Resumo:
Objetivos: Averiguar o envolvimento dos usuários com relação à posse de smartphone e verificar se o mesmo representa uma extensão do self do seu usuário. Buscou-se, também, identificar percepções paradoxais quanto a esta tecnologia móvel. Método: A pesquisa se deu com base em uma metodologia qualitativa, com a realização de entrevistas em profundidade com doze usuários, utilizando a técnica de análise de conteúdo. Resultados: Foi verificado que certos usuários de smartphone possuem forte apego emocional ao seu aparelho, considerando-o uma extensão da sua própria identidade. Também foram evidenciados quatro paradoxos tecnológicos no comportamento de uso: Dependência x Independência, observado pelo desconforto na ausência do aparelho e ao mesmo tempo a mobilidade que o smartphone proporciona trazendo maior independência; Autonomia x Vício; Satisfação x Criação de Necessidades; Novo x Obsoleto. Contribuições teóricas: A presente pesquisa abre linhas de investigação que abarcam aspectos vinculados às áreas de comportamento do consumidor e sistemas de informação quanto ao uso de smartphones. Originalidade / Relevância: Devido ao fato de os smartphones serem considerados uma tecnologia recente, a relação sobre self estendido no uso de smartphone ainda foi pouco abordada, tanto na literatura nacional como internacional. Esta pesquisa apoia-se em uma visão integrada de comportamento do consumidor, psicologia e sistemas de informação. As proposições desta pesquisa assumem que o smartphone pode ser considerado uma extensão da identidade do usuário, em decorrência do grau de envolvimento entre ambos e, como consequência desse envolvimento, podem emergir paradoxos tecnológicos, isto é, as percepções opostas sobre o uso do smartphone.
Palavras-chave:Self EstendidoSelf Estendido,Paradoxos TecnológicosParadoxos Tecnológicos,SmartphoneSmartphone.
Abstract:
Purpose: Investigate the involvement of users with respect to the possession of smartphone and check whether it represents an extension of the self of its user. We also sought to identify the paradoxical perceptions regarding this mobile technology. Method: The research was based on a qualitative methodology, with the conducting in-depth interviews with 12 users, using the technique of content analysis. Results: It was verified that certain smartphone users have strong emotional attachment to your device, considering it as an extension of your own identity. Were also highlighted four technological paradoxes in the behavior of use: Dependency x independence, Observed by discomfort in the absence of the appliance and at the same time the mobility that the smartphone delivers bringing greater independence; Autonomy x addiction; Satisfaction x Creation of needs; New x obsolete. Theoretical contributions: This research opens lines of research covering aspects linked to areas of consumer behavior and information systems regarding the use of smartphones. Originality / relevance: Due to the fact of the smartphones being considered a recent technology, the relationship about self extended on the use of the smartphone still was slightly raised, both in national and international literature. This research is based on an integrated vision of consumer behavior, psychology and information systems. The propositions of this study assume that the Blackberry smartphone can be considered an extension of the identity of the user, due to the degree of involvement between both and, as a result of this involvement, can emerge paradoxes technology, i.e., the opposing perceptions about the use of the smartphone.
Keywords: Extended Self, Technological Paradoxes, Smartphone.
SOU O QUE EU CONSUMO? SMARTPHONES E O SELF ESTENDIDO A LUZ DE PARADOXOS TECNOLÓGICOS
I AM WHAT DO I CONSUME? SMARTPHONES AND THE EXTENDED SELF TO THE LIGHT OF TECHNOLOGICAL PARADOXES

Recepción: 05 Enero 2018
Aprobación: 17 Mayo 2018
Em um mundo materialista, as posses possuem grande significado, representando inclusive elementos atinentes a nossa identidade. A evolução na criação de novas tecnologias e a sua massiva apropriação pelos consumidores impactam na compreensão dessas posses, requisitando reflexões sobre as próprias teorias que nos embasam a analisar tanto os novos objetos quanto os fenômenos pessoais e sociais que os cercam.
Desde que o conceito de self estendido foi formulado em 1998 por Belk, muitas tecnologias mudaram drasticamente afetando a forma como consumimos, nos apresentamos e nos comunicamos (Belk, 2013). Assim, o conceito de self estendido, amplamente aceito dentre os estudiosos de comportamento do consumidor (por exemplo, Belk, 2013, 2014; Cavedon, Castilhos, Biasotto, Caballero & Stefanowski, 2007; Leão, Mello & Freitas, 2008), requer estudos com relação às posses e usos de novas tecnologias, tais como as de Informação e Comunicação (TIC). A comunicação móvel alterou a forma em que as situações sociais são desenvolvidas e a maneira com que elas são conduzidas (Ling, 2008), levando inclusive a questionamentos sobre os benefícios e malefícios de seu uso, fazendo com que as nossas experiências como usuários de tecnologia possam até mesmo ser paradoxais (Jarvenpaa & Lang, 2005; Corso, 2013; Borges & Joia, 2015; Fernandes Filho & Pitombeira, 2016).
Além dos aspectos comunicacionais, o aparelho celular tornou-se fonte de entretenimento e cada vez mais as pessoas vem construindo vínculos físicos e emocionais com esse tipo de aparelhos (Srivastava, 2005; Clayton, Leschner & Almond, 2015), podendo até ser considerada uma forma de extensão da identidade do usuário (Mantovani, 2006; Beck et al. 2009). A despeito de todo esse contexto, devido ao fato de os smartphones serem considerados uma tecnologia recente, a relação sobre self estendido no uso de smartphone ainda foi pouco abordada (Silva, Baumhammer & Freitas-Da-Costa, 2013), tanto na literatura nacional como internacional. Levando em consideração esse cenário, o presente estudo busca responder ao seguinte questionamento: o smartphone pode representar uma extensão do self de seu usuário?
Esta pesquisa apoia-se em uma visão integrada de comportamento do consumidor, psicologia e sistemas de informação, buscando atingir ao seguinte objetivo geral: averiguar se o smartphone representa uma extensão do self do seu usuário. Para tanto, dentre os objetivos específicos configuram-se: (a) estudar o perfil dos usuários de smartphones; (b) verificar o envolvimento dos usuários com relação à posse de smartphone; (c) observar os paradoxos tecnológicos causados pelo envolvimento dos usuários e o uso dos seus smartphones. Portanto, nesta pesquisa buscaram-se abranger as duas temáticas, justamente por elas estarem relacionadas, uma vez que se assumem como proposições desta pesquisa que o smartphone pode ser considerado uma extensão da identidade do usuário, em decorrência do grau de envolvimento entre ambos e, como consequência desse envolvimento, também se tem como pressuposto deste estudo que podem emergir paradoxos tecnológicos, isto é, as percepções opostas sobre o uso do smartphone.
A seguir, serão abordados os conceitos e definições sobre self e self estendido, posteriormente apresentam-se os conceitos presentes sobre tecnologias de informação e paradoxos tecnológicos. Após, será apresentado o método utilizado para a pesquisa, bem como os resultados encontrados e as considerações finais.
Willian James foi reconhecido por estabelecer as fundações da teoria do autoconceito, no ano de 1890, tendo o definido como a soma total daquilo que o indivíduo pensa de si mesmo, seu corpo, seu intelecto, suas posses, família, reputação e trabalho (Loudon & Bitta, 1993). A partir desses estudos, Belk (1988) começou a desenvolver o conceito de self estendido, defendendo, ainda, que não se pode buscar compreender o comportamento do consumidor sem buscar o significado que os mesmos atribuem às suas posses. Desta forma, o autor em vistas de explicar o porquê de alguns produtos adquirirem significados para o indivíduo, fez uma extensa revisão de literatura para embasar a tese de que consumidores usam posses como mecanismo para estender, expandir e fortalecer seu senso de “eu”.
A partir dessa revisão, foi desenvolvida a teoria denominada de “eu estendido”. O constructo se baseia na ideia de que os consumidores preferem os produtos congruentes com seus eus (Sirgy, 1982). Segundo Belk (1988) os objetos incorporados à extensão do self são: posses pessoais, pessoas, lugares e posses de grupos. Para as posses pessoais, é fácil o entendimento de uma extensão do self, exemplificando pelo uso do celular, que é popularmente mencionado como “o meu celular”. Para os autores Kleine e Baker (2004) a ligação à posse material reflete, de forma vital e ubíqua, o modo como os indivíduos valorizam seus bens.
O segundo grupo, pessoas, também é estendido ao self, uma vez que uma mãe reconhece seus filhos como sendo “uma criação maravilhosa posta ao mundo”. Lugares, da mesma forma, podem ser incorporados ao self, onde os indivíduos se apegam às suas casas considerando-os como “minha”. Posses grupais, como conquistas em campeonatos ou competições, também podem ser incorporados ao self do indivíduo. Pode-se visualizar, nos exemplos apresentados, a clara distinção feita entre o eu e o que é meu (self estendido). Belk (1988) usa os termos self, sentido de self e identidade, como sinônimos, para se referir a como uma pessoa percebe subjetivamente quem ela é. O self, portanto, reflete um sentido do ser, enquanto as posses seriam uma extensão do que o indivíduo é, o que tem ou possui.
As posses auxiliam a mostrar o self dos indivíduos a outras pessoas (Chang, 2001), uma vez que a extensão do self abarca uma forte conexão com o significado simbólico do bem possuído, a identidade e a definição de si (Kiesler & Kiesler, 2005). Oliveira et al. (2014) afirmam que conforme alguns produtos adquirem significado substancial para o indivíduo, passam a sinalizar aspectos particulares de sua personalidade frente a terceiros. Ainda, segundo os autores, é nesse aspecto que se encontra aplicação ao marketing, à teoria do eu estendido, que consiste no “eu” somado às posses.
Cohen (1989) foi um dos principais autores a criticar Belk (1988), apontando que o constructo não foi bem definido, nem teoricamente, nem operacionalmente. Entretanto, destaca a importância em analisar o que os consumidores fazem, quais produtos compram, o que usam, se guardam ou jogam fora, frisando a importância do todo organizado que se denomina self.
Mesmo apresentando críticas, os estudos de Belk quanto ao self estendido tiveram forte influência nos estudos de comportamento do consumidor pelo fato de estabelecer que o consumo é um processo contínuo. No entendimento de Ahuvia (2005) a publicação de Belk (1988) “Possessions and the extended self” solidificou e acelerou o interesse por pesquisadores nos modos de consumo que ajudam a definir o senso de “quem são” nas pessoas.
Desde a primeira publicação de Belk, em 1988, sobre o conceito de self estendido, vários outros trabalhos foram realizados abordando self estendido a partir da ótica de Belk, tanto no escopo nacional quanto internacional (Beck et al., 2009; Cavedon et al., 2007; Dodson, 1996; Petersen-Wagner, 2007; Hill, Gaines & Wilson, 2008; Ponchio & Strehlau, 2011; Barboza & Silva, 2013; e Macinnis & Folkes, 2017, Rossi et al., 2006).
Belk (2013) argumenta que desde 1988 quando o self estendido foi proposto, muitas mudanças tecnológicas têm afetado dramaticamente a nossa forma de consumir, se apresentar e de se comunicar. Desta forma, o autor propõe a atualização conceitual para revitalizar o conceito, incorporar os impactos da digitalização, e fornecer uma compreensão do sentido do consumidor e do self no ambiente tecnológico de hoje.
Quando Belk (1988) apresentou o conceito do self estendido, já havia computadores pessoais, mas não havia páginas web, jogos online, mundos virtuais, mídias sociais, internet, e-mail, telefones inteligentes ou câmeras digitais. “No entanto, é evidente que a atual onda de tecnologias digitais está mudando fundamentalmente o comportamento dos consumidores de maneira que têm implicações significativas para a formulação do self estendido” (Belk, 2013, p. 477). O autor considera cinco mudanças no consumo digital que impactam a natureza do self e a natureza das posses: (1) A desmaterialização, (2) reincorporação, (3) Compartilhamento, (4) Co-construção do self, e (5) memória distribuída.
Em relação às cinco mudanças no consumo digital que impactam a natureza do self, Belk (2013) explica que no mundo digital, o self agora é alargado para avatares, com os quais as pessoas se identificam fortemente e que pode afetar seu comportamento no mundo real e o senso de self. Outra diferença a partir da idade pré-digital é que, na medida em que agora o self-revelar e confessar no mundo digital transformou a outrora semiprivada para uma apresentação mais pública do self. “Claramente, as pessoas estão se expondo a mais e mais mídias digitais e sociais” (Stephen, 2016, p. 17).
Isso também é evidente na natureza mais comum do self que agora é co-construído com muito mais feedback instantâneo que pode ajudar a confirmar ou modificar o senso de self. “No mundo digital, marcações, comentários, endossos, "curtidas" e comentários semelhantes fornecem muito mais insumos do que o feedback que provavelmente recebemos cara a cara (Belk, 2016, p. 51). O self agregado já não pode ser concebido a partir de apenas uma perspectiva pessoal e não só é construído em conjunto, mas compartilhado, ou seja, uma posse conjunta com os outros.
No entendimento do autor, o self é muito mais ativamente gerenciado, construído em conjunto, interativo, abertamente desinibido, confessional, com múltiplos manifestos, e influenciado por aquilo que nós e os nossos avatares fazem online. “Tudo isto é dramaticamente novo e sugere que somente estudar self estendido no mundo real é ignorar grande parte das influências sobre nosso autoconceito contemporâneo e as nossas atividades que o criam” (Belk, 2013, p. 490).
Segundo Castells e Cardoso (2005) o mundo vem sofrendo mudanças estruturais por mais de duas décadas, associadas a um novo paradigma tecnológico, de comunicação e informação. Novas tecnologias surgem a todo o momento e os consumidores estão cada vez mais em contato com elas. Essas novas tecnologias são sensíveis aos efeitos de uso social. Castells e Cardoso (2005) afirmam que a tecnologia não determina a sociedade, ela é a sociedade.
As Tecnologias de Informação Móveis e Sem Fio (TIMS) ganham destaque nesse novo cenário, devido, principalmente, à sua mobilidade, se propagando mundialmente (Saccol & Reinhard, 2007). Essa mobilidade por sua consequência faz com que os indivíduos tenham a sensação de onipresença das tecnologias móveis (Junges, 2015).
Tais tecnologias têm em comum a diminuição do tamanho e peso, ganhando o smartphone grande destaque e importância na vida corporativa e pessoal das pessoas (Corso, Cavedon & Freitas, 2015). Os smartphones, “telefones inteligentes”, que oferecem capacidades avançadas geralmente encontradas em computadores maiores e possuem um sistema operacional mais complexo, permitem ao usuário rodar programas para os mais diversos fins. Os modelos modernos de smartphone combinam funções de mídias, câmera digital com vídeo, navegação em GPS, funções de toque na tela de alta resolução, e acesso a dados em alta velocidade (Kwon et al. 2013). Nesse sentido, Fedoce e Squirra (2011, p. 269) destacam que, com o smartphone, “o usuário passa a ter a comunicação literalmente em suas mãos”, à medida que tem a possibilidade de instantaneamente apreender dados e informações via internet.
Os impactos sociais que acompanham o uso das TIMS também é assunto essencial, à medida que as pessoas se apropriam de seus atributos e funcionalidades, e que essas tecnologias passam a fazer cada vez mais parte de seu cotidiano (Castells & Cardoso, 2004). Saccol e Reinhard (2007) destacam que o uso das TIMS ao mesmo tempo em que traz vantagens ao usuário, apresenta desvantagens. O Quadro 1 traz o estudo realizado por Mendieta, Martens e Belfort (2014) no qual foram identificadas vantagens e desvantagens do uso de smartphones por profissionais tanto na sua vida pessoal como profissional.

Nesse sentido, Jarvenpaa e Lang (2005) asseguram que as experiências do usuário com a tecnologia podem ser paradoxais. A definição de paradoxo remete à contradição, conflito, ambivalências, oposição, entre duas ideias. Para Mick e Fournier (1998, p. 24) o conceito de paradoxo “[...] sempre tem sido centrado em torno da ideia de que condições opostas e polares podem simultaneamente existir ou, pelo menos, podem ser potencializadas na mesma coisa”. Desse modo, paradoxo tecnológico pode ser compreendido com qualidades contraditórias percebidas pelos usuários, presentes na mesma tecnologia.
A teoria sobre paradoxos da tecnologia foi inicialmente trazida por Mick e Fournier (1998), ao
estudar os impactos contraditórios do uso de produtos tecnológicos. Posteriormente, Jarvenpaa e Lang (2005) estenderam a pesquisa para o contexto das TIMS, e Mazmanian, Orlikowski e Yates (2006) focaram nas dualidades do uso do smartphone.
Os paradoxos identificados pelos autores em seus estudos constam no Quadro 2. Na primeira coluna é apresentado o paradoxo no seu conceito de vantagem (positivo) ao usuário da tecnologia e logo após no seu conceito de desvantagem (negativo). A segunda coluna traz uma breve descrição do que são os efeitos positivos e negativos de cada paradoxo tecnológico.

