Resumo: O presente artigo pretende analisar a coordenação federativa das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo. Esta pesquisa se torna relevante a partir do momento que discute as implicações concernentes aos conceitos citados anteriormente, pois esse aspecto é inexistente nas literaturas que versam sobre políticas públicas e turismo. A metodologia desenvolvida foi do tipo qualitativa, com revisão sistemática da bibliografia. Observou-se, a partir da análise, que a Política Nacional de Turismo apresenta características inerentes ao federalismo brasileiro, como o número e a variedade de unidades governamentais, o número e a variedade de autoridades governamentais envolvidas [políticos e burocratas], a intensidade e a regularidade dos contatos entre as autoridades governamentais e que o Ministério do Turismo centraliza as ações a partir da normatização e transferência dos recursos que as subsidiam.
Palavras-chave:TurismoTurismo,Política Nacional de TurismoPolítica Nacional de Turismo,Coordenação FederativaCoordenação Federativa,Relações IntergovernamentaisRelações Intergovernamentais,BrasilBrasil.
Abstract: This article analyzes the federal coordination of intergovernmental relations in the National Tourism Policy. This research becomes relevant when discussing the implications related to the concepts mentioned above, because it is non-existent in the literature that focused on public policy and tourism. The developed methodology was qualitative type, with systematic review of bibliography. It was observed from the analysis that the national tourism Policy features inherent to the Brazilian federalism as the number and variety of governmental units, the number and variety of governmental authorities involved (politicians and bureaucrats), the intensity and regularity of contacts between government authorities and the Ministry of tourism centralizes the actions from the standardization and transfer of resources to the aid.
Keywords: Tourism, National Tourism Policy, Federal Coordination, Intergovernmental Relations, Brazil.
Artigos
A Política Nacional de Turismo sob a Perspectiva da Coordenação Federativa de Wright
The National Tourism Policy from the Perspective of Federal Coordination of Wright
Recepción: 03 Junio 2017
Aprobación: 28 Diciembre 2017
O conceito formal e institucional de dada federação se torna mais complexo na medida em que são consideradas as peculiaridades dos elementos que o institui. Neste contexto, a coordenação federativa é prerrogativa para se compreender como se desenvolvem as relações intergovernamentais, uma vez que se entende que estas estão diretamente relacionadas àquela, sendo um reflexo do modelo implantado (Franzese, 2010; Abrucio, 2005). É importante mencionar, que este ensaio considera o federalismo como um pacto desenvolvido entre os entes em um sistema maior. No campo do Turismo essa análise apresenta caráter inovador, pois se desenvolve a partir de conceitos específicos referentes às relações intergovernamentais. Observou-se a partir de pesquisa exploratória que os trabalhos existentes cuidam em avaliar, caracterizar e analisar a importância da Política de Turismo e não identificar, inferir e ponderar sobre o desmembramento da coordenação federativa, tampouco identificar as relações intergovernamentais existentes naquela.
É importante ressaltar que a década de 1930, início da atuação do poder público na gestão do turismo brasileiro, foi marcada por um forte intervencionismo estatal (Pimentel, 2014). Contudo, se percebe que a estrutura político-administrativa incide numa lógica descentralizada, aspecto que ratifica a influência sofrida com o desmembramento do federalismo nacional. Atualmente, a vocação turística do Brasil se consolida tanto no país quanto no exterior, sendo que no ano de 2003, a atividade passa a ter um órgão específico, o Ministério do Turismo [MTUR]. Deste modo, a Política Nacional de Turismo criada a partir da Lei Nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 e regulamentada pelo Decreto Nº 7.381, de 2 de dezembro de 2010, se apresenta como um dispositivo legal que organiza a prática da atividade para fins de planejamento, desenvolvimento e estímulo do setor e contribui de forma decisiva na estruturação da atividade no país, tendo como um de seus objetivos a regionalização e descentralização da atividade.
Em termos de relações intergovernamentais, a legislação pode ser entendida como uma ferramenta que fortalece as relações entre as esferas de governo e particulariza a análise por meio da heterogeneidade dos atributos da política implantada e dos elementos que são utilizados em sua estrutura, isto é, estimula a característica ambivalente da autonomia e interdependência entre os poderes envolvidos no planejamento da atividade. Segundo Delgado (2015), “apesar do turismo ser um campo relativamente recente de estudos no Brasil [...], percebe-se certa evolução de pesquisa na área, no entanto, várias pesquisas apontam para a necessidade de elaboração de estudos mais aprofundados” (p. 2). Nesta perspectiva, as pesquisas se diferenciam em função de aspectos teóricos e metodológicos. No Brasil, essa característica está voltada para o caráter da diversificação do objeto de estudo, fator que apresenta uma complexidade no estudo das políticas públicas de turismo no país (Rejowisk, 2010).
