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Megaeventos Esportivos no Brasil e o Plano Nacional de Turismo 2013-2016: As Metas de Expansão Turística

Sports Mega-Events in Brazil and the National Tourism Plan 2013-2016: The Goals of Tourist Expansion

FILLIPE SOARES ROMANO
Universidade São Paulo, Brasil
EDEGAR LUIS TOMAZZONI
Universidade São Paulo, Brasil
RICARDO RICCI UVINHA
Universidade São Paulo, Brasil

Megaeventos Esportivos no Brasil e o Plano Nacional de Turismo 2013-2016: As Metas de Expansão Turística

Rosa dos Ventos, vol. 11, núm. 2, pp. 454-475, 2019

Universidade de Caxias do Sul

Recepção: 03 Maio 2018

Aprovação: 15 Novembro 2018

Resumo: O Plano Nacional de Turismo [PNT] apresentou-se como documento orientador estratégico para o desenvolvimento da atividade turística no Brasil, sendo que sua versão 2013-2016 enfatizava a importância em sediar importantes esportivos megaeventos no País. O artigo analisa as propostas e metas constantes do planejamento da Copa FIFA 2014 e das Olimpíadas de Verão 2016. Como procedimentos metodológicos, optou-se pela pesquisa bibliográfica, exploratório-descritiva, utilizando para análise de dados a análise de conteúdo. O corpus de pesquisa foi constituído por documentos e informações oriundos das autoridades responsáveis pelos eventos, entre elas o Ministério do Turismo. Os resultados mostraram que (a) as três metas estabelecidas no PNT para os megaeventos não foram cumpridas; (b) que há carência de informações institucionais sobre os eventos; (c) que há falta de via de contato com os responsáveis pela sistematização de dados, em canais claramente estabelecidas. Apesar de bem-sucedidos em termos de organização, é possível concluir, entre outros, que os megaeventos esportivos não confirmaram a expectativa de que seriam a grande oportunidade de expansão dos indicadores turísticos do Brasil.

Palavras-chave: Turismo, Políticas Públicas, Plano Nacional de Turismo, Megaeventos, Copa FIFA 2014, Olimpíadas de Verão 2016, Brasil.

Abstract: The National Tourism Plan [PNT] was presented as a strategic guiding document for the development of tourism in Brazil, and its 2013-2016 version emphasized the importance of hosting important mega-events in the country. The article analyzes the proposals and goals of the planning of the Cup FIFA 2014 and the 2016 Summer Olympics. As methodological procedures, we opted for exploratory-descriptive bibliographical research, using for data analysis the content analysis. The research corpus consisted of documents and information from the authorities responsible for the events, among them the Ministry of Tourism. The results showed that (a) the three goals established in the PNT for the mega-events were not fulfilled; (b) that there is a lack of institutional information on the events; (c) that there is a lack of contact with those responsible for data systematization, clearly established. Although successful in terms of organization, it is possible to conclude, among others, that sports mega events did not confirm the expectation that they would be a great opportunity for expansion of Brazil's tourism.

Keywords: Tourism, Public Polices, National Tourism Plan, Mega Events, Cup FIFA 2014, 2016 Summer Olympics, Brazil.

INTRODUÇÃO

Uma das razões para o Brasil sediar megaeventos esportivos na atual década foi a projeção internacional, de acordo com o Ministério do Turismo e Comitês Organizadores. Vale ressaltar que o Brasil sediou os Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos em 2007; os Jogos Militares, em 2011; a Copa das Confederações, em 2013; a Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014; os Jogos Olímpicos e os Jogos Paralímpicos de Verão, ambos em 2016. A condição do País como sede dos megaeventos esportivos instiga questões sobre as exigências das instituições organizadoras dos eventos, não somente em relação à área esportiva, mas também, em relação a aspectos como: situação sociocultural, infraestrutura, capacidade organizacional e estabilidade econômica. Os questionamentos pré-evento referem-se a justificativas das realizações, como geração de empregos, consumo, arrecadação de impostos e visibilidade internacional. As perspectivas pós-evento referem-se a legados e impactos dessas realizações para o país, principalmente na atividade turística. O sucesso e os legados dos megaeventos dependem de planejamento, de organização e de gestão eficazes e competentes.

Macrury (2008) conceitua o <momentum legado> como a capacidade de a cidade e a economia regional continuarem avançando no seu desenvolvimento, imediatamente após a realização do megaevento, em razão da integração de esforços para o processo de transformação de suas fraquezas em vantagens e benefícios. Já Rodrigues (2013) argumenta que os legados dependem de políticas públicas, em sentido mais amplo: financiamento e gestão, motivados pelos megaeventos, considerando o macroplano de desenvolvimento da cidade-sede, do estado e do país. As políticas públicas são a base da qualificação dos projetos e dos planos de ações, em processo cíclico, e fundamentam-se na história local, nos valores, nas identidades, nas manifestações culturais e nas trajetórias econômicas. Os megaeventos esportivos contribuem para que o país-sede avance nas políticas e nos projetos de desenvolvimento socioeconômico da sua população e de hospitalidade para os turistas.

