chamada Gestão do Conhecimento (KM, em inglês) no contexto das cidades, concentrando-se em cidades baseadas no conhecimento” (tradução livre).

Os autores concluem que existem diversos elementos que estão presentes na maioria das definições de cidades inteligentes, tais como questões ambientais (produção de energia, gerenciamento de resíduos, entre outros); comunicação entre os diferentes usuários (empresas, coletivos, instituições, indivíduos); uso das TIC para melhorar o funcionamento operacional de rede; aspectos sociais e de infraestrutura (serviços de saúde, serviços educacionais e culturais disponíveis), bem como a eficiência na forma como os serviços são prestados e controlados (Navarro, Lopez e Pena, 2017).

Como Hollands (2008, p. 315) salienta, “as cidades inteligentes devem iniciar ao lado da equação do capital humano e das pessoas, ao invés de acreditar completamente que a tecnologia por ela mesma seja capaz de transformar e melhorar as cidades” (tradução livre). Para isso, conforme Caragliu, Del Bo e Nijkamp (2011) os investimentos em capital humano e social e infraestrutura tradicional e moderna (baseada em TIC) devem alimentar, de forma sensata, um crescimento econômico sustentável e uma alta qualidade de vida.

A gênese dos indicadores de sustentabilidade se dá por volta dos anos 1980, articulando- se e concretizando-se nos anos 1990, durante e após a Cúpula da Terra, em 1992, com o Programa de Indicadores Sustentáveis da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Quiroga, 2001). O desenvolvimento sustentável é um tema complexo, transversal e intersetorial que indica dificuldade de medir-se a aproximação às metas pretendidas. O mesmo ocorre com as cidades inteligentes e seus indicadores. Não obstante, são diversos os modelos e conjuntos de indicadores propostos para o desenvolvimento sustentável em comunidades e de cidades inteligentes.

Os indicadores de Desenvolvimento Sustentável em Comunidades - Indicadores para Serviços Urbanos e Qualidade de Vida (ABNT ISO 37120, 2014) são aplicáveis a qualquer cidade, município ou governo local que se comprometa a medir seu desempenho de forma comparável e verificável, independentemente do seu tamanho e localização. Os indicadores são estruturados em torno de temas. Reconhecendo as diferenças de recursos e capacidades das cidades em todo o mundo, o conjunto geral de indicadores para o desempenho da cidade foi dividido em indicadores "fundamentais” (que obrigatoriamente as cidades que adotam e implementam esta norma devem seguir) e indicadores de "apoio" (que são recomendados a serem seguidos pelas cidades que implementam esta norma).

O quadro global de indicadores adotado para a Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030/ODS inclui 232 indicadores relacionados e classificados segundo os 17 objetivos do Desenvolvimento Sustentável (Global indicator framework for the Sustainable Development Goals (SDG) and targets of the 2030 Agenda for Sustainable Development, em inglês) (United Nations, 2017).

Tanto os objetivos, quanto os indicadores dos ODS, segundo estudos recentes (Pradhan et al, 2017; Nilsson, Grigges e Visbeck, 2016), são implicitamente interdependentes. Porém, esta interação, demonstram os estudos, pode ser conflituosa, no caso de, por exemplo, o progresso de um objetivo impedir o progresso do outro; ou sinérgica, um objetivo favorecendo o outro.

3. Método

A revisão da literatura foi realizada na base do Web of Science. O Web of Science e Scopus são bancos de dados similares. O primeiro é uma coleção de bancos de dados mantidos pela Thomson Reuters, incluindo os principais bancos de dados de Southampton em biologia (Biosis) e bancos de dados de física, eletrônica e computação (Inspec), abrangendo também bancos das ciências sociais e humanidades. O segundo é um grande banco de dados interdisciplinar da Elsevier, mais focado em ciência e tecnologia.

Tendo em vista querermos a abrangência para ciências sociais e humanidades, foi utilizada pesquisa básica na base principal do Web of Science (Quadro 1), para artigos, proceedings e revisões.