Apesar do muito que se tem discutido sobre as políticas públicas brasileiras recentemente, a política de Turismo, por ter suas repercussões apenas recentemente avaliadas, vem ganhando destaque (Pimentel & Pimentel, 2011). Deste modo, os estudos sobre essa Política tornam-se essenciais na medida em que se observa que é um campo contemporâneo bem como relevante em determinado contexto. Delgado (2015), entende que “o estudo das políticas públicas pode se basear em diversas vertentes, como a análise de indicadores variados, utilização de princípios da teoria política, levantamento da opinião de agentes envolvidos no processo [...] entre outras” (p. 3). De acordo com Pimentel e Pimentel (2011), “ao assimilar papéis diversos ao longo do século XX, o Estado brasileiro, ou melhor, seus governos, podem estabelecer objetivos, criar estruturas, destinar recursos, e prover expectativas de maneiras as mais distintas para o desenvolvimento do turismo nacional” (p. 2). Sendo que “a análise do efeito das instituições políticas sobre o comportamento dos atores políticos ou sobre o conteúdo das decisões políticas ganhou grande proeminência nos estudos em ciência política realizados no Brasil” (Arretche, 2007, p. 147).
Segundo Arretche (2002), “nos anos de 1990 e já completada a institucionalização do Estado federativo implementou-se um extensivo programa de descentralização particularmente na área das políticas sociais” (p. 27). Destarte, essa situação é resultado das reformas institucionais políticas desenvolvidas nos anos de 1980, sendo que estão relacionadas às eleições diretas e às questões pertinentes à Constituição de 1988. Para tanto, é importante discutir que no Brasil o federalismo está associado à descentralização da estrutura decisória dos partidos políticos, sendo que estes produzem efeitos nas políticas públicas sociais. Observa-se que as políticas sociais descentralizadas reformularam as relações intergovernamentais estabelecidas. Deste modo, as áreas da saúde, educação e assistência social foram importantes para a constituição de um novo padrão de relacionamento entre o Governo Federal e Municipal, por meio do Sistema Único de Saúde [SUS], Fundef/Fundeb e o Sistema Único de Assistência Social [SUAS]. Assim sendo, o desenho dos programas na década de 1990 não era centralizado, tampouco as ações eram desenvolvidas por meio de uma coordenação específica, isto é, cada ministério era responsável por criar e implementar um programa, caso houvesse necessidade, eram estabelecidos convênios com as esferas subnacionais (Leite, 2009).
No Turismo, as relações intergovernamentais tendem a favorecer um ambiente propício ao desenvolvimento de ações relevantes para o setor. Para tanto, é importante destacar, que seu período centralizador se estabelece por meio do MTur que tem a função de desenvolver o planejamento e desenvolvimento da atividade no País, embora reconheça a necessidade de reforçar a cooperação entre as unidades subnacionais. Porém, os desafios para as políticas nacionais de turismo em um ambiente federativo e democrático, consistem em estabelecer de forma clara as atribuições que cada esfera de governo tem no sistema turístico como um todo. As relações intergovernamentais surgem da preocupação com a política, a escolha dos cursos de ação e de avaliação de seus efeitos práticos no contexto em que se desenvolvem (Wright, 1988). Deste modo, o presente artigo pretende analisar a coordenação federativa das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo. Assim sendo, o intuito da pesquisa consiste em responder o seguinte questionamento: como se caracteriza a coordenação federativa das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo?
Em relação ao aspecto metodológico, a pesquisa é do tipo qualitativa. Segundo Godoy (1995, p. 21), “ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes”. A revisão sistemática descritiva foi realizada com a intenção de descobrir a associação entre as categorias criadas pela pesquisadora. A técnica de análise utilizada foi a análise de conteúdo que apresenta “três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados” (Godoy, 1995, p. 24). A análise da coordenação federativa das relações intergovernamentais da política em questão foi construída a partir da identificação de pontos relevantes dos artigos/incisos/parágrafos da Lei Nº 11.771, que envolve um ou mais entes federativos, por meio das categorias criadas como: tipo, objetivo e entes envolvidos. Foram encontrados dezoito dispositivos na Política Nacional de Turismo, dos quais sete são artigos, cinco incisos e seis parágrafos.