Essas conquistas dependem da qualificação da própria política pública de turismo, que deve embasar os projetos e os planos de ações. Somente com qualificação e embasamento adequados, os megaeventos contribuirão para o desenvolvimento socioeconômico e para a melhoria da hospitalidade aos turistas pelo país-sede. Nesse sentido, analisa-se o Plano Nacional de Turismo [PNT] 2013-2016, documento que consolidou a política nacional da área e apresentou as orientações estratégicas para o desenvolvimento da atividade turística no Brasil. O PNT apresenta o processo de planejamento de um conjunto de ações, com o objetivo de desenvolvimento do turismo no país, por meio de esforços integrados das iniciativas pública e privada e do terceiro setor, coordenados pelo Ministério do Turismo. O PNT 2013-2016 destaca a importância e a oportunidade de o Brasil sediar esses megaeventos, em razão das medidas e das ações estratégicas a serem cumprias pelo país (Brasil, 2013). Questiona-se, porém, se as medidas foram efetivamente implementadas e se as metas estabelecidas pelo governo foram cumpridas. Uma das abordagens para fundamentar essa discussão é a de Faria (2007), que discorre sobre a avaliação de políticas públicas: (a) são atividades que obtêm, combinam e comparam dados de desempenho com um conjunto de metas; (b) respondem às questões sobre a efetividade e a eficácia dos programas com a finalidade de julgar e informar; e (c) detectam falhas em aferir méritos dos programas, durante a sua elaboração, para permitir correções ou confirmação de rumos.

O objetivo do presente artigo foi o de analisar a execução das metas estabelecidas pelo Ministério do Turismo no PNT 2013-2016 no tocante à expectativa para a realização dos megaeventos esportivos Copa do Mundo FIFA 2014 e Olimpíada 2016 e Paraolimpíada de Verão Rio 2016, no Brasil. O objetivo específico foi o de verificar se houve alterações em itens como os aumentos previstos de chegada de turistas estrangeiros, de viagens domésticas, de ocupações formais no setor de turismo e de número de eventos realizados no Brasil.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO E O PNT 2013-2016

No Plano Nacional de Turismo [PNT] destacam-se o seu histórico e seus principais objetivos e metas, estabelecidos para o período 2013-2016. De acordo com Vieira (2007),

[...] políticas são caminhos a percorrer para se alcançarem os fins desejados. São expressas em uma declaração [que pode ser escrita] de objetivos genéricos, que indicam o que é permitido ou esperado, como orientadoras para tomada de decisões. São o conjunto de linhas de ações concretas para resolver determinados problemas. Pode ser uma política orientadora [indicativa e normativa], ou uma política operacional [de curto prazo] (p.75).

Assim, importante ressaltar que políticas públicas remetem a um conjunto de ações, que objetivem o controle social sobre bens, serviços e obras públicas, de modo que sejam desfrutados de maneira efetiva por toda a sociedade (Gastal & Moesch, 2007). As políticas públicas podem e devem ser definidas com base em áreas especificas de estudos, como o turismo. Para Goeldner, Ritchie e Mcintosh (2002), no contexto do turismo, a política pública define-se como “um conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas, objetivos e estratégias de desenvolvimento e promoção que fornece uma estrutura, no qual são tomadas as decisões coletivas e individuais, que afetam diretamente o desenvolvimento turístico e as atividades diárias dentro de uma destinação” (p.294). Já para Cruz (2000), política pública de turismo “pode ser entendida como um conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e/ou ações deliberadas, no âmbito do poder público, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou dar continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado território” (p.25).

A formulação teórica assume sentido prático, visando à aplicação do conceito na eficiente e efetiva gestão do turismo, conforme argumenta Beni (2007):

[...] uma política de turismo é a espinha dorsal do ‘formular’ [planejamento], do ‘pensar’ [plano], do ‘fazer’ [projetos e programas], do ‘executar’ [preservação, conservação, utilização], do ‘reprogramar’ [estratégia] e do ‘fomentar’ [investimentos e vendas] o desenvolvimento turístico de um país ou de uma região e seus produtos finais (p.77).

Para Lohmann e Panosso Netto (2008), políticas públicas de turismo são diretrizes dos governos federal, estadual, e municipal para o desenvolvimento turístico, mediante consulta aos representantes da atividade e da sociedade. Essa definição, porém, nem sempre é aplicada na prática para o desenvolvimento do turismo, podendo até ser considerada utópica. Solha (2006) discorre que as preocupações em estabelecer políticas no turismo somente aparecem quando a atividade adquire importância econômica, ou quando começa a causar transtornos. Antes disso, caracteriza-se pelo improviso, com pouco ou nenhum controle de sua formulação e de sua implementação, obedecendo apenas às leis de mercado.

No caso das propostas do PNT 2013-2016, no que se refere à política pública de turismo vinculada às realizações dos megaeventos esportivos, questiona-se o envolvimento da sociedade, por meio das suas organizações representativas, ou, ao menos, da comunicação clara e transparente das propostas e do efetivo cumprimento dos objetivos e metas. Para Alexandre (2003), o poder público pode desestimular a iniciativa privada do turismo ao criar instrumentos legais sem contemplar a essência da atividade turística. Em razão de o turismo ser campo novo, dinâmico, multisetorial e sistêmico, é preciso que suas políticas públicas sejam constantemente avaliadas e reformuladas para facilitar a atuação da iniciativa privada.

Gastal e Moesch (2007) discutem que o turismo “ainda estaria reduzido ao campo econômico, como parte de políticas setoriais, as quais não teriam clareza dos compromissos com a sociedade e dos impactos sobre a cultura e o meio ambiente. Em razão disso, é fundamental que as políticas públicas de turismo priorizem o planejamento da atividade” (p.41). Ainda que sejam essencialmente vinculadas a metas econômicas de expansão, no sentido quantitativo, é fundamental que os gestores públicos publiquem e mantenham a comunicação interativa com os atores e as organizações representativas da atividade turística.

No âmbito acadêmico e empresarial, o processo de planejamento resulta em um plano definido como um documento, que contém descrição sobre a realidade estudada – situação atual. Posteriormente, a realidade é analisada, com base em fundamentos teóricos e em metodologias específicas [diagnósticos]. Em seguida, são realizadas projeções e formuladas tendências de cenários [prognósticos] (Braga, 2007). Os conhecimentos adquiridos nas instituições de ensino, especialmente nas universidades, e os estudos decorrentes de pesquisas devem ser rigorosamente aplicados na formulação das políticas públicas de turismo e na implementação de seus objetivos e metas.

