Edição Especial Nacional
Com que Roupa Eu Vou? Compreendendo o Consumo de Vestimentas Realizado por Empresárias de Confecções
HOW SHOULD I DRESS? UNDERSTANDING THE CLOTHING CONSUMPTION OF BUSINESSWOMEN IN THE CLOTHING MARKET
Com que Roupa Eu Vou? Compreendendo o Consumo de Vestimentas Realizado por Empresárias de Confecções
Revista Brasileira de Marketing, vol. 17, núm. Esp.6, pp. 788-805, 2018
Universidade Nove de Julho

Recepção: 23 Março 2018
Aprovação: 18 Julho 2018
Resumo:
Objetivo:
Este artigo visa analisar empresárias de um cluster regional de confecção e suas relações com as roupas
que escolhem vestir.
Método:
A pesquisa é qualitativa e estuda casos múltiplos a partir de entrevistas
em profundidade, investigando-as por meio da análise semântico-pragmática
da conversação.
Originalidade/Relevância:
A principal originalidade desta pesquisa está no público investigado, que
são as empresárias da Moda. As pesquisas realizadas nesse segmento
investigam o consumidor
final e as estratégias de varejo adotadas para influenciar a compra, mas
um enfoque em entender as empresárias enquanto consumidoras e usuárias do
produto ainda não foi explorado.
Resultados: Os achados
desse estudo apontam os seguintes resultados: por meios das roupas que
compram e vestem, as mulheres de negócios comunicam como são ou gostariam
de ser; a profissão e a função desempenhada podem influenciar na escolha
do produto a ser comprado; o processo de compra é não planejado e não
sistematizado; as roupas podem comunicar o estilo gerencial e também podem
indicar o papel social desempenhado, a individualidade, o status econômico e o grupo de
afiliação ou aspiração dessas empresárias.
Contribuições
teóricas:
Este estudo oferece um avanço teórico ao identificar um fechamento
bastante interessante do circuito cultural em que as criadoras viram
criaturas. As empresárias analisadas criam objetos de consumo em suas
empresas para serem desejados pelos consumidores(as); e são transformadas
elas próprias, por meios dos desejos e comportamentos de compra, em
objetos de consumo, imagens de sucesso a serem adquiridos e reproduzidos.
Palavras-chave: Consumo de Vestimentas, Moda, Empresárias de Confecções.
Abstract:
Purpose: This article aims to analyze the relationship between businesswomen in the clothing industry and the clothes they chose to wear.
Method: This research is qualitative and studies multiple cases via in depth interviews, investigating them through the semantic-pragmatic art of conversation.
Originality/relevance: The main originality of this paper is in the interviewees, as they are businesswomen in the fashion industry themselves. Studies in this industry tend to analyze the final consumer and the retail strategies adopted to influence sales, but a focus on understanding these entrepreneurs as consumers and end users of the products has not been explored.
Results: The findings of this study point to the following results: businesswomen convey how they would like to be perceived through the clothes they buy and wear; the profession and the role played may influence the choice of the product to be purchased; the buying process is neither planned nor systematic; clothing can be an indication of the managerial style and can also reflect the social role being played, demonstrate individuality, economic status and the groups of affiliation or aspiration of these female entrepreneurs.
Theoretical contributions: This study offers a theoretical advancement in identifying a very interesting closure of the cultural circuit in which the creators have been turned into their own creations. The analyzed businesswomen create objects of consumption in their companies to be desired by the consumers; and are themselves transformed by means of the desires and buying behavior, into the objects of consumption and images of success to be acquired and reproduced.
Keywords: Clothing Consumption, Fashion, Businesswomen in Clothing Market.
1 INTRODUÇÃO
Em uma sociedade e cultura de consumo, adquirir, utilizar e descartar produtos é a premissa básica para a construção dos modos de vida (Shaw & Clarke, 1998; Aung & Sha, 2016). As pessoas formam suas identidades, amam, incluem, desprezam e excluem via atos de consumo (Shoham, Segev & Gavish, 2017) que são frequentemente estimulados pela propaganda e pela Modai.
Os bens e serviços consumidos nesta atmosfera de insaciabilidade são embebidos de significados que constroem e comunicam a identidade daqueles que o adquirem (Belk, 1988; Delhaye, 2006). Dentre estas inúmeras ofertas de produtos, encontra-se o vestuário. Considerada uma classe de produto rica em conteúdo simbólico (McCracken, 2003), as vestimentas são usadas pelos indivíduos como transmissoras de comunicação e de definição (Hashem, Homsi, Alotoum & Haikal, 2016). O guarda-roupa de cada indivíduo é, então, um ambiente variado de ofertas de símbolos do mundo moderno que podem estar atrelados à beleza, à juventude, à feminilidade ou masculinidade, à riqueza e distinção social ou à marginalidade que imprimem ao seu portador uma escolha diária de posicionamento (Sant’anna, 2009; Nieves-Rodrigues, Perez-Rivera, Longobardi, & Davis-Pellot, 2017).
De modo geral, além de expor a subjetividade (Campbell, 2006), as roupas comunicam para os outros de que forma o indivíduo se percebe, fazendo uma janela para o ser consciente e o inconsciente (Kasambala, Kempem & Pandarum, 2016). Também servem como um código e transmitem uma mensagem que será decodificada socialmente, demonstrando informações sobre o seu usuário (Miranda, 2008; Bovone, 2016).
Especialmente no universo dos negócios, esta comunicação visual é importante para aqueles que almejam posições de destaque no mercado (Hayes, Lawless & Baitinger, 2014). Para Strubel e Petrie (2016), o “cartão de visitas” de qualquer empresário(a), empreendedor(a) ou executivo(a) é encontrado na maneira em que o(a) mesmo(a) ornamenta seu corpo. Não se trata apenas de uma questão voltada ao saber e ao apresentar-se/portar-se adequadamente ao padrão e às situações, ao popular vestir-se bem; a roupa neste ambiente mercadológico comunica traços e características que demonstram as formas com que o indivíduo administra sua empresa, a maneira com que negocia e trata seus parceiros comerciais e sua trajetória profissional. Trata-se da visão do social e das normas que desempenham valores importantes (Loureiro, Costa & Panchapakesan, 2017).
Os valores implícitos nas roupas impactam, inclusive, a forma em que os indivíduos se veem e se projetam (Gentina, Shrum & Lowrey, 2016). Deste modo, é perceptível que as escolhas de vestimentas feitas por estes profissionais para o ambiente de trabalho e também para os outros ambientes da vida pessoal são embutidas de significados que comunicam escolhas, preferências e estilos de vida adotados por eles para se manterem em suas posições de destaque no mundo dos negócios.
Assim, o objetivo do presente artigo é analisar o consumo de roupas realizado por esses profissionais, mais especificamente, por empresárias, uma vez que as mulheres são descritas por Barletta (2006) como as grandes personagens da sociedade de consumo. As mulheres utilizam suas roupas como aspectos da imagem corporal, representando uma parte crucial do gerenciamento de aparência feminina (Shephard, Pookulangara, Kinley & Josiam, 2016). As preferências para a escolha de vestimentas, as formas de aquisição, uso e descarte das mesmas e o valor atribuído a elas demonstrando o simbolismo infligido nas roupas foram as questões norteadoras do presente artigo.