As categorias descritas foram classificadas levando em consideração os seguintes aspectos: na categoria tipo, os dispositivos foram rotulados a partir dos modelos de relacionamento de Wright (1988), que se subdivide em: independente, interdependente ou inclusivo. Em relação ao objetivo a classificação foi desenvolvida de forma a apresentar esse dispositivo como sendo: centralizador ou descentralizador e, por fim, foram identificados os entes envolvidos. Para tanto é importante mencionar, que os artigos/incisos/parágrafos que envolvem apenas um ente, foram utilizados a partir do momento em que se observou que o desenvolvimento do mesmo repercute nas demais esferas subnacionais de forma direta, aspecto que suscita o desenvolvimento de uma relação intergovernamental.
O artigo foi desenvolvido em três partes, sendo que a segunda seção discorrerá sobre os aspectos da coordenação federativa e os modelos de relacionamento entre as unidades federativas de Wright (1988). Na terceira seção, a pesquisa abordará as perspectivas do federalismo brasileiro considerando a centralização e descentralização como característica inerente ao mesmo e os relevos da política de turismo e das relações intergovernamentais. A posteriori será analisado o modelo de coordenação das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo por meio dos artigos/incisos/parágrafos identificados.
A coordenação federativa é um conceito complexo, porque em certa medida reúne uma série de princípios que são essenciais à manutenção do pacto federativo, isto é, contempla os processos de cooperação, competição, conflitos, dilemas, dentre outros fatores. É importante ressaltar que a coordenação é um aspecto posterior a ideia de centralidade do sistema federativo (Sano, 2008). Neste contexto, sua efetividade é primordial à estrutura estabelecida, tendo em vista os aspectos inerentes à mesma como: interdependência e autonomia das unidades e a necessidade de administrar os conflitos existentes. Para Abrucio (2005), o termo efetividade está relacionado a “ter impacto sobre as causas dos problemas sociais” (p. 42) em função das formas de integração, compartilhamento e decisões conjuntas. Deste modo, a coordenação federativa é uma fermenta que contribui para atingir objetivos propostos previamente a partir das relações intergovernamentais desenvolvidas, tendo em vista que houve uma intensificação na complexidade das mesmas.
Como alternativa para ampliar a coordenação federativa e torná-la mais efetiva, Abrucio (2005) entende que a alternativa para se atingir aquela está baseada na implementação de processos decisórios participativos, por meio do estabelecimento de redes federativas. Deste modo, observa-se que a maior participação dos entes no processo decisório deve resultar em maior efetividade na coordenação federativa, pois legitima o processo e reduz futuros problemas na etapa de implementação das políticas públicas, quando a cooperação das unidades federadas é essencial. Portanto, a interseção de poderes entre os entes governamentais envolvidos em cada ação, atividade ou interação é condição sine qua non a própria estrutura do sistema. É importante mencionar que em alguns casos existe uma sobreposição de determinada unidade em detrimento das demais.
Se faz necessário observar que na perspectiva da coordenação federativa, Wright (1988), elabora três modelos de relacionamentos entre as esferas governamentais a fim de que se observe a complexidade e a realidade desempenhadas em relação ao tipo de governo estabelecido. O autor entende que essas estruturas estão concentradas nas características essenciais das relações intergovernamentais e suscita a formulação de hipóteses. Assim sendo, os modelos enfatizam a coordenação de ações entre os entes federados. Para Wright (1988), os modelos de relacionamentos são: Autoridade Independente ou Dual, Autoridade Interdependente ou Sobreposta e Autoridade Inclusiva ou Hierárquica (Figura 1).
O modelo de Autoridade Independente ou Dual se desenvolve a partir da característica da autonomia no relacionamento entre as unidades federativas, ou seja, cada ente tem a liberdade de legislar sob determinado aspecto sem que haja necessariamente uma relação intergovernamental. É importante mencionar que este modelo apresenta fronteiras distintas que separa o governo nacional e estadual, entretanto, as unidades locais estão incluídas e são dependentes do governo estadual (Wright, 1988). No modelo interdependente ou sobreposto, o inter-relacionamento entre as unidades federativas se apresenta como prerrogativa, porém é importante ressaltar que mesmo tendo essa característica em um dado momento das relações intergovernamentais os entes também apresentam uma autonomia, ou seja, os papeis desenvolvidos entre os mesmos ficam claros e acabam por se aproximar do conceito do modelo anterior, já que eles têm uma definição de responsabilidades maior desenhada.