O planejamento é a formulação de propostas, que indicam os rumos a serem seguidos para ampliar oportunidades e minimizar riscos, com base nas diretrizes de ações das políticas públicas. Para Vieira (2007), “plano é o documento que descreve a sequência de medidas para se alcançar os objetivos. O plano articula os objetivos, as metas, as políticas, as decisões e as ações necessárias para implementar todo o processo. É o instrumento ou documento de consagração e de divulgação das intenções e das regras” (p.240). É importante salientar, conforme Miglioli (1982) e Lopes, Tinoco e Souza (2011), que pode haver dificuldades de definições e de classificações, com a confusão recorrente de terminologias semelhantes, como por exemplo: planejamento, projeto e desenvolvimento, utilizando-as como sinônimos. O entendimento claro desses conceitos é requisito fundamental para a consistência das políticas públicas de turismo, que devem se traduzir em objetivos viáveis e em metas exequíveis.

O plano de turismo, como resultado do processo de planejamento em âmbito nacional, refere-se ao estudo turístico geral de um país. Para Braga (2007), o plano reúne diversos programas de turismo que contemplam as ações da atividade em todo o território nacional, pressupondo trabalho de um ministério em articulação com diversos outros órgãos em similar nível, dos quais depende o êxito das propostas. No nosso entendimento, o Plano Nacional de Turismo [PNT] representa um significativo exemplo neste segmento. No que se refere às classificações, Braga (2007) e Vieira (2007) propõem que os planos turísticos podem ser de acordo com os critérios: geográfico [local, regional, nacional, internacional]; temporal [curto, médio e longo prazo] e setorial [público e privado].

Com a criação do Ministério do Turismo, no ano de 2003, foi implementado o Plano Nacional do Turismo – Diretrizes, Metas e Programas, que estabeleceu os rumos para o desenvolvimento da atividade turística no Brasil para o período 2003-2007. Diversos estudos abordam o seu processo histórico, até a versão 2013-2016 (Sansolo & Cruz, 2003; Noia, Vieira Jr & Kushano, 2007; Rocha & Almeida, 2008; Kanitz, Trigueiro & Araújo, 2010; Matias & Costa, 2010; Biz, Santos, Bettoni & Thomas, 2016). Nesta conjuntura, entendemos ser importante avançar na produção e na publicação de estudos sobre a política pública de turismo do Brasil, como é o caso deste artigo. O PNT 2013-2016 foi elaborado de acordo com as orientações do governo federal e alinhado ao Plano Plurianual 2012-2015. Define as contribuições do turismo para o desenvolvimento socioeconômico, a erradicação da pobreza e destaca, no âmbito da gestão, as diretrizes que devem nortear o turismo brasileiro, como o diálogo e a participação da sociedade; a geração de empreendedorismo e de oportunidades de emprego; o incentivo à inovação e ao conhecimento; e a regionalização, como abordagem territorial e institucional para o planejamento (Brasil, 2013). Com a meta pretensiosa de colocar o Brasil entre as três maiores economias turísticas do mundo até o ano de 2022, foram estabelecidos quatro grandes objetivos, além da definição de ações com base em cenários e proposições, indicadores, metas e ações específicas para alcançar o objetivo principal (Brasil, 2013). No Quadro 1 apresentam-se os objetivos e as metas estabelecidas pelo PNT 2013-2016.

Objetivos estratégicos e metas do PNT 2013-2016
Quadro 1
Objetivos estratégicos e metas do PNT 2013-2016
Autoria própria, adaptado de Brasil, 2013.

MÉTODO

Para a pesquisa, de natureza bibliográfica e exploratório-descritiva, aplicou-se a técnica de análise de conteúdo para a análise documental (Dencker, 1998; Veal, 2011). Para Bardin (2011), a análise de conteúdo constitui-se de várias técnicas e tem a finalidade de descrever informações no processo de comunicação, seja por meio de falas ou de textos. Dessa forma, a técnica é composta por procedimentos sistemáticos, que proporcionam o levantamento de indicadores [quantitativos ou não] e a realização de inferências. A análise documental foi realizada no período de agosto de 2016 a março de 2018, para obtenção de dados secundários, disponíveis nos sites das organizações responsáveis pelos megaeventos esportivos aqui referenciados. Para Oliveira (2008), a análise de conteúdo instrumentaliza e classifica o material em diferentes categorias, ou unidades de registro, que é a segmentação ou o recorte do texto. Essa unidade pode ser uma palavra, uma frase ou um parágrafo. Dessa forma, o recorte do documento oficial do Plano Nacional de Turismo foi com base em <megaeventos>, categoria, ou unidade de análise abrangente e central deste estudo.

Em relação também ao texto do PNT 2013-2016, as unidades de análise específicas foram as metas 1, 3 e 5, conforme destacadas no Quadro 1 da fundamentação teórica: (a) 1 - aumentar para 7,9 milhões a chegada de turistas estrangeiros ao país; (b) 3 - aumentar para 250 milhões o número de viagens domésticas realizadas até 2016; (c) 5 - aumentar para 3,6 milhões as ocupações formais no setor de turismo até 2016. Além destas, a análise do aumento do número de eventos realizados no país foi em razão da previsão do Ministério do Turismo, de que a classificação internacional do Brasil avançaria nesse segmento. Essas categorias analíticas, ou unidades de análise, constituíram o roteiro de coleta de dados, que se desdobrou por meio das interligações e direcionamentos dos relatórios para outras fontes, ou que indicaram a necessidade de buscar fontes, cujos dados confirmassem ou negassem as estimativas.