A principal contribuição desta pesquisa está no público investigado, que são as empresárias da Moda, porque as pesquisas realizadas nesse segmento investigam o consumidor final e as estratégias de varejo adotadas pelos empresários para influenciar a compra, mas um enfoque em entender as empresárias enquanto consumidoras e usuárias do produto ainda não foi explorado. Os resultados podem contribuir na compreensão de como o comportamento desse público pode influenciar ou potencializar o consumo de outros indivíduos no mercado. Este trabalho adotou como ambiente de pesquisa o Polo de confecções do Agreste pernambucano ii. As empresárias que dele fazem parte têm os seus cotidianos embebidos pelas nuances da Moda, uma vez que aparecem como agentes disseminadoras de suas tendências por meio das roupas que produzem e comercializam. São elas, portanto, as mulheres de negócios escolhidas para análise.
2 PAPEL DO CONSUMO NA SOCIEDADE ATUAL
O atual sistema social é envolvido por uma forma potencialmente inovadora de ver, sentir e reagir, quando se trata de uma experiência central na vida cotidiana das pessoas: o consumo (Bardhi & Eckhardt, 2017). Ele é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de desejos, vontades e anseios rotineiros, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade (Baudrillard, 2016). De fato, o consumo desempenha um papel fundamental nos processos de autoidentificação individual e de grupo e na escolha e execução de políticas de vida guiadas por valores de flexibilidade, adaptabilidade, fluidez, leveza, desprendimento e velocidade (Bauman, 2008).
Segundo Campbell (2006), dois aspectos existentes no consumo são cruciais para sua forma contemporânea. O primeiro deles é o lugar central ocupado pela emoção e pelo desejo, acompanhados de certo grau de imaginação. Os estados emocionais, mais especificamente as habilidades de querer, desejar e ansiar por alguma coisa estão no cerne do fenômeno do consumismo moderno havendo um deslocamento da preocupação primordial das sensações para as emoções (Gregory-Smith, Smith & Winklhofer, 2013). Para que estas últimas estejam constantemente presentes nos atos de consumo, o desejo precisa ser sempre maior do que o que se tem.
O consumo é uma habilidade de eterna insatisfação que não está relacionada às necessidades, mas ao desejo que tem a si mesmo como objeto constante, tendendo a permanecer insaciável (Shoham et al., 2017). O desejo de consumir é, portanto, um estado de desconforto agradável (Campbell, 2001), uma paixão que nasce das fantasias do consumo e que se entrelaça com os diversos contextos socioculturais (Belk, Ger & Askegaard, 2003).
O segundo aspecto a ser observado no consumo atual é o seu desenfreado e restrito individualismo (Campbell, 2006). A extensão em que produtos e serviços são comprados pelos indivíduos para o uso próprio contraria os padrões do passado, onde os itens eram adquiridos por e em nome de grupos sociais, principalmente aparentados e familiares, ou por vilas e comunidades locais. Para além deste aspecto, o individualismo designou o aparecimento de um perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo mesmo e com o seu corpo, com os outros, com o mundo e com o tempo (Lipovetsky, 2005). Estas consequências do individualismo devem ser observadas de modo mais atento e profundo, pois revelam os aspectos mais intrínsecos do consumo contemporâneo.
Primeiramente, é devido refletir acerca do indivíduo consumista e suas relações consigo mesmo e com os outros. Em meio à luta por um espaço no mercado de trabalho, por uma afiliação social de si próprio, ou por mudanças na vida pessoal, o indivíduo da sociedade consumista participa de uma verdadeira corrida desenfreada para a obtenção da tão sonhada felicidade e para o alcance dos seus desejos; enfim, para tornar-se sujeito (Bauman, 2008). Entretanto, a grande façanha da realidade consumista é que ninguém pode se tornar sujeito sem antes ser mercadoria. Consumir se traduz então em vendabilidade.
A liberdade de escolha do consumo torna-se compromisso para todos que fazem parte da sociedade consumista. Assim sendo, o Eu deve ser o alvo de todos os investimentos e esforços; é o que Lipovetsky (2005) chama de “narcisismo” iii. A flexibilidade e adaptabilidade são características essenciais para este novo Narciso, que de forma hedonista cultua a felicidade e a torna central, desregulando as relações sociais (Lipovetsky, 1989), ao apresentar uma tendência autoamorosa sobre sua própria mente (Sedikides, Gregg, Cisek, & Hart 2007).
Entre os elementos dignos de investimento, encontra-se o corpo (Thompson & Hirschman, 1995). Este designa atualmente a identidade profunda dos seres humanos da qual não mais se tem motivo para sentir vergonha. Enquanto pessoa, ele ganha dignidade devendo-se respeitá-lo, ou melhor, cuidar fixamente do seu bom funcionamento, batalhar contra a sua obsolescência, evitar os sinais da sua degradação por meio de uma reciclagem permanente (Lipovetsky, 2005). O mercado de fitness, as plásticas, academias e clínicas de estética são alguns dos exemplos para o atendimento deste novo mercado. O que está em jogo não é a saúde, mas a aptidão (Bauman, 2001). Estar apto significa ter um corpo flexível, absorvente e ajustável, pronto pra experimentar as sensações ainda não testadas e impossíveis de descrever de antemão.
Além destes aspectos analisados, é preciso observar as relações deste indivíduo consumista e suas relações com o mundo e o tempo. Diferentemente de outros períodos da história, marcados por um tempo linear ou cíclico, o mundo líquido trouxe a renegociação do significado do tempo. Este é pontilhista, no qual vive-se uma multiplicidade de instantes eternos devido à profusão de rupturas e descontinuidades; aos intervalos que separam pontos sucessivos e rompem os vínculos entre eles (Bauman, 2001). No tempo pontilhizado da sociedade de consumidores, a eternidade não é mais um valor e um objeto de desejo. Vive-se na premissa do carpe diem onde a cultura atual recompensa a velocidade e a eficácia e busca, por meio do consumo, a possibilidade de novos começos, do renascer (Bauman, 2001).
3 AS VESTIMENTAS E O SISTEMA DA MODA
Diversas engrenagens do sistema consumista trabalham incessantemente para a eterna insatisfação dos indivíduos para com os seus bens. Uma delas é a Moda que, enquanto sistema, rege os ciclos de vestuário, mobiliário e costumes fazendo das mudanças, que no passado ocorriam de modo aleatório, regras (Mesquita, 2004). Ela auxilia na sedução e na efemeridade da vida coletiva, representando um bom indicador comportamental e econômico (Silva & Busarello, 2016).
Como sistema complexo, a Moda possui diversas ligações e conexões. De maneira geral, tal qual se conhece, ela está alicerçada em três pilares; são eles: efemeridade, individualismo e esteticismo (Lipovetsky, 1989), conforme Figura 1.

O primeiro elemento é a lógica do efêmero. Este enfoca a desabilitação do passado e incentiva o descarte por meio da valorização do novo, visto hoje como o principal atributo a ser buscado nos bens e serviços. O caráter passageiro está em evidência, afinal “Moda passa! Sempre passa por definição” (Mesquita, 2004, p. 25). Os mercados da Moda concentram-se na desvalorização imediata de suas antigas ofertas, a fim de limpar a área da demanda pública para que novas ofertas a preencham (Armstrong, Connell, Lang, Stroescu & LeHew 2016).