“O modelo inclusivo ou hierárquico depende totalmente das decisões tomadas pelo governo nacional” (Abrucio & Sano, 2013, p. 23), mantendo deste modo o vínculo entre os entes subnacionais e a esfera federal. No processo de desenvolvimento das políticas públicas as unidades subnacionais estão subordinadas aos vários dispositivos legais criados por aquele, sendo que se tornam apenas unidades administrativas, enquanto aquela detem a centralização. De acordo com Wright (1988), neste modelo de relacionamento o governo federal expande de forma proporcional o poder em relação aos demais entes. É importante destacar que as relações podem ser entre duas ou mais unidades governamentais, a fim de que sejam desenvolvidas ações, interações ou atividades sob uma mesma questão. Observa-se que os modelos apresentados por Wright (1988) visam a enfatizar a coordenação de ações desenvolvidas entre os entes federados.
Deste modo, a coordenação pode ser entendida como um instrumento das relações intergovernamentais, sendo que “os mecanismos formais de coordenação entre órgãos podem fortalecer as relações horizontais” (Radin, 2010, p. 604). Contudo, é importante considerar que este recurso está relacionado ao aspecto estrutural de integração entre os entes federativos, tendo em vista que reorganiza as relações entre órgãos a partir das características particulares. Ainda de acordo com o autor, as literaturas iniciais que abordavam os aspectos da gestão intergovernamental estavam centradas nas relações verticais entre os governos, em detrimento das relações horizontais necessárias. Outro aspecto a ser destacado é que a coordenação está sujeita a alguns fatores como: parcerias desenvolvidas, a gestão dos conflitos existentes e a comunicação estabelecida nos grupos criados.
A coordenação federativa é uma ferramenta que visa manter o equilíbrio entre competição e cooperação entre as esferas de governo de forma adequada e se apresenta como um fator fundamental para a elaboração das políticas sociais desenvolvidas em cada contexto (Lotta, Gonçalves & Bitelman, 2014). É importante ressaltar que é um recurso que tende a contribuir para a normatização e o financiamento das ações intergovernamentais a fim de que sejam atingidos os objetivos propostos previamente. A seguir serão apresentados os aspectos concernentes ao federalismo brasileiro observando, deste modo, sua peculiaridade.
A condição federativa brasileira é peculiar perante os demais países, mesmo desenvolvendo-se por meio de um sistema competitivo em certos momentos, apresenta uma vocação mais cooperativa. Essa situação leva a entender que a nova situação favoreceu os entes subnacionais, fazendo com que houvesse maior interação entre os mesmos (Franzese, 2010). Segundo Abrucio (2005), “é possível dizer, tendo como base a experiência comparada recente, que o federalismo brasileiro é atualmente um dos casos mais ricos e complexos entre os sistemas federais existentes” (p. 41). Ainda de acordo com o autor, a estrutura do federalismo no Brasil é resultado de alguns fatores que o influenciam, quais seja: a dinâmica partidário-eleitoral, o desenho das políticas sociais e o processo de reforma do Estado. Neste contexto, as mudanças ocorridas ao longo dos anos no sistema federativo do país reforçou a fragilidade que o mesmo possui, sendo que em alguns momentos há uma alternância entre a centralização e descentralização, denominado por alguns autores como sístole/diástole (Kugelmas & Sola, 1999).
A centralização/descentralização das políticas sociais no Brasil é condição sine qua non à própria estrutura do federalismo em seu sentido literal. Entende-se, portanto que, nesse sistema as unidades federativas não se utilizam de centros de poder para irradiar alguma autonomia, ao contrário essas ações se reverberam de forma dinâmica e cooperativa. Em muitos momentos a cooperação não se configura uma opção, mas uma necessidade em virtude da dinâmica exercida pela constituição federativa (Franzese, 2010; Abrucio & Sano, 2013). Descentralização implica a existência de uma autoridade central, um governo central que pode descentralizar ou recentralizar de acordo com sua vontade. Em um sistema político não centralizado, o poder é difuso e não pode ser legitimamente centralizado ou concentrado sem romper a estrutura e o espírito da Constituição. Os sistemas federais clássicos são, em via de regra, sistemas não centralizados, em que todos têm um governo geral, ou nacional, um governo que tem poder em muitas áreas e com muitos propósitos, mas não um governo central que controla todas as linhas de comunicação e de decisão política (Kugelmas & Sola, 1999; Elazar, 1987).
