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Turismo e Hospitalidade no Espaço Rural: Brasil e Cuba
ALISSANDRA NAZARETH DE CARVALHO; EROS SALINAS CHÁVEZ
ALISSANDRA NAZARETH DE CARVALHO; EROS SALINAS CHÁVEZ
Turismo e Hospitalidade no Espaço Rural: Brasil e Cuba
Tourism and Rural Hospitality: Brazil and Cuba
Rosa dos Ventos, vol. 10, núm. 1, pp. 59-70, 2018
Universidade de Caxias do Sul
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Resumo: O presente estudo teve como objetivo discutir acerca do espaço rural e como este espaço pode vir a ser produto e condição para o desenvolvimento da atividade turistico-recreativa. Busca refletir sobre como as localidades rurais podem alcançar beneficios sociais e econômicos articulando-se estrategicamente para o desenvolvimento local, configurando-se em um território singular para o fomento da atividade turístico-recreativa. Através de investigaçao bibliográfica, foram abordadas as alterações ocorridas no meio rural que permitiram sua multifuncionalidade e a inserçao do turismo, onde a recreação está no leque das novas opções de desenvolvimento rural e social. Ao relacionar atividades economicas industriais primarias e hospitalidade rural ao turismo e recreação, se concluiu que estas podem ser o grande vetor desta atividade alternativa no campo, através de seu valor simbólico e características peculiares, como por exemplo, a produção econômica rural, a gastronomia, a história e a cultura. A discussão é ilustrada com exemplos de localidades da indústria agro-açucareira de Cuba e a produção rural no Brasil.

Palavras-chave:Turismo RuralTurismo Rural,HospitalidadeHospitalidade,RecreaçãoRecreação,CubaCuba,BrasilBrasil.

Abstract: The present study aimed to discuss about the rural space and how this space can become a product and condition for the development of tourism-recreational activity. It seeks to reflect on how localities can achieve benefits articulating strategically for local development, becoming a unique territory for the promotion of tourism and recreational activity. Through the bibliographical research, the changes that occurred in the rural area that allowed its multifunctionality and the insertion of tourism in the range of the new options of rural and social development were approached. By relating primary industrial economic activities and rural hospitality to tourism and recreation, it was concluded that these can be the great vector of this alternative activity in the field, through its symbolic value and peculiar characteristics, such as rural economic production, gastronomy, history and culture. The discussion is illustrated with examples of localities destined to the agro-sugar industry of Cuba and the rural production in Brazil.

Keywords: Rural tourism, Hospitality, Recreation, Cuba, Brazil.

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Artigos

Turismo e Hospitalidade no Espaço Rural: Brasil e Cuba

Tourism and Rural Hospitality: Brazil and Cuba

ALISSANDRA NAZARETH DE CARVALHO
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
EROS SALINAS CHÁVEZ
Universidade de Havana, Cuba
Rosa dos Ventos, vol. 10, núm. 1, pp. 59-70, 2018
Universidade de Caxias do Sul

Recepción: 16 Febrero 2017

Aprobación: 06 Octubre 2017

INTRODUÇÃO

No Brasil, principalmente a partir da década de 1970, o espaço rural tem passando por intensas modificações, que alteraram seu modo de produção e suas estruturas sociais. Os processos de industrialização e urbanização, seguidos da inserção de novas tecnologias para a produção agrícola em larga escala, contribuíram para tais mudanças e permitiram a transformação do rural em um território multifuncional. Entre os impactos gerados está o êxodo rural, a desvalorização do ambiente cultural e natural, a dificuldade em manter pequenas e médias propriedades devido à intensa modernização tecnológica, e a consequente diminuição da qualidade de vida das populações rurais, que levaram a busca por atividades que pudessem agregar renda às famílias. Denominadas como atividades não-agrícolas, elas estão, cada vez mais, inseridas no contexto rural brasileiro e cooperam para amenizar os efeitos das variáveis neste espaço.

De acordo com o Projeto Rurbano[3], que tem como base os processamentos da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio [PNAD], dos 12,4 milhões de brasileiros economicamente ativos residentes em territórios rurais em 2004, 3,7 milhões exerciam atividades não-agrícolas, o que permite apontar a relevância deste tipo de ocupação, mesmo considerando-se a existência de residentes no meio rural, que exercem atividades no meio urbano. A situação, nos dias atuais, não seria tão diferente.