O segundo pilar do fenômeno em questão é o individualismo. A Moda tem como característica a propensão do cada um por si (Lipovetsky, 1989). A noção de liberdade, do eu posso tudo, fez com que os indivíduos adquirissem confiança em seu poder de mudança, não estando mais subordinados ao coletivo. Com esta noção do Eu, as roupas e demais escolhas estéticas passam a retratar esta vida interior, este desapego do outro e valorização de si mesmo (Bauman, 2001). Por meio desta realidade, a aparência torna-se o principal espelho da sociedade individualista, pois traz consigo as questões íntimas das pessoas (Kasambala et al., 2016).
Por fim, tem-se o esteticismo. Nele, a fantasia, o culto à imagem e ao show são premissas básicas. Como afirma Lipovetsky (1989), a Moda é comandada pela lógica da teatralidade, sendo um sistema inseparável do excesso, da desmedida, do exagero. Este reino da fantasia não se refere apenas à escalada aos extremos, mas também reviravoltas e contrariedade baseado nas tendências, gerando uma grande incoerência no sistema: ao mesmo tempo a Moda serve à padronização (tendências, poder da publicidade) e à diferenciação (por meio de exercícios estéticos pessoais).
Entre todos os bens apresentados pela Moda para o consumo, o vestuário é considerado um campo privilegiado da experiência estética que permite, na apropriação dos objetos da vestimenta, o usufruto de uma infinidade de signos que operam a subjetividade de cada sujeito, diariamente (Sant’Anna, 2009). Ele é fortemente identificado com uma classe de produtos rica em conteúdo simbólico que permite a observação de aspectos significativos da cultura material (McCracken, 2003).
Como forte transmissora de comunicação e definição, a indumentária, em especial, as roupas, contribuem ativamente para a construção e compreensão das identidades dos indivíduos (Millan & Mittal, 2017). Vivenciando esta experiência diariamente, os consumidores buscam ter em seus guarda-roupas um ambiente variado de ofertas de signos. A escolha de um determinado figurino representa, portanto, uma decisão diária de posicionamento; um espelho daquilo que se pretende comunicar e uma definição do grupo e da cultura ao qual o indivíduo faz parte, afinal, as roupas dizem quem somos e a qual grupo nos associamos (Handa & Khare, 2013).
Muitos estudiosos refletem sobre os significados do vestuário. Os sentidos primordiais do vestir – pudor, atração, proteção e adorno, não se separam das conotações simbólicas, mágicas e da comunicação que este também carrega (Piacentini & Mailer, 2004). Atentando para esta afirmação, Barnard (2003) apresentou em seus estudos as possíveis teorias para utilização de roupas que estão destrinchadas na Figura 2.
| TEORIA | EXPLANAÇÃO |
| Comunicação | A moda e o vestuário são considerados fenômenos culturais, pois através deles podemos comunicar ao mundo e a nós mesmo o que somos, o que não somos, aquilo que desejamos ser e o que parecemos ser. |
| Expressão individual | A aquisição e o uso das roupas é uma forma de expressão individual onde os indivíduos podem se diferenciar e declarar sua singularidade. |
| Importância social | Indumentária e moda são usadas como indicadores de status. |
| Definição do papel social | A roupa pode exprimir o papel que determinado indivíduo tem na sociedade. Por exemplo, os médicos são facilmente identificados por meio de suas roupas de trabalho. |
| Importância econômica | A moda e a indumentária podem refletir o status econômico do indivíduo. |
| Símbolo político | As roupas estão vinculadas ao funcionamento do poder, sendo este exercido pelo Estado e seus representantes ou entre as pessoas em escala bem inferior. |
| Condição mágico-religiosa | A vestimenta é utilizada para expressar a fé e a crença indicando afiliação, adesão a um grupo religioso ou seita. |
| Ritos Sociais | Moda e indumentária são usadas para marcar o início ou fim de determinados ritos sociais, como por exemplo, as roupas a serem usadas no casamento. |
| Lazer | Moda e indumentária são usadas para indicar o início ou fim de períodos de relaxamento. |
Entre todos estes aspectos, a Teoria da Comunicação é bastante relevante dentro do estudo do consumo de moda. Como um sistema de signos, o vestuário é um instrumento poderoso da comunicação não-verbal. Como demonstração desta afirmação, Lurie (1997) indaga:
Muito antes de eu ter me aproximado o suficiente para falar com você na rua, em uma reunião ou em uma festa, você comunica seu sexo, sua idade e classe social através do que está vestindo – e possivelmente me fornece uma informação importante (ou uma informação falsa) em relação ao seu trabalho, origem, personalidade, opiniões, gostos, desejos sexuais e humor naquele momento [...]. Quando nos conhecermos e conversarmos já teremos falado um com o outro em uma língua mais antiga e universal (p. 19).
Percebe-se assim que o corpo de cada indivíduo aparece como uma tela na qual são pintadas as mais diversas facetas que ele gostaria de apresentar. A cada roupa vestida, portanto, as pessoas criam depoimentos sobre si mesmas.
4 MÉTODO DA PESQUISA
De modo a gerar uma melhor visualização da totalidade da pesquisa, suas etapas são demonstradas por meio da Figura 3.

O primeiro passo envolveu a leitura de livros, artigos e demais periódicos bem como o fichamento de alguns deles para a formulação do referencial teórico e para a criação do roteiro que foi utilizado no momento de coleta das informações. Após esta etapa, o segundo passo foi a realização da pesquisa em campo por meio de entrevistas em profundidade com empresárias selecionadas de acordo com os critérios que serão expressos adiante.
Para selecionar as empresárias, dois critérios foram utilizados; são eles: o tipo de Empresa (optou-se por empresárias de organizações produtoras de mercadorias, neste caso roupas, que apresentam uma relação direta e íntima com a moda na região, observando tendências e estilos para a confecção de suas peças) e localização (as entrevistadas deviam residir e atuar profissionalmente em Caruaru, Santa Cruz ou Toritama, ou seja, uma das três cidades onde o Polo de confecções está concentrado).
Por adotar uma pesquisa de cunho qualitativo, apresentando como técnica o estudo de múltiplos casos, este artigo tomou como sujeitos de pesquisa cinco mulheres de negócios com os critérios acima mencionados, sendo três delas de Caruaru, outra de Toritama e a última de Santa Cruz do Capibaribe. O tamanho do corpus foi baseado nas seguintes justificativas: o difícil acesso as mulheres de negócios que geralmente apresentam uma rotina muito conturbada e cheia de compromissos e o tempo disponível para realizar as entrevistas e analisá-las, atentando para o que Bauer e Gaskell (2008) alertam:
Os pesquisadores coletam facilmente muito mais material interessante, do que aquele com que poderiam facilmente lidar, dentro do tempo de um projeto. Isto leva à queixa comum de que o projeto termina sem que o material tenha sido analisado com alguma profundidade (p. 60).