O ponto de vista utilizado para analisar o processo de descentralização no Brasil é o da desigualdade regional. Há uma grande diferença em termos de desenvolvimento humano, apontando para um mapa regional diferente do mapa geográfico. Tal desigualdade introduz novas tensões no arranjo federativo desenhado pela Constituição Federal (Souza, 1997). Deste modo, observa-se que a descentralização no Brasil é resultado de um longo processo constitucional que a medida do tempo foi se reorganizando e assumindo importância, uma vez que a partir desse processo o papel do Estado se torna mais atuante em detrimento de uma necessidade de reformulação das esferas: política, econômica e administrativa. Assim sendo, entende-se que o sistema federativo brasileiro é complexo por saber que em certa medida é mais democrático e mais federal, ou seja, em um primeiro momento essa estrutura apresenta a autonomia vivenciada pelas partes do sistema onde os governos e prefeituras mais fortes se tornam os centros de poder e noutro os entes menos favorecidos tornam-se mais dependentes do governo federal para subsidiar suas necessidades, aspecto que apresenta a importância que o governo federal tem em negociar com os entes subnacionais as soluções para os diversos problemas existentes. Segundo Abrucio (2005), “a estrutura federativa é um dos balizadores mais importantes do processo político no Brasil” (p. 41).
“O governo federal tem prerrogativas específicas para manter o equilíbrio federativo e os governos intermediários igualmente detêm forte grau de autoridade sobre as instâncias locais ou comunais” (Abrucio, 2005, p. 43). Nesse sentido, ao se perceber os aspectos regionais a discussão assume uma nova perspectiva por entender que é um elemento de destaque diante da diversidade territorial existente. Essa característica se torna menos visível a partir do momento em que entendemos que as tensões introduzidas pelas desigualdades regionais no arranjo federativo foi influenciado pelo desenho da Constituição de 1988 (Souza, 1997). “Grosso modo, os estudos sobre o federalismo brasileiro privilegiam a análise do embate, hoje e ao longo da história, entre o governo federal e os entes subnacionais, por meio de suas elites políticas e estruturas de poder” (Abrucio, 2005, p. 41). O debate a ser discutido leva a entender que o limite da descentralização se dá pelo enfraquecimento político e financeiro que o governo federal apresenta diante dos entes subnacionais, aspecto que está diretamente relacionado à incapacidade da União em não promover a diminuição das desigualdades regionais.
A descentralização tributária e política, embora se diga que favoreça a democracia, acaba por enfraquecer, no caso brasileiro, o governo federal, situação influenciada por fatores políticos e econômicos (Souza, 1997). No contexto brasileiro, as desigualdades sociais são profundas, ocasionando limites à efetividade do efeito esperado pela descentralização e reforça a ideia de que o federalismo é um mecanismo de acomodação de conflitos mais do que de busca de harmonia. Segundo Franzese (2010), “é preciso destacar que a expansão das políticas sociais pós-1995 no Brasil se dará com limitações de recursos federais e com incremento de responsabilidades subnacionais” (p. 88). Deste modo, os anos de 1990 no Brasil representa um período de instauração das instituições políticas, porém, a gestão das políticas públicas na área social seguiam com a característica centralizadora, isto é, o governo federal é responsável pela gestão e o repasse dos recursos nas áreas da saúde, habitação, merenda escolar, assistência social, dentre outros (Arretche, 2002). Entende-se que anterior a década de 1990 a situação era diferenciada, onde os entes subnacionais não tinham poder, nem recursos para atuar com maior autonomia, aspecto que reforça a existência de uma coordenação inclusiva.
A partir da criação do Ministério do Turismo, a gestão da atividade no país passou por uma série de transformações ao longo dos anos, priorizando a descentralização e diversificação da oferta turística. Esse formato pode ser entendido como uma necessidade de posicionamento estratégico, bem como, uma forma de considerar a dimensão territorial. De acordo com Brasil (2013):
Os últimos dez anos foram fecundos para o ordenamento das atividades turísticas no Brasil: mudanças efetuadas a partir dos debates provocados; prioridades e medidas negociadas, ajustadas, desregulamentadas, normatizadas; avanços e revisões nas relações entre governo e sociedade (p. 13).
