Artigos
Superando a contaminação e comprando produtos usados
OVERCOMING CONTAMINATION AND PURCHASING USED PRODUCTS
Superando a contaminação e comprando produtos usados
Revista Brasileira de Marketing, vol. 18, núm. 1, pp. 132-146, 2019
Universidade Nove de Julho
Recepción: 01 Marzo 2018
Aprobación: 24 Julio 2018
Resumo:
Objetivo: O objetivo deste trabalho foi confirmar a ocorrência do fenômeno da contaminação de um item pelo seu proprietário, em uma perspectiva antropológica. Também, buscou-se investigar a influência deste e de outros elementos, como a consciência no consumo e a renda, sobre a propensão do indivíduo à compra de produtos usados. Relevância: Apesar da popularidade da compra de usados por meio de plataformas virtuais e das consequências positivas para o bem estar do consumidor, as motivações que levam a este comportamento parecem pouco definidas. Outrossim, há barreiras relacionadas à aquisição destes itens que transcendem a racionalidade e lógica quanto ao comportamento de compra. Método: Foi realizada uma investigação quantitativa com survey eletrônico aplicado à amostra do tipo conveniência. Os dados coletados foram analisados por meio de testes estatísticos descritivos, correlacionais, análise fatorial exploratória, ANOVA de um fator e testes GLM (General Linear Model). Contribuições teóricas/metodológicas: As principais contribuições acadêmicas da pesquisa concernem a constatação da existência do fenômeno da contaminação e ao desenvolvimento de um instrumento para mensurar este construto. Resultados: Os resultados encontrados confirmam a existência do fenômeno da contaminação, em uma perspectiva antropológica, e a hipótese genérica de um consumidor maximizador de valor cuja atitude positiva para o consumo consciente não costuma resultar em comportamentos condizentes. No entanto, em desacordo com outras pesquisas, verificou-se que a predisposição à compra de produtos usados não está associada significativamente à renda.
Palavras-chave: Contaminação, Produtos usados, Comportamento do consumidor.
Abstract:
Objective: This study aimed to confirm contamination phenomenon of an item by its owner, from an anthropological perspective. Furthermore, it was also investigated the influence of other elements on the individual’s propensity to buy used products, such as consumption awareness and finances. Relevance: Despite the popularity of virtual platforms to buy used products and the positive consequences of this action for consumer welfare, the motivations that lead to this behavior appear unclear. Besides that, there are barriers related to the acquisition of these items that transcend rationality and logic. Method: A quantitative approach was adopted and an electronic survey was applied to a convenience sample. The collected data were analyzed through descriptive statistical tests, correlations, exploratory factorial analysis, ANOVA and GLM (General Linear Model). Theoretical/methodological contributions: This research contributes academically with the verification of the contamination phenomenon existence and the development of an instrument to measure this construct. Results: The results confirm the existence of the contamination phenomenon, from an anthropological perspective. Also, confirm that the positive attitude of some individuals towards conscious consumption does not usually result in consistent behaviors. However, different from other researches, it was verified that the predisposition to buy used products is not significantly associated with personal finances.
Keywords: Contamination, Used products, Consumer behavior.
INTRODUÇÃO
Os consumidores interagem com produtos de formas complexas e tendem a ressignificar o consumo de acordo com seu contexto socioeconômico (Ungerer, 2014). Esse processo subjetivo pode conduzir à mudanças de hábitos de consumo que visem escolhas mais saudáveis para o próprio indivíduo, a coletividade e o meio ambiente (McGregor & Goldsmith, 1998; Yan, Bae, & Xu, 2015). Acompanhando tal tendência, várias pesquisas têm como objeto a influência destes novos comportamentos nas decisões de compra de um consumidor mais consciente (Haws, Winterich, & Naylor, 2014).
Entretanto, estudos sobre possibilidades alternativas relacionadas ao consumo não são inteiramente uma novidade (Yan et al., 2015). Sherry (1990), investigou o mercado de itens de ‘segunda mão’, ou simplesmente ‘mercado de pulgas’, com foco no ciclo lateral de produtos, processo de troca entre posses usadas dos consumidores. Este fenômeno, além de diagnosticado como uma tendência à época, já representava proporções crescentes do volume de negócios da economia dos Estados Unidos (Sherry, 1990).
Atualmente, o ciclo lateral continua a ocorrer, de forma ainda mais intensa, por meio das facilidades proporcionadas pela internet (Belk, 2013b). Sendo maximizadores de valor, vários consumidores desejam tirar o melhor proveito de seus pertences por meio da venda ou troca desses bens após um período de uso (Biswas & Roy, 2015). O mercado de ‘segunda mão’ parece ter evoluído e adentrado na era da internet (Weil & Vitale, 2001). Sites diversos oferecem plataformas seguras e acessíveis para que o consumidor primário reintegre um objeto usado ao fluxo de negócios e resgate parte do valor investido em sua compra (Leite, 2009; Liang & Liang, 2014). Contudo, a busca por produtos usados também se justifica devido a uma mudança no comportamento de consumidores que demonstram atitude positiva para o consumo consciente (Elliott, 2013; Belk, 2010; Yan et al., 2015). É reconhecido, no entanto, que há algumas barreiras relacionadas à aquisição de itens usados que transcendem a racionalidade no que concerne ao comportamento de compra (Krishna, 2011; Yan et al., 2015). Pesquisas indicam que pessoas, ao tocarem produtos, tendem a impregná-lo com sua energia, podendo gerar desconforto para outros indivíduos que usarão o mesmo item posteriormente (Argo, Dals, & Morales, 2006; Krishna, 2011). Explicado por meio de uma lente teórica antropológica, este fenômeno versa sobre a percepção da contaminação dos itens usados pelo proprietário anterior, o que pode influenciar em seu valor (Rozin & Nemeroff, 1990; Siegal, Fadda, &Overton, 2011; Biswas & Roy, 2015).