Após confluência das teorias de cada autor, é possível elencar 14 (quatorze) paradoxos que evidenciam os dilemas do usuário da tecnologia móvel. É importante salientar que os quatro paradoxos Empoderamento x Escravidão; Satisfação x Criação de necessidades; Competência x Incompetência e Engajamento x Desengajamento, identificados por Jarvenpaa e Lang (2005) são semelhantes aos paradoxos apontados no estudo de Mick e Fournier (1998). Assim como no estudo de Mick e Fournier (1998), Mazmanian et al. (2006) também identificaram a ocorrência do paradoxo Engajamento/Desengajamento.
Em vistas a compreender o envolvimento dos usuários com relação à posse de smartphone e identificar percepções paradoxais quanto ao seu uso, realizamos um estudo de cunho qualitativo. Como o tema proposto se trata de questões subjetivas o método qualitativo é o mais adequado para responder às questões propostas pelo estudo, permitindo ao pesquisador demonstrar seu ponto de vista sobre as considerações do estudo.
Para atingir os objetivos desta pesquisa, optamos por realizar entrevista em profundidade, para melhor compreender as percepções dos respondentes. Elaboramos um roteiro semiestruturado para as entrevistas, embasado nos trabalhos de Queiroga et al. (2010) e Corso (2013), os quais abordam aspectos de self estendido e uso de tecnologia móvel, respectivamente, sendo uma extensão do trabalho desenvolvido por Oliveira, Corso e Ubal (2014). O roteiro de entrevistas continha cinco perguntas sobre o perfil dos usuários e sobre o envolvimento dos respondentes com seus objetos pessoais; onze perguntas para averiguar a interação do usuário com seu smartphone e como eles enxergam a relação deles com essa tecnologia. As questões sobre os paradoxos tecnológicos não foram direcionadas diretamente aos entrevistados para não gerar o viés na resposta entre um pólo ou outro, mas foram investigados posteriormente na análise interpretativa dos dados.
O critério utilizado para escolha dos participantes da pesquisa foi por acessibilidade, contemplando usuários que possuem o smartphone a mais de seis meses, que o utilizam no seu dia-a-dia tanto no trabalho como para funções pessoais e que tenham familiaridade para falar sobre o assunto. Foram realizadas doze entrevistas em profundidade, nas quais se chegou a um parâmetro de análise para a questão principal exposta pela pesquisa.
Em relação ao número de participantes em uma pesquisa qualitativa, Duarte (2005) salienta que nos estudos qualitativos, são preferíveis poucas fontes, mas de qualidade. É possível, entrevistando pequeno número de pessoas, adequadamente selecionadas, fazer um relato bastante consistente sobre um tema bem definido (Duarte, 2005).
Foram gravadas em vídeo quatro entrevistas, visando capturar toda a gestualidade do usuário de smartphone. E com os outros oito restantes, a entrevista foi por meio de gravação de áudio, para que estes não ficassem constrangidos durante a filmagem, a fim de que agissem com mais naturalidade e espontaneidade. Posteriormente a cada entrevista, cada uma foi transcrita para evitar a perda de informações.
A técnica de análise utilizada foi a análise de conteúdo, que é descrita por Bardin (2006) como sendo um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não).
Nesta etapa do estudo, são apresentados e analisados os dados coletados durante a pesquisa. Primeiramente, é apresentado o perfil dos respondentes, e em seguida, são apontadas as categorias intermediárias e finais oriundas da análise de conteúdo.
Considerando o perfil dos participantes da pesquisa, dentre os 12 entrevistados, a faixa de idade é de 15 a 34 anos, sendo 8 do sexo feminino e 4 do sexo masculino. A renda mensal varia desde “mesada dos pais” até “mais de três salários mínimos”. As profissões apontadas pelos entrevistados são: estudante (2), secretária (1), vendedora (1), auxiliar financeiro (1), promotor de operadora (2), operador de caixa (1), autônomo (1) e funcionário público (3).
Os entrevistados podem ser considerados adultos jovens. Em relação ao uso de smartphones pelos adultos jovens, Roberts e Pirog (2013) afirmam que os telefones celulares desempenham um papel vital na vida social dos adultos jovens, pois são uma fonte de status e uma consequência natural de um desejo materialista de possuir, exibir e usar produtos que melhorem sua autoestima e imagem” (Roberts & Pirog, 2013, p. 58).
Primeiramente, apresentam-se os resultados obtidos por meio da análise de conteúdo (ver Quadro 3), o qual apontou as seguintes categorias intermediárias: impacto da tecnologia; uso dos smartphones; relação com a marca dos smartphones; troca dos smartphones; envolvimento do usuário com o smartphone; e ausência do smartphone. Em seguida serão apresentadas cada uma das categorias intermediárias.

a) Impacto da tecnologia
A categoria intermediária Impacto da tecnologia aborda a maneira como os entrevistados se relacionam e se envolvem com aparelhos tecnológicos. Os entrevistados demonstram gostar de tecnologias e consideram-se pessoas modernas, como é apontado pelo entrevistado 1: “Sou uma pessoa moderna, gosto de tecnologias” (Q1E1). A atual onda de tecnologias digitais está mudando fundamentalmente o comportamento dos consumidores de maneira que têm implicações significativas para a formulação do self estendido (Belk, 2013).