Deste modo, entende-se que posterior à criação do Ministério, o planejamento e desenvolvimento do setor, deu-se a partir da institucionalização de normas e diretrizes contidas na Política Nacional de Turismo. De acordo com Cruz (2000, apud Fonseca, 2005), “a PNT se constitui na mais completa e detalhada já existente no país” (p. 93). Entende-se que o planejamento turístico está condicionado à elaboração e aplicação das políticas públicas para o setor, sendo o turismo um setor transversal. Para tanto, é importante destacar a relevância das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo, a fim de que se observe como se caracteriza a coordenação federativa. Nesta perspectiva, as relações intergovernamentais são ações, atividades e/ou interações desenvolvidas entre os entes federativos em suas diversas áreas de atuação ou abrangência, cujas funções sejam estabelecidas de forma complementar à estruturação e/ou organização de determinada política pública (Sano, 2008). Essas relações são necessárias a partir do momento em que se entende a urgência de elaborar e definir uma ação, podendo ocorrer por meio de relações verticais e horizontais, ou seja, entre governo federal e estados e entre os próprios estados.
Para Wright (1988)[2], “a concepção de relações intergovernamentais data da década de 1930, momento em que passa a ser amplamente usada para descrever aspectos dos processos de governança nos Estados Unidos” (p. 1). Deste modo, podem ser entendidas como um conceito específico e direto para definir como são desenvolvidos os modos e meios particulares de operacionalizar um sistema de governo (Elazar,1987). Assim sendo, a origem do termo está associada ao pensamento liberal e progressista e era imbuída de preconceitos. Contudo, sua pesquisa e prática tem sido motivada pela forte preocupação em efetivar a prestação de serviços públicos aos clientes, sejam eles grupos específicos na sociedade ou toda a cidadania (Wright, 1988). A partir da regulamentação social do New Deal, as relações intergovernamentais progrediram para questões relacionadas à ajuda federal nas áreas de educação, desenvolvimento urbano e direitos civis. Questões ainda mais recentes de preocupação tem sido a participação cidadã nas instituições sociais que lhes confere o direito de atuarem na formulação de sistemas de prestação de serviços mais eficazes. Para tanto, a origem do termo desafia sua descoberta e continua a faltar uma definição formal (Wright, 1988).
Nesta perspectiva, a PNT se estabelece como um importante instrumento de regras e normas cuja finalidade seja organizar a prática da atividade no território nacional, bem como uma ferramenta de cadastro, classificação e fiscalização dos prestadores de serviços turísticos e estabelece os requisitos gerais de aplicação das sanções administrativas, tendo em vista que é uma ferramenta que institucionaliza as relações intergovernamentais do setor. É importante destacar que esta Política é instrumentalizada a partir do Plano Nacional de Turismo que dá subsídios à elaboração e implementação de planos, programas e projetos derivados das áreas estruturantes do setor, por meio do estabelecimento de metas a serem atingidas no seu período de vigência. O Plano é elaborado pelo MTur em parceria com os seguimentos públicos e privados interessados, incluindo o Conselho Nacional de Turismo e tem vigência de quatro anos.
Para tanto, se faz necessário discutir que o Sistema Nacional de Turismo, é um mecanismo utilizado para promover a coordenação descentralizada e consiste em envolver as esferas subnacionais em suas representações. Deste modo, é composto por: MTur, Embratur[3], Conselho Nacional de Turismo e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo e tem a finalidade de promover o desenvolvimento das atividades turísticas de forma que atenda os seguintes aspectos: sustentabilidade, coordenação e integração das normas e leis estabelecidas pela Política Nacional de Turismo e o setor produtivo. O Fundo Geral de Turismo [FUNGETUR] tem a função de financiar os planos, projetos, ações e empreendimentos reconhecidos pelo MTur, sendo que compete a este estabelecer normas e condições específicas nas aplicações dos recursos. Para tanto, as pessoas físicas ou jurídicas que desenvolverem projetos para o setor poderão obter apoio financeiro, caso sejam observados os seguintes pressupostos identificados na Política Nacional de Turismo, Artigo 15, incisos I e II: cadastro efetivado no MTur, no caso de pessoas de direito privado e participação no SISTUR, no caso de pessoas de direito público. A transferência de recursos do MTur ocorre por meio de convênios, acordos de cooperação, emendas parlamentares, verba de programação voluntária ou demais instrumentos, sendo importante destacar que um das ferramentas utilizadas pelos estados e municípios para solicitar recursos é o Portal de Convênios e Contratos de Repasse da Administração Pública Federal [SICONV], no qual o MTur dá prioridade aos municípios turísticos, especialmente, aqueles que já apresentam uma estrututra organizada.