Do Ministério do Turismo, além do Plano Nacional de Turismo - PNT 2013-2016 [especialmente, o capítulo sobre a importância dos megaeventos esportivos no Brasil], foram consultados: o Anuário Estatístico de Turismo (2017), a Proposta Estratégica de Organização Turística Copa do Mundo 2014; o Monitoramento do Plano Nacional de Turismo; o boletim Dados e Fatos; e o dossiê Ações e Programas. Em razão de o PNT 2013-2016 apresentar indicadores da International Congress and Convention Association [ICCA} para justificar a expansão do país como sede como sede de eventos internacionais, verificou-se como essa associação analisou a confirmação dessa tendência em função dos megaeventos esportivos. Os dados foram retirados dos relatórios: Country and City Rankings Report; The International Association Meetings Market 2014 - ICCA Statistic Report 2014 e The International Association Meetings Market 2016 - ICCA Statistic Report – Public. Menciona-se a entrevista da presidente da ABEOC, na matéria “Brasil cai para 15º posição no ranking ICCA de eventos internacionais”, publicada em 10 de maio de 2017, pois representa a visão de crítica das lideranças do segmento.

Para analisar as projeções dos números de turistas internacionais, consultou-se também um estudo pela empresa de consultoria Ernest & Young (2010), realizado em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. Em relação às viagens domésticas, o site da Associação Brasileira de Empresas Aéreas [ABEAR] foi o mais indicado a nosso ver, pois a entidade publica relatórios frequentes sobre a atividade. Os dados foram extraídos das publicações: Demanda por Voos Domésticos Cresce em 2015 e Dados e Fatos - Demanda por Voos Domésticos Volta ao Patamar de 2013. Para cotejar as estatísticas e questionar as estimativas do Ministério do Turismo, respaldadas em indicadores do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas [IPEA] sobre as ocupações formais no setor, os dados foram extraídos de duas diferentes bases: a Relação Anual de Informações Sociais [RAIS] e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados [CAGED]. Houve tentativas de acesso a sites específicos, como o da Copa 2014 e do Pronatec Copa 2014. Em março de 2018, porém, esses sites não estavam mais disponíveis.

O tópico Indicadores de Transparência foi apresentado ao final dos resultados da pesquisa, em razão de notícias frequentes na imprensa sobre o não cumprimento das ações estratégicas e a não conclusão das obras públicas nas cidades-sede dos megaeventos. Para extrair os dados, a fonte foi o site do projeto Jogos Limpos, do Instituto Ethos. Parte do conteúdo do site, porém, já não estava disponível em outubro de 2017. O exemplo destacado de publicação na imprensa foi a matéria “Retrospectiva: Copa Não Causou Caos, Mas Deixou Herança Pequena”, do portal Folha Uol, pois contribui objetivamente para inferências sobre os resultados do estudo e para sugerir novas pesquisas.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

No texto do PNT 2013-2016, as primeiras menções aos megaeventos esportivos estão nas mensagens, apresentações ou discursos do então ministro do Turismo do Brasil e do secretário Nacional de Políticas de Turismo. De forma sucinta, para esses gestores, os megaeventos são estratégias de destaque e de projeção do turismo brasileiro no cenário mundial. O PNT 2013-2016 dedica um capítulo à importância dos megaeventos esportivos no Brasil. A justificativa do objetivo de “preparar o turismo brasileiro para os megaeventos” são os benefícios que os megaeventos podem proporcionar ao País, bem como as oportunidades de legados na infraestrutura em razão do turismo. O plano discute a função da esfera pública na realização dessas exigências e as competências dos órgãos responsáveis pela execução e fiscalização dessas ações. Apresenta demandas de modernização da rede hoteleira, disponibilizando fontes de financiamento. Quanto aos Centros de Atendimento ao Turista [CAT], enfatizam-se: sinalização turística, acessibilidade, mobilidade, e menciona-se a criação do Pronatec Copa. Em tal documento, abordam-se aspectos do setor turístico do Brasil, sua importância econômica em geração de empregos e em impactos nas melhorias dos indicadores sociais. A conjuntura internacional favorável é uma das justificativas, pois as projeções do PIB mundial e a recuperação dos países da Zona do Euro poderiam impactar positivamente a Copa do Mundo, no que tange aos fluxos de chegadas internacionais de turistas no mundo e ao seu ingresso no Brasil (Brasil, 2009).

Em linhas gerais, verifica-se que a formulação de políticas públicas foi o caminho a percorrer para alcançar os fins desejados para a atividade turística nacional, conforme recomenda Vieira (2007). Os objetivos e metas do PNT 2013-2016 para os megaeventos esportivos foram indicativos orientadores da tomada de decisões na perspectiva de que, conforme Gastal e Moesch (2007), proporcionariam retornos e benefícios para a sociedade com os impactos positivos na área do turismo. Questiona-se, entretanto, se houve avanços na implementação das propostas pelo Ministério do Turismo, pois as políticas públicas devem ir além da formulação. De acordo com a recomendação de Beni (2007), sua finalidade é executar e reprogramar projetos e ações. Esse questionamento é apresentado nos tópicos a seguir.

Número de eventos e posição do país no ranking da ICCA - O PNT 2013-2016 ressalta a participação do país no mercado mundial, como importante destino de eventos internacionais, em razão da 7ª colocação no ranking da International Congress and Convention Association (ICCA, 2011), com 304 realizações: “essa posição de destaque no mercado de eventos deverá ser potencializada por conta da realização dos megaeventos esportivos que ocorrerão no país nos próximos anos” (Brasil, 2013, p.33). Nos dados da ICCA (2015), referentes ao ano de 2014, mesmo com a realização da Copa do Mundo no Brasil a classificação do país apresentou queda para a 10ª posição no ranking mundial, com 291 eventos realizados. Na mais recente publicação da ICCA (2017), referente aos dados de 2016 após a realização dos Jogos Olímpicos de Verão, verificou-se a decaída do Brasil no ranking para a 15º posição, com 244 eventos realizados no total. A cidade do Rio de Janeiro realizou 46 eventos, ficando na 56ª posição no ranking, sendo ultrapassada pela cidade de São Paulo, com 63 eventos e 38º lugar.