Ademais, diante das tecnologias existentes, os entrevistados demonstram em suas respostas apego emocional a certos aparelhos tecnológicos, como evidencia o entrevistado 8: “Tenho apego sim às minhas coisas quando se referem à tecnologia, por exemplo, um celular, um tablet, um notebook...” (Q3E8). Dentre os aparelhos citados, os que ganharam destaque são os aparelhos celulares e os smartphones: “Ao meu celular tenho bastante apego (...) acho que o smartphone, essas coisas assim, aparelhos tecnológicos” (Q3E2).
b) Uso dos smartphones
A categoria intermediária o Uso dos smartphones, permite analisar as maneiras pelas quais os entrevistados utilizam seus smartphones e os impactos que o uso pode proporcionar. Os motivos de compra do smartphone variam de forma semelhante, onde as vantagens, funcionalidades e atualização são destacadas pelos entrevistados: “Pelas vantagens que ele oferece...” (Q4E1); “Para ficar mais atualizada...” (Q4E2); “Porque ele tem muitas funcionalidades e é muito prático usar ele...” (Q4E6). Ademais, como é mostrado pelo entrevistado 3, os smartphones possuem a vantagem de seu uso não ser limitado a um espaço físico específico: “Acho que pelo fato que ele é um produto que hoje contém não somente os aplicativos, mas também a mobilidade de ter o acesso em qualquer canto...” (Q4E3). Tais resultados vão ao encontro da opinião de Mazmanian et al. (2006, p. 5) que mencionam que “a mobilidade contribui para uma forma de conexão constante que é menos restringida por limitações espaciais”.
Com o uso constante dos smartphones, há a personalização dos aparelhos, para que estes passem a apresentar nuances de gostos e preferências, como explica o entrevistado 4: “Customizo, colocando fotos do que eu gosto, foto minha, baixando aplicativo, baixando algum tipo de jogo, as minhas próprias músicas... um estilo de personalizar, para deixar como eu gosto, com minha cara mesmo” (Q21E4). Para os entrevistados, o uso dos smartphones é dado praticamente em todos os momentos do dia-a-dia, havendo alternância entre momentos de lazer e momentos de trabalho:“Lazer, trabalho, para tudo, para a faculdade bastante, para qualquer coisa” (Q7E2). O uso diário do celular pelos usuários se confirma também pelos autores Jarvenpaa e Lang (2005, p.2): “Ao contrário de computadores desktop ou mesmo laptop, o celular normalmente está sempre com seu utilizador. Raramente se separa do seu proprietário, e ele está em uso, ou pronto para uso, o tempo todo”.
c) Relação com a marca dos smartphones
A categoria intermediária Relação com a marca dos smartphones é derivada de outras duas categorias iniciais, sendo elas, motivo da escolha da marca e continuação da mesma marca com a troca. Os entrevistados, ao escolherem seus smartphones, selecionam alguns requisitos a serem atendidos pela marca. Todavia, não se pode dizer que há um requisito mais importante a ser analisado, e sim, um conjunto de fatores que são essenciais para a escolha da marca dos smartphones. O preço na escolha da marca do smartphone apresenta relevância para o entrevistado 3: “A minha pesquisa se baseou na verdade no fator preço, que era fundamental, mas mais o custo benefício do produto, porque não adiantava eu comprar um produto que fosse barato, mas ai tinha que ter todo os itens e os acessórios necessários para que eu tivesse um conforto ao utilizá-lo” (Q19E3).
Ainda abordando questões sobre a marca, ao trocar o smartphone, os entrevistados afirmam permanecer fiéis a marca anteriormente utilizada. Devido aos consumidores já apresentarem certa familiaridade com a marca e já a conhecerem. “Seguiria com a mesma marca porque já conheço como ele funciona...” (Q24R1). Aaker (1998) explica que esse comportamento de compra acontece devido ao fato de que as pessoas se sentem confortáveis com o que lhes é familiar por isso compram uma marca conhecida.
d) Troca dos smartphones
Esta categoria é resultante das categorias iniciais: desconforto com a marca e descarte do smartphone. Para os respondentes, o fato de trocar o smartphone não gera grande desconforto. Isso ocorre devido ao fato de que mesmo com a troca, ainda há a possibilidade de deixar o novo smartphone semelhante ao antigo, por meio da transferência das fotos, das músicas e dos mesmos aplicativos. Entretanto, o entrevistado 5 demonstra grande desconforto na fase inicial de adaptação com a troca do smartphone.
“Sim, sentiria, porque é diferente, porque a gente ta acostumado já, a gente se acostuma com o aparelho, se apega até onde os aplicativos estão. Aí tu compra um celular novo quando vê os aplicativos não estão no lugar, aí tu tenta pelo menos colocar na mesma ordem que estava, mas não fica sempre, mas depois se acostuma, mas até se adaptar demora um pouco” (Q23R5).
Com a troca do smartphone, o descarte do aparelho antigo ocorre por meio da venda do mesmo. Esta geralmente ocorre para arrecadar dinheiro para a compra do novo smartphone ou pelo motivo de o aparelho antigo atender às necessidades de outra pessoa. Há também a possibilidade de guardar o aparelho, principalmente por questões de apego e pelo significado que representa, como mostra o entrevistado 3: “Guardo, tenho todos até hoje, simplesmente está ali, as vezes eu abro e olho para eles, porque isso está aqui eu não sei, é mais uma recordação, um tipo de evolução minha com o celular, porque todo o celular foi uma evolução...” (Q25E3).
No entendimento de Levy (1959) o consumidor não é orientado apenas pelo aspecto funcional, o seu comportamento é significativamente afetado pelos símbolos encontrados na identificação dos produtos. “Pessoas compram coisas não somente pelo que estas coisas podem fazer, mas também pelo que elas significam” (Levy, 1959, p. 118). Na mesma linha, Baudrillard (1972, p. 14) salienta que os objetos não possuem relevância tão-somente em razão de sua funcionalidade, mas serem considerados de acordo com a dimensão social e a significação a eles atribuída.
e) Envolvimento do usuário com o smartphone
Esta categoria deriva de outras três categorias iniciais: envolvimento pessoal com o smartphone, importância do smartphone e extensão do self com o uso do smartphone. Os entrevistados demonstraram forte apego aos seus smartphones, considerando que há uma relação pessoal com o aparelho. Além disto, os entrevistados alegam não conseguir viver sem o seu smartphone, evidenciando a forte importância que eles apresentam em suas vidas, conforme relata o entrevistado 1 “...não dá para viver sem, depois que a gente se acostuma a usar todos os dias, desde a hora que acorda até a hora que dorme, é um vício” (Q9E1). Mazmanian et al. (2006, p. 5) argumentam que o aumento da autonomia vem com o custo de mudar as expectativas da comunidade sobre a disponibilidade dos indivíduos, aumentando assim o seu compromisso de ficar conectado, e gerando o que alguns chamam de “vício”.