Neste sentido, o presente trabalho investiga a percepção do fenômeno da contaminação, em uma
perspectiva antropológica, e sua influência para a propensão à compra de produtos usados. Também foi averiguado se outros fatores como a consciência no consumo, o nível de renda e a consciência de valor influenciam a predisposição geral de um indivíduo para a compra de tais itens. O trabalho está estruturado em seções que abordam o fenômeno da contaminação; a relação da consciência no consumo com o bem-estar, incluindo os aspectos ambientais; a constatação de que fatores utilitários são predominantes na decisão de compra; os procedimentos metodológicos; os resultados; as discussões; e as considerações finais.
A Contaminação
Ao tocarem produtos, indivíduos podem afetar como os outros reagem ao item (Krishna, 2011). Pesquisas antropológicas que estudaram as crenças de culturas indígenas depararam-se com as ‘Leis da Magia Simpática’, conforme apontam Mauss e Hubert (2003/1902), e com a ‘Lei do Contágio’, proposta nos estudos de Meigs (1984). A ‘Lei do Contágio’ sugere que quando um sujeito-fonte toca um objeto-alvo, a fonte continuará a influenciar o alvo mesmo depois de parar de tocá-lo (Rozin & Nemeroff, 1990; Meigs, 1984; Yan et al., 2015). Este fenômeno é semelhante às ‘Leis da Magia Simpática’, pelas quais a fonte, magicamente, transfere algumas de suas propriedades para o alvo por meio do toque (Rozin & Nemeroff, 1994; Yan et al., 2015).
Assim, o contato físico de um indivíduo com um produto pelo uso pode contaminar o item e despertar sentimento de repugnância em relação ao mesmo (Krishna, 2011; Guido, Pino, & Peluso, 2018). Particularmente, os objetos de uso pessoal, que têm vestígios invisíveis de suas histórias, são mais sucestíveis; a exemplo, pode-se citar a relutância de muitas pessoas em compartilhar roupas usadas (Rozin & Nemeroff, 1994).
Pesquisas anteriores mostraram que os participantes gostaram menos de um produto e tinham menor probabilidade de adquirí-lo se outro comprador o tivesse tocado anteriormente (Argo et al., 2006; Krishna, 2011; Guido et al., 2018). Um dos estudos foi direcionado, especificamente, com relação a itens de vestuário (Argo et al., 2006; Krishna, 2011). Supunha- se que a percepção de contaminação aumentasse gradativamente de acordo com a localização da peça, do expositor principal ao provador da loja, ou seja, junto com a proximidade crescente de contato físico com um potencial contamidador (Krishna, 2011; Yan et al., 2015).
Como esperado, as avaliações do produto e intenções de compra foram melhores para o item no expositor principal do que para aquele encontrado diretamente no provador (Krishna, 2011). A simples suposição de contaminação afetou as avaliações dos sujeitos (Krishna, 2011; Guido et al., 2018). Inclusive, pesquisas indicam que mesmo outros indivíduos saudáveis são capazes de contaminar objetos, mas que a percepção de contaminação é intensificada se a pessoa for descrita como portadora de doença ou mesmo de caráter duvidoso (Rozin & Nemeroff, 1994; Siegal et al., 2011; Inozu, Eremsoy, Cicek, & Ozcanli, 2017).
Algumas propriedades do contágio são: o contato físico que é, definitivamente, necessário ou quase sempre presente; os efeitos, que são relativamente permanentes; o tempo de exposição ao vetor, de modo que mesmo um contato muito breve, com qualquer parte da fonte, produz efeito análogo ao contato total (insensibilidade à dose e à rota); a predominância da percepção de contágio negativo, que é mais difundido e poderoso do que positivo (negatividade dominante); os atributos das propriedades passadas podem ser físicas ou mentais, incluindo intenções e ‘sorte’; o contágio pode operar em uma direção para trás, com efeitos que fluem do alvo para a fonte (Rozin & Nemeroff, 1990, pp. 208- 209; Guido et al., 2018). Ainda foram observadas algumas características culturais acerca do contágio, contudo, particularmente aquele realizado por meio do contato com indivíduos considerados indesejáveis é onipresente, universal (Rozin & Nemeroff, 1994; Siegal et al., 2011; Um & Kim, 2016; Inozu et al., 2017).
Não distante dessa perspectiva, Belk (1988), ao propor o conceito de ‘eu estendido’, que remete ao fato de as pessoas consideram suas posses como parte de si mesmas, ratifica essa proposta de contaminação de objetos por seu possuidor. Segundo o autor, alguns dos motivos relacionados à coleção ou aquisição de um item específico podem estar relacionados ao fato de o mesmo reter parte do ‘eu estendido’ de pessoas queridas (Belk, 1988; 2013a). Alguns exemplos remetem a: itens artesanais feitos por encomenda, que têm energia do criador diretamente investida na peça; resistência em adquirir peças falsificadas, que não possuem esta fonte de contato com a essência da marca; presentes de entes queridos ou relíquias de família; produtos associados a celebridades por meio de campanhas de endosso (Belk, 1988; Yan et al., 2015; Um & Kim, 2016). Embora a proposta original do ‘eu estendido’ destaque a singularidade de nossa relação com os objetos tangíveis, como itens de coleção ou presentes, as posses de um indivíduo representam mais do que uma extensão de sua personalidade, de seu ‘eu’: representam marcadores para a memória (Belk, 2013a). Posses estão associadas a lembranças que envolvem experiências, relacionamentos ou ‘eus’ anteriores de um indivíduo (Belk, 1988). Pertences, portanto, além de ancorar memórias, também podem evocar sentimentos e emoções associados (Belk, 2013a).