Falando agora de Cuba, se pode afirmar que se manifesta, desde a década de 1990, o processo de construção de uma nova ruralidade, na qual o turismo e a recreação compõem um importante rol na transformação dos espaços rurais onde, além da produção agrícola, pecuária e florestal, se iniciam diversos serviços relacionados com o ócio e a hospitalidade. Em Cuba, a agroindústria da cana de açúcar tem representado, historicamente, uma atividade relevante para o país; do ponto de vista econômico, proporciona acréscimo de divisas diretas, geradas pela venda de açúcar e seus derivados, abastecendo, ademais, a economia interna e servindo como garantia de pagamento para créditos externos, gerando emprego para mais de 600 mil trabalhadores em mais de 70% dos municípios do país. Assim, sendo a agroindústria parte indissociável da história, cultura e nacionalidade cubana, tal como representante de largo desenvolvimento espacial em todo o país, oferece, ainda, importante potencial de desenvolvimento turístico-recreativo, através do fomento de visitações a locais de interesse em termos de instalações agroindustriais e de suas diversificadas unidades produtoras.

Neste contexto de mudanças, o turismo-recreativo surge como opção vantajosa no leque das ocupações não-agrícolas desenvolvidas no meio rural. Com características peculiares neste espaço, como a hospitalidade, a atividade ganha força em um mundo globalizado, que almeja melhorias em sua qualidade de vida. Grande atrativo do Turismo no Espaço Rural [TER], a hospitalidade, ali, se destaca pela simplicidade e pelo resgate às raízes culturais de cada região, demarcando gastronomia, tradição e modo de vida, entre outros. Em vista desse cenário, este estudo teve como objetivo compreender como o espaço rural pode vir a ser produto e condição para o desenvolvimento da atividade turístico-recreativa, gerando um desenvolvimento local alternativo e criando uma atmosfera propicia para a expressáo da hospitalidade. Busca discutir como as localidades podem alcançar beneficios articulando-se estrategicamente para o desenvolvimento local, configurando-se em um território singular para o fomento da atividade turístico-recreativa.

Utilizou-se a revisão bibliográfica, em que foram exploradas as alteraçóes ocorridas no meio rural que permitiram sua multifuncionalidade, assim como a inserçao do turismo no leque das novas opçoes de desenvolvimento rural e social. Ao relacionar atividades econômicas industriais primárias e hospitalidade rural ao turismo e recreação, se concluiu que estas podem ser o grande vetor de atividades alternativas no campo, pelo seu valor simbólico e características peculiares, como a produção econômica rural, a gastronomia, a história e a cultura. A discussáo é ilustrada com exemplos de localidades destinadas a indústria agro-açucareira de Cuba e à produçao rural no Brasil. O trabalho, feitas as considerações iniciais, segue organizado tendo, na primeira parte, revisão bibliográfica buscando identificar os principais motivos da atual multifuncionalidade rural e seus benefícios aos locais em que se desenvolve. Posteriormente, se propõe discutir acerca de como o espaço é produzido para que tal função plural ocorra, no Brasil e em Cuba. Por fim, a atividade será relacionada com a hospitalidade de maneira a cumprir o objetivo do artigo.

UM NOVO ESPAÇO RURAL

Algumas alterações sociais ocorridas no último século, tanto no campo quanto na cidade, contribuíram para o fortalecimento da atividade turística, em geral. A redução da jornada de trabalho e o consequente aumento do tempo livre dos indivíduos, resultaram em maior disponibilidade destes para atividades de lazer e entretenimento. As mudanças nos padrões de consumo que, segundo Schneider (2006), “voltam-se crescentemente às amenidades e aos bens não tangíveis” (p. 3), vêm somar pontos favoráveis ao desenvolvimento turístico. Junto a estes fatores, que beneficiaram o turismo em um âmbito geral, a questão da qualidade de vida afeta direta e positivamente no crescimento do Turismo no Espaço Rural. Schneider e Fialho (2001) afirmam que o estresse e o custo de vida urbana, decorrente do crescimento intenso e desordenado das cidades, fazem com que a população busque ambientes mais saudáveis. Em busca desta qualidade de vida de conforto e segurança, haja expansão das residências secundárias e sítios de lazer, o que favoreceu a associação do ambiente rural com qualidade de vida.