A relação de apego é tão forte que os consumidores sentem o smartphone representam uma parte do seu ser, como mostra o entrevistado 3: “Sim, me representa, porque na verdade, se eu for contabilizar, eu acho que tudo que tem no smartphone, desde fotos, vídeos, músicas, é parte do que eu sou...” (Q8E3). De acordo com Belk (2013), o dispositivo móvel “permite chamar uma lista de contatos, comunicar-se de várias maneiras, tirar e armazenar fotos, e enviá-las para web, adicionar representações do self online, e executar uma variedade de outras funções com alguns movimentos dos dedos [...]. Há muitos novos bens e tecnologias através da qual se apresentam e estendem o self” (Belk, 2013, p. 494).
Aprofundando essa questão, os smartphones chegam ao ponto de representar uma extensão da identidade do usuário. Essa afirmação é apoiada no relato do entrevistado 2: “Não vivo sem, ele é meu, minha identidade pessoal, tem minhas coisas, não posso ficar sem, vai faltar uma parte minha, ele é uma extensão do que eu sou” (Q9E2). Ahuvia (2005) em seu estudo empírico sobre o amor em contextos de consumo evidenciou que os consumidores utilizam as coisas que amam para construir um senso de self em face de conflitos de identidade. O autor concluiu que o objeto amado pelo consumidor pode ajudar a resolver conflitos de identidade.
f) Ausência do smartphone
A categoria intermediária Ausência do smartphone aborda as sensações vividas pelos entrevistados ao ficarem sem os smartphones. A sensação de falta do smartphone é comparada à falta de algo do seu próprio ser. A fala do entrevistado 8 demonstra essa sensação. “O tipo de desconforto que eu posso dizer que sinto é um tipo de desconforto... sensação de que está faltando alguma coisa muito importante para mim. Eu boto as mãos nos meus bolsos, olho nas minhas gavetas (...) a sensação que eu tenho é como se estivesse faltando alguma parte de mim, como se eu tivesse saído de casa só com um pé do meu tênis e o outro estivesse andando descalço...” (Q13E8). Clark (2008) salienta que quanto mais um objeto se torna uma possessão, mais uma parte do self se torna. Ademais, sem o smartphone por perto, há a sensação de estar perdido, como se uma ligação importante fosse acontecer.
Quando há o esquecimento dos smartphones em algum local, o desconforto também se faz presente: “Já esqueci em casa e eu tinha que ir trabalhar, fiquei desesperada porque eu queria, eu tinha que estar toda hora mexendo e não conseguia...” (Q17E9), “Já esqueci e a experiência foi horrível, como se tivesse perdido uma parte de mim” (Q17E9). Srivastava (2005) afirma que as ligações físicas e emocionais com smartphones estão associadas a maiores sentimentos de ansiedade quando os usuários estão distanciados de seus dispositivos.
Esse sentimento de ansiedade se confirma no estudo de Clayton et al. (2015), realizado com estudantes universitários no qual mostrou que a incapacidade de responder a uma chamada do iPhone enquanto ele estava tocando, causava aumento da frequência cardíaca e desconforto e os níveis percebidos de ansiedade eram maiores durante a separação do iPhone e mais baixos quando os participantes estavam na posse do seu iPhone.
Para que se possa chegar ao contato direto com os smartphones, primeiramente se faz necessário o contato com a tecnologia de uma forma abrangente. Em seguida, diante das necessidades pessoais, há o processo de aquisição do smartphone e o uso do mesmo. O envolvimento pessoal dos usuários com os smartphones apresenta fator relevante na pesquisa, onde se verificou que os smartphones passaram a ser uma extensão do self de seus usuários. O Quadro 4 apresenta o cenário geral de categorias, sendo possível a visualização dos resultados desde as categorias iniciais até as categorias finais encontradas.

Conforme mostra o Quadro 4, as categorias iniciais 1, 2, 3, 4 e 5 resultaram na categoria final “smartphone como tecnologia”, as quais estão relacionadas ao impacto da tecnologia na vida dos usuários, bem como a aspectos e atitudes quanto ao próprio uso do aparelho. As categorias iniciais 6, 7, 8 e 9 resultaram na categoria final “smartphone como objeto de consumo”, ao qual se refere à relação do usuário com a marca de seu smartphone e como acontece a troca do aparelho. As categorias iniciais 10, 11, 12, 13 e 14 resultaram na categoria final “smartphone como parte do self estendido”, estão relacionadas ao envolvimento do usuário com o seu smartphone, bem como seu comportamento em relação a ausência do mesmo.
a) Smartphone como tecnologia
A primeira categoria final encontrada foi o Smartphone como tecnologia, a qual engloba as categorias “Impacto da tecnologia” e “Uso dos smartphones”, que tem como ideia chave: Consideram-se pessoas modernas, que gostam de tecnologia e sentem-se atualizados com a sua utilização. Há apego emocional pelos seus aparelhos tecnológicos, com destaque aos smartphones. Os motivos de compra de um smartphone referem-se à possibilidade de se manter atualizado, a mobilidade que eles oferecem e suas funcionalidades. A personalização dos smartphones se ocorre através dos aplicativos e das músicas baixadas no aparelho. O uso dos smartphones se dá em vários momentos, principalmente para o trabalho e atividades de lazer.