A relação dos governos subnacionais com o Plano Nacional de Turismo é estabelecida por meio de metas e diretrizes que devem nortear o desenvolvimento do setor turístico no país, reforçando a característica da gestão da atividade, isto é, é utilizado para organizar o setor para fins de planejamento e desenvolvimento. Contudo, os municípios precisam criar secretarias, conselhos municipais e estaduais e fundos de turismo. O plano é elaborado por meio de orientações do Governo Federal em concordância com o Plano Plurianual e confere aos empreendedores do setor a viabilidade de uma segurança jurídica que permite realizar: a obtenção de licenças, autorizações, concessões e demais exigências para instalação e operação dos empreendimentos turísticos (Brasil, 2013). Neste contexto, o Plano apresenta informações de caráter estratégico que subsidiam as atividades do setor nos quais estão previstos os recursos materiais, financeiros e legais necessários para expansão da atividade no país.
Nesta seção serão apresentados e analisados os artigos/incisos/parágrafos que tratam das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo. Na sequência, serão caracterizados em função das categorias analíticas criadas pela pesquisadora como: tipo, objetivos e entes envolvidos. Para tanto, se faz necessário mencionar que a análise se utilizará das características da coordenação federativa desenvolvida por Wright (1988), bem como as características das relações intergovernamentais do mesmo autor a fim de exaurir a temática a partir do objetivo proposto inicialmente.
Observou-se a partir do Quadro 1 que na Política Nacional de Turismo não é possível identificar claramente qual a função dos governos subnacionais no planejamento e desenvolvimento da atividade no país. Deste modo, os princípios que a estruturam tendem a promover a livre iniciativa do setor privado, a descentralização como uma replicação do federalismo implantado no país, na qual se insere a regionalização que pode influenciar a cooperação e competição entre as unidades federativas.
Esta pesquisa teve o objetivo de analisar a coordenação federativa das relações intergovernamentais na Política Nacional de Turismo. Para tanto, é importante ressaltar que a mesma não tem a pretensão de esgotar o assunto, tampouco poderia explorar a temática sem assumir o risco de não abordar algumas questões relevantes nos elementos aqui tratados e que não puderam ser contemplados em toda sua complexidade. Na Política Nacional de Turismo as relações intergovernamentais favorecem a característica democrática da legislação, por meio da abertura dos canais que estimulam a participação/envolvimento dos entes federativos no fomento da atividade quais sejam: Conselho Nacional de Turismo, Sistema Nacional de Turismo, Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo e o Fundo Geral de Turismo [FUNGETUR], embora se perceba que a existência destes pode não estar relacionada à delimitação dos papéis desenvolvidos na estrutura da atividade, aspecto que contraria a característica da autonomia das esferas subnacionais e dificulta o desenvolvimento de suas competências na estrutura deliberativa, especialmente, o fator operacional da atividade.
Percebe-se a tensão entre inclusividade x interdependência e entre centralização x descentralização do MTur ao estabelecer e desenvolver as normas e diretrizes para o setor. É importante destacar, que essas tensões podem pavimentar o caminho e estabelecer uma relação de dependência entre as unidades subnacionais e o ministério, tendo em vista que este pode concentrar as decisões. Contudo, a interdependência entre as unidades federativas favorece a assimetria do poder entre as esferas de governo, uma vez que apresentam diferentes capacidades administrativas e arrecadatórias. No entanto, a inclusividade pode ser considerada um fator positivo, especialmente no Brasil, desde que seja reconhecida a autonomia das esferas subnacionais. Em relação à característica da centralização/descentralização na coordenação exercida pelo MTur, entende-se que é um atributo que influencia o desenvolvimento das relações intergovernamentais na prática da atividade turística, situação, observada nos artigos 3º e 6º, sendo que o primeiro confere total autonomia ao MTur no planejamento, organização e desenvolvimento do setor, isto é, centraliza as ações a serem desenvolvidas e o segundo proclama o estabelecimento da cooperação entre os integrantes do Conselho Nacional de Turismo e os segmentos públicos e privados na elaboração do Plano Nacional de Turismo.