Ainda no segundo passo, foi elaborado um instrumento para a coleta dos dados. Com base na literatura foi proposto um roteiro de entrevista composto por 37 perguntas abertas. O roteiro foi semiestruturado e as perguntas foram iguais para todas as empresárias, havendo perguntas incrementais mediante dinâmica das respostas. As perguntas propostas inicialmente podem ser conferidas na Figura 4.
| CONTEXTO INVESTIGADO | PERGUNTAS ELABORADAS |
| O papel do consumo vestimentas na vida destas mulheres | 1. Você era muito vaidosa? 2. E sua mãe, era vaidosa? O que você mais aprendeu com ela em termos de vestir? 3. Na infância, você se sentia feliz com suas roupas? 4. Na adolescência, você tinha autonomia para escolha de roupas? 5. Você se sentia bonita com as roupas que vestia durante sua adolescência? 6. Qual sua relação com as roupas atualmente? 7. Consumir roupas é? 8. Você se acha “antenada” com as tendências da moda? 9. Você é consumista? Por que acha isso? |
| Como as empresárias escolhem | 10. Que tipo de roupa você costuma usar? Quais gostaria de usar? 11. Você se define em algum estilo? 12. O que você julga importante numa roupa? O que você busca nela? 13. A marca da roupa influencia na sua escolha? Se sim, quais e por quê? 14. Você leva em consideração o preço da roupa para adquiri-la? 15. Qual a maior dificuldade na hora de escolher a roupa para comprar e para usar? |
| Como compram, usam e descartam suas roupas | 16. Onde você geralmente compra suas roupas? 17. Com que frequência você as compra? 18. Qual o tipo de peça mais adquirida por você? 19. As lojas que existem na sua cidade satisfazem aos seus desejos em termos de roupas? 20. Você costuma pechinchar quando compra roupas? 21. Qual a forma de pagamento mais utilizada por você no momento de comprar roupas? 22. Quanto em média você gasta com roupa? Acha que é pouco ou muito? 23. Se o seu orçamento aumentasse e você pudesse gastar mais com esse tipo de despesa, que itens você mudaria... Ou melhoraria? 24. Você sabe, em média, quantas peças de roupa você tem? 25. Você tem roupas que não usa? 26. Já passou pela seguinte situação: abriu o guarda-roupa e percebeu que nem se lembrava de algumas roupas que lá estavam? 27. Qual é o tempo de uso de suas roupas? Quais são os aspectos que influenciam o seu desuso? 28. Com que frequência você descarta roupas? |
| Como elas as utilizam no ambiente de trabalho | 29. Sua profissão exige que você esteja sempre bem vestida? 30. Quais são as “roupas clássicas” para a sua profissão? 31. Quais são as expressões que suas roupas do trabalho causam? |
| O simbolismo percebido envolvido no vestir | 32. Qual o sentimento ao encontrar a roupa certa pra determinada ocasião? 33. Qual roupa te faz se sentir poderosa? Por quê? 34. Qual aquela que não te faz bem? Por quê? 35. Se alguém abrisse o seu guarda-roupa diria que você é...? 36. Pra você, ter muitas roupas é...? 37. Qual o seu sonho de consumo em termos de roupa? |
No terceiro passo, as entrevistas passaram por uma interpretação baseada nos passos demonstrados por Mattos (2005) referentes à Análise Semântico-pragmática da conversação que leva em consideração a fala e o que está por trás dela, ou seja, extrapola o sentido semântico de modo a observar o contexto no qual a entrevista se desenvolve, a entoação da entrevistada e demais aspectos que influenciaram as suas respostas. As fases realizadas durante esta análise foram:
Fase 1 – Recuperação: nesta etapa se recuperou, em sentido amplo, os momentos das entrevistas, transcrevendo-as após ouvir as gravações de forma atenta, fazendo anotações preliminares a respeito dos significados que pareceram surgir em alguns momentos das mesmas;
Fase 2 – Análise do significado pragmático da conversação: esta fase dividiu-se em três. A primeira delas correspondeu à observação do desenrolar do diálogo, já realizando anotações ao lado do texto, buscando responder as seguintes perguntas: o que aconteceu ali entre o entrevistador e o entrevistado; ou o que foi acontecendo ao longo da entrevista? Como foi se desenvolvendo o assunto? Quais foram os pontos altos e momentos de ausência do entrevistado? Na segunda parte da fase observou-se pergunta-resposta a pergunta-resposta anotando questões atentando para três dimensões (a - o significado nuclear da resposta, ou seja, o que de fato foi dito; b - os significados incidentes que representam algo a mais que podem ser extraídos da resposta e; c - suposições implícitas a respeito do contexto relevantes ao tópico). As anotações e citações textuais dessas duas primeiras partes foram feitas separadamente. A última fase correspondeu à revisão do que nas etapas anteriores foram colhidas, com o intuito de melhorar a qualidade do material;
Fase 3 – Validação: a presente fase validou as informações centrais (significado nuclear) das respostas dos entrevistados por meio da afirmação realizada pelo próprio entrevistado em seu aspecto semântico.
Fase 4 – Montagem da consolidação das falas: esta etapa visou instrumentar a fase seguinte. Ela consistiu na transcrição dos dados colhidos para uma matriz de dupla entrada: Em uma delas colocaram-se os entrevistados, na outra as perguntas. Na interseção, as respostas (unidades textuais básicas) sendo estas transcritas juntamente com o significado incidente e as suposições implícitas a respeito do contexto.
Fase 5 – Análise de conjuntos: nesta fase foi possível a visualização dos fatos e evidências relativos a cada entrevistada, a cada pergunta e a cada entrevista. Marcaram-se, durante esta análise, os significados de fala que valem individualmente e os que formam sentidos novos, quando vistos em conjunto. Foram registradas na coluna da extrema direita as observações conclusivas sobre conjuntos e subconjuntos. Em outra planilha foram colocadas as observações conclusivas sobre os destaques individuais.
Após estas cinco fases da análise foi realizado o quarto passo, que foi a elaboração do texto, descrevendo os resultados encontrados.
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Nesta seção são apresentados os resultados e as discussões provenientes das entrevistas realizadas com as empresárias de confecção à luz da literatura acessada. Visando responder à questão central de pesquisa proposta – compreender o consumo de roupas realizado por empresárias que atuam no ramo da confecção; cinco tópicos norteadores foram estabelecidos para o desenvolvimento da análise dos dados. O primeiro deles buscou refletir sobre o papel do consumo de vestimentas na vida destas mulheres, ao reconhecer que o significado deste ato impactará em suas relações com o corpo e com a Moda. Os outros quatro tópicos almejaram compreender como as empresárias escolhem (tópico 2), compram, usam e descartam suas roupas (tópico 3 – etapas do consumo), bem como elas as utilizam no ambiente de trabalho (tópico 4) abordando o simbolismo percebido envolvido no vestir (tópico 5).
Para fins de análise também apresenta-se a Figura 5 em que o perfil com informações básicas das empresárias escolhidas para análise do consumo de roupas é demonstrado
| Nome Fictício | Idade | Renda mensal | Escolaridade | Cidade de atuação | Ramo da empresa de confecção |
| Alice | 24 | R$ 5.000,00 | Superior Completo (Administração) | Caruaru | Jeans |
| Regina | 27 | R$ 10.000,00 | Ensino Médio Completo | Toritama | Jeans Plus size |
| Verônica | 55 | R$ 10.000,00 | Ensino Fundamental Completo | Santa Cruz do Capibaribe | Moda Praia |
| Celma | 43 | R$ 8.000,00 | Superior Incompleto (Design) | Caruaru | Camisaria masculina |
| Greta | 35 | R$ 5.000,00 | Superior Completo (Ciências Contábeis) | Caruaru | Malharia |
5.1 O Consumo de Vestimentas na Vida das Empresárias
As vestimentas comunicam como os indivíduos são ou gostariam de ser, impactando na afiliação, aspiração ou dissociação do sujeito a determinados grupos (Handa & Khare, 2013), dentre eles, o pertencimento (ideal ou real) a certa classe social que é externada a partir da roupa (Lurie, 1997). Tal constatação é entendida e vivenciada desde a infância pelas mulheres de negócio analisadas.