A modernização tecnológica dos meios de produção agrícola, no caso do Brasil iniciado na década de 1970 pelos Governos Militares, promoveu o incremento da produção do campo. Passou-se a produzir mais, em um tempo menor, o que favoreceu os grandes produtores agrícolas. Entretanto, como consequência da mecnização, os postos de trabalho no meio rural foram visivelmente reduzidos e a produção de algumas pequenas propriedades tornou-se inviável pela competitividade com os grandes produtores. Schneider (2006), ao discorrer sobre os efeitos da globalização na agricultura e no meio rural explica que “abrem-se os mercados, aceleram-se as trocas comerciais e intensifica-se a competitividade, agora tendo por base poderosas cadeias agroalimentares que monopolizam a produção e o comércio atacadista em escala global, restringindo a participação nestas relações de troca de imensas regiões produtoras [...]” (p. 3). Em busca de emprego e melhores condições de vida, a solução encontrada por parte considerável da população rural foi a de migrar para as cidades, contribuindo para o inchaço das grandes metrópoles, que também passaram a concentrar altos índices de desemprego e marginalidade. A partir da década de 1970, observava-se mais de 50% do total de brasileiros residindo em espaços urbanos, êxodo que só se reduz nos anos 1990. Graziano, Grossi e Campanhola (2005) explicam que, “enquanto no passado as pessoas que deixavam a atividade agrícola também deixavam o campo, nos anos 1990, para uma boa parte dessa população que deixa a atividade agrícola, não existe mais a migração para as cidades” (p. 7). Essa população passou então a exercer atividades não-agrícolas no campo ou a residir no meio rural e trabalhar nas cidades.

Em Cuba, a população também se urbanizou nos últimos 40 anos, alterando significativamente a territorialização da cidade. Em 1970, a população urbana representava 60,5% da população total e, em 2010, o valor estimado pela Oficina Nacional de Estatísticas era de 75,3%, enquanto a população rural representava apenas 24,7% do total. Ocorreu um movimento migratório interno do oriente para o ocidente do país, do campo para a cidade, onde a população buscava, entre outras razões, melhores empregos e condições de vida. Atualmente, há uma política estatal para tratar de frear o êxodo da população rural, especialmente das zonas montanhosas, incentivando o desenvolvimento destes territórios através da oferta de maiores opções de prestação de diferentes serviços, objetivando a estabilidade da população. Outra alternativa foram as Unidades Básicas de Produção Cooperativas [UBPC], criadas no final da década de 1990, que estimularam a qualidade de vida nos campos cubanos.

Schneider e Fialho (2001) citam outros fatores que favoreceram as transformações no meio rural, como a melhoria das estradas e dos meios de comunicação que ao diminuir o tempo de locomoção entre o urbano e rural, facilitaram o acesso mútuo. Há autores que apontam a introdução de atividade não-agrícolas como maneira de aproveitar as mudanças ocorridas no meio rural e amenizar os impactos consequentes em sua economia. Schneider (2006) afirma que a partir destas alterações, “emerge uma nova concepção da ruralidade, que passa a ser um espaço em que o homem e o ambiente se integram através de múltiplos usos que são de caráter produtivo, social, lúdico, ambiental etc” (p. 4). Para Portuguez (2002), iniciativas “como a valorização da indústria familiar, o revigoramento do artesanato, o incentivo aos setores comercial e de serviços, a emergência do trabalho informal e a implementação de programas de turismo alternativo, são apenas alguns exemplos mais notáveis” (p. 71). Assim, a atividade turística no meio rural poderá propiciar a criação de novos postos de trabalho no campo, evitando o êxodo e o inchaço das cidades; a elevação da renda da população rural e a valorização do patrimônio cultural e natural de cada região, o que provavelmente implicará na melhoria da qualidade de vida neste meio.

TURISMO NO ESPAÇO RURAL

Segundo o Ministério do Turismo do Brasil, o Turismo em áreas rurais passou a ser considerado como uma atividade econômica no País somente a partir da década de 1980, apesar da visitação a propriedades rurais ser uma prática comum há mais tempo. Foi naquela década que o setor passou a crescer gradativamente, e que hoje exerce um importante papel econômico e social para diversas famílias rurais.