Estes são alguns dos motivos que justificam a sensação de dor reportada por pessoas que tiveram objetos perdidos em função de algum sinistro como furto, roubo ou perda (Belk 1988, 2013a). Assim, é coerente afirmar que se itens de uso pessoal constituem uma extensão do possuidor, optar pela compra de um objeto impregnado de memórias e energia do antigo proprietário pode representar uma barreira para o comércio de usados (Belk, 1988; Krishna, 2011; Guido et al., 2018). Cabe destacar que, eventualmente, vender objetos pelos quais se tem estima também pode ser difícil para seu dono pelos mesmos motivos (Belk, 2013a).
A superação destes obstáculos pode estar associada a preocupação crescente das pessoas quanto à acumulação de bens e a consciência no consumo (Ungerer, 2014; Yan et al., 2015). Somando-se tal fato à mudanças sócioeconomicas, como estrutura familiar e elevação no custo de vida, percebe-se que mais consumidores realizam menos com os recursos que dispõem (Reynolds, Ganesh, & Luckett, 2002). Mesmo assim, permanecem ávidos por experiências, o que torna a venda ou troca de itens usados uma alternativa viável para a realização de novas compras.
A escassez de recursos, principalmente financeiros, parece ser um forte estímulo ao desapego, reduzindo a dor da perda do item vendido e o desgosto relativo à contaminação do item comprado (Sherry, 1990; King, 1981; Krishna, 2011; Belk, 2013a; Carlson, 2018). Os consumidores também parecem mais inteligentes, optando pela compra de produtos de melhor relação custo-benefício (Papagiannidis, Bourlakis, Alamanos, & Dennis, 2017) e que possam ter parte do investimento recuperado a posteriori em mercados de usados. Inclusive, há evidência de forte pontencial dos mercados de pulga para gerar receitas: ainda na década de 1990, os cerca de 3.500 ‘mercados de pulga’ existentes nos EUA eram capazes de gerar mais de US$ 10 bilhões em vendas brutas (Sherry, 1990).
Mesmo assim, apesar da crescente adesão dos consumidores à compra de produtos usados, principalmente dos jovens, há poucos estudos voltados para traçar um perfil psicográfico destes indivíduos e para identificar as classes de itens mais procurados (Yan et al., 2015). Logo, este tema se torna relevante e contribui para compreender melhor as motivações que levam a este comportamento de compra.
A percepção de contaminação é um fenômeno real (Argo et al., 2006; Krishna, 2011; Siegal et al., 2011; Yan et al., 2015; Inozu et al., 2017; Guido et al., 2018). Entretanto, a intensidade com a qual influencia a compra de produtos usados permanece uma incógnita: pode variar entre as pessoas e de acordo com o tipo de item (Rozin & Nemeroff, 1994; Krishna, 2011; Belk, 1988; Yan et al., 2015; Guido et al., 2018). Também são desconhecidos os fatores que levam um indivíduo a superar o fenômeno e comprar produtos contaminados por pessoas estranhas. Algumas possibilidades investigadas neste estudo estão associadas a percepção positiva ou negativa do antigo proprietário, como evidenciado nas pesquisas anteriores já destacadas (Rozin & Nemeroff, 1994; Krishna, 2011; Argo et al., 2006; Siegal et al., 2011; Um & Kim, 2016; Yan et al., 2015). Outros motivos podem estar relacionados à consciência no consumo e à razões financeiras, aspectos a serem discutidos nas próximas seções.
Consciência e consumo: em busca do bem-estar
O século XXI trouxe rupturas que levaram à reconsideração dos paradigmas e práticas vigentes no marketing e novas evidências científicas quanto aos efeitos perturbadores do comportamento do consumidor sobre a ecologia terrestre (Mick, Pettigrew, Pechmann, & Ozzane, 2011). Os consumidores, por sua vez, também passaram a demonstrar maior preocupação com o impacto de suas atividades sobre o bem-estar e a salubridade do planeta (McGregor & Goldsmith, 1998; Farrant, Olsen, & Wangel, 2010; Yan et al., 2015). Acompanhando esta nova atitude, vários pesquisadores do Comportamento do Consumidor têm se dedicado a temáticas como o consumo compulsivo e o materialismo em busca de auxiliar na melhoria da vida dos indivíduos enquanto consumidores (Mick et al., 2011). Contudo, apesar do sólido foco em promover uma melhora na qualidade de vida e no bem-estar social, esta perspectiva, consciência no consumo, enfrenta desafios substanciais e, simultaneamente, paradoxais (Mick et al., 2011). Os mais de sete bilhões de habitantes do planeta não podem maximizar o bem- estar individual sem considerarem as necessidades dos outros e a capacidade do planeta de prover os recursos necessários (Burroughs & Rindfleisch, 2011). As diversas variáveis envolvidas irão esbarrar, inevitavelmente, em trade-offs em todos os aspectos (Ozzane & Fischer, 2011).