Quadro 1
Termos pesquisados na base em junho/2017

Após análise de duplicidade, foram obtidos 110 resultados, restritos a informações de título, resumo, autoria, país e ano da publicação. Em seguida, selecionou-se para leitura apenas artigos e revisões, em um total de 46 documentos. Os proceendings não foram considerados para leitura, pela dificuldade de acesso digital aos documentos.

Após a leitura, apenas 18 publicações trouxeram conteúdo sobre indicadores, que foi sistematizado por categoria e subcategorias de indicadores, número de indicadores, metodologia utilizada, nível de estudo e modo de apresentação dos resultados apresentados. Todos os elementos desta sistematização, incluindo categorias e subcategorias, foram extraídos de cada um dos artigos e revisões analisadas, sendo, portanto, propostos pelos autores das publicações.

Buscou-se, após esta primeira sistematização, a proposição de nova categorização, com clusters mais abrangentes, a partir de análise de conteúdo de cada indicador, permitindo que apenas 04 publicações fossem submetidas à análise comparativa.

Estas 04 publicações foram selecionadas uma vez que, como a proposta deste trabalho é que a denominação de cidade inteligente possa ser avaliada dentro de sua complexidade, optou-se por realizar análise comparativa de sistemas de indicadores mais amplos em razão do número de indicadores e de categorias mais variadas.

A análise comparativa dos indicadores de cidades inteligentes propostos nos 04 artigos é então realizada com os indicadores de cidades sustentáveis da ABNT/ISO 37120:2014 e os indicadores propostos pelos ODS (United Nations, 2017). Justifica-se a escolha destes dois sistemas por serem validados internacionalmente.

A categorização dos indicadores foi realizada por análise de conteúdo dos indicadores dos 04 artigos, resultando nas seguintes categorias: inovação, ciência e tecnologia; uso dos recursos naturais e emissões; saúde e educação; mobilidade; emprego; participação, governança, informações; lazer; migração; segurança; moradia, saneamento e pobreza; perfil população; turismo; economia; importância internacional da região.

O mesmo foi feito para os indicadores de cidades sustentáveis da ABNT/ISO 37120:2014 e os indicadores propostos pelos ODS (United Nations, 2017) resultando nas mesmas categorias, além de: direitos humanos; cooperação entre países; desastre e conflitos; corrupção; mudanças climáticas. Embora situados por objetivo, os indicadores dos ODS algumas vezes se repetem e, para melhor análise foram reclassificados por temas comparáveis A porcentagem de cada categoria foi calculada em razão do número total de indicadores propostos em todas as categorias.

4. Resultados Obtidos e Análise

A pesquisa no Web of Science resultou em 110 publicações (Quadro 02).

Quadro 02
Termos pesquisados na base Web of Science, junho de 2017

Análise sobre o padrão das 110 publicações no Web of Science demonstra que as publicações sobre o tema têm seu pico em 2015 e 2016, com 71 publicações, tendo concentração na Itália, Espanha e Inglaterra.

O protagonismo europeu no tema justifica-se pela estratégia de 365 milhões de euros para promover crescimento inteligente, por meio de uma economia baseada no conhecimento, pesquisa e inovação; crescimento inclusivo, por meio da ampliação empregos e redução da pobreza e crescimento sustentável, bem como pelo uso eficiente dos recursos, mercados competitivos e verdes, proporcionando estrutura para a União Europeia emergir fortalecida da crise financeira e económica. A inovação foi colocada na Estratégia 2020, para criação de novos empregos, inovação em produtos e serviços, assim como para lidar com as mudanças climáticas e a eficiência energética (European Commission, 2012; Eurostat, 2017).

Predominando no tema, têm-se as ciências da computação, engenharias e ciências da tecnologia, com 84 publicações.

Resultado das 04 publicações mais abrangentes e submetidas à análise comparativa (Quadro 03).

Quadro 03
sistematização resultados por categoria

Quadro 03 (cont.)
sistematização resultados por categoria

Manitu e Pedrini (2016) definem um conjunto de 60 indicadores de sustentabilidade e inteligência para as cidades europeias para implementação das estratégias da Europa 2020, por meio do método drinving force, pressures, state, impact, response – DPSIR e análise de cluster em duas etapas.