Quando questionados sobre a tecnologia em si, os entrevistados demonstram afinidade com a mesma e apego emocional a aparelhos tecnológicos, demonstrando maior ênfase aos smartphones, que são personalizados, visto que, desse modo, a tecnologia possui certas preferências dos seus próprios usuários. Os smartphones são adquiridos para sanarem as necessidades pessoais, sendo utilizados tanto para o lazer quanto para o trabalho. Takao, Takahashi e Kitamura (2009) afirmam que o celular já não é apenas um instrumento de comunicação, mas um instrumento indispensável na vida social e profissional do indivíduo.
b) Smartphone como objeto de consumo
A segunda categoria final trata do smartphone como um objeto de consumo, onde há questões relacionadas à escolha da marca, continuação da mesma marca com a troca de aparelho, questões sobre a troca propriamente dita e sobre o descarte. As ideias-chave da categoria trata que a escolha da marca de smartphones dá-se pelas vantagens oferecidas, custo benefício, qualidade e tecnologia proporcionada, atendendo às necessidades individuais. A permanência da mesma marca com a troca dos aparelhos é evidenciada pelo fato de já a conhecerem e serem familiarizados com ela. Com a troca, não há grandes desconfortos, pois há o ganho em tecnologia e há a facilidade de manter os mesmos aplicativos, músicas e fotos no novo aparelho. Geralmente ocorre a venda dos aparelhos ou eles são guardados.
Quando questionados sobre o consumo do smartphone, os entrevistados possuem diferentes impulsos na escolha da marca do mesmo, sendo que as vantagens oferecidas são sempre analisadas. Segundo Takao et al. (2009) a marca do telefone celular adquirido e as muitas oportunidades para personalizá-lo, fazem os celulares parte integrante da auto identidade de muitos jovens adultos.
Com a troca do aparelho, ocorre a preferência pela mesma marca, uma vez que se sentem familiarizados com ela. Esse processo não gera grandes desconfortos devido à possibilidade de manter o novo smartphone como o antigo, e ao fato de que a tecnologia será mais avançada. Os entrevistados guardam o aparelho antigo ou o vendem para outras pessoas.
c) Smartphone como parte do Self estendido
A última categoria final encontrada traz as questões pessoais entre o consumidor e o smartphone. Enfim, trata do smartphone como parte do self estendido e o que podem sentir na ausência do aparelho. Os smartphones possuem forte importância, alguns dizem não conseguir viver sem eles e sentem a necessidade de sempre estarem com os aparelhos por perto. É feita a associação dos smartphones como uma representação do que o indivíduo é, sendo uma extensão do seu ser. A ausência dos smartphones gera estranheza e desconforto, há a sensação de que algo está faltando. Ao esquecer os smartphones, ocorre sensação desespero e terror.
O smartphone possui forte representação na vida dos consumidores. Alguns dizem não conseguir viver sem e sentem-se perdidos com a falta do mesmo. Ainda, os entrevistados alegam que os smartphones fazem parte do que eles mesmos são e chegam a representá-los.
“Parece que falta alguma coisa sempre para a gente, pois, como eu uso ele basicamente todo dia, se eu fico um pouco sem ele, já é uma coisa estranha, eu fico pensando no que ele está fazendo (risos), se estão me ligando, o que está acontecendo, se está aparecendo alguma coisa a mais, muita falta eu sinto” (Q13E5).
Como se pode observar na fala do entrevistado 5, ocorre a extensão do próprio self com o uso dos smartphones. Harkin (2003) propõe que as tecnologias móveis são importantes para o sentido moderno de self porque elas “funcionam como objetos de conforto, antídotos para o terreno hostil da sociedade em geral” [...] (p. 9), e tornaram-se tão intimamente uma parte de nós que elas são capazes de representar “uma extensão do nosso ser físico - um cordão umbilical, ancorando infraestrutura digital da sociedade da informação a nossos próprios corpos” (Harkin, 2003, p. 16).
Posterior a análise dos dados coletados nas entrevistas, a partir da técnica de análise de conteúdo, pode-se perceber a existência de paradoxos tecnológicos presentes no uso de smartphones. Nos relatos mencionados é possível identificar a presença de alguns paradoxos da tecnologia móvel.
O paradoxo Dependência x Independência (Jarvenpaa & Lang, 2005) é identificado na mobilidade que o smartphone proporciona, com a conexão em qualquer ambiente, entretanto, existe a dependência do uso do mesmo, visto que é gerado desconforto com a ausência do aparelho. Roberts e Pirog (2012) afirmam que a acessibilidade das novas tecnologias, como os telefones celulares, torna o excesso de uso mais provável. “O recente advento do novo celular com funções incluindo câmeras, tocadores de música, sistemas de GPS, jogos e acesso à Internet fizeram a sua utilização ainda mais propensa ao uso excessivo e dependência” (Roberts & Pirog, 2013, p. 56).
Em um sentido mais profundo do desconforto com a ausência do smartphone, verifica-se claramente o reconhecimento por parte dos usuários de um vício pelo smartphone, isto é, a necessidade de estarem com o aparelho sempre por perto, ligado e disponível para atender às suas necessidades. Roberts e Pirog (2013) chamam a atenção para o fato de que o vício não pode ser simplesmente pelo telefone celular, mas, para uma determinada atividade ou função do celular. Entretanto, notam-se, também, relatos de autonomia com o uso do smartphone, visto que os usuários podem se comunicar e exercer suas funções quando e como quiserem. Confirma-se, desse modo, a presença do paradoxo Autonomia x Vício (Mazmanian et al. 2006). De acordo com o referido autor, os smartphones reforçam a autonomia dos usuários em relação a quando e como eles se comunicavam, aumentando sua flexibilidade na negociação das demandas conflitantes de trabalho e família.