Em Cuba, o fenômeno de trocas e interações entre o rural e o urbano é multicausal. Há o crescimento demográfico motivado pela migração interna do campo para a cidade, aliada à crescente necessidade pela busca por segurança alimentar, inserido no projeto de independência nacional. Como fator também primordial está a busca por satisfazer as necessidades de ócio e recreação da população, formando elementos que incidem na transformação do campo cubano. As transformações se iniciaram com as Leis de Reforma Agrária, a primeira em 1959 e a segunda em 1963, as quais alteraram radicalmente a imagem de atraso atrelada ao campo cubano e alavancaram um processo de modernização econômica, cultural e sociopolítica, acompanhado de uma significativa melhoria da qualidade de vida dos campesinos (Paz, 2011). Atualmente há a revalorização dos espaços rurais como lugar de residência, ócio e recreação, principalmente nas zonas localizadas na periferia das cidades, ou seja, zonas periurbanas situadas entre 10 a 15 km das mesmas. Em particular, em pequenos povoamentos ou em comunidades rurais mais isoladas, se proliferam os empreendimentos privados ou de cooperativas, em que se entrelaçam atividades de recreação, restauração, alojamentos e entretenimento. Tais lugares estiveram abandonados por anos e agora renasceram por meio destes novos usos e serviços, com novas ofertas e possiblidades de trabalho. Há também o surgimento de outro fenômeno, em paralelo, nas cidades urbanas de Cuba: a crescente presença de hortas e parcelas de cultivos de orgânicos, ou seja, a chamada agricultura urbana, um nicho há 50 anos impensável e que vem se desenvolvendo em Cuba de maneira intensiva, com um planejamento nacional (Rodrigues, 2001).

Em Cuba, o desenvolvimento da atividade turístico-recreativa se deu em virtude de algumas mudanças ocorridas nos engenhos de açúcar. A partir de 2002, por designação do governo, o Ministério do Açúcar iniciou uma restruturação e redimensionamento, conhecido no setor como ‘Tareo Alvaro Reynoso’, caracterizado por significativa diminuição e reordenamento das estruturas produtivas, com objetivo de gerar uma agroindústria mais competitiva e sustentável, que se adaptasse às condições econômicas e sociais do cenário naquele momento. Assim, 70 dos 155 engenhos foram fechados e 62% da área converteu-se em zona de produção agropecuária. Ademais, o potencial produtivo foi reduzido de oito para quatro milhões de toneladas de açúcar por safra. A partir de então, foi necessário dar manutenção para todos os empregados que ficaram sem trabalho, estabelecendo-se como atitude prioritária a elaboração de planos de desenvolvimento turístico e recreativo para essa população. Foram criadas as casas do trabalhador açucareiro, presentes em algumas centrais atuais e em algumas desativadas, consistindo-se em instalações multipropósito: restaurante, cafeterias, bar, sala de computação, salão de jogos, sala de vídeo, salão de dança, discoteca, biblioteca, salas de reunião e conferências, jardins e outras instalações onde os funcionários recebem todos os serviços, juntamente com suas famílias, muitas vezes subvencionados pelas empresas e unidades produtoras. Além disso, há espaço propicio para realização de festas e similares. Ainda, várias cooperativas aproveitam a oportunidade para se articular e oferecer serviços destinados a recreação desses trabalhadores.

Observando as características expostas concluí-se que, em âmbito geral, a hospitalidade acaba constituindo o principal atrativo da atividade turística no meio rural através da cultura, da gastronomia, da história, das tradições e do modo de vida simples. A busca por qualidade de vida, pelo retorno as raízes e por ambientes tranquilos e acolhedores, faz da hospitalidade rural o grande pilar do Turismo em Espaços Rurais, fator que permite a introdução de novas formas de ocupação a este meio.

A HOSPITALIDADE E O AMBIENTE RURAL

A hospitalidade é um processo dinâmico muito além de simplesmente hospedar, que envolve profundas relações entre hospedeiros e hóspedes. De acordo com Camargo (2005), a hospitalidade pode ser comparada a uma dádiva, visto que ambas são fatos totalmente sociais e se inserem na dinâmica de dar, receber e retribuir. A definição dada por Abreu (2003) explicita bem estas duas características. Segundo ele, a hospitalidade “pode ser definida como o atributo ou característica que permite aos indivíduos de famílias e lugares diferentes se relacionar socialmente, se alojar e se prestar serviços reciprocamente.” (Abreu, 2003, p. 29).