Vindas de famílias de classe média alta, Alice, Celma e Greta quando crianças já mantinham uma relação intensa com o consumo de vestimentas sendo influenciadas pelas mães desde cedo a gostar de comprar roupas, sandálias e até maquiagem, podendo desfrutar da boa condição financeira de seus pais. Como espelho daquilo que a família queria comunicar, estas crianças apresentavam-se sempre bem vestidas e com roupas de marcas reconhecidas.
Alice: Olha, minha mãe sempre comprava roupas pra mim. Eu era pequena, mas assim, sempre ela deixava de comprar roupa pra ela pra comprar pra mim, porque eu acho que toda mãe adora enfeitar a filha, mas eu sempre fui assim e eu adorava (informação verbal).
Greta: Minha mãe me ensinou a ser vaidosa. Ela era muito vaidosa. Quando a gente ia pra festa, se a festa fosse dez noites, eram dez roupas diferentes (informação verbal).
O consumo de roupas representava, portanto, a efemeridade da vida coletiva, o show e o espetáculo necessários para expressar um bom indicador comportamental e econômico da família (Silva & Busarello, 2016). Tais elementos contribuíram ativamente na construção das identidades destas mulheres de negócios, vendo no vestir-se bem, no consumir, a experiência central que moldou e molda suas identidades (Millan & Mittal, 2017; Bardhi & Eckhardt, 2017).
Em outro extremo, Regina e Verônica vivenciaram em suas infâncias a impossibilidade de adquirir produtos com tanta frequência. E quando comprar era possível, roupas mais simples e de baixa qualidade eram as únicas opções para elas.
Regina: Tinha que ser aquela roupa mesmo [...]. Eram roupas bem mais simples, porque quando você não tem o conhecimento nem dinheiro para aquela outra coisa que é melhor, você se conforma. A gente não sabia o que era bom (informação verbal).
Afastadas e desconhecedoras do sistema de moda, sem dinheiro para ser parte da sociedade consumista, tais mulheres na infância buscaram a conformidade, mas resolveram mudar tal cenário, pois ainda que de maneira instintiva, viam na aparência o espelho de uma sociedade que traz para as roupas e demais escolhas estéticas a principal fonte de investimentos necessária para se fazer sujeito/consumidor, para retratar o apego do Eu e, consequentemente, o individualismo no consumo (Bauman, 2008; Kasambala et al., 2016). Por isso, atualmente com o poder aquisitivo necessário para comprar, tais empresárias buscam recuperar o tempo perdido.
Regina: Ah mulher, eu amo [comprar]! Hoje eu compro! Gosto de comprar roupa, calçado, acessório, maquiagem, tudo (informação verbal).
Tais compras são em prol da imagem (Silva & Busarello, 2016), da construção de uma mulher que comunica significados a partir de como ornamenta seu corpo, fazendo uma janela para o ser consciente e o inconsciente, expressando um código informacional que deverá ser decodificado socialmente (Miranda, 2008; Bovone, 2016; Kasambala et al., 2016).
Por isso, faz-se necessário um guarda-roupa eclético, com vestimentas capazes de expressar cada informação desejada. Tal configuração orienta o consumo enquanto mecanismo de insaciabilidade (Belk, 1988; Delhaye, 2006), gerando prazer e desconforto a partir deste ato.
Alice: Ter muitas roupas não é necessidade, a gente gosta, a mulher gosta de ter muitas roupas. Às vezes você diz: ‘meu Deus do céu pra que tanta roupa?’ A gente gosta, mas não é necessidade, é prazer, pra gente é prazer, você olhar seu guarda-roupa e ter muitas roupas, porque assim, às vezes a gente tem muita roupa e olha de um lado e outro do guarda-roupa e não consegue escolher uma. ‘Não, eu não queria nenhuma dessas, eu queria uma roupa diferente’ (informação verbal).
Como percebido a partir do relato de Alice, o consumo de vestimentas praticado traz uma habilidade de eterna insatisfação não relacionada à necessidade, mas ao desejo que tende a ser insaciável (Shoham et al., 2017), trazendo emoções ligadas ao querer (Gregory-Smith et al., 2013), ao gosto por possuir, gerando um estado de desconforto agradável (Campbell, 2001).
5.2 Critérios de Escolha na Aquisição de Roupas
Influenciadas pela profissão, todas as mulheres entrevistadas observam o tecido, o corte, a composição e o acabamento da peça para adquiri-la. Independente do estilo que optam por usar, a peça deve vestir bem, favorecer quem a usa de modo a atender os desejos de suas consumidoras (Shephard et al., 2016). É neste universo que se encontram os aspectos subjetivos de escolha. Alice e Celma, por exemplo, optam pela escolha de roupas mais simples e básicas, porém com a elegância exigida por uma mulher que desempenha o papel de empresária.
Alice: Bom quando eu falo vaidade, não é aquela vaidade peruão, é uma vaidade de gostar de coisas simples e encontrar no simples uma coisa mais chique (informação verbal).
Celma: Sempre básica, não gosto de nada espalhafatoso. Sempre básica (informação verbal).
Nesta perspectiva, a escolha das vestimentas está relacionada à definição do papel social das entrevistadas que devem ressaltar também a importância econômica a partir da roupa (Barnard, 2003). Regina e Greta também buscam tal codificação econômica a partir de suas escolhas, mas visam para além deste elemento, a distinção, a diferenciação, a vontade de serem notadas (Handa & Khare, 2013). Por isso, as vestimentas declaram suas singularidades por meio da expressão individual transmitida (Barnard, 2003).
De modo especial, Verônica ainda considera como critério de escolha de suas vestimentas a capacidade de rejuvenescer a partir delas.
Verônica: Eu gosto muito de roupa que me rejuvenesça, porque eu já tô velha, então tenho que parecer mais nova (informação verbal).
Vivendo na cultura de consumo que diminui o valor de coisas antigas e faz com que elas sejam descartadas e desconsideradas (Bardhi & Eckhardt, 2017), Verônica teme que assim seja feito com ela, que já possui uma idade para além da fase adulta e tenta, por meio do próprio consumo, não ser vista como idosa. O rejuvenescer implica em externar sua importância social, sua possibilidade de acompanhar o que há de mais jovial no mercado da Moda.
Por isso, como já realçado, as empresárias de confecção buscam roupas que possibilitem uma oferta diversificada de símbolos, sendo tais elementos atrelados à beleza, à juventude, à riqueza e distinção social imprimindo nestas mulheres uma escolha diária de posicionamento (Sant’anna, 2009; Nieves-Rodrigues et al., 2017).Para além dos símbolos, as roupas devem ornamentar um dos principais elementos dignos de investimento, o corpo (Thompson & Hirschman, 1995).