Nesta análise, o consumo e sua relação com o bem-estar precisam ser compreendidos. Para Csikszentmihalyi (2011), o ato de consumir, definido como a quebra de estruturas naturais ou artificiais para satisfazer os impulsos biológicos ou culturais, é um dos alcances mais audaciosos entre as atividades humanas. Inclusive, a vida humana só é possível, do modo atualmente concebido, devido ao consumo (Csikszentmihalyi, 2011). Contudo, até que ponto o ato de consumir não está consumindo a possibilidade de uma boa vida, de um ‘bem-estar’?
O “bem-estar é um estado de florescimento que envolve saúde, felicidade e prosperidade” (Mick et al., 2011, p. 6). Um conceito mais atrelado ao materialismo define o bem-estar como “o alinhamento das necessidades individuais e sociais (ou seja, físicas, psicológicas, econômicas e sociais) e como elas se relacionam com o consumo” (Burroughs & Rindfleisch, 2011, p. 253). Portanto, “o bem-estar do consumidor é otimizado quando um indivíduo reconhece e equilibra esses interesses variados em sua tomada de decisão” de compra (Burroughs & Rindfleisch, 2011, p. 253).
A consciência no consumo remete a uma tendência dos indivíduos de demonstrarem interesse em aspectos relacionados ao bem-estar, principalmente ao meio ambiente, por meio de suas decisões e comportamentos de compra (Haws et al., 2014). Contudo, embora envolva a busca individual por bem- estar e pela redução dos impactos das atividades humanas no planeta (Elliott, 2013), o âmago da decisão de compra consciente concerne à maximização de valor pelo consumidor (Biswas & Roy, 2015; Weisstein, Asgari, & Siew, 2014).
De acordo com esta perspectiva, o valor no consumo remete ao grau de satisfação do indivíduo após comparados perdas e ganhos com a aquisição (Biswas & Roy, 2015). Contudo, algumas dimensões bastante subjetivas, como o reconhecimento social por demonstrar preocupação ambiental (Elliott, 2013), dificultam a definição de parametros para mensurar comportamentos que de fato se enquadrem como ecologicamente adequados (Luzio & Lemke, 2013).
A maioria das propostas para traçar o perfil de consumidores conscientes teve resultados inconclusivos e contraditórios: há variações entre aspectos mais objetivos como renda, perfil sociodemográfico, sexo, entre outros, dificultando a identificação de um padrão (Luzio & Lemke, 2013). Aspectos idiossincráticos são igualmente inconsistentes: por vezes, a perspectiva de bem-estar pode, também, estar associada a uma elevação na eficiência do consumo (Elliott, 2013). Trata-se, portanto, de poder consumir mais e melhor com o mesmo nível de dano ao ambiente provocado anteriormente; não da redução da intensidade do impacto (Elliott, 2013). A evidência indica que a consciência no consumo concerne a uma atitude que nem sempre direciona o comportamento de compra do indivíduo (Haws et al., 2014), como discutido na próxima seção.
Consumo Consciente ou Conveniente?
Na lógica do consumo é recorrente a suposição do indivíduo como um otimizador de recursos: o consumidor tomará sua decisão com base em uma avaliação de perdas e ganhos incorridos na aquisição de um produto (Biswas & Roy, 2015). Em se tratando de consumo consciente a situação não é diferente: a decisão de compra só será tomada se agregar valor para o cliente (Weisstein et al., 2014). Embora se reconheça que existe uma atitude positiva de muitos indivíduos para o meio ambiente e o bem-estar, isto pode não reverberar em comportamentos de ‘consumo consciente’ (Farrant et al., 2010; Luzio & Lemke, 2013).
É esperado que tais consumidores tenham posturas diferenciadas, como a crença no uso responsável de recursos, ou que sejam favoráveis ao consumo moderado (Haws et al., 2014). Entretanto, na prática, alguns consideram aspectos como a eficiência no consumo, consumir mais com o mesmo dispêndio de recursos, uma prática sustentável (Elliott, 2013). A ‘consciência’, na maioria dos casos, se faz presente como efeito colateral da maximização dos retornos individuais (Biswas & Roy, 2015). Ou seja, o cerne da decisão de compra daqueles que alegam ter atitude positiva para com a consciência no consumo não é o impacto para o bem-estar coletivo, mas a otimização de sua satisfação individual (Haws et al., 2014; Biswas & Roy, 2015; Luzio & Lemke, 2013; Farrant et al., 2010). Mesmo assim, algumas formas de consumo alternativo podem ter consequências positivas para o meio ambiente e para a coletividade (Farrant et al., 2010).
É o caso do ciclo lateral de produtos, que envolve a compra de itens usados e pode ser interpretado como uma oportunidade de promover maior bem-estar social (Schiffer, Downing, & Mccarthy, 1981). A negociação de bens usados entre os consumidores promove um retorno parcial do investimento em um determinado item e viabiliza a aquisição de outros necessários à sua satisfação por um preço mais acessível (Sherry, 1990; Yan et al., 2015). Além da venda, esse processo inclui a troca direta de produtos, de forma eficiente, menos onerosa e pouco burocrática, que passa a coexistir com formas tradicionais de comércio (Belk, Sherry, & Wallendorf, 1988). As motivações que levam o indivíduo a compra ou troca de itens de segunda mão, entretanto, dividem os pesquisadores (Belk, 2013b; Yan et al., 2015; Hamari, Sjöklint, & Ukkoken, 2016).