Assim, o ato de receber indivíduos envolve diversas relações que vão desde a recepção até a retribuição, passando pela preparação e consumo de alimentos e bebidas, disponibilização de leito, conforto e entretenimento. A dinâmica de dar, receber e retribuir faz da hospitalidade um processo contínuo que, segundo Camargo (2005, p. 24), “alimenta o vínculo humano”.

Embora não se possa negar a existência de estabelecimentos de hospedagem voltados para o comércio e nem o fato de que estes possam ser bons hospedeiros, Costa (2004) afirma que na hospitalidade rural “existe maior expressividade da hospitalidade privada do que da comercial”. Isto devido à associação cada vez maior entre o campo e a qualidade de vida, o sossego, a segurança, a sensação de estar em casa e, acima de tudo, devido ao acolhimento do espaço rural e as relações entre anfitrião e hóspede.

É cada vez mais comum indivíduos, fugindo do estresse e da vida agitada das grandes capitais, buscarem ambientes bucólicos e simples para descansar. Esta posição pode ser confirmada por Rego e Silva (2003), que dizem que a “seleção desses estímulos dependerá das expectativas decorrentes da experiência prévia do turista, na familiaridade com a localidade ou na comunicação recebida por canais pessoais ou impessoais. Também dependerá das necessidades, desjos e interesses que motivam o turista em seu percurso pela localidade” (p. 126).

Esta citação nos remete a algumas questões interessantes. A experiência prévia do turista é um fato bastante influente. Quando ruim, é capaz de fazer com que o visitante nunca mais volte ao local, além de promover depoimentos negativos sobre ele. Se, ao contrário, trouxer boas experiências, pode despertar no turista uma sensação de estar em casa, contribuindo para uma boa divulgação.

Exitem em Cuba alguns projetos agroturísticos em desenvolvimento. É possível destacar os que ocorrem em Valle de Vinales, local declarado pela Unesco como Paisagem Cultural da Humanidade, localizado na província de Pinar del Rio; e também os que ocorrem na Reserva da Biosfera Serra do Rosário, nas comunidades rurais montanhosas das Terrazas e Soroa, ambos localizados na província de Artemisa. Nesta zona montanhosa se fixaram numerosos colonos franceses procedentes do Haiti, nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, caracterizados como escravos. Implantaram nesta localidade o cultivo e o processamento do café, construíram belas mansões, trouxeram e agregaram a sua cultura tradicional e revitalizaram charmosas ruinas, espalhadas ao longo do bosque, que seguem conservando.

Atualmente, a comunidade campesina de Soroa se transformou em um espaço rural onde predominam estabelecimentos privados: hospedagens de duas a três unidades habitacionais e restaurantes de dez a quinze praças, destinadas ao turismo e à recreação de visitantes cubanos e estrangeiros (Gonzalez e Salinas, 2016).

Os benefícios sociais e econômicos observados nas propriedades que se dedicam ao agroturismo na comunidade de Soroa são: (a) maior conservação da agro-biodiversidade; (b) reativação da economia local e familiar; (c) comercialização direta dos produtos agroalimentares e artesanais para os visitantes, sem atravessadores; (d) reconhecimento do papel da mulher no meio rural e seu consequente empoderamento; (e) dignificação do rol de agricultores na sociedade; (f) maior intercâmbio cultural rural-urbano propiciado pelo turismo.

Embora seja notória essa realidade em Cuba, a atividade do agroturismo no país ainda apresenta um desenvolvimento incipiente. São ainda escassos os exemplos exitosos a serem destacados, tais como os que ocorrem nos municípios de San Juan y Martinez, La Palma, San Luis y Bahía Honda, situados todos na Província de Pinar del Rio; assim como o município de Yaguajay, este último situado no centro de Cuba, na Província de Sancti Spíritus.

Por sua vez, há que se destacar que o turismo nos espaços rurais ainda não compõe a política dos planos de desenvolvimento turístico realizados pelo Ministério de Turismo de Cuba até os dias de hoje. Tais investimentos se concentram no turismo de sol e praia, em empreendimentos hoteleiros à beira mar, similar aos equipamentos e Resorts All Inclusive, seguindo o modelo sun, sand and sea.