De fato, a forma corporal influencia a escolha de todas as entrevistadas. O corpo representa o cuidado consigo mesmo, elemento essencial no individualismo presenciado na cultura consumista (Lipovetsky, 2005; Bauman, 2001). Alice, por exemplo, busca roupas que se adequem ao seu corpo, mas também se esforça para que o corpo esteja de acordo com as exigências da Moda. Já Regina, Greta e Verônica querem mostrar o investimento realizado por elas para os cuidados com o corpo. Por isso, gostam de roupas ajustadas e que valorizem as suas curvas. Verônica, especialmente, busca fazer dele o seu troféu decorrente da luta contra a idade, demonstrando a batalha contra a obsolescência, evitando os sinais de degradação por meio de uma reciclagem permanente (Lipovetsky, 2005).
Contrariamente, Celma busca roupas que escondam o seu corpo. O sobrepeso a faz optar por roupas mais folgadas, denominada por ela de confortáveis. Não ter o corpo ideal, baseado nas exigências da Moda, denuncia que esta mulher de negócios não investe suficientemente em si mesma e isto lhe causa timidez e incomodo, afinal a cultura atual valoriza as pessoas/mercadorias que apresentam as melhores imagens dentro da sociedade do espetáculo observada por Debord (1991).
É importante frisar ainda que a própria Moda orienta a escolha das vestimentas pelas entrevistadas.
Regina: [O que diriam se abrissem seu guarda-roupa?] Diria que eu sou uma pessoa da moda, porque tudo que aparece eu tô comprando (informação verbal).
Como reforçado pelo argumento de Regina, a Moda enquanto sistema é inseparável do excesso e da desmedida (Lipovetsky, 1989). Por isso, representa a engrenagem central para a continuidade das configurações de consumo atuais. De modo especial, ao analisar as empresárias de confecção, para além deste exagero causado pela Moda que tem como característica a fugacidade, é possível reconhecer o papel deste sistema nas escolhas de vestimenta destas mulheres agindo de modo mais intenso.
Pois ao desenvolver dois papeis neste processo; de disseminadora, por meio de sua profissão, e de consumidora; as entrevistadas buscam mais informações para alimentar as suas atividades produtoras e os seus desejos como pessoas. Elas têm uma visão do que a Moda é de fato, mas já estão mergulhadas em suas engrenagens. Assim, vivem em todas as suas esferas (profissional e pessoal) deste sistema; são, portanto, vendedoras e consumidoras daquilo que as consomem.
5.3 As Etapas de Consumo de Roupas
Para a construção dos modos de vida dentro da sociedade e cultura de consumo, é premissa básica a realização de atos de aquisição, uso e descarte de produtos (Shaw & Clarke, 1998; Aung & Sha, 2016).Por isso, cada etapa desta experiência de consumo deve ser considerada nesta análise.
Tratando-se da compra de roupas, as mulheres de negócios analisadas descreveram tal processo como imprevisível e não planejado. Por isso, não há período nem loja certa para a aquisição, não há sistematização.
Greta: Sempre compro. [...] tem época que ‘passei, gostei e comprei’. As vezes tô até apertada, tenho outras coisas, outros compromissos, mas gostei tanto que compro. Quando eu quero, eu compro (informação verbal).
Celma: Não, eu não tenho sistematização nenhuma [...]. Muitas vezes eu passo, gostei e compro (informação verbal).
Tal imprevisibilidade reforça o pilar do esteticismo que mantém o sistema de Moda. O ato de comprar de forma não-planejada alimenta a fantasia, o culto à imagem e ao show (Lipovetsky, 1989) que não exige programação, visando uma ação hedonista e emocional a ser realizada sempre que o querer emergir (Campbell, 2006; Gregory-Smith et al., 2013). O comprar, portanto, é uma atividade contemplativa que não exige preparação, mas que, ao ser realizada, envolve uma multiplicidade de instantes eternos num tempo pontilhista que incentiva o carpe diem (Bauman, 2001). Tal perspectiva é revelada por Regina.
Regina: Eu só gosto de comprar quando eu provo e passo horas olhando, aí eu compro(informação verbal).
As mulheres de negócios entrevistadas, com exceção de Verônica, acreditam ter muitas roupas. Entretanto, mostram-se sempre dispostas a adquirir mais peças mediante a atmosfera de insaciabilidade representativa do consumo (Belk, 1988; Delhaye, 2006).
Alice: [...] Ah, se eu pudesse e meu dinheiro desse, eu levava mais. É muito bom pra mulher a sensação de achar a roupa certa, querer e poder comprar. É ótimo (informação verbal).
Por isso, o que importa para a maioria delas é a capacidade de comprar e não necessariamente de usar as roupas escolhidas, apontando a importância de externar o status econômico a partir da aquisição de vestimentas (Barnard, 2003). Greta e Regina são exemplos disto. No closet destas mulheres há diversas roupas que ainda não foram vestidas, que estão com a etiqueta.
De fato, estar na moda é uma necessidade para a maioria das entrevistadas. É uma demonstração da capacidade de se adequar ao que é definido como bom e desejado em determinado período, resultante da pressão exercida pela sociedade para a absorção de características como flexibilidade, adaptabilidade e rapidez (Bauman, 2001). Esta realidade impulsiona a aquisição do maior número de roupas possível e se revela no sonho de consumo de Regina.
Regina: Meu sonho é ter um guarda-roupa enorme com um monte roupa. De tudo um pouco, tudo, tudo, tudo (informação verbal).
O descarte, por sua vez, é algo tão presente na vida das empresárias quanto à aquisição. Busca-se a valorização do novo, reforçando o caráter passageiro das roupas (Mesquita, 2004), descartando-as, doando inclusive aquelas que ainda não foram utilizadas. O que motiva este descarte é a mudança da Moda e a consequente modificação das preferências das empresárias. Descartar é ação que visa a desvalorização de ofertas antigas, objetivando limpar a área da demanda pública para que novas ofertas a preencham (Armstrong et al, 2016). Por isso, as empresárias não podem gostar de roupas velhas; o objetivo é comprar e desvalorizar aquela peça, de modo a torná-la inútil em pouco tempo, de modo a cultuar aquilo que é novo (Bauman, 2008).
Alice: Tem peça que no máximo dois anos (para descartar) porque passou a moda. Se for uma peça de moda que marcou muito e é um pouco diferente, eu procuro comprar uma peça mais barata desse tipo, desse segmento e depois que passa eu geralmente dou (informação verbal).
Greta: Às vezes eu digo assim, eu queria todo dia vestir uma roupa e jogar fora, ser descartável. Eu gosto muito de vestir roupa nova (informação verbal).
Assim, a eliminação da peça representa o alcance das premissas de adaptabilidade e velocidade, buscando a possibilidade de novos começos, do renascer a partir de cada vestimenta adquirida e outra descartada (Bauman, 2001).
5.4 A Roupa no Ambiente de Trabalho
As roupas que ornamentam o corpo são formas de comunicação visual importantes para pessoas que atuam no mercado de trabalho (Hayes et al, 2014). De modo especial, para empresários e empresárias, elas agem como cartão de visitas, expressando suas trajetórias profissionais, a forma de administrar seus negócios e a maneira de tratar parceiros e clientes (Strubel & Petrie, 2016).