Apesar de a literatura recente indicar comportamentos que rementem à ética e consciência no consumo, razões econômicas continuam a emergir nas pesquisas (Hamari et al., 2016). King (1981) alega que o ciclo lateral normalmente envolve compradores e vendedores de baixo poder aquisitivo, sendo os fatores econômicos o gatilho para a participação do consumidor. Em pesquisas contemporâneas esta tendência parece persistir: um viés utilitarista, relacionado a recuperação parcial do valor investido na compra, motiva as transações entre consumidores (Belk, 2010).
Outro fator remete à oportunidades de bons negócios: na fase áurea dos mercados de pulga, diversos caçadores de tesouro se empenhavam na busca por boas peças que oferecessem retornos rentáveis para uma nova venda (Belk et al., 1988). De forma análoga, os consumidores contemporâneos buscam boas oportunidades de negócios em canais alternativos de compra com seus pares, principalmente por meio da internet (Belk, 2013b). Esta ideia de ‘negócio rentável’ pode estar associada a percepção de preço e consciência de valor do consumidor.
A percepção de preço, em um viés puramente econômico, remete ao montante envolvido em uma transação de compra; contudo, devem ser consideradas outras dimensões (Lichtenstein, Ridgway, & Netemeyer,1993). O preço é um estímulo complexo e heterogêneo quanto a intensidade e forma que afeta as pessoas (Lichtenstein et al., 1993; Carlson, 2018). Também apresenta conotações diversas quanto ao produto e influencia no risco percebido em uma transação: pode estimular positiva ou negativamente (Weisstein et al., 2014; Carlson, 2018).
A consciência de valor, por sua vez, envolve elementos ainda mais idiossincráticos. O aspecto mais nítido concerne a relação entre a performance do produto e o seu preço: espera-se que o dinheiro seja bem investido na compra de itens que agreguem valor (Biswas & Roy, 2015). Logo, o valor percebido em uma transação pode variar substancialmente (Atkins & Kim, 2011). Também são considerados aspectos sociais, como o status associado a aquisição de um determinado item (Elliott, 2013). Inclusive, a consciência de valor pode ser ainda mais influente que o efeito renda na decisão final para a aquisição de um produto (Weisstein et al., 2014): o dinheiro precisa ser bem gasto. Compras conscientes, como a compra de produtos usados, portanto, são mais vulneráveis aos efeitos das percepções de preço e de valor (Haws et al., 2014).
Estudos recentes indicam que esta prática, compra e venda de usados, está sendo utilizada para fomentar um ambiente de negócios sustentável já que pode remeter a uma tentativa de prolongar a vida útil de um item (Hamari et al., 2016; Schiffer et al., 1981). Intencionalmente ou não, o ciclo lateral: promove a preservação ambiental ao mitigar o consumo exacerbado de itens novos; e promove a justiça social ao democratizar o acesso a produtos de marcas de qualidade, cujo preço nos canais tradicionais de compra são proibitivos para uma grande camada da população (Galpin, Whittington, & Bell, 2015).
Contudo, fala-se em benefícios ambientais como uma consequência ou efeito colateral: a noção de sustentabilidade é um fator importante para a formação de um posicionamento favorável à compra de bens usados, mas os benefícios econômicos são o maior motivador (Hamari et al., 2016; Elliott, 2013; Farrant et al., 2010).
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Coleta de dados, instrumentos de mensuração, confiabilidade e validade
O presente estudo consiste em uma pesquisa de natureza quantitativa, formal, descritiva e transversal (Cooper & Schindler, 2016). Os dados foram coletados entre outubro e dezembro de 2017 por meio de survey eletrônico divido em seis seções (Hairet al., 2014; Malhotra, 2011): Seção 1, compra de roupa usada; Seção 2, consumo consciente; Seção 3, contaminação; Seção 4, consciência de valor; Seção 5, consciência de preço; Seção 6, dados socioeconômicos. A seção 1 consultou a realização de compra de produtos usados e mensurou a predisposição geral a compra de tais itens, respectivamente, por variável nominal e escala tipo Likert de 7 pontos. As seções 2, 4 e 5 mesuraram os principais construtos por meio de escalas já validadas, a saber: escala ‘VERDE Valores do Consumidor’ (Haws et al., 2014) para o construto ‘consciência no consumo’; ‘Escalas de Percepção de Preços – Dimensão: Consciência de Valor’ (Lichtenstein et al., 1993) para o construto ‘consciência de valor’; ‘Escalas de Percepção de Preços – Dimensão:
Consciência de Preço’ (Lichtenstein et al., 1993) para o construto ‘consciência de preço’.
Na ausência de escala validada para mensurar o construto ‘contaminação’, foram desenvolvidos nove itens com base na literatura vigente submetidos a validação de face, pré-teste e testes de validade e confiabilidade (Cooper & Schindler, 2016; Malhotra, 2011). A coleta das respostas deu-se por meio de escala do tipo Likert de 7 pontos para todos os construtos; já os dados socioeconômicos como renda, idade e sexo foram coletados por meio de variáveis razão e nominal (Cooper & Schindler, 2016).
Para a análise de confiabilidade e de validade das escalas foram utilizados análise fatorial exploratória e coeficiente Alfa de Cronbach (Malhotra, 2011), sendo obtidos os resultados a seguir: consciência no consumo (α= 0,860 (var= 59,158% | KMO= 0,841, Bartlett= 842,106 com 15 g.l., p<0,000)); contaminação (α= 0,752 (var= 58,034% | KMO= 0,730, Bartlett= 339,437 com 6 g.l., p<0,000)); consciência de valor (α= 0,799 (var= 61,11% | KMO= 0,813, Bartlett= 680,674 com 21 g.l., p<0,000)); consciência de preço (α= 0,827 (var= 60,054% | KMO= 0,830, Bartlett= 625,401 com 10 g.l., p<0,000)). A predisposição geral para a compra de usados, por ser constituída de apenas um item mensurado por variável nominal, não foi testada. Os demais resultados alinham-se com os estudos que resultaram nas escalas originais.