Outro fato importante é o da familiaridade. Um exemplo simples é a motivação de turistas idosos em relação ao Turismo no Espaço Rural. O estilo de vida rural, a culinária, os objetos, as tradições e os aspectos físicos deste ambiente, que um dia fizeram parte da vida deste idoso, serão muito atrativos a ele, por remontar a lembranças e sensações de um passado que talvez não o pertença mais. Rezende (2008) cita que no Turismo Rural, o “caminho que levará o idoso à plena satisfação se dará por meio da visão da velha porteira de madeira, do carro de boi, do alambique, do monjolo, do lampião, das lamparinas, ou seja, de objetos que contam uma historia, que lembram um modo de vida, que evocam imagens da infância” (p. 9).

A gastronomia rural se compõe a partir de produtos caseiros típicos como bolos, pães, doces, vinhos, café, sucos naturais, queijos, entre outros, sendo que a maioria destes deve ter relação com a cultura local e buscar a produção de acordo com os elementos característicos de tal região. Como exemplos poderíamos citar o café, elemento básico nas antigas fazendas do Vale do Paraíba em São Paulo, que constitui o principal símbolo do turismo nesta região. Assim como os vinhos e sucos marcam o Turismo Rural no Rio Grande do Sul, região conhecida pela produção de uvas. Blos (2001, p. 217), ao estudar o Turismo Rural em Lages, Santa Catarina, coloca como forma de interação com a produção local “o fornecimento de produtos alimentícios em pequena escala como queijos e outros derivados do leite”. A inserção destes elementos tradicionais na alimentação supõe uma relação maior entre hóspede e anfitrião, visto que o primeiro passa a ter contato com o modo de vida local e fazer parte dele, mesmo que por um momento.

Do mesmo modo, como símbolos da hospitalidade, a cultura local e o modo de vida no campo constituem grandes atrativos. As manifestações culturais, como festas juninas, festas em comemoração a boas colheitas, o folclore, a música, a religiosidade, o artesanato e as danças, assim como o cotidiano rural, incluindo o manejo de culturas agrícolas e pecuárias, o acesso a brincadeiras, entre outros, são apenas alguns exemplos de como estes materiais simbólicos da hospitalidade se expressam no meio rural.

Na maioria das vezes, estas características constituem o entretenimento no turismo local. Atividades recreativas ao ar livre como a mountain bike (ciclismo de montanha), senderismo, a ordenha, a colheita e cavalgadas são bastante procuradas por turistas que buscam a interação com o meio. Também as festividades tradicionais, enquanto forma de expressão cultural, atraem muitos visitantes. Um exemplo é a Festa da Polenta, no município capixaba de Venda Nova do Imigrante, no Brasil, conhecido pelo Agroturismo, que retrata a cultura dos imigrantes italianos que habitam a região.

“Na época da massificação da produção industrial tipo artesanal e da globalização desregulada das trocas de bens, incluindo o artesanato oriental, há procura pelos artefatos de qualidade, tradicionais ou inovadores e criativos [...]” (Rodrigues, 2001, p. 93). Esta citação revela a importância dos artesanatos típicos de cada região que se sobressaem perante aos produtos ditos “artesanais”, massificados pela produção industrial.

A relevância adquirida por estes produtos está em sua identidade, ou seja, o contexto em que foi produzido, o modo de vida de quem o produziu e todos os aspectos que permitiram a sua produção, como os materiais comuns de cada local e as habilidades do produtor. Os artesanatos também são formas de manifestações culturais e constituem o produto turístico no meio rural.

O Patrimônio Histórico Material também constitui um símbolo da hospitalidade. No Turismo Rural, características históricas são bastante comuns e estão presentes principalmente nas construções, como casarões, senzalas, estábulos e moinhos, e na história sócio-política do local. Rodrigues (2001), ao estudar o Turismo Rural no Brasil, cita um exemplo no município de Castro no Paraná, de extrema importância histórica que remete ao século XVIII, no período do tropeirismo:

Quando os tropeiros faziam o caminho Viamão Sorocaba transportando gado, encontraram às margens do rio Iapó um porto considerado seguro, aí nascendo a fazenda Capão Alto. A casa central desta propriedade, erguida em taipa de pilão [...] foi tombada pelo patrimônio histórico do Estado. A sede da fazenda Potreiro Grande abre-se hoje para o turismo rural. Construída em pedra, é também de valor histórico (Rodrigues, 2001, p. 63).