A justificativa para o não cumprimento dessa meta pode ser observada na entrevista de Ana Claudia Bitencourt, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos, divulgada pelo próprio site da ABEOC (2017). Para ela, o resultado negativo deve-se ao fato de “não haver recursos, verbas e nem apoio, chegando ao fundo do poço, com exaustivas reuniões para apresentação política, sem discutir nada e sem apresentar soluções para o setor”. Tal fato parece ter sido decisivo na diminuição da quantidade de eventos e, consequentemente, na queda de posições do país no ranking. Esse primeiro indicador de retração, em vez de representar a prevista expansão do número de eventos internacionais e da posição do Brasil no ranking da ICCA, mostra que teria havido improviso na execução dos planos e das ações dos megaeventos esportivos. Ainda que as expectativas priorizassem os indicadores econômicos, entende-se que teria sido até mesmo utópico esperar que houvesse essa expansão por não terem sido executadas estratégias adequadas por meio de planos específicos e consistentes.

Eventos internacionais realizados no Brasil
Quadro 3
Eventos internacionais realizados no Brasil
Autoria própria, adaptado de Brasil (2017a)

Número de turistas internacionais - Quanto ao fluxo turístico internacional para o país, resgata-se tal informação do documento: “dados apontam que foram 5,8 milhões de chegadas ao Brasil em 2012, e que a perspectiva é de melhoria no médio prazo, aproveitando a visibilidade dos megaeventos esportivos realizados” (Brasil, 2013, p.31). O Gráfico 1 representa as estimativas de crescimento gradativo do fluxo de turistas internacionais, de acordo com o PNT, justificadas por dois fatores: (I) recuperação da economia dos países fronteiriços e (II) realização dos megaeventos, projetando taxa média de 8,03% ao ano, até atingir os 7,9 milhões em 2016.

Estimativas de Chegadas Internacionais de Turistas ao Brasil em milhões
Gráfico 1
Estimativas de Chegadas Internacionais de Turistas ao Brasil em milhões
Brasil (2013, p.73)

Em estudo realizado pela Ernest & Young (2010), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, estimou-se a chegada de turistas internacionais com análise no contexto da época de crescimento econômico das economias emergentes, principalmente os chamados BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], associado aos investimentos em publicidade e informações relacionados à projeção da imagem do país por meio da Copa do Mundo FIFA 2014. As previsões eram também otimistas, comparando o crescimento com ou sem a realização de tal megaevento esportivo, conforme se mostra no gráfico 2 a seguir.

Estimativa de Chegada de Turistas Internacionais em milhões
Gráfico 2
Estimativa de Chegada de Turistas Internacionais em milhões
Ernest & Young (2010)

Tanto as estimativas da iniciativa privada quanto dos órgãos públicos brasileiros não se concretizaram, conforme apurado no site de monitoramento do Plano Nacional de Turismo (Brasil, 2017a). A meta de 7,2 milhões de visitantes não foi atingida. Somente 6,4 milhões de visitantes foram contabilizados (gráfico 3).

Evolução da chegada de turistas internacionais – Comparativo Meta x Apurado
Gráfico 3
Evolução da chegada de turistas internacionais – Comparativo Meta x Apurado
Brasil (2017a) – Monitoramento PNT

Ao analisar os dados obtidos pelo Anuário Estatístico de Turismo dos últimos três anos, com objetivo de delimitar as chegadas de turistas ao Brasil, percebe-se que comparativamente ao ano anterior houve um aumento de 10,61% no número de turistas durante o ano da realização da Copa do Mundo FIFA 2014 [especialmente argentinos e norte-americanos] e de 4,32% durante o ano de realização das Olimpíadas de Verão Rio 2016. O número absoluto, porém, foi abaixo da meta estabelecida para tais anos, justificando-se, portanto, o destaque.

Número de chegadas internacionais ao Brasil
Quadro 4
Número de chegadas internacionais ao Brasil
Autores, adaptado de Brasil (2017b)

Também para analisar se os megaeventos esportivos atraíram maior número de turistas, apresenta-se no Quadro 5 o número de visitantes mensais desde o ano de 2013 até o ano de 2016, notando-se que a Copa do Mundo de 2014, realizada entre os meses de junho e julho, fez com que o Brasil recebesse 1.736.645 visitantes internacionais. Tal cifra representa quase o triplo comparativamente aos mesmos meses do ano de 2013, ressaltando-se, porém, que esse aumento foi eventual e não se manteve ao longo do tempo. Vale destacar que a expansão do número de turistas estrangeiros no Brasil é um dos maiores anseios dos gestores públicos e privados da atividade e um dos pontos mais questionados nas análises dos especialistas do campo socioeconômico do turismo nacional. A expectativa seria de que esse aumento proporcionaria significativos benefícios para a cadeia produtiva setorial, em função de ingresso de divisas, do aumento das taxas médias de ocupação dos serviços e da geração de emprego e renda. Os megaeventos esportivos foram considerados a estratégia absoluta e eficaz para essa conquista, pois a sua realização seria a garantia suficiente para a mudança conjuntural da atividade, com impactos sobre toda a economia nacional.

Contudo, os projetos e os planos de ações não foram rigorosos e adequadamente fundamentados em estudos de viabilidade. Com base nos referenciais teóricas [Solha, 2006; Beni, 2007; Gastal & Moesch, 2007; Braga, 2007), defende-se aqui que não houve aplicação de conhecimentos estratégicos [planejamento, coordenação, organização, monitoramento e controle] nessa elaboração e, muito menos, na execução. Nem mesmo os diversos estudos sobre os planos anteriores de autores como Noia, Vieira e Kushano (2007); Kanitz, Trigueiro e Araújo (2010) e Matias e Costa (2010), teriam sido contemplados. Aplica-se, também, a contribuição de Alexandre (2003) para questionar se, de fato, houve a criação de instrumentos para envolver a iniciativa privada na formulação, reformulação e reavaliação dos planos de ações e das metas para o turismo, estabelecidos pelas realizações dos megaeventos esportivos. O problema teria sido o superdimensionamento da meta de aumento do número de turistas internacionais e o imediatismo, com base em indicadores essencialmente quantitativos, sem enfatizar os retornos intangíveis ou os indicadores qualitativos, de animação cultural, de confraternização e de projeção da imagem positiva do turismo brasileiro pela imprensa mundial, para retornos econômicos em longo prazo.

Número de viagens domésticas - Em relação à Olimpíada Rio 2016 e às Paraolimpíada Rio 2016, que se realizaram entre os meses de julho e agosto de 2016, houve um aumento pouco expressivo no número de visitantes internacionais. Conforme divulgação das agências promotoras, o evento recebeu um número significativo de turistas nacionais.

Número de chegadas internacionais ao Brasil por mês
Quadro 5
Número de chegadas internacionais ao Brasil por mês
Autores, adaptado de Brasil (2017b)

No PNT, a justificativa para a pretensão da meta 3 [aumentar para 250 milhões o número de viagens domésticas realizadas até 2016] é caracterizada pelo avanço da infraestrutura turística [mesmo que de maneira não delimitada pelo estudo] decorrente, principalmente, dos megaeventos esportivos, aliados à equanimidade distributiva e à gestão descentralizada. No Gráfico 4, verifica-se a estimativa prevista para o número de viagens.

Estimativa das viagens domésticas realizadas em milhões
Gráfico 4
Estimativa das viagens domésticas realizadas em milhões
Brasil (2013, p. 75)

A meta de 250 milhões de viagens domésticas [Gráfico 5] não foi alcançada, apesar do aumento de 4,7% em relação ao ano anterior, conforme o monitoramento do PNT pelo próprio Ministério do Turismo. Estranha-se o fato de não haver atualizações disponíveis, dos últimos dados, para consulta. No site da Associação Brasileira de Empresas Aéreas [ABEAR] divulga-se mensalmente a porcentagem da demanda nacional, o que dificultou a compilação dos dados. Verifica-se que, no ano de 2015, o setor aéreo teve um crescimento de 0,8% [[i]] em relação ao ano anterior, o qual se manteve estagnado. Ao analisar os dados de 2016, o setor apresenta recuo de 5,47% [[ii]] comparado a 2015, com sete milhões de passageiros a menos que em 2013.

Viagens domésticas realizadas – Meta x Apurado Monitoramento PNT
Gráfico 5
Viagens domésticas realizadas – Meta x Apurado Monitoramento PNT
Brasil (2017a) – Monitoramento PNT.

Novamente, a meta não foi alcançada, pois mesmo com algum aumento, o número de viagens domésticas foi aquém do estimado. Uma das justificativas dos gestores para esse aumento é o avanço da infraestrutura [na área de transportes, especialmente, o aéreo], que seria um dos principais de legados dos megaeventos. A expectativa é que se efetive o momentum legado, conforme definido por Macrury (2008), com a continuidade das ações para superação das fraquezas e conquistas de vantagens e benefícios. Em um país de dimensões continentais, em que se esperava que os megaeventos esportivos gerassem benefícios para várias cidades-sede (ainda que os Jogos Olímpicos 2016 se concentrassem no Rio de Janeiro), torna-se ainda mais complexo executar metas sem o pleno engajamento das instâncias estaduais e municipais. Todo o processo de planejamento, gestão e controle deve envolver os responsáveis pelas políticas públicas, que são a base da qualificação dos projetos e se fundamentam nas realidades socioeconômicas dos destinos turísticos, de acordo com as reflexões de Rodrigues (2013).

Ocupações formais até 2016 - Referente à Meta 5 [aumentar para 3,6 milhões as ocupações formais no setor de turismo até 2016], previa-se que o desenvolvimento do turismo seria “um dos maiores legados dos megaeventos com o impulso nas atividades econômicas, com aproximadamente 800 mil pessoas ocupadas até 2016, elevando a ocupação de 2,78 milhões para 3,59 milhões, com crescimento anual de 6,64%” (Brasil, 2013, p.77). A estimativa de empregos, em milhões, é apresentada no gráfico 6 a seguir.

Estimativa de Empregos Formais no Turismo em milhões
Gráfico 6
Estimativa de Empregos Formais no Turismo em milhões
Brasil (2013, p.77)

No site de monitoramento das metas estabelecidas pelo PNT, conforme o Gráfico 7, apresentam-se dados extraídos de duas diferentes bases de dados - Relação Anual de Informações Sociais [RAIS] e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados [CAGED] -, que difere das bases de dados utilizadas no Gráfico 6, presente no PNT [Ministério do Turismo e Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas]. Destaca-se que a falta de padronização nas bases dificultou a análise comparativa dos dados obtidos.

Evolução do estoque de empregos formais em turismo
Gráfico 7
Evolução do estoque de empregos formais em turismo
Brasil (2017a)

O site do Ministério do Turismo, a base Dados e Fatos - Estudos, Pesquisas e Dados apresenta, no campo ‘emprego no turismo’, um direcionamento ao site do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas [IPEA]. Neste, apresenta-se o Sistema de Informações Integrado do Mercado de Trabalho no Setor de Turismo [SIMT], que objetiva oferecer informações que subsidiem a formulação e avaliação das políticas públicas de turismo, possibilitando avaliar a importância socioeconômica do turismo no conjunto da economia. No documento, enfatiza-se ainda o acompanhamento da geração de postos de trabalho formais e informais, contribuindo para diagnósticos sobre o desempenho das chamadas Atividades Características do Turismo [ACTs]. A última atualização, referente à ocupação no turismo, pode ser extraída do site do IPEA [[iii]]. Os dados, referentes a dezembro de 2015, informam que o número de empregos formais no turismo é de 1.038.582, e o de empregos informais é de 1.036.406, totalizando 2.074.988 de empregos no setor. Tal número é bem abaixo da meta estabelecida para o ano, de 3,4 milhões, conforme já destacado no Gráfico 7.

Ressalta-se que, mesmo com a dificuldade de analisar os dados referentes ao turismo, bem como na não manutenção [atualização] do site de monitoramento das metas do PNT, encontraram-se dados referentes ao CAGED 2017 [[iv]], que conclui que todos os setores econômicos do Brasil sofreram retração no ano de 2016. Comparativamente ao ano anterior, houve diminuição de 4,2% na geração de empregos, o que leva à de conclusão que o setor de turismo também sofreu retração, ficando muito aquém da meta estabelecida pelo PNT. Com esses indicadores de retração, aprofunda-se o questionamento sobre a qualidade das políticas públicas inferindo-se que, além de não terem sido adequadamente formuladas, também não foram elaborados projetos consistentes e executadas ações para desenvolver a atividade turística. Ao vincular os megaeventos esportivos a essa conquista, denota-se que as metas foram um tanto contraproducentes. Aplicando-se o referencial de Faria (2007), verifica-se que não houve profissionalismo em articular e comparar dados científicos com metas coerentes, viáveis e exequíveis, e não se analisaram programas estratégicos de ações que gerassem postos de trabalhos. Há dificuldades de definições conceituais, conforme observam Miglioli (1983) e Lopes, Tinoco e Souza (2011), o que, porém, não é justificativa para a falta de programas e projetos especializados, que envolvam equipes preparadas para a elaboração e a implementação e que façam projeções formulem-na formulação de tendências de cenários ou prognósticos, conforme orienta Braga (2007).

Qualificação profissional e serviços - No PNT 2013-2016, foram elencadas ações sobre a qualificação profissional para melhoria da qualidade dos serviços a serem ofertados aos turistas durante os megaeventos esportivos (Brasil, 2013):

[...] buscando elevar a competitividade do país como destino turístico, foi instituído, em parceria com o Ministério da Educação, um programa de qualificação profissional para o setor de turismo – Pronatec Turismo, com critérios e diretrizes que visam à melhoria da qualidade dos serviços a serem ofertados aos turistas nas cidades-sede da Copa do Mundo, entornos e destinos turísticos consolidados nacional e internacionalmente. Dividido em três linhas de ação: (I) Pronatec Copa na Empresa; (II) Pronatec Copa; (III) Pronatec Social (p.91).

Com o objetivo de ofertar 240 mil vagas de cursos de qualificação profissional até o final da Copa do Mundo FIFA 2014, destaca-se que o site oficial do Ministério do Turismo sobre o evento [[v]] e o site institucional do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec Copa [[vi]] não estavam disponíveis para acompanhamento das informações. Por esse motivo, não foi possível identificar se houve criação e preenchimento das vagas e se os investimentos estipulados foram executados. O Plano Nacional de Turismo 2013-2016 discorre também sobre os serviços considerados como estratégicos na geração de emprego e empreendedorismo e correlacionando-os com os megaeventos esportivos. As diretrizes em tal documento, porém, são elencadas de uma forma vaga: “tendo em vista o desenvolvimento da atividade turística e os megaeventos programados, e, principalmente, o legado deixado por eles, o Plano Nacional de Turismo se compromete com ações que facilitem o acesso formal ao trabalho, a proteção à renda e o fomento ao empreendedorismo” (Brasil, 2013, p.53). Verifica-se que o PNT 2013-2016 é limitado na explicitação das ações nessas especialidades [empreendedorismo e empregos em serviços], pois não as identifica claramente e pontualmente e não esclarece os métodos para a sua execução.

Reiteram-se as aplicações de referenciais teóricos das análises críticas dos tópicos anteriores. Para este tópico, o referencial de Goeldner, Ritchie e McIntosh (2002) confirma as limitações das políticas públicas de turismo que não se constituem em estrutura fundamentada para decisões que proporcionem, objetivamente, o desenvolvimento turístico. As propostas do Pronatec Copa na Empresa, Pronatec Copa e Pronatec Social são importantes em sua essência, mas infere-se que houve falta de esclarecimento dos métodos, e que os responsáveis não realizaram os estudos de planejamento estratégico, ou não houve envolvimento de equipes preparadas para a sua viabilização e execução. Os autores do referencial teórico, como Solha (2006), Faria (2007), Beni (2007), Gastal e Moesch (2007), Lohmann e Panosso Netto (2008) e Lopes, Tinoco e Souza (2011), convergem para o fato de que as políticas públicas de turismo devem desdobrar-se em programas e projetos, cuja eficiência, eficácia e efetividade fundamentam-se em organização e método. É contraditório que se proponham programas de formação profissional e de qualificação, sem que os próprios gestores mostrem formação e qualificação suficientes para a elaboração coerente e o cumprimento das metas.

Indicadores de transparência - No que se refere às ações a serem implementadas, ou apoiadas, pelo Ministério do Turismo em conjunto com outros setores, foi apresentado o detalhamento de cada ação estratégica, alinhado com os objetivos estratégicos. No PNT (Brasil, 2013), informou-se que somente em infraestrutura turística para as cidades-sede da Copa do Mundo FIFA 2014 seriam empenhados cerca de R$ 212,5 milhões no ano de 2013, com projetos que se referiam aos Centros de Atendimento ao Turista – CAT, sinalização turística, acessibilidade e mobilidade, além de investimentos no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec Copa. Analisar a infraestrutura turística de uma cidade-sede, em quaisquer dos subitens destacados, seria complexo e tema específico de um novo estudo, como por exemplo o realizado por Leite, Moura e Nóbrega (2014) na análise das ações da cidade de Natal-RN baseadas no PNT.