Lazaroiu e Roscia (2012) partem da constatação de que as cidades consomem 75% da produção mundial de energia e geram 80% das emissões de CO2, para proporem um modelo para computar os índices de uma cidade inteligente. As chamadas cidades inteligentes seriam interconectadas, sustentáveis, confortáveis, atraentes e seguras. Os autores apresentam um modelo para definir as cidades inteligentes, considerando critérios pré-escolhidos (economia, meio ambiente, energia e mobilidade, governança), com diferentes pesos definidos com base na lógica fuzzy, sendo propostos 18 indicadores.

Lombardi, Giordano e Farouh, (2012) analisam as relações entre os componentes da cidade inteligente por meio do modelo adaptado de tripla hélice. Em seguida, utilizam processo de análise de redes para modelar, agrupar e mensurar a performance das cidades inteligentes.

A tripla hélice é uma referência e foi modificada para, além de considerar como categoria a indústria, a universidade e o governo, inserir a sociedade civil, pressupondo que 4 hélices operam na complexidade do ambiente urbano, onde o envolvimento cívico juntamente com o capital cultural e social moldam a relação entre as hélices tradicionais - universidade, governo e indústria. A relação ativa entre estes atores e forças determina o sucesso de uma cidade para um caminho de desenvolvimento inteligente. Esta estrutura pode ser operacionalizada com foco na avaliação das 4 hélices ligadas com 05 dimensões da cidade inteligente (não inclui smart mobility), resultando em indicadores de desempenho de cidades inteligentes.

A base de dados vem de revisão da literatura; de estatísticas da Comissão Europeia; da The European Green Index; da TISSUE, Trends and Indicators for monitoring the EU Thematic Strategy on Sustainable Development of Urban Environment; e da The smart cities ranking of european médium-sized cities. São mais de 64 indicadores classificados em 5 clusters. Estes indicadores foram selecionados em questionários e 02 grupos focais com especialistas e profissionais para selecionar os indicadores mais relevantes.

O Estudo de Giffinger et al (2007), para cidades de tamanho médio, na Europa, chegou a um catálogo de indicadores baseado em 6 características principais que deve possuir uma cidade inteligente: smart economy, smart peopple, smart governance, smart mobility, smart environment e smart living. Cada uma destas características é determinada por fatores, e cada fator é representado por indicadores. Ao final são propostos 74 indicadores para cidades inteligentes.

INDICADORES DE CIDADES INTELIGENTES

Afinal, o que trazem de novo?

Os indicadores agregados por categorização das 04 publicações que tratam de cidades inteligentes demonstram maior ênfase em: 1. Saúde e educação; 2. Uso dos recursos naturais e emissões; 3. Inovação, ciência e tecnologia e 4. Participação, governança e informação. Por sua vez, os indicadores agregados por categorização das publicações que tratam de cidades sustentáveis, possuem maior ênfase em: 1. Uso dos recursos naturais e emissões; 2. Saúde e educação; 3. Moradia, saneamento e pobreza e 4. Inovação, ciência e tecnologia (Quadro 04).

Embora a dimensão social seja sempre prioritária, segundo Manitu and Pedrini (2016), é mais crítica nos indicadores propostos para cidades inteligentes devido a possibilidade de exacerbarem as desigualdades com o uso das TIC.

Quadro 04
Análise comparativa indicadores de cidades inteligentes X indicadores de cidades sustentáveis por agregação de resultados.

Ao desagregarem-se as informações, é possível visualizar que uma preocupação crescente, a partir de 2012, nas publicações analisadas, provavelmente com o tema das mudanças climáticas no debate internacional, foi com o uso dos recursos naturais e emissões de gases.

A inovação, ciência e tecnologia, trazidas como elementos centrais dos diversos conceitos de cidades inteligentes, não aparecem de forma importante nos conjuntos de indicadores propostos (Quadro 05).

Quadro 05
Porcentagem indicadores de cidades inteligentes, por publicação

Embora o lema dos ODS seja voltado a assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, ao serem desagregados os dados, observam-se poucos indicadores no tema. Tratando-se de cidades sustentáveis, temas emergentes, como mudanças climáticas, migrações, conflitos e desastres sequer são contemplados nos indicadores da ABNT/ISO 37120:2014 (Quadro 06).