Outro exemplo são os antigos casarões do ciclo cafeeiro em muitas fazendas no Vale do Paraíba, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, em cidades como Vassouras, Barra do Piraí, São Luís do Paraitinga, Bananal, entre outras. Estas características históricas, unidas à tranquilidade, à cultura, ao modo de vida, à gastronomia e à tradição de certos ambientes rurais constitui um produto turístico forte e diferenciado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a compreensão das mudanças ocorridas no meio rural que proporcionaram a introdução das atividades não-agrícolas, a descrição dos princípios básicos do Turismo no Espaço Rural e, finalmente, após encontrarmos na hospitalidade características marcantes, podemos concluir que a atividade turística e recreativa no meio rural, através de uma hospitalidade peculiar, tornou-se uma opção viável de desenvolvimento deste ambiente contribuindo para a geração de emprego e renda que complementam sua economia.

Buscando a preservação das características naturais e culturais das regiões turísticas no meio rural, os símbolos da hospitalidade serão consequentemente mantidos como vetor principal do Turismo Rural, visto que envolve seus maiores atrativos: cultura, tradição, história e gastronomia. O bom planejamento da atividade turística e recreativa agregará mais uma função no espaço rural que, em consequência de um longo processo de mudança, se tornará um espaço multifuncional e, a hospitalidade peculiar neste meio, será fator de grande consideração que possibilitará este desenvolvimento.

No caso de Cuba, por exemplo, os complexos açucareiros contam com uma estrutura completa que permite o acesso a serviços outrora não pensados e que propiciam a reutilização de espaços e o aproveitamento destes para a atividade turístico-recreativa, vinculando essa atividade ao conhecimento da cultura e história econômica de um passado recente, além de, é claro, gerar mais postos de trabalho, ressaltando o advento da ferrovia, que dispõe das locomotivas que se apresentam como grande atrativo turístico e possibilidade de criação de roteiros que a utilizem (Delgado & Salinas, 2015).

Através das reflexões levantadas, conclui-se que a mudança de paradigmas no campo, intensificada pelos processos de industrialização e urbanização, contribuiu incisivamente para a inserção de novas atividades socioeconômicas neste território. Percebe-se que, neste cenário, a atividade turística e recreativa no meio rural vem se destacando devido as suas peculiaridades, como a hospitalidade, a ruralidade, a cultura e a gastronomia, cada vez mais valorizadas pelas populações urbanas que buscam a fuga do cotidiano e da vida nas cidades.

Entende-se ainda que, grande parte dos engenhos em Cuba e fazendas históricas no Brasil, abandonaram por completo suas atividades agrícolas ao aderir o turismo como nova fonte de renda e, naqueles em que a atividade original ainda é mantida, a atividade turística se configura como o grande vetor econômico, gerando maior parte da renda local.

Tais resultados permitiram concluir que a inserção de novas atividades econômicas no espaço rural é fato cada vez mais comum e necessário neste ambiente, a fim de amenizar os impactos gerados por suas variáveis, como o êxodo, a desvalorização cultural e natural e a dificuldade em manter pequenas e médias propriedades devido à intensa modernização tecnológica.

A partir da compreensão de que a atividade turística e recreativa se configura como uma nova oportunidade de desenvolvimento no campo, este artigo buscou apontar algumas considerações referentes às discussões teóricas atuais sobre os temas abordados, bem como questões sobre as dinâmicas turísticas, permitindo que o assunto ofereça bases para novas discussões no âmbito académico e político-administrativo.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
[1] Alissandra Nazareth de Carvalho – Doutora. Professora no Departamento de Tursismo, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2850920678440759. E-mail: alissandracarvalho@yahoo.com.br
[2] Eros Salinas Chávez – Doutor. Professor da Faculdade de Turismo, Universidade de Havana, Ministerio de Educação Superior de Cuba, Habana, Cuba. E-mail: esalinas@ftur.uh.cu
[3] Projeto Temático denominado Caracterização do Novo Rural Brasileiro, disponível em www.eco.unicamp.br, acesso em 12 dez 2016.
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