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Turismo e Geoturismo: Uma Problemática Conceitual
Tourism and Geotourism: A Conceptual Problem
Rosa dos Ventos, vol. 11, núm. 4, pp. 754-772, 2019
Universidade de Caxias do Sul

Artigos



Recepção: 13 Dezembro 2018

Aprovação: 01 Agosto 2019

DOI: https://doi.org/10.18226/21789061.v11i4p754

Resumo: Pesquisadores de áreas como geologia e geografia têm se dedicado ao estudo do geoturismo e frequentemente ancoram os seus debates nos aspectos geológicos e geomorfológicos, ignorando a epistemologia do turismo. Ciente da pluralidade do debate, este trabalho tem como objetivo central propor um debate epistemológico sobre o conceito de geoturismo à luz das perspectivas teóricas do turismo. Para tal, recorreu-se à pesquisa bibliográfica para desvelar os aspectos históricos e o ponto de situação atual do turismo e do geoturismo. Apesar de o geoturismo ter surgido como esforço dos geólogos para transmitir o conhecimento sobre as ciências da terra que era de difícil acesso para o público leigo e a necessidade de sua incorporação no turismo devido aos efeitos multiplicadores, os principais resultados deste evidenciam que as origens do geoturismo só podem ser compreendidas à luz do turismo moderno, especialmente com a massificação da atividade turística na sociedade pós-industrial e o surgimento de formas alternativas ao turismo de massa e suas inúmeras segmentações.

Palavras-chave: Turismo, Geoturismo, Geohistória.

Abstract: Researchers in areas such as geology and geography have been dedicated to the study of geotourism and often base their debates on geological and geomorphological aspects, ignoring the epistemology of tourism. Aware of the plurality of the debate, this paper aims to propose an epistemological debate on the concept of geotourism according to the theoretical perspectives of tourism. For this, bibliographical research was used to reveal the historical aspects and the current state of tourism and geotourism. Although geotourism has emerged as an effort by geologists to transmit knowledge about the earth sciences which was difficult to be accessed by the lay public and the need for its incorporation into tourism due to the multiplier effects, the main results of this paper show that the origins of geotourism can only be understood in light of modern tourism, especially with the massification of tourist activity in the post-industrial society and the emergence of alternative forms of mass tourism and its innumerable segmentations.

Keywords: Tourism, Geotourism, Geohistory.

INTRODUÇÃO

Os recursos físicos do planeta Terra identificados como minerais, afloramentos rochosos, