Ensaios
Periferias e Turismo: Mitos & Realidades
Periphery: Myths & Realities
Periferias e Turismo: Mitos & Realidades
Rosa dos Ventos, vol. 9, núm. 4, pp. 675-689, 2017
Universidade de Caxias do Sul
Recepção: 01 Abril 2017
Resumo: O presente texto pretende trazer alguma luz pioneira sobre o desejado turismo em periferia, como muitos pretendem. No entanto, não basta querer com o que existe; será necessário incluir um conjunto de medidas de planejamento social e territorial. Dado que o turista e só ele decide se vale à pena visitar um destino e, consideradas as penúrias territoriais do Brasil, ter claro em mente algumas condições históricas preliminares e decisivas. Como a periferia depende do Estado em que se encontra, e como tal estado é produto de ações passadas, assim como esta se modifica na linha do tempo, cabe avaliar quais degraus será preciso galgar, em vista do mínimo desejável segundo uma abordagem essencialmente qualificadora e social do território: não pode existir turismo de qualidade sem ambiência. Em suma, a situação periférica, assim como centros de elite, não são condições fixas e imutáveis. As mudanças suscetíveis de acontecer dependem das condições históricas das políticas púbicas, dos recursos financeiros, entre outros fatores. O Ser e o Tempo são entidades cujas mudanças já foram bem estudadas há várias décadas, por Agnes Heller [nascida em 1929], assim como por outros autores como Heidegger. Aqui será abordado como diversas periferias surgem; seus potenciais qualificativos e as dificuldades de superação necessárias.
Palavras-chave: Turismo, Periferias, Brasil.
Abstract: This is a pioneering and preliminary methodological approach about peripheries wishing touristic development. Considering the shortage and transformations of these kinds of areas over time: we must recognize that it changes as much elite’s spaces. Here we try to systematize origins and modalities of these kinds of social and poor territorial occupations.
Keywords: Tourism, Peripheries, Brazil.
O QUE É PERIFERIA
O uso indistinto entre os termos ‘periferia’ e ‘subúrbio’ pode causar desentendimento referente ao conjunto urbano, daí a necessidade de três esclarecimentos iniciais.
1 – Primeiro cabe ter claro que não pode existir centro urbano sem periferia em parte alguma do mundo, pois esta corresponde ao crescimento físico da cidade matriz, dotada de áreas nobres ou não. No entanto, o vulgo considera como periferia simplesmente extensões territoriais da matriz, inclusive coladas com periferias de outros municípios. Já o subúrbio tinha uma conotação menos taxativa, significando o que existia fora das imediações da cidade antes de sua degradação.
2 - Uma segunda questão pouco entendida é que a periferia pode, como no Brasil, ocorrer não apenas nos extremos da cidade, mas também em seu interior, porções mescladas com as ditas nobres, o mesmo acontecendo nos municípios limítrofes que fusionam periferias dotadas de áreas nobres com não nobres;
3 – Uma terceira constatação, em se tratando de turismo, tem por certo e definitivo que quem decide se uma área é turística ou não, boa ou má, é o turista e só ele toma a decisão sobre valer a pena se deslocar para outros quadrantes territoriais. De nada valem políticas e publicidades quererem que tal lugar sedie focos de turismo, se negar a definição de sua essência: lugar turístico é aquele dotado de densidade de frequentação turística, equipamentos e serviços da mesma natureza, assim como uma imagem que o caracterize como tal. Entenda-se: a favela da Rocinha não é em si um lugar turístico, posto não possuir as características elencadas. Ou seja, a Rocinha é simplesmente um lugar de excursão dependente do lugar verdadeiramente turístico que é o Rio de Janeiro. Isto tanto vale para a Rocinha, como para o Palácio da Boa Vista ou Paquetá, que já foi até objeto de canções amorosas.
Nesta ordem de ideias, como fica o reconhecimento de áreas contíguas e de um urbanismo sofrível (inclusive como modo de vida, segundo Louis Wirth)? São Paulo se junta com Jundiaí, que se junta com Campinas, que se junta com Paulínia... Desde a segunda metade do século XX, o mundo conta com conurbações monstruosamente grandes – vide, por exemplos como se configuram, hoje, o vale do Rurh [Westphalia], o Vale de Berg e do Reno, na Alemanha; Boston-Washington, Grande Los Angeles, Miami com Fort Lauderdale, Dallas com Fort Worth, Minneapolis com Saint Paul, entre outras, nos Estados Unidos. Veja-se que nessas condições periferias e áreas nobres se colam como sentido da expansão urbana.
Muito, mas muito pior do que essas últimas citações são as previsões que o historiador Arnold Toynbee, juntamente com o não menos importante arquiteto Constantinos Doxiadis, que anteviram o surgimento da Ecumenópolis, ocasião futura em que todas as cidades do mundo estariam unidas. Tal fato ainda não ocorreu, mas a situação se presta de exemplo sobre como ficaria a disposição entre áreas nobres e não nobres, como pormenorizado mais à frente. Conquanto esta previsão não se realize de modo catastrófico, o desastre não ficaria menor, a partir do que hoje já são conurbações assustadoras.
O maior problema de uma Ecumenópolis é nossa carência absoluta em lidar com o gigantesco ou mesmo com o grande, em muitos países. A governança de tão gigantescas áreas, como a macrometrópole de São Paulo com 173 municípios, vem constituindo um pesadelo para os países a que pertencem. Conurbações internacionais dependerão de acordos também internacionais. A experiência histórica desse tipo de gestão ainda está em gestação. E é aí que surge outro problema: nossa história revela que temos dificuldade em lidar até mesmo com o pequeno e isolado. Como seria, então, a escala mega gigantesca? Como haveria de ser sua administração multinacional, no sentido de definir normas e serviços obrigatórios comuns a todos? Como ficaria o comando geral, não somente em vista do poder super concentrado, como das diferenças ideológicas dos diferentes agrupamentos nacionais?
Já a noção de subúrbio como já citado, denota etimologicamente, o que se situa abaixo da urbe [sub-urbe] ou comumente, espaços municipais ao redor da cidade principal. Em vista da dificuldade metodológica de nominar esses fenômenos territoriais, sou inclinado, em se falando de superação da multidivisão de áreas periféricas ou suburbanas, a adotar, simplesmente, uma denominação sociológica que proponho ser a de bolsões sociais de pobreza – pouco importando que estejam dentro ou fora da cidade mais desenvolvida. Nessas condições adversas de paridade urbana são muito comuns os sistemas de governos mitigarem a realidade das áreas desprovidas com promessa de um Turismo de Periferia, ou ainda Turismo Comunitário, que são outras formas de enganar a sociedade, prometendo maravilhas. Nesses discursos inexiste o ‘cresça e apareça’, como se bastasse meia dúzia de medidas imediatas e alguns voluntariosos. Isso é uma proposta já percebida como um mito. Este equívoco deliberado ou proposital tem de acabar. O povo brasileiro está nos limites da suportabilidade mítica.
PEQUENA CONSIDERAÇÃO: PROCESSO HISTÓRICO DAS PERIFERIAIS
O entendimento sobre periferias é complexo e nada homogêneo. Tudo depende do histórico da urbanização, assim como das mudanças intrínsecas através do tempo. Por esta razão, este tópico pretende chamar a atenção para algumas considerações fundamentais e, mesmo assim, restritas a certas partes do mundo. O fato de ser um bolsão de pobreza não basta para definir seu conteúdo.
Inicialmente repetirei uma toada sobre Paris, referência histórica mundial em razão de sua respeitabilidade urbanística através dos tempos, mormente após a segunda metade do século XIX. A cidade medieval, como várias outras da Europa, era tributária de características defensivas contra ataques da artilharia, que Max Weber tão bem sistematizou com seu tipo ideal, na obra Economia e Sociedade. Na realidade, a cidade medieval por ele descrita nunca existiu enquanto totalidade e, sim, pelo conjunto de características de ‘n’ itens urbanos, repetitivos compondo certo padrão de interesse decididamente didático. Havia semelhanças, umas mais, outras menos, do muro que separava a cidade do campo e se prestava à defesa, sobre o fosso, sobre a relação senhor feudal & suseranos. Uma ou outra dispunha de um fosso em seu entrono, para dificultar o acesso de inimigos; fosso e muro com uma ponte levadiça constituíam seu primeiro meio de comunicação com o mundo circundante. O padrão senhor feudal versus suseranos era muito bem definido pela relação recíproca de proteção desses últimos para com o senhor feudal, que lhes garantia privilégios.
O muro separava a vivência urbana da rural. Em sua grande maioria, as habitações agregavam, num único ambiente, toda família e alguns animais, que garantiriam o aquecimento no inverno. Percebidas com os olhos de hoje, a promiscuidade era total, com pontos óbvios de similaridade com cortiços e favelas que apareceriam bem mais tarde, em separado dos segmentos melhormente situados. A higiene era deplorável, por igual àquela que gerou a Peste Negra no século XIV, responsável por milhares de mortes. Não existia saneamento básico, nem conhecimentos de higiene corporal, que só começariam a ser observados no século XIX, com o concurso das Universidades já estabelecidas. Quais seriam as vantagens da favela atual se comparada aos idos medievais de mais de cinco séculos?
Certa literatura desse longo período chegou a afirmar a excepcionalidade de fulano que “aos 30 anos ainda tinha todos os dentes da boca”. O problema da falta de ventilação entre as edificações densamente aglutinadas foi um motivo da propagação de indizível número de outras doenças, como a tuberculose. Paris, (assim como as favelas brasileiras) não fugia à regra geral, só mais ou menos rompida com a eclosão dos tempos modernos sucedidos aos medievais, marcados pelos aportes civilizatórios do Renascimento, cuja única exceção de desenvolvimento notável fora a civilização árabe, que, por exemplo, com sua Alhambra dotada de água corrente. Em suma, em sua organização geral, a cidade medieval, conquanto intramuros, dava a impressão de ser de higiene semelhante a uma periferia. Aliás, enquanto houvesse a existência de muros, estes impediriam a urbanização de extravasar-se, não havendo uma periferia física tão nítida quanto hoje.
Nos tempos marcados pós Revolução Francesa de 1789, nomeadamente sob Napoleão III, considerou-se que a velha Paris deveria passar por uma renovação urbana sem precedentes na História Universal; ela deveria ser um grande marco de respeitabilidade, daí ser padrão tentado no Brasil, México e Argentina, que pretendiam ser ‘a nova Paris’, sem que chegassem aos pés da Cidade Luz. Era a Belle Époque que surgia, com todo esplendor, com suas imensas avenidas em plano urbanístico radiante; seus jardins públicos; suas construções de opulência ostensiva; seus novos hospitais, sua morgue, etc. Confira-se com o que Pereira Passos pretendeu com a renovação do pestilento porto do Rio de Janeiro, cuja fama se espalhava pelo mundo. Sim, ele fez algumas coisas opulentas, como a Avenida Central, desaparecida com o tempo, a Biblioteca Nacional, a Ópera... Manaus, com os dividendos da borracha, também pretendeu ser uma nova Paris...
Importante de ser assinalado é que a Belle Époque não foi tão bela assim, para com a maior parte da população pobre que vivia em cortiços, tão bem descrita por Vitor Hugo em seu romance Les Misérables, objeto de grande número de refilmagens cinematográficas. Nisso o Rio pretendeu ser seguidor do Barão Haussmann, prefeito de Paris entre 1853 e 1870. Tiraram-se os pobres da região central do Rio de Janeiro, para o ‘Deus me livre’ da primeira grande na periferia da cidade, conforme citação do grande professor de Geografia Histórica, Maurício de Almeida Abreu[2]. Aliás, o substantivo favela data dessa época, porque soldados voltando de batalhas no Nordeste viram num arbusto denominado favela, existente no Sul, a vegetação primitiva da primeira favela do Rio.
Não obstante, a grande reviravolta que excluiu os cortiços das áreas centrais do Brasil se daria com o início de industrialização, ocorrida sob Getúlio Vargas, que tinha entre seus propósitos modernizar o Brasil. Vide sua implantação da primeira Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda; a Consolidação das Leis do Trabalho, instituindo férias e outras vantagens paras a classe de trabalhadores. Eclea Bosi, com sua obra Memória e Sociedade, gravou e sistematizou dezenas de depoimentos de uma população já idosa que vivera desde o começo do século XX e ainda vivia um pouco antes da publicação dessa citada obra. Literatos como Aluisio de Azevedo, Machado de Assis, Humberto de Campos, João do Rio e muitos outros produziram obras que nos auxiliam a montar um quadro da vida privada mediana e pobre no primeiro quartel do século XX.
Retenha-se isto: desde o início da industrialização do Brasil, após 1937, o número de favelas não parou de crescer assustadoramente, culminado com entronização da bandidagem e dos traficantes de droga ostensivamente, a ponto de determinar as regras de mútua proteção com os favelados. Engula-se isto antes, de se declarar o fim da pecha vergonhosa das favelas brasileiras. Apesar dos discursos políticos de exterminação das favelas, elas jamais se multiplicaram como hoje, em que pesem as promessas políticas de respeito aos direitos humanos.
Em vista das breves referências citadas sobre esse fenômeno, é preciso reconhecer que a multiplicação de bolsões de pobreza muito depende da forma como o processo histórico de cada lugar conduziu seu efetivo tratamento da questão social. Periferias que não sejam condomínios de alto padrão existentes fora da cidade constituem não só uma vergonha nacional, como uma ameaça à paz pública.
CRIAÇÃO DE SUBÚRBIOS OU PERIFERIAS: SISTEMATIZAÇÃO SUMÁRIA
A presente seleção de casos visa apenas ilustrar as ocorrências mais comuns que afetam o turismo e o cotidiano do cidadão, repetindo-se e perpetuando-se caso não haja uma intervenção social contundente do planejamento urbano e regional. Há muitas outras formas responsáveis pela periferização da sociedade, cabendo às políticas públicas equacionar essa contradição que nega a definição de um país dito em desenvolvimento – condição que exige atuações bem contundentes.
Periferia por agregação - Estamos habituados a associar periferias com pobreza, mas isso nem sempre acontece, como se verá mais à frente. No começo a urbanização formal ou renovação urbana de áreas de bom valor fundiário, foram responsáveis pela expulsão dos habitantes que, impossibilitados de enfrentar os ônus da nova área, fugiram para longe do centro urbano, como quando do desmonte do Morro do Castelo [1922], no Rio de Janeiro, que os afastou de vez. A guisa de uma sistematização sumária, podemos constatar urbanizações que se criam em espaços afastados do centro. Na sequência, os principais casos de suburbanização. Conquanto a sistematização de casos a seguir dependa da imaginação e sujeita a incógnitas, é sempre preciso antever possibilidades com fundamentos históricos. Como bem alertou Albert Einstein: A imaginação é mais importante do que o conhecimento.
Periferias metropolitanas - Sem a menor dúvida, os bolsões de pobreza existentes por toda a periferia metropolitana se devem ao fato de que tais regiões representam o único sítio possível para as populações pobres, que aportam na grande cidade em busca de trabalho. Não deixa de ser inadmissível: mais de oitenta anos após o processo de industrialização do país, continuamos a tratar essas franjas da metrópole como escória. No entanto, países onde a justiça social se torna uma diretriz obrigatória, sua qualidade se torna muito mais aceitável. Em várias partes do mundo, Europa nomeadamente, procedeu-se a amplos investimentos na habitação social e na infraestrutura, além de nelas posicionar instituições de alta valia para o Turismo, como A Cidades da Ciência [Paris], grandes teatros, resorts, spas, além da indispensável infraestrutura que as colocam como lugar objeto da democracia.
Sim, dispomos de lugares de potencial turísticos ainda que carentes de complementos de ambiência. Tomarei o Sul como principal referência. Embora o Embu tenha sido a coqueluche do turismo e lazer de um dia nos anos 1970, com suas igrejas, praça colonial e bons restaurantes, tudo isso evaporou com a predominância de habitações populares de baixo nível. Santana de Parnaíba-SP prossegue recebendo visitantes em função de sua área tombada, correspondente à região central, mas de acesso predominante de carros particulares, ao invés de linhas velozes e confortáveis de transportes públicos. Holambra-SP, cidade das flores, continua muito viva, graças a suas iniciativas privadas. São Roque-SP perdeu sua ambiência de lugar colonial pela desavisada política de Uso e Ocupação do Solo, assim como de preservação histórica. Hoje dispõe de uma boa estrada dita ‘do Vinho’, onde se alinham bons restaurantes, adegas [cujas uvas são importadas do Rio Grande do Sul...], chocolaterias, lojas de suvenir, etc. Coisas para uma tarde, graças à iniciativa privada associada à melhoria oficial da estrada. Rio e Salvador possuem atrativos de natureza folclórica, muito desenvolvidos. O Rio conta com vários subúrbios [Salgueiro, Mangueira, entre outros], portadores de culturas associadas a Escolas de Samba, Capoeira e Rituais Afro-Brasileiros. Assim, várias periferias metropolitanas são dotadas de alto potencial qualificável, mas na condição de procederem-se intervenções governamentais. Hoje mereceriam condições que pudessem criar ambiências de valor, mas não só visando o turista e, sim, a população local. Este breve comentário referente à população local encerra o toque quase mágico de sucesso, mas os governos estão há anos luz de distância de tais preocupações.
Urbanização a beira de rodovias - Este fato é um particularmente agudo no Brasil, porque centros urbanos um pouco distantes das rodovias acabam por autorizar o rendoso comércio de beira de estradas, quando esta deveria permanecer separada da sede, não se devendo tolerar quaisquer comércios a menos de 500 metros entre ela e a cidade. Este equívoco brasileiro, sem que cidadãos comuns percebam, está custando muito caro, pela necessidade decorrente de implantação de infraestruturas locais e em bairros adjacentes; linhas de eletricidade e força; serviços de água; postos de socorro, etc. Ademais, surge a necessidade de construir viadutos e passarelas sobre a rodovia, posto que cidadãos do mesmo município sempre se conectam com o lado oposto, na falta do que, as travessias pedestres sejam comumente fatais. Junto com os comércios, é comum irem surgindo pré-favelas como aconteceu à beira de alguns trechos do Rodoanel de São Paulo.
Periferia devida às ocorrências geográficas - São de variadas naturezas: belezas naturais excepcionais e sua atração pelo turismo; jazidas minerais, postos de trabalho, etc. São área de começo turístico que sempre atraem pobres à procura de trabalho e com eles as favelas, como se constata em Águas de Lindóia ou Penedo, em que os prefeitos jogam os pobres pra o ‘outro lado da estrada’ para poupar os turistas da visão deplorável. É o que se pode denominar política de avestruz.
Subterfúgios às Leis de Uso e Ocupação do Solo na cidade matriz - O desejo comum de se dispor de uma habitação horizontal e consequentemente sua necessidade de maior área de terreno, faz com que se despreze o foco já urbanizado desde a fundação, em favor da nova área suburbana que, consequentemente, atrai a necessidade de serviços públicos. No caso de a lei de uso e ocupação do solo resultar em preço da terra muito caro, o subterfúgio de criar um condomínio em área rural legal, mas que se transforma em indutor de nova urbanização periférica gera um bolsão de pobreza que pode se tornar realidade. Por esta razão, loteamentos de alta classe também se instalam nas periferias, mesmo que ao lado de bolsões de pobreza. É que seus lotes, bem maiores, custariam muito caro dentro da zona intensamente urbanizada. Este fato ocorre num indizível número de municípios, como em Uberlândia-MG, que já foi bem estudado, ou Valinhos, maior reduto de condomínios do Estado de São Paulo. Por suposto, a existência de residências atrai prestação de serviços de modo e talvez aumentar a zona de expansão urbana.
Ocorrências ditas sobrenaturais ou extraterrestres (?) - Vários lugares de devoção cristã pelo mundo afora são devidos a aparições de Nossa Senhora. Tal como Fátima, Portugal, outrora um simples vilarejo, ou Guadalupe, no México. Por igual, certos cidadãos juram ter visto naves extraterrestres em vários pontos do mundo, causando grande afluxo de fanáticos. Alto Paraíso, Goiás, é exemplo de lugar que, em vários quadrantes, formaram-se bolsões de pobreza pela prestação de serviços relativos ao turismo.
Exclusão racial imperialista - Tal é o fenômeno ocorrente na Faixa de Gaza, cujo imperialismo israelense é extremamente nefasto, provocando condições urbanas e urbanísticas tão humilhantes quanto deploráveis. Não obstante, é preciso se abster de denominar de guetos lugares que não são. Veja-se o caso de São Francisco, Estados Unidos. Sua concentração de gays num de seus bairros, não pode ser considerada gueto porque gays lá se instalaram e continuam a se instalar, por vontade própria. Neste caso não se trata de formação de nova periferia porque eles são virtualmente amantes do luxo e jamais forçados a assim viver.
Acampamento de foragidos políticos - Em várias partes do mundo, África e Oriente Próximo, sobretudo, amplos segmentos sociais, virtualmente pobres, ocupam alguma área erma autorizada onde se instalam precariamente, o que configura um bolsão de miséria desumano e de higiene precaríssima, pois vivem em tendas. No entanto, somente uma pesquisa histórica poderá demonstrar, em cada caso, se houve urbanização a partir do acampamento primitivo convertido em pobreza que se iniciou sozinho, ou então se tornou periferia de um centro mais longínquo e dele dependente. Entenda-se que seria preciso que o mesmo crescesse ao longo do tempo, adquirindo certa autonomia relativa para ser considerado como tal. Só a História poderá confirmar sua verdadeira natureza.
Bolsões de miséria em meio a bulevares suntuosos e turísticos - O caso de maior visibilidade se dá na Avenida Paulista de São Paulo, onde mendigos se instalam em tendas ao longo de todo o trajeto da via a fim de mendigar. Pela noite, mendigos dormem sob o vão livre do MASP, onde jazem obras primas da arte mundial. O mesmo fenômeno se repete até mesmo em bairros considerados chiques como o Jardim América. No entanto as populações abastadas nunca se são conta que a familiaridade com a miséria é um passo dado para a calcutização da cidade.
Isqueiros pantaneiros - Assim se denomina uma atividade decorrente da pesca de lazer em áreas como o Mato Grosso do Sul. Ainda hoje, mais que antes, pescadores amadores oriundos de cidades grandes, quando pescam em rios isolados, têm necessidade de adquirir facilmente de iscas para seu esporte. Já os isqueiros são nativos de aldeias do mato próximas dos locais de pesca, que vendem minhocas aos pescadores. Em meio ao rio e ao matagal surgem mecânicos de motores de barco; ‘a mulher que vende parto feito’; o vendedor de combustível; a prostituição feminina; e assim o casario miserável se instala, como bem sugeriu Álvaro Banducci em seu doutorado.
Condomínios do padrão new urbanism - Essa proposta americana é muito semelhante às garden cities inglesas, cujo modelo urbanístico é universalmente proposto na virada do século XIX, com um número de habitantes não devendo ultrapassar dos 50.000, num ambiente florido, sustentável e de boa vizinhança. Conquanto me pareça algo utópico, como o foram as mencionadas garden cities britânicas, onde áreas ricas sempre contam com vizinhanças de baixa densidade onde acorrem pobres para oferecer serviços. Brasília, que também teve seu urbanismo moderno, não se estabilizou com o previsto por Lúcio Costa: com o tempo, o limite habitacional explodiu e a capital se fez rodear de periferias de configurações muito a desejar. Em países periféricos ao capitalismo central, o desejo de se isolar da ‘barbárie’ é uma proposta mais utópica ainda. As Citas Lentes concebidas na Itália, com regimento próprio, devem ficar constantemente pequenas e com ótimo visual, assim como com infraestrutura e preservação ambiental e histórica. Esta modalidade de concepção minimalista já conta com várias cidades no mundo, certificadas pela apelação de origem, que atraem certos turistas sem pressa. O Brasil logo quis ter as suas cidades desse padrão, mas não consegue porque somos incapazes de manter o padrão recomendado. A garantia de manutenção do modelo proposto deve ser aprovada pela Câmara de Vereadores. E qual município brasileiro consegue impedir a formação de novas favelas em semelhantes casos?
Frentes de exploração agrícola ou mineral - Desde o final da década de 1930, quando Getúlio Vargas liberou uma concessão para Henry Ford explorar a hévea em Fordlândia, região Amazônica, o alto padrão da cidadezinha por ele construída foi não só rejeitado pelos seringueiros, como seu modelo se tornou decadente depois que a plantação da hévea decai, como demonstrou Viana Moog em Bandeirantes e Paralelo de duas Culturas. O mesmo se pode dizer de Serra do Navio, Amapá, muito mais sofisticada que a anterior, que degringolou com o encerramento de exploração da bauxita pela firma americana Bethlem Co. Nesses casos de esgotamento de explorações minerais, agrícolas ou de garimpo, a decadência vem com a queda econômica e sua infraestrutura aproveitada por segmentos mais pobres.
Licenciosidades sexuais - Quem diria que a moral pública também gera periferias sofríveis? Os motéis brasileiros, diferentes dos de outros países, são reduto de traição sexual, abominada pela sociedade formal [e grandemente hipócrita]. Por esta razão, motéis começam em estradas de fácil acessibilidade, não muito longe dos centros urbanos. Seu entorno, como era de se esperar, não raro oferece complementos ao esporte sexual: restaurantes, bares, postos de gasolina, etc. Neste melting pot, como é natural, o ar de periferia se faz presente, ainda que muitos se revistam de luxo e às vezes subornem o município que gere sua área privada.
Isolamento político - Pelas mais diversas razões, o isolamento do poder monárquico sempre primou por aspirar ares aristocráticos, como em Versalhes, França; mas, muitos historiadores comentam que a deplorável higiene pública de Paris, com dejetos humanos nas ruas e seu odor insuportável, muito contribuiu para este afastamento, vindo a criar na periferia bolsões, até os anos 1970. No caso da Imperial Cidade de Petrópolis, sujeita à administração brasileira tudo degringolou e perdeu sua característica de turismo bem assentado. Na realidade, pousadas de alto padrão surgiram na área rural, como forma de resguardo à feiura. De fato, o problema da habitação social não foi objeto de ajuste do poder municipal. Este nada fez para controlar estradas favelizadas, com construções de baixíssima qualidade, que alcançam quilômetros de extensão, como o caminho que vai da sede para Itaipava. Aliás, a própria sede não merece mais o título de Imperial, porque também se deteriorou com o desvirtuamento ambiental urbano.
Cidades gêmeas internacionais - São pares cidades divididas entre o Brasil e ouros países sul americanos, ao longo de nossas fronteiras, onde o ambiente de contrabando e corredor de drogas impede a melhoria de gestões já problemáticas, com o agravante de não existir acordos internacionais de cooperação urbanística – Brasil com Bolívia, Uruguai, Peru, Colômbia, Venezuela – que inviabilizam um tratamento mais apurado. Favelizações bi nacionais surgem de um lado e outro ao longo do Uruguai, Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru, Colômbia, sem falar das antigas Guianas.
Beleza natural - Foz do Iguaçu e indizível número de lugares que contam com beleza quase que únicas no mundo tropical dispensam dizer que sediam hotéis, comércios, habitações precárias com grandes quantidades de prestadores de serviço – como sempre, no entorno do luxo. Note-se que neste caso o Turismo, atraindo serviçais, é fator de periferias que, frequentemente, elas mesmas comprometem o turismo ali praticado. Não só isso: Foz é um reduto onde o total desalinho do comércio configura uma forma de favelização da cidade, tal é sua feiura.
Primazias topográficas - Este exemplo vem de priscas eras coloniais. A Igreja Católica situava seu principal templo sobre a maior colina, como simbologia da alteza de Cristo. Em Vitória, de tempos posteriores, a Igreja de Nossa Senhora da Penha não só domina a paisagem do alto de elevada montanha, como fez cognominar sua principal via de acesso de ‘Retão da Penha’. A construção em seus arredores é de baixa qualidade arquitetônica, uma constante deplorável de todo o litoral capixaba com sua feiura arquitetônica.
Monumentos - Monumentos grandiosos, situados longe do perímetro urbano, produzem, pela afluência de turistas e seus prestadores de serviço, habitações precárias como aquelas situadas ao lado do Palácio da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A Ilha de Paquetá, no mesmo Estado do Rio, exaltada em poesias e em músicas, degringolou como local de habitações de baixo nível. Ninguém mais canta o possível ambiente amoroso de Paquetá, do mesmo modo que ninguém mais entoa a letra de ‘Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil’, porque não mais se acredita nessa mentira, apesar de belos dotes territoriais. A corja de bandidos e traficantes acabou de vez com a liberdade do Rio e isso é pior do que favelas. No Rio, favelas são avistadas de quase todos os pontos. Uma segunda classificação de monumentos se atém à condição de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos de valor histórico e social, usualmente sem a produção de ambiências que ficam ao acaso da arbitragem privada, alheia ao interesse comum. Cada um constrói o que quer, sem correlação com o que já existe ou pode ser melhorado. Pelo contrário, chega-se mesmo a pichar e deteriorar as edificações, quando não reparadas com tapumes e descontinuidade construtiva. São visões de nossa inferioridade no tocante às políticas públicas do espaço público em especial. Este fato dominante em nossa paisagem urbana constitui, simplesmente, a periferização da ambiência urbana.
A infeliz invenção de estradas parques para o turismo - Alguém inventou à moda da Estrada Parque como sendo de interesse turístico linear, onde os prestadores de serviços logo vicejaram, assim como redutos de pobreza. Estrada Parque é uma inovação nociva porque abre caminho para penetrações fora da estrada – nos parques – e assim viram periferias da estrada ou o que é pior, maculam reservas que deviam permanecer o mais selvagem possível. Mato é lugar de Jaguatirica, não sorveteria e pastéis ambulantes. Sou de opinião que, paradoxalmente, brasileiros detestam áreas selvagens; entopem as praias de quiosques, não deixam escapar uma beleza natural sem se apossar de um ponto de vendas. Onde há mato, há comerciantes que denigrem a paisagem natural e sua imagem. E qual a razão de caiar árvores e guias de rua com cal? Afirmado por Roberto Scaringela, fundador DNT: a caiação é de efeito puramente cosmético. Na escuridão, o que funciona mesmo é iluminação. As formigas danificam a vegetação? Então seria preciso caiar as árvores da Amazônia inteira...
Reservas naturais oficiais – São, consideradas as nacionais e estaduais, não muito longe de mil unidades. Elas apresentam vários problemas capazes de neutralizar seu valor vital à biosfera e também de comprometimento turístico, tal como segue. Suas demarcações começaram falhas em razão de várias omissões: (1) Não procederam a uma etapa obrigatória de levantamento fundiário minucioso; (2) Suas grandes superfícies demarcadas não procederam a um levantamento minucioso da população residente, indispensável para seu controle de crescimento demográfico, ensejando que vários outros cidadãos venham a nelas residir ou se vincular por matrimônio com alguém nativo. Assim, abre-se precedente à privatização e, dessa forma, o crescimento por ocupação indevida poderá prejudicar a própria finalidade de reserva; (3) A esmagadora maioria das reservas não possui um plano de manejo legitimado, a fim de detalhar os possíveis usos indevidos em lugares que sequer possuem controle. Por outra mão, não se procedeu a um minucioso levantamento de possíveis tribos indígenas, cujos direitos poderão, igualmente, inviabilizar o sentido ambiental das reservas. Se estas se encontram legal ou tecnicamente desamparadas e, vista da carência de habitações sociais, a periferização agrária poderá eliminar, progressivamente, possíveis focos de turismo exótico, especialmente por parte de estrangeiros. Não se pode perder de vista que o Brasil constitui um dos poucos remanescentes exóticos do mundo, sendo também o maior deles que corre o risco de definhar.
Oasis artificiais - Não se trata de uma ocorrência geográfica própria do Brasil, mas sua produção artificial em meios como o Piauí, por exemplo, onde há espécimes de pintura rupestre de alto valor como as de Altamira ou Lascaux, que podem ficar comprometidos. Veja-se, por exemplo, o que a ignorância cultural provocou em vários sítios arqueológicos, comprometendo um turismo ideal fundado em bases históricas de relevância mundial. Oasis podem se tornar realidade em redutos artificialmente criados nas áreas de clima tórrido, como o Piauí cujos sítios arqueológicos são, segundo Niède Guidon, sua maior defensora com seus trabalhos locais, equiparáveis às melhores pinturas rupestres da França ou Espanha. Entretanto, atenção: a existência de populações regionais muito pobres criará, fatalmente, periferias de baixa qualidade de suas comunidades e nos valores dos próprios sítios arqueológicos. Isso sem falar do vandalismo sobre pinturas rupestres.
Descobertas por personalidades - No princípio dos anos 1960, a estrela de fama mundial, Brigite Bardot, passou uma temporada num então praia de Cabo Frio, conquanto sua estadia tenha se dado na Armação dos Búzios, distrito que se tornou independente do primeiro citado. Sucede que Cabo Frio do tempo da Bardot se encheu de tantas construções horripilantes, de passagem obrigatória para a alcançar, que a separação legal se tornou inevitável. Note-se, pois que a favelização de Cabo Frio comprometia Búzios seriamente, agora livre por um subterfúgio administrativo de fronteira municipal. Os bairros miseráveis agora pertencem unicamente em Cabo Frio não deixaram de existir na continuidade territorial da Armação dos Búzios: de fato, foi apenas a divisão oficial que garante a Búzios não possuir favela... Sua visão antiturística foi resolvida com a construção de uma estrada de contorno da área não recomendável... Como muitos autores teóricos do turismo defendem a presença inaugural de um lugar turístico por certas personalidades no Brasil e mundo afora, detona-se um fluxo turísticos, cuja manutenção da beleza original depende de uma sábia administração municipal que concilia a presença turística com a questão social. A mesma Bardot muito contribuiu para a divulgação de Saint Tropez, hoje um dos santuários do Mediterrâneo.
Sociedades tribais - Seja este, com certeza, o único caso sem bolsões de pobreza de indígenas que já tiveram contado com brancos. Em revanche a paridade social do grupo possui uma organização do espaço com áreas com bolsões de pobreza. Não existe periferia social, salvo citação inicial deste tópico.
Finalmente... chegamos a um tal ponto de multiplicação de favelas e pontos favelizados por todas as partes, que essas precariedades já vão rendilhando todo o espaço brasileiro com maior ou menor concentração. Jamais vi um brasileiro, membro do governo ou da Academia se perguntar por qual razão Buenos Aires sozinha recebe mais turistas, anualmente, do que o Brasil inteiro. Muito curioso!
PERIFERIAS E TURISMO: HAVEREMOS DE ENTREGAR OS TRUNFOS.
No momento da atual abordagem, ao mesmo tempo em que tomei como eixo a periferização do País, podemos concluir sem a menor dúvida, visto o elenco de anomalias, indagar qual a razão dessa displicência com o meio e a questão social. Estamos à mercê de uma classe política incapaz e medrosa que só não melhora as condições vitais e ambientais porque não quer. Mais do que isso, todos os cargos eletivos são uma conquista dos meios politiqueiros, gente sem a menor qualificação para o importantíssimo comando que deve ter às mãos. Aqui, um prefeito eleito só é instado a registrar seu plano de ação após tomar posse, e não antes, para que o povo tenha critérios de opção. Já tivemos, de fato, dirigentes capazes – como Jaime Lerner, no Paraná, ou Prestes Maia em São Paulo, mas se tratam de minorias históricas. Ora, os políticos, legalmente deveriam apresentar sua lista de intenções de planejamento dentro de um prazo limitado antes das eleições, resultando suas publicações em site grátis para qualquer acesso. Esta é a prova mais contundente do engodo de que são alvo os eleitores, mas esses também têm sua carga de mea culpa porque elegem a partir de discursos inconsistentes, sem garantias. Ou seja, vota-se para depois saber o que seu candidato vai efetivamente fazer, se é que faz.
Essa chaga deplorável da classe política, por mais honesta que pudesse ser, deveria ter seus poderes cerceados em favor de uma classe de técnicos concursados que, afinal, seriam os que permanecem e mais habilitados a cumprir as tarefas do dia a dia e do futuro. Não dispomos de uma verdadeira Faculdade ou Instituto cujo objetivo seja unicamente devotado a formar quadros para administração e gerenciamento da questão urbana, de política urbana e regional, e com direito oficial a voz. Tampouco, e isto é o mais grave, somos incapazes de promover uma reforma radical em nossas instituições. Em contrapartida, o cidadão comum também é responsável por atitudes abomináveis, não cumprindo obrigações indispensáveis da cidadania, na qual o que lhe vale é só o interesse próprio, para não dizer decididamente, futebol – a grande chaga do Brasil conforme já afirmou Ulisses Guimarães. Nunca o leitor imaginou como seria o país se 50% do tempo e ardor com o futebol fosse devotado às questões públicas. Apenas isso poderia melhorar, talvez, substancialmente o quadro de vida nacional.
Como se não bastasse a incapacidade administrativa em tempo de Direitos Adquiridos, desde 2015 a operação Lava Jato iniciou uma varrida da corrupção no âmbito federal do primeiro escalão, resultando na prisão de mais de dezenas de ministros, grandes empresários corruptores e deposição da Presidente da República. Neste ponto de minha sucinta narrativa, torna-se indispensável refletir sobre a passagem alardeada em todos os quadrantes a inauguração da ordem democrática com a anistia de 1981. Foi com a operação iniciou-se um leve sinal de punição dos culpados, esses mesmos que galgaram o poder em nome da democracia. Este fato isolado do nível federal está longe, muito longe, da corrupção existente na esmagadora maioria dos quase 7.000 municípios brasileiros, já com considerável número de cidades de grande porte, sem excluir as pequenas, igualmente vulneráveis à peste que grassa em toda a Federação.
Mas por qual razão terei eu levantado essa vergonha escandalosa da classe dirigente? Não tenho a menor dúvida de que se não fosse essa abominável corja o Brasil teria feito progressos inigualáveis neste quase meio século de ordem autodenominada Democrática. Voltando ao centro da presente problemática, a periferia poderia ter sido quase totalmente eliminada com inúmeras benfeitorias que ultrapassam o discurso oficial de que o Brasil já é um país de classe média. Média? Com os horrores da escória traficante dividindo o poder de mando com os eleitos, por sua vez nada coerentes com os discursos que os elegem? Quando temos em conta os doutorados que abordam os grandes problemas nacionais, a frase final dos mesmos é sempre esta: ‘Tudo o que podemos fazer é mitigar a situação’, a reciclagem dos lixos, a depuração dos cursos fluviais, a eliminação dos traficantes de drogas, a melhoria urbanística, a manutenção do patrimônio histórico e o ambiental, o saneamento, o... o...
Eis que pretender turismo nas periferias não passa de mera ideia conceitual ou mentira deliberada, como no caso turismo comunitário. Turismo de verdade, ou melhor, quase de verdade é só para os bem-nascidos. Afirmação cruel? Bem, não sou o primeiro. O velho Maquiavel já dizia: ‘E sara colpa mia si cosi e?’.
COMO ANDAM AS POLÍTICAS OFICIAIS DE TURISMO?
Mais uma vez retomo o exemplo da favela da Rocinha sobre a qual se repete, oficialmente, ser um lugar turístico. Novamente, também retomo a minha definição de lugar turístico, como sendo aquele que possui uma boa densidade de frequentação turística baseada em definições da Organização Mundial de Turismo: equipamentos e serviços especializados em turismo e, algo importantíssimo, a imagem de um lugar dessa natureza que está no entendimento coletivo de sua marca.
Nessas condições, a Rocinha não é um lugar turístico e sim uma das formas de práticas usuais entre turistas: realizar múltiplas excursões – bem entendido, tudo previamente acertado entre traficantes e dos de botecos na favela. Assim, na ótica de um turista do Rio de Janeiro a Rocinha é simplesmente um lugar de excursões, sem as qualidades acima referidas como sendo de lugar turístico. Entenda-se que um possível [?] processo de planejamento, tendente a valorizar o sítio dessa favela com infraestrutura, poderá, no final das contas, negar sua condição de favela para ser um bairro comum da cidade. Na ótica do favelado, confunde-se excursão com turismo como lócus vivendi. Certíssimo: democracia é infraestrutura tal qual um prefeito de Bogotá procedeu com sua periferia, dando os primeiros sinais de pertencimento da população local. No entanto, nossos bolsões de pobreza estão há anos luz de distância do que se considera uma forma de bem viver. Elevada à condição de lugar turístico, a Rocinha será, isso sim, dotada do status de lugar pitoresco do turismo carioca.
Na transição do século XX para o XXI, sob direção da arquiteta e funcionária da Prefeitura do Rio de Janeiro, Lu Petersen, procedeu-se a uma substancial melhora da Favela do Jacarezinho, que foi visitada por um grupo da Bauhaus, que nela viu uma morfologia igual às cidades medievais. O que se fez na época foi demolir o miolo de conjuntos de favelas, nele garantindo no meio um espaço de aeração que ajudou a combater a tuberculose antes dominante. Foram criadas escolas de inglês, cafés Internet, escolas de ballet. E algo fundamental: um espaço público, desde então oficialmente vigiado e com boa infraestrutura. Dispor de um endereço, fato que antes não existia, inclusive recebendo contas como a de luz, fez com que pela primeira vez seus moradores experimentassem o indispensável sentimento de pertencimento, ou belonging, na expressão em inglês. Infelizmente, o custo da intervenção urbanística e social teve um custo ainda alto para ser reproduzido na favela inteira.
No entanto a operação Lava Jato dos anos pós 2015 permite deduzir, que bilionárias somas poderiam ter feito muito mais em grande número de favelas... Favelas que um dia, quando alguém de biquíni fosse nelas tomar sol e se hospedar com seguranças, aí sim se tornar um lugar turístico com vistas maravilhosas. Diante desta possibilidade não utópica não é só a favela que terá eliminado a pecha de lugar maldito, e sim o Brasil elevado à condição de país civilizado. Em que valham considerações como as aqui colocadas, o Ministério do Turismo ainda crê, com suas políticas canhestras, que o simples blá da publicidade exploradora de nossas belezas naturais e convenções comerciais + nossas garotas de fio dental bastariam para satisfazer o lugar e, sobretudo, o País. Anote-se que apesar de dispor de praias e muito sol, o pequenino Portugal chega a receber quase o dobro de turistas que o Brasil. Ficou provado pelo Professor Carlos Costa da Universidade do Aveiro, que o turista estrangeiro procura antes fatores culturais de civilização do que a praia; mulher bonita e paisagens exuberantes não são exclusividade brasileira: andam por aí na esmagadora maioria de países.
Referências
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Notas