Quadro 06
Porcentagem de indicadores de cidades sustentáveis por publicação

5. Conclusões/Considerações Finais

Em que pese a similitude dos indicadores cidades inteligentes e sustentáveis, particularmente nos itens já apresentados nas tabelas acima, o destaque a ser dado na perspectiva do uso de indicadores como base para avaliação de políticas públicas, transformações socioeconômicas, inovação e inclusão social, é que estes estão distantes das discussões sobre adaptação das cidades às novas necessidades e enfrentamentos às emergências climáticas, tema que na atual década passa a ter grande prioridade.

Portanto, a produção de ferramentas e tecnologias de uso na abrangência das questões urbanas apresenta uma grande lacuna na construção de indicadores sensíveis na mensuração de transformações inéditas do ponto de vista climático e de grande impacto sobre as cidades.

Espera-se que a recente norma ABNT ISO 37122:2019 - Sustainable development in communities -- Indicators for Smart Cities venha suprir estas lacunas, trazendo indicadores sensíveis à gestão urbana atual, de forma inovadora e voltada à adaptação climática.

Conclui-se, finalmente, pela necessidade de um número mais amplo de estudos evitando que os significados de inteligência e de sustentabilidade sejam identificados simplesmente como um novo clichê.

Referências

Ahvenniemi, H. et al. (2016). What are the differences between sustainable and smart cities? Cities, Vol.60, 234-245, parte A.

Navarro, J. L.A., Lopez, V. R. L., Pena, D.N. (2017) The effect of ICT use and capability on knowledge-based cities. Cities, vol.60, 272-280, parte A.

Angelidou, M. (2014). Smart policies: a spatial approach. Cities, 41 (S1), S3-S11.

Angelidou, M. (2015). Smart cities: a conjuncture of four forces. Cities, 47, 95-106.

Baum. (2013). Intelligent Cities – Routes to a Sustainable, Efficient and Livable City. Management Summary. A Report initiated by B.A.U.M. e.V. and Accenture GmbH. Hamburg.

Bélissent, J. (2010) Getting Clever About Smart Cities: New Opportunities Require New Business Models. Forrester Research.

Calvino, I. (1972). Le Citta invisibile.

Caragliu, A., Del Bo, C., & Nijkamp, P. (2011). Smart cities in Europe. Journal of Urban Technology, 18 (2), 65-82.

Chourabi, H. et al. (2012). Understanding smart cities: an integrative framework. 2289-2297. 45th Hawaii International Conference on Systems Science, Grand Wailea, Maui, HI, USA.

Correia, L.M; Wünstel, K. (2011). Smart cities applications and requirements. White paper of the experts working group, Networks European Technology Platform.

Dameri, R., & Cocchia, A. (2013). Smart city and digital city: Twenty years of terminology evolution, pp. 1–8, X Conference of the Italian Chapter of AIS, ITAIS 2013, Università Commerciale Luigi Bocconi, Milan (Italy).

European Commission (2012). Communication from the commission. Smart cities and communities – European innovation partnership, Brussels. Disponível em https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/smart-cities-and-communities-european-innovation-partnership-communication-commission-c2012

Eurostat (2017). Smarter, greener, more inclusive? Indicators to support the Europe 2020 estrategy, Disponível em http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3217494/8113874/KS-EZ-17-001-EN-N.pdf/c810af1c-0980-4a3b-bfdd-f6aa4d8a004e

Frost & Sullivan (s/d) Strategic opportunity analysis of the global smart city Market , s/d. Disponível em http://www.egr.msu.edu/~aesc310-web/resources/SmartCities/Smart%20City%20Market%20Report%202.pdf.

Giffinger, R. et al (2007). Ranking of European medium-sized cities. Vienna UT, October: Centre of Regional Science. Disponível em http://www.smart-cities.eu/download/smart_cities_final_report.pdf Acesso em outubro 2017.