Mais especificamente, relacionado aos indicadores de transparência, no Projeto Jogos Limpos (2017), buscou-se um acordo com empresas e governo, oferecendo ferramenta de vigilância, monitoramento e controle sobre os investimentos destinados à Copa do Mundo 2014 e às Olimpíadas Rio 2016. Os indicadores possibilitam a avaliação da gestão pública, com foco no acesso à informação e à participação social nos processos decisórios, conforme o quadro 6 a seguir.

Índice de Transparência por Cidade
Quadro 6
Índice de Transparência por Cidade
Autoria própria, adaptado de Jogos Limpos (2017)

É importante salientar que o Projeto jogos Limpos é uma iniciativa do Instituto Ethos, com objetivo de planejar, orientar e implementar ações, estabelecendo estratégias para alcançar o objetivo de estimulo a integridade, a transparência e o controle dos gastos. Parte do conteúdo do seu site, porém, não está acessível, e dados disponíveis no mês de maio de 2017, já não estavam disponíveis em outubro do mesmo ano, o que indica que mesmo as estratégias de monitoramento que independem dos governos não foram bem-sucedidas. Sugere-se a realização de estudo com objetivo de análise do cumprimento das ações e obras de infraestrutura para o turismo, em decorrência dos megaeventos esportivos, coadunando dados acadêmicos com informações veiculadas nas diversas mídias, como por exemplo, o levantamento realizado no portal Folha Uol (Izidoro, 2014) [[vii]]. Das 167 iniciativas prometidas pelo governo federal, somente 88 foram entregues a tempo [junho de 2014], 45 ficaram incompletas, 23 postergadas para depois dos megaeventos e 11 abandonadas, ou seja, somente pouco mais da metade das obras foram entregues no tempo delimitado.

A falta de clareza e a sonegação dos indicadores de transparência é a representação mais evidente de que se frustrou o momentum legado, conceito destacado por Macrury (2008): o país desperdiça esforços, recursos operacionais, recursos humanos e recursos financeiros e não avança no desenvolvimento, principalmente no do turismo, proporcionalmente à sua potencialidade na área. Além da macropolítica pública do turismo ter sido improvisada, em função das realizações dos megaeventos esportivos [Copa 2014, Jogos Olímpicos 2016 e Jogos Paralímpicos 2016], torna-se inviável o monitoramento dos indicadores pela sociedade, premissa implícita e inerente aos planos de ações e aos projetos que deveriam consubstanciar as metas de desenvolvimento do turismo nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho evidencia, com base na análise de documentos e informações disponíveis, que as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Turismo 2013-2016 não foram alcançadas no que se refere às estimativas para os megaeventos esportivos, especificamente para a Copa do Mundo FIFA 2014, para a Olimpíada Rio 2016 e para a Paraolimpíada Rio 2016. O PNT 2013-2016 representa a elaboração da política pública de turismo, mas as metas de expansão turística do país com as realizações dos megaeventos esportivos sugerem ter sido superestimadas. Com a realização da Copa do Mundo FIFA 2014, houve um aumento dos indicadores de números de ingressos de turistas estrangeiros em relação a 2013. Ressalta-se, contudo, que os dados das metas de 2015 [(1) aumento na chegada de turistas estrangeiros; (3) evolução das viagens domésticas; e (5) aumento nas ocupações formais no setor de turismo] não foram divulgados pelo site de monitoramento do PNT 2013-2016 e nem em outras plataformas de organizações que auxiliam na sua compilação.

A ausência de publicações recentes, referentes ao Plano Nacional de Turismo 2013-2016, bem como a escassez de abordagens acadêmicas sobre o Programa de Acesso a Cursos Técnicos - Pronatec, poderia gerar, por si só, um novo estudo. Neste bojo, poderiam receber uma criteriosa análise os dados de indicadores de transparência nas obras de infraestrutura, que impactariam diretamente no setor de turismo. Deve-se considerar que a falta de informações em sites oficiais inviabilizou o comparativo de dados do período pré-evento com o resultado final alcançado. Verifica-se, portanto, a ausência de informações governamentais e institucionais, bem como a falta de uma clara via de contato com responsáveis pela organização de tais dados. Considera-se, também, a não manutenção do siteoficial de monitoramento de informações, já que os dados são bastante defasados. Por fim, espera-se que este estudo contribua para reflexões sobre a qualidade das políticas públicas de turismo do Brasil, em especial, nas discussões que envolvem o segmento do turismo esportivo.

REFERÊNCIAS

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Notas

[i] Dados disponíveis em: http://www.agenciaabear.com.br/dados-e-fatos/demanda-por-voos-domesticos-cresce-08-em-2015/
[ii] Dados disponíveis em: http://www.agenciaabear.com.br/dados-e-fatos/demanda-por-voos-domesticos-volta-ao-patamar-de-2013/
[iii] Ver mais em: http://extrator.ipea.gov.br/
[iv] Ver mais em: http://pdet.mte.gov.br/caged
[v] O site http://www.copa2014.turismo.gov.br/copa/home.html não está disponível, tentativa de acesso em março de 2018.
[vi] O site http://www.pronateccopa.turismo.gov.br/, não está com domínio disponível, tentativa de acesso em março de 2018.
[vii] Ver mais: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1567859-retrospectiva-2014-copa-nao-causou-caos-mas-deixou-heranca-pequena.shtml
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