Outra preocupação observada se refere à política tributária justa e equânime entre a esfera federal, estadual, distrital e municipal com o objetivo de agregar valor à cadeia produtiva. Contudo, compete aos órgãos e entidades da administração pública em parceria com o MTur, elaborar relatórios estatísticos e balanços com o objetivo de divulgar informações que demonstram o movimento da atividade turística, os efeitos gerados e a contribuição [ou não] dos aspectos socioeconômicos. Neste contexto, o Plano Nacional de Turismo se apresenta como sendo uma importante ferramenta de orientação ao setor, pois reúne, um conjunto de informações e elementos que guiam as ações entre o Ministério do Turismo e a cadeia produtiva do setor (Brasil, 2013). Neste contexto, o poder executivo tem uma forte contribuição na atuação e atribuição de responsabilidades na atividade, tendo em vista que as ações desenvolvidas provêm em sua maioria deste nível do poder. Outra característica observada foi o caráter estimulador do MTur no desenvolvimento do turismo no país, uma vez que se entende que este recurso institucionaliza a prática e estabelece mecanismos que viabilizam o setor buscando parcerias que atendam as demandas contidas nas metas estabelecidas no Plano Nacional de Turismo, pois estimula os governos subnacionais a desenvolverem a cooperação com a finalidade de promover o desenvolvimento do setor turístico no país.
Mediante análise realizada observou-se que as características das RIG de Wright (1978) apresentadas na Política Nacional de Turismo foram: o número e a variedade de unidades governamentais, a partir do Ministério do Turismo, as esferas de governo e os demais ministérios; o número e a variedade de autoridades governamentais envolvidas [políticos e burocratas] como o ministro de turismo, os governadores e prefeitos, além do envolvimento da iniciativa privada; a intensidade e a regularidade dos contatos entre as autoridades governamentais, por meio da revisão do Plano Nacional de Turismo e das deliberações do Conselho Nacional de Turismo, do Comitê Interministerial de Facilitação Turístico e a preocupação com questões relacionadas ao financiamento das políticas públicas, a partir do suporte financeiro ao setor e as aplicações do Fungetur. Entende-se que essas características são intrínsecas ao sistema federativo e subsidiam a organização dos diversos mecanismos envolvidos no mesmo, uma vez que essa situação é mantida pela constante presença das relações intergovernamentais.
Em relação ao número de unidades governamentais, espera-se que numa política nacional as três esferas de governo estejam presentes, caso contrário não seria uma política desenhada para um contexto federativo, isso ocorre na PNT, porém não é possível identificar as competências que cada esfera tem no desenvolvimento das ações, fator que inviabiliza a realização de uma análise mais aprofundada. Em termos de participação de atores governamentais, não está claro quais as autoridades ou técnicos das instâncias subnacionais participam dos diferentes espaços de interlocução, aspecto que demostra a complexidade das relações e admite presunções generalizadas sobre as mesmas.
Ao que se refere à regularidade dos contatos entre as unidades governamentais e ao financiamento das políticas públicas para o setor, constatou-se que são características essenciais no contexto das relações intergovernamentais e que pavimentam o exercício da autonomia e negociação entre as esferas de governo. Contudo, foi possível entender que esses atributos não se estabelecem em termos de substância, mas processualmente, não sendo possível saber qual a frequência desses contatos e tampouco as exigências específicas para o repasse dos recursos. Deste modo, é possível entender que a Política Nacional de Turismo mescla elementos hierárquicos e centralizadores com elementos que revelam a interdependência e promovem a descentralização.
Esse formato adotado pelo MTur reduz, em certa medida, a autonomia das esferas subnacionais e apresenta possíveis dilemas. Primeiro porque, não se observa uma definição dos papéis a serem desenvolvidos pelos demais entes. Segundo porque, mesmo aqueles desenvolvendo determinadas atribuições, necessitam da aprovação, auxílio financeiro e técnico do ministério e estar enquadrados em alguns critérios estabelecidos pelo mesmo. Portanto, observou-se a tensão entre a autonomia dos entes subnacionais x visão hierárquica do Governo Federal, no caso do Ministério do Turismo, ao desenvolver o planejamento da atividade, tendo em vista que essa situação pode suprimir a autonomia das unidades federativas em detrimento das imposições estabelecidas pelo órgão central do Sistema Nacional de Turismo. Assim sendo, os desafios da coordenação federativa no turismo é criar uma estrutura mais participativa entre as esferas subnacionais, reconhecendo a liberdade que estas tem para contribuir de forma decisiva nas deliberações que resolvem sobre os interesses dos elementos encontrados e analisados, especialmente, estabelecer de forma clara as atribuições que cada esfera de governo tem no desenvolvimento turístico do país.