Harvey, D. (2012). Cidades Rebeldes (Título original: Rebel Cities: From The Right to The City to The Urban Revolution [Verso, 2012]). São Paulo, Martins Fontes - selo Martins - tradução: Jeferson Camargo 1 a edição 296 páginas.

Hollands, R.G. (2008). Will the real smart city please stand up? Intelligent progressive or entrepreneurial? City, 12(3), 303-319.

IBM (s/d). Inspire beyond today’s technology. Smarter cities, from concept to reality. Disponível em https://www-03.ibm.com/systems/data/flash/be/resources/IBM_Inspire_3_Smarter_Cities_ENG.pdf

IEEE – The Institute of Electrical and Electronics Engineers. IEEE (2014). smart cities. Disponível em http://smartcities.ieee.org/about.html

Komninos, N. (2008). Intelligent cities and globalization of Innovation Networks; Toutledge: Oxford, UK.

Lazaroiu, Gc., & Roscia, M. (2012). Definition Methodology for the Smart Cities Model, Energy 47: 1,326–332.

Lefebvre, H. (1969). Da ciência à estratégia urbana. Trad. Pedro Henrique Denski e Sergio Martins (do original: De la science à la stratégie urbaine. Utopie, Paris, n.2 et 3, 57-86.

Lombardi, P., Giordano, S., & Farouh, H. (2012). Modelling the smart city performance. Innovation-The European Journal of Social Science Research, vol.25, ed.2, SI, 137-149.

Malheiros, T.F., Phlippi, A., & Coutinho, S.M.V. (2008). Agenda 21 nacional e indicadores de desenvolvimento sustentável: contexto brasileiro.Saude soc., São Paulo , v. 17, n. 1, 7- 20.

Manitiu, D. N. & Pedrini, G. (2016). Urban smartness and sustainability in Europe. An ex ante assessment of environmental, social and cultural domains. European Planning Studies, vol.24, ed.10, 1766-1787.

Marsal-Llacuna, ML; Colomer-Llinàs, J. e Meléndez-Frigola, J. (2015). Lessons in urban monitoring taken from sustainable and livable cities to better address the Smart Cities initiative. Technological Forecasting & Social Change 90 (2015) 611–622

Monzon, A. (2015). Smart Cities Concept and Challenges Bases for the Assessment of Smart City Projects, 2015. Disponível em http://ieeexplore.ieee.org/stamp/stamp.jsp?arnumber=7297938

Nam, T., & Pardo, T.A. (2011). Conceptualizing Smart City with Dimensions of Technology, People, and Institutions, Proc. 12th Conference on Digital Government Research, College Park, MD, June 12–15.

Nilsson, M., Griggs, D., & Visbeck, M. (2016). Maps the interactions between sustainable development goals. Nature, vol.534.

Pradhan, P et al. (2017) A Systematic study of sustainable development (SDG) interactions.Earths’ future 5, p.1169-1179.

Quiroga, R. (2001). M. Indicadores de sostenibilidad ambiental e de desarollo sostenible: estado del arte y perpectivas. CEPAL.

Simmel, G. (1903). As grandes cidades e a vida do espírito.

Solow, R. M. (2000). Growth theory: an exposition. London: Oxford University Press.

United Nations (2017) Global indicator framework for the Sustainable Development Goals and targets of the 2030 Agenda for Sustainable Development. https://unstats.un.org/sdgs/indicators/Global%20Indicator%20Framework%20after%202019%20refinement_Eng.pdf

Washburn, D. et al. (2010). Helping CIOs Understand “Smart City” Initiatives: Defining the Smart City, Its Drivers, and the Role of the CIO , Cambridge, MA: Forrester Research.

Autor notes

a Doutora em Ciências - Instituto de Estudos Avançados - IEA/USP São Paulo, SP – Brasil.
b Mestre em Ambiente, Saúde e Sociedade - Faculdade de Saúde Pública - FSP/USP São Paulo, SP – Brasil.
c Doutora em Saúde Pública - Faculdade de Saúde Pública - FSP/USP São Paulo, SP – Brasil.
d Doutor em Engenharia - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli/USP São Paulo, SP – Brasil.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por