Por isso, há uma preocupação das empresárias de confecção ao ornamentar o corpo para o trabalho. Os critérios de escolha das roupas, entretanto, diferem de entrevistada para entrevistada. Alice, por exemplo, adota o estilo das roupas que utiliza em sua profissão como estilo de si própria. Desta forma, está sempre vestida para o trabalho, afinal este tipo de roupa lhe concede o poder, o status e a elegância que ela deseja demonstrar aonde quer que esteja (Millan & Mittal, 2017). A roupa surge, portanto, como elemento de comunicação do papel social desta mulher (Barnard, 2003). Ao descrever seu estilo para trabalhar, ela afirma:
Alice: Muita gente puxa pro lado da alfaiataria. Eu acho que alfaiataria é a cara de bancário. Mas quem trabalha com jeans sempre usa calça jeans, sempre uma sapatilha até porque você não aguenta o salto todos os dias, o dia inteiro, e uma blusinha de botão, ela (a calça) denomina uma pessoa que trabalha no comércio e que provavelmente trabalha com jeans (informação verbal).
Assim como Alice, Regina e Greta buscam conforto em suas roupas para o exercício das atividades administrativas. Regina molda a sua vontade e utiliza roupas mais compostas, que nem sejam coladas ao corpo, curtas e que nem tenham decotes, pois estas não lhe concedem características como seriedade e respeito. No caso de Celma, as roupas de trabalho são muito masculinizadas. Ela é a única que utiliza calça de alfaiataria e camisas de botão com o corte basicamente reto. Acrescenta-se a esta observação o fato da entrevistada trabalhar com o ramo masculino, desenvolvendo produtos por meio da observação em revistas e novelas para o gênero oposto ao seu. Este tipo de roupa utilizado por Celma pode ser até mesmo uma forma de identificação e similaridade com o que esta mulher de negócios vende.
As vestimentas no ambiente de trabalho são para estas mulheres a adequação à visão social e às normas impostas no ambiente empresarial, ainda predominantemente visto como um espaço masculinizado, passando a construir e modificar valores importantes (Loureiro et al., 2017) sobre como externar a forma de gerir o negócio.
Verônica distingue-se de todas as outras mulheres de negócios entrevistadas ao afirmar que não precisa estar formalmente ornamentada no seu ambiente profissional. O primeiro elemento observado é o seu ramo de atuação. A entrevistada trabalha com moda praia, que traz consigo elementos mais despojados quando comparado aos outros ramos de confecção. Ele abre a possibilidade para vestes mais simples. Outro aspecto é que Verônica se revela “chão de fábrica” e por isso veste o que a auxilie nesta atividade. Esta afirmação revela que a empresária em questão busca estar parecida, criar um sentimento de filiação com seus funcionários por meio das roupas que utiliza (Piacentini & Mailer, 2004).
Verônica: Tem dias que eu estou arrumada, tem dias que não. Eu sou chão de fábrica, desço pra confecção e fico lá com as meninas [...]. Vou para o trabalho com o que der na telha (informação verbal).
Tal consideração revela que os valores implícitos nas roupas impactam, inclusive, a forma em que Verônica se vê e se projeta em sua organização (Gentina et al., 2016). De modo geral, adaptando-se ao segmento em que atuam, as empresárias analisadas escolhem suas vestimentas, os estilos adotados no ornamento do corpo durante o trabalho visando à manutenção de suas posições de destaque no mundo dos negócios.
5.5 O Simbolismo nas Roupas Utilizadas
A roupa é um reflexo dos anseios, desejos e quereres dos que a utilizam (Miranda, 2008). Dentro deste universo, ela deve ser um instrumento de comunicação trazendo consigo significados que comunicam o status social, a profissão, os valores e crenças do indivíduo (Barnard, 2003). Por meio desta linguagem complexa, a veste é, como Celma observa, um mecanismo de aproximação ou repelência das pessoas.
Celma: A roupa é um instrumento de atração, porque eu acho que quando a gente tá bem vestida, a gente é principalmente melhor tratada pelas pessoas (informação verbal).
A partir desta afirmação, as vestimentas são percebidas como de grande importância social e econômica, uma vez que demonstram o status de quem às utilizam (Millan & Mittal, 2017). A capacidade de adquirir e utilizar vestimentas de marcas famosas, com ótimos tecidos e acabamentos retrata a capacidade financeira e o grupo social de que estas empresárias fazem parte. A noção de diferenciação e, ao mesmo tempo, filiação é comunicada por meio das escolhas de como elas ornamentam seu corpo. Por isso, as roupas neste cenário adquirem significados que comunicam o papel social desempenhado, a individualidade, o status econômico e o grupo de afiliação ou aspiração destas mulheres de negócio (Barnard, 2003).
No ambiente do trabalho, as roupas utilizadas pelas empresárias também trazem diversos significados. Elas expressam a forma pela qual estas mulheres lidam com sua atividade profissional. Para Alice, por exemplo, a seriedade nas atividades empresariais é essencial para uma melhor imagem no mundo dos negócios. Consequentemente, as roupas que ela utiliza devem comunicar esta responsabilidade. Do mesmo modo, Regina busca roupas que definam o seu papel social como empresária, que imponha respeito e elegância (Barnard, 2003; Strubel & Petrie, 2016).
Alice: [...] Eu sempre as utilizo. Esse tipo de roupa dá a impressão de uma pessoa mais responsável (informação verbal).
Além das atividades empresariais, as roupas, juntamente com o corpo, trazem consigo a história de vida dos indivíduos (Sedikides et al., 2007) que as utilizam. Esforços constantes para obtenção do corpo e das roupas adequadas, portanto, são realizados pelas empresárias, visando comunicar suas trajetórias para além da profissão, externando suas identidades construídas e modificadas a partir de suas experiências de consumo (Hashem et al. 2016; Shoham et al., 2017). Verônica é um exemplo disto.
Verônica: Um vestido justo me faz sentir poderosa. Porque conta muito da história da minha vida, que eu já vivi muito e não tô caindo aos pedaços (risos). Assim: já estou aqui no planeta há muito tempo e não me entreguei, não uso saiona, vestidão (informação verbal).
Segundo as entrevistadas, a vestimenta também traz consigo o estado de espírito do indivíduo. Verônica, por exemplo, define a roupa como um instrumento de energia. Ela traz à peça um caráter místico, uma condição mágico-religiosa descrita por Barnard (2003) como uma das teorizações possíveis sobre vestimentas, que transmite forças positivas ou negativas, influenciando o estado de espírito de quem as utiliza. Desta forma, as roupas podem incitar alegria, desânimo, raiva, paz, entre tantos outros elementos da subjetividade das pessoas (Kasambala et al., 2016).
Verônica: Olhe, eu acho que roupa é muito estado de espírito. Querendo ou não chama atenção, mas chama de diversas formas, de elogios e de críticas porque você nunca vai agradar a todos [...] Eu acho que uma roupa tem que te passar uma energia boa, é uma coisa que vá te acrescentar. Se aquilo ali vai te dar uma energia boa, bota aquele. Torce o nariz pros outros (informação verbal).
Ademais, a noção de capacidade de mudança é simbolizada na roupa. Por meio dela, as entrevistadas acreditam que podem ser várias mulheres diferentes, sem que isso pareça falta de personalidade. A capacidade de mudança demonstra a flexibilidade destas mulheres para a adequação aos mais diversos ambientes, característica tão valorizada na modernidade líquida vivenciada (Bauman, 2001). Elas são mulheres da Moda; a efemeridade, o individualismo e a esteticismo devem fazer parte de suas premissas (Lipovetsky, 1989) e a emoção e o querer devem sustentar sua atividade de consumo (Campbell, 2006). Nesta dimensão, o consumo de roupas surge como elemento de lazer (Barnard, 2003).
6. Conclusão
As conclusões e considerações apresentadas nesta seção estão baseadas nos resultados e nas discussões provenientes das entrevistas realizadas com as empresárias de confecção e à luz da literatura acessada.
O sistema de produção de moda é bastante complexo, não apenas em termos técnicos, mas enquanto um circuito que envolve diversos agentes e que colabora na elaboração e na disseminação de uma cultura de consumo. Observando tal sistema, este trabalho analisou como um grupo de empresárias de um cluster regional de confecção se relaciona com o consumo de moda. Estas mulheres de negócio conhecem bem as regras desta indústria e também o que está por traz do sistema que a move: as criações de tendências, as marcas, as modelos, o discurso do novo, etc. Destarte, o presente estudo evidenciou a ambiguidade na relação destas mulheres com o consumo de moda.
Mesmo sendo experts no ramo em que atuam, as empresárias de confecção analisadas, quando estão no papel de consumidoras, parecem sofrer das mesmas influências às quais elas mesmas ajudam a disseminar. Em resumo, os achados deste estudo apontam para as seguintes conclusões: por meios das roupas que compram e vestem, as mulheres de negócios comunicam como são ou gostariam de ser; a profissão e a função desempenhada podem influenciar na escolha do produto a ser comprado; o processo de compra é não planejado e não sistematizado; as roupas podem comunicar o estilo gerencial e também podem indicar o papel social desempenhado, a individualidade, o status econômico e o grupo de afiliação ou aspiração destas mulheres de negócio. A seguir, apresentam-se algumas considerações acerca destas conclusões.
Inicialmente, as evidências levantadas acerca do papel do consumo de moda na vida das mulheres de negócio levaram à conclusão de que as roupas comunicam como são ou gostariam de ser as mulheres de negócio, uma vez que elas reconhecem que o significado deste ato impactará em suas relações com o corpo e com a Moda. Esta conclusão é corroborada pelos estudos de Lurie (1997), Bauman (2008), Handa e Khare (2013) e Bardhi e Eckhardt (2017).
Ademais, é importante considerar que independentemente da classe social e nível educacional das entrevistadas, todas buscam se afirmar enquanto profissionais de sucesso por meio das roupas que usam e, principalmente, dos signos da Moda, especialmente aqueles que possam comunicar sucesso e confiança. Possivelmente isto ocorre porque a indústria da moda e da confecção é tradicionalmente gerenciada por homens e a cultura masculina ainda determina fortemente um estilo gerencial aos negócios. Desta forma, outros estudos precisam ser realizados para entender melhor as questões de gênero e a moda em indústrias e ambientes de trabalho influenciados por culturas dominadas por um determinado gênero, neste caso o masculino, e como isto afeta outros gêneros e os comportamentos de compra.
Já sobre os critérios de escolha na aquisição de roupas, é evidente que a profissão e a função desempenhada podem influenciar na escolha do produto a ser comprado. Os autores que deram suporte a esta conclusão foram Thompson & Hirschman (1995), Lipovetsky (2005), Bauman (2001), Shephard et al., (2016) e Nieves-Rodrigues et al. (2017).Justamente por trabalharem com confecção, as mulheres de negócios são consumidoras mais exigentes com relação à qualidade técnica dos produtos consumidos, além de buscarem signos relacionados à juventude, à elegância e ao status econômico que a roupa transmite.
Outro aspecto que se ressalta é o processo de compra destas mulheres não ser planejado, nem sistematizado. O senso comum indicaria que pessoas que lidam com gerenciamento de negócios sempre realizariam compras de maneira planejada e sistematizada. Não é o caso destas mulheres. Esta conclusão teve como base os estudos de Shaw e Clarke (1998), Bauman (2001) e Aung e Sha (2016). É até paradoxal observar mulheres de negócio descrevendo os processos de compras pessoais delas próprias como imprevisível e não planejado. Uma vez que, em qualquer negócio este tipo de comportamento de compra vindo de um gerente seria inaceitável. Possivelmente, isto acontece porque os papéis que as pessoas desempenham na sociedade de consumo geram expectativas diversas e exigem determinados tipos de comportamentos. No caso do grupo estudado, fica evidente a complexidade e a contradição destes papéis ao ser constatada esta falta de planejamento e organização no processo de consumo pessoal.
Por fim, reforça-se que as roupas podem indicar o papel social desempenhado, a individualidade, o status econômico e o grupo de afiliação ou aspiração destas mulheres de negócio. Dão suporte a esta conclusão Lipovetsky (1989), Bauman (2001), Strubel & Petrie (2016) e Shoham, Segev e Gavish, (2017). Servindo como fonte de comunicação, as roupas das empresárias, além de servir para apresentá-las enquanto profissionais respeitáveis e de sucesso, juntamente com o corpo, apresentam a história de vida destas pessoas. Os esforços constantes para obterem o corpo ideal, roupas adequadas, corresponderem às normas e expectativas do ambiente de trabalho, precisam ser expressos para além deste contexto, perpassando para outras dimensões das vidas destas mulheres.
Não basta apenas terem conquistado posições de poder por meio da Moda; estas mulheres sentem a necessidade de serem percebidas e, portanto, consumidas pela construção de imagem de poder. É forte um desejo em transformar elas próprias em objetos de consumo. Um fechamento bastante interessante deste circuito cultural em que as criadoras viram criaturas. Criam objetos de consumo em suas empresas para serem desejados pelos consumidores e consumidoras; e são transformadas elas próprias, por meios dos desejos e comportamentos de compra, em objetos de consumo, imagens de sucesso a serem adquiridos e reproduzidos.
6.1 Limitações da Pesquisa e Recomendações para Futuros Estudos
Observando tais considerações e conclusões como contributivas para a área, as limitações percebidas para esta pesquisa também são realçadas nesta seção. Elas foram: (a) o acesso às entrevistadas, mediante dificuldade de se conseguir marcar as entrevistas com as empresárias, impactando no tamanho do corpus investigado; uma vez que, podia-se tentar um tamanho de corpus por saturação das informações e; (b) dadas as características do estudo, a pesquisa não se aplica aos setores que não estejam ligados ao sistema de Moda.
A escolha da roupa como elemento de análise foi aqui realizada por este produto representar o que há de mais efêmero no mundo da Moda. Outros, porém, podem contribuir para uma perspectiva holística que reflitam o papel dos ornamentos no corpo. É interessante observar outros elementos que compõem o vestuário de um indivíduo. Entre eles, se têm as bolsas, sapatos e acessórios. Os sapatos foram itens citados pela maioria das mulheres quando eram indagadas sobre o tipo de roupa que utilizavam. A análise do consumo deste tipo de produto é outra sugestão para estudos futuros.
Outra pesquisa que poderia ser feita com as empresárias diz respeito à tendência de consumo conspícuo de cada uma, como uma forma de influenciar em seus padrões de consumo e, por consequência, nas ações delas nas propostas de consumo para suas clientes, destacando que o consumo conspícuo é a visão de que os gastos nos produtos objetivam mostrar a riqueza dos consumidores. E, por fim, como o estilo gerencial da indústria da moda ainda sofre uma forte influência masculina, outros estudos precisam ser realizados para entender melhor as questões de gênero e a moda em indústrias e ambientes de trabalho influenciadas por culturas dominadas por um determinado gênero, neste caso o masculino, e como isto afeta outros gêneros e os comportamentos de compra.
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Notas
Ligação alternative