Características da amostra, técnicas de análise de dados
A amostra, do tipo conveniência por acessibilidade, é composta de 332 respondentes válidos com grande variedade de idade, renda individual e renda familiar. A idade varia de 18 à 63 anos, com média de aproximadamente 31 anos, desvio padrão de 9,854 anos e 25 anos como a moda da frequência. O atributo renda familiar apresenta grande amplitude entre os respondentes: varia de R$ 0,00 a R$ 120.000,00 mensais, com média de R$ 9.027,00 e desvio padrão de R$ 10.910,00. O atributo renda individual, com média de aproximadamente R$ 3.173,00 mensais, apresentou a mesma tendência verificada na renda familiar: alta amplitude (R$ 0,00 a R$ 70.000,00), alto desvio padrão (aproximadamente R$ 6.817,00). Quanto à diversidade de sexo, a pesquisa obteve uma quantidade de respondentes do sexo feminino superior a do sexo masculino: 72,3% (240 respondentes) e 27,7% (92 respondentes) da amostra, respectivamente.
As hipóteses foram formuladas ao longo do estudo com base na literatura sobre o tema e verificadas por meio de testes estatísticos descritivos, correlacionais e ANOVA de um fator (Malhotra, 2011). Especificamente, ANOVA para estimar a existência de relação direta entre os construtos; seguida de testes de correlação para mensurar e caracterizar as relações encontradas. A presença de moderações nas relações foi analisada por meio de testes GLM (General Linear Model) (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). Os testes estatísticos foram realizados por meio do uso do software SPSS Statistics, versão
Hipóteses e modelo teórico
A partir da pesquisa bibliográfica foram elaboradas as hipóteses de pesquisa, sintetizadas na Figura 1.


Com base nos resultados dos testes de hipótese descritos na próxima sessão, foi elaborado o modelo teórico representado na Figura 2.

RESULTADOS
Visando facilitar a compreensão dos achados, os resultados estão fragmentados com base nas hipóteses formuladas.
H1: A consciência no consumo influencia diretamente a predisposição geral para a compra de produtos usados.
Para o teste desta hipótese a variável métrica consciência no consumo foi transformada em dicotômica a partir da mediana, criando dois grupos:
Grupo 1 - baixa consciência no consumo (até 5 na escala original); Grupo 2 – alta consciência no consumo (acima de 5 na escala original). O teste de ANOVA significativo, realizado entre a predisposição geral para a compra de usados e a consciência no consumo, aponta relação entre estas variáveis, conforme a Tabela 1, confirmando a hipótese formulada (F=5,077; p<0,05). Confirmam-se também estudos anteriores (Elliott, 2013; Luzio & Lemke, 2013) que versam sobre essa problemática.

Apesar de a diferença entre as médias da atitude não ter sido tão substancial (Tabela 2), visto que a média deste construto foi bastante alta
(média de 6.48 com desvio padrão de 1,128) a significância comprova a relação prevista na hipótese.

Já a Tabela 3, que contém a tabulação cruzada entre a consciência no consumo e a realização de compra de item usado, demonstra que nem sempre esta atitude positiva reverbera em comportamentos
ambientalmente conscientes (Farrant et al., 2010; Haws et al., 2014; Yan et al., 2015): dos 105 respondentes que apresentam alta consciência no consumo, apenas 43,8% já compraram peças usadas.

H2a: Renda familiar mais alta reduz a predisposição geral para a compra de produtos usados.
H2b: Renda individual mais alta reduz a predisposição geral para a compra de produtos usados.
Partindo da hipótese genérica da influência do nível de renda influenciar na propensão à compra de produtos usados apontada na teoria (King, 1981; Belk et al., 1988; Belk, 2010), há duas possibilidades de análise: pela renda individual e pela renda familiar. Verificou-se, portanto, as duas individualmente. Pormeio do teste ANOVA, foi verificado que não há relação da renda familiar (F= 1,266; p>0,05) ou da renda individual (F= 0,023; p>0,05) com apredisposição à compra de usados (Tabela 4 e Tabela 5). Rejeita-se portanto as hipóteses 2a e 2b.


O teste de correlação de Spearman, realizado entre a variável dependente e as rendas individual (ρs=-0,023; p>0,05) e familiar (ρs= 0,022; p>0,05), também corrobora com a rejeição das hipóteses 2a e 2b, mostrando que não há relação significativa entre a propensão geral à compra de produtos usados e a renda. Tal achado é de extrema relevância por ir em desacordo pesquisas anteriores que associam a compra de itens usados à consumidores de menor poder aquisitivo (King, 1981; Belk et al., 1988; Belk, 2010; Yan et al., 2015).
H3: A consciência de valor atua aumentando a propensão geral para a compra de produtos usados.
De maneira semelhante as hipóteses anteriores, esta também foi testada por meio da ANOVA para confirmar a maior propensão do consumo de itens usados por pessoas com consciência de valor elevada. Entende-se por consciência de valor a tendência dos respondentes em pesquisar para encontrar preços mais baixos pelo mesmo produto, ou seja, valorizar o valor investido na compra.
O resultado (Tabela 6) mostra uma relação bastante significativa entre esses dois construtos, comprovando a relação direta entre eles (F= 11,62; p<0,05). O teste de correlação de Spearman (Tabela 7) indica uma relação positiva fraca, porém significativa (ρs= 0,218; p<0,05). As duas análises comprovam a hipótese formulada e corroboram com o pressuposto teórico do consumidor como um maximizador de valor nas transações de compra (Biswas & Roy, 2015).


H4: A percepção de contaminação do produto usado reduz a propensão à compra de produtos usados.
O teste ANOVA (tabela 8) entre a percepção de contaminação e a propensão à compra de produtos
usados significativo (F= 5,151; p<0,05) indica que os dois construtos estão relacionados, corroborando com a teoria existente sobre o tema (Guido et al., 2018; Yan et al., 2015; Krishna, 2011; Argo et al., 2006; Rozin & Nemenroff, 1994).

Também verifica-se uma diferença de médias da propensão geral à compra itens usados entre os respondentes que têm maiores e menores percepções de contaminação (Tabela 9), corroborando novamente com a teoria (Argo et al., 2006; Yan et al., 2015). Para indivíduos menos suscetíveis à contaminação, a média
da propensão à compra foi de 6,61; enquanto para os mais sensíveis, a média da variável dependente baixou para 6,34. Cabe destacar que, embora a diferença entre médias não seja substancial, a mesma é significativa conforme observado pelo teste ANOVA.

H5: A consciência no consumo modera a relação entre a consciência de valor e a propensão à compra de usados.
Como foi visto nas hipóteses H1 e H4, os construtos consciência no consumo e consciência de
valor têm relações diretas com a propensão à compra de usados. Aqui, nota-se que a consciência de valor também modera a relação original da hipótese 1. A fim de analisar esta possibilidade foi utilizado o teste GLM (General Linear Model) (Tabela 10).

Os resultados demonstram que, de fato, a consciência de valor modera a relação entre consciência no consumo e a propensão à compra de usados (F=4,557; p<0,05). Comprova-se também a superioridade da busca pela maximização do valor investido em uma compra, se comparada ao consumo consciente, e o viés utilitarista do consumidor, conforme apontado em estudos anteriores (Belk, 2010; Biswas & Roy, 2015; Hamari et al., 2016).
H6: A percepção positiva do agente da contaminação pelo indivíduo modera a relação entre a consciência de valor e a sua propensão à compra de usados.
Corroborando com a evidência encontrada na literatura (Belk, 1988; 2013a), o teste GLM (General Linear Model) mostra que há influência do agente da contaminação para a propensão à compra de produtos usados (F=19,199; p<0,05), como pode ser visto na Tabela 11, comprovando a hipótese. O pressuposto teórico é de que determinados objetos que pertenceram a pessoas queridas ou admiradas, como celebridades, gozam de maior estima pelo atual proprietário, elevando o valor percebido de sua aquisição (Belk, 1988; Biswas & Roy, 2015; Um & Kim, 2016; Inozu et al., 2017). Assim, há nova evidência de fatores subjetivos que agregam valor ao processo decisório de compra (Atkins & Kim, 2011; Elliott, 2013; Haws et al., 2014).

DISCUSSÕES
A análise dos dados corrobora com o objetivo do trabalho de confirmar a influência do fenômeno da contaminação com relação a compra de itens usados (Krishna, 2011; Argo et al., 2006; Rozin & Nemenroff, 1994)
E também com o pressuposto do consumidor como um maximizador de valor (Biswas & Roy, 2015; Weisstein et al., 2014). Elementos subjetivos e idiossincráticos como consciência no consumo (Haws et al., 2014), percepção de valor (Weisstein et al., 2014) e percepção de contaminação (Argo et al., 2006; Krishna, 2011; Yan et al., 2015) têm influência significativa no processo de decisão de compra pelo consumidor conforme aponta a teoria (Atkins & Kim, 2011; Elliott, 2013), principalmente nas compras classificadas como conscientes (Haws et al., 2014). Uma forte contribuição reside na constatação empírica do fenômeno da contaminação antropológica (Yan et al., 2015; Krishna, 2011; Argo et al., 2006; Rozin & Nemenroff, 1994). Na óptica do consumidor maximizador de valor (Biswas & Roy, 2015; Weisstein et al., 2014), este fenômeno pode alterar o valor percebido na transação que envolve um produto usado (Biswas & Roy, 2015; Belk, 1988). Inclusive, corroborando com a literatura (Belk, 1988), a percepção positiva do antigo proprietário de um objeto modera a relação entre a consciência de valor e a propensão à sua compra. Assim, pode-se afirmar que produtos contaminados por pessoas queridas, como familiares ou celebridades (Belk, 1988; 2013a; Um & Kim, 2016), elevam a percepção de valor agregado por uma transação de compra (Biswas & Roy, 2015).
Já atributos mais objetivos, como aspectos demográficos (sexo, idade e mesmo renda) não são significativos com relação a propensão de compra de itens usados dada sua grande variação (Luzio & Lemke, 2013). Particularmente, quanto a renda, as análises contradizem pesquisas anteriores (King, 1981; Belk et al., 1988; Belk, 2010) que associam a compra produtos de segunda mão a consumidores de menor poder aquisitivo.
As análises confirmam um consumidor que maximiza retornos (Biswas & Roy, 2015; Weisstein et al., 2014) cuja consciência de valor é elemento que modera a inclinação para a compra de produtos usados atribuída a consciência no consumo. Para a decisão de compra, a maximização do valor individual obtido em uma determinada transação é mais relevante que as consequências para o bem estar geral e o meio ambiente (Biswas & Roy, 2015; Weisstein et al., 2014).
Embora se confirme uma atitude geral positiva para com a consciência no consumo e suas consequências positivas para o bem-estar (Burroughs & Rindfleisch, 2011; Ungerer, 2014; Mick et al., 2011), não necessariamente isso irá reverberar em comportamnetos condizentes (Farrant et al., 2010; Elliott, 2013; Luzio & Lemke, 2013; Haws et al., 2014). O discurso ‘verde’ ou ‘consciente’ soa como um meio de obter legitimidade e status dada a constatação dos danos do consumo excessivo para o bem-estar coletivo (Elliott, 2013). O consumo dito consciente é, portanto, primariamente conveniente. Embora seja viável ao uso do aspecto ‘bem- estar’ para a promoção de um ambiente de negócios sustentáveis, cabe as empresas explorarem em maior profundidade os benefícios utilitários do ciclo lateral: menor preço e boa relação custo-benefício (Hamari et al., 2016; Schiffer et al., 1981; King, 1981; Belk, 2010; Belk et al., 1988; Sherry, 1990). Além de legitimar o negócio perante consumidores com atitude positiva à consciência no consumo, a abordagem contribui para alterar as percepções de preço e de valor (Elliott, 2013; Luzio & Lemke, 2013; Lichtenstein et al., 1993; Weisstein et al., 2014; Atkins & Kim, 2011).
Outrossim, embora não seja o foco desta pesquisa, destaca-se que a popularidade de ambientes virtuais para a compra e venda de produtos usados, muitos dos quais itens de luxo ou de colecionador, tornam a compreensão da contaminação relevante para impulsionar o varejo de itens usados (Yan et al., 2015).
Ainda é comum o estigma negativo associado a compra de produtos de ‘segunda mão’ por muitos consumidores, principalmente, por aqueles que já passaram por eventuais crises orçamentárias (Yan et al., 2015; Watson, 2008). Inclusive, alguns indivíduos já reportaram sensação de constrangimento ao adquirir um produto usado por necessidade (Guiot & Roux, 2010).
Paralelamente, também se encontram evidências de que, apesar destes obstáculos, alguns consumidores procuram em itens usados atributos idiossincráticos não encontrados em produtos novos (Yan et al., 2015). É o caso do status associado a posse de peças raras de uma marca, como roupas ‘vintage’ ou itens de série limitada que não são encontrados no varejo tradicional (Belk, 1988; Yan et al., 2015; Um & Kim, 2016). Dessa forma, na perspectiva do consumidor como um otimizador de valor, o impacto negativo da contaminação antropológica de produtos usados é menor se comparado a uma compra com melhor relação custo-benefício (Biswas & Roy, 2015; Haws et al., 2014; Weisstein et al., 2014; Luzio & Lemke, 2013; Krishna, 2011; Argo et al., 2006). Inclusive, deve- se também considerar os efeitos positivos da contaminação que podem, também, estimular a compra de itens de segunda mão (Yan et al., 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo contribui para a produção do campo do comportamento do consumidor por prover evidências empíricas da existência do fenômeno da contaminação, em uma perspectiva antropológica, e de sua influência para a compra de produtos usados (Yan et al., 2015; Krishna, 2011; Argo et al., 2006; Rozin & Nemenroff, 1994). Também evidencia que o viés utilitarista do consumidor, focado na melhor relação custo benefício em suas compras (Belk, 2010; Weisstein et al., 2014; Biswas & Roy, 2015; Hamari et al., 2016), pode contribuir para superar o estigma negativo associado a compra destes itens (Watson, 2008; Guiot & Roux, 2010; Yan et al., 2015).
Entretanto, a contaminação não tem aspectos apenas negativos: pode estimular a aquisição de produtos usados devido a atributos idiossincráticos inexistentes nos novos, como a influência de pessoas admiradas ou mesmo o status associado a posse de um item ‘vintage’ (Belk, 1988; Yan et al., 2015; Um & Kim, 2016). Além destes aspectos, ressalta-se que é viável o mapeamento de um perfil psicográfico dos indivíduos que aderem a esta modalidade de compra, para que seja melhor explorada pelo varejo (Guiot & Roux, 2010; Yan et al., 2015).
Como principais limitações para este estudo destacam-se: a amostra do tipo conveniência; e a dificuldade de se mensurar a percepção de um fenômeno tão subjetivo quanto a contaminação antropológica. Quanto a amostra, a grande variedade aferida nos atributos
demográficos, como idade e renda, em um quantitativo pequeno de respondentes, tornou inviável a identificação de correlação significativa com outras variáveis mensuradas. Já a percepção de contaminação, além de bastante idiossincrática, não possui escala validada para sua mensuração. Neste sentido, sugere-se que pesquisas futuras foquem nos aspectos positivos da contaminação, que tem levado a superação do estigma negativo associado a compra de itens usados. Outrossim, a contaminação, na perspectiva tratada neste estudo, pode emanar não apenas de fontes antropológicas, mas estar associada apenas a marca de uma empresa, ideia que pode sugerir novas formas de se promover um produto. Por fim, além da construção de um perfil psicográfico dos consumidores de itens de segunda mão, argumenta-se que a construção e validação de uma escala para o fenômeno tem potencial para expor outros aspectos da contaminação ainda não evidenciado nos estudos correntes.
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