Foi constatado também o paradoxo Satisfação x Criação de Necessidades (Mick & Fournier, 1998; Jarvenpaa & Lang, 2005), ao passo que o smartphone sanou diversos desejos dos usuários e promoveu uma gama de benefícios com o seu uso, houve relatos de criação de novas necessidades, como é o caso da busca por diferentes aplicativos, tecnologia mais avançada, entre outras. Mick e Fournier (1998) destacam que a tecnologia pode suprir e satisfazer as necessidades e desejos dos consumidores, mas por outro lado ela cria nestes, novas necessidades e desejos até o momento não existentes.
Ademais, o paradoxo Novo x Obsoleto (Mick & Fournier, 1998) se faz presente ao passo que os consumidores ao adquirirem uma nova tecnologia, no caso do smartphone, enfrentam um curto período de tempo até que essa tecnologia se torne obsoleta, conforme preconiza os autores Corso, Freitas e Behr (2012) os consumidores ao adquirirem uma nova tecnologia visualizam os novos benefícios decorrentes do avanço do conhecimento, como também, em curto espaço de tempo entre a aquisição e o uso, esta tecnologia pode estar ultrapassada.
Com este estudo foi possível tratar das relações entre os indivíduos e seus smartphones, e verificar que os smartphones podem ser considerados como uma extensão do self dentre os entrevistados desta pesquisa, indo ao encontro da proposição do estudo. Estes aparelhos são considerados uma tecnologia de forte aceitação devido, principalmente, à sua capacidade de atualização rápida, mobilidade e pelas vantagens que ele oferece. É possível utilizar os benefícios do smartphone em qualquer ambiente e para diversas situações, passando, desse modo, a ocupar parte importante na vida dos usuários.
O estudo de Hein, O'Donohoe e Ryan (2011) que examinou o valor dos telefones móveis na pesquisa etnográfica demonstrou que o telefone celular pode ser uma extensão do etnógrafo e atua como uma prótese poderosa, permitindo ao pesquisador traduzir os princípios etnográficos em prática. Com base no estudo é possível perceber a relevância que o telefone móvel tem na vida das pessoas, não apenas como uma extensão de suas identidades, mas também como uma ferramenta capaz de auxiliar na realização de determinadas atividades, tendo em vista os resultados apresentados no presente estudo, em que o smartphone está presente em todos os momentos da vida do usuário e é considerado fundamental em seu dia a dia.
Os entrevistados personalizam seus aparelhos por meio de músicas e fotos, deixando-os cada vez mais parecidos com seus gostos e preferências. A troca do aparelho não gera grandes conflitos, pois uma nova tecnologia substitui a antiga e ainda há a possibilidade de transferir os dados de um aparelho para o outro. Isso faz com que, pela troca, não haja a perda de identidade nos smartphones. Esse resultado é confirmado por McCracken (1986) ao afirmar que o apego a modelos anteriores não deve prejudicar seriamente a adoção de modelos mais recentes com vantagens funcionais ou estéticas e a substituição não gera grande impacto para o self estendido. A marca do smartphone costuma permanecer a mesma, devido à familiaridade e o costume com ela. O simples fato de esquecer o smartphone causa grande desconforto entre os entrevistados, que alegam sentir a falta do seu aparelho. Como destacam Borges e Joia (2013), a relação dos indivíduos com os aparelhos inteligentes se tornam mais complexas, o que certamente facilita a comunicação, porém, também pode provocar reações negativas, até mesmo a dependência do seu uso.
Foi possível, também, a partir da análise, observar quatro questões paradoxais quanto a esta tecnologia móvel no campo analisado, ou seja, não se pode refutar a proposição de que os usuários estudados apresentam percepções opostas quanto ao uso do smartphone. Dos quatro paradoxos encontrados nessa pesquisa, alguns deles também foram identificados por Gonçalves (2012), como Independência x Dependência, Autonomia x Vício; e por Corso et al. (2012), tais como Satisfação x Criação de Necessidades, em sua investigação com usuários de smartphones. Da mesma forma no estudo de Fernandes Filho e Pitombeira (2016), dos quatro paradoxos evidenciados com forte intensidade relacionados ao uso do smartphone por profissionais, três deles corroboram com os paradoxos encontrados no presente artigo, tais como Satisfação/Criação de Necessidades, Autonomia/Vício e Independência/Dependência.
Classificando os paradoxos conforme as práticas de uso mencionadas por Corso (2013), tem-se no presente estudo a evidência de paradoxos advindos principalmente de práticas de conexão e práticas situacionais. “As práticas de conexão estão fortemente associadas à possibilidade de conectividade” (p. 160), enquanto que práticas situacionais remetem a como o usuário sente-se para tal prática em determinado momento, levando em conta os aspectos espaciais e temporais.
A pesquisa apresenta certas limitações, começando pelo fato de ser uma pesquisa exploratória, contando com um grupo escolhido de respondentes por conveniência. Assim, a pesquisa baseou-se apenas em doze entrevistas, impossibilitando a generalização do estudo. Pode-se destacar também que a amostra da pesquisa apresenta características semelhantes, com renda relativamente baixa, sendo considerados adultos jovens com profissões não muito diversificadas. Pode-se julgar que a presença dos paradoxos tecnológicos evidenciados no estudo se deve, também, devido à semelhança entre os respondentes da pesquisa. Sugere-se, para pesquisas futuras, realizar um levantamento qualitativo com um público mais heterogêneo e, posteriormente, realizar uma pesquisa quantitativa com grandes amostras, para uma melhor análise e entendimento dos fenômenos encontrados.
De qualquer forma, mesmo com as limitações apontadas, a adoção da técnica de análise de conteúdo, permitiu observar a existência de categorias de análise sobre smartphone como tecnologia, como objeto de consumo e como parte do self estendido, sendo possível a reflexão dos passos iniciais para a construção de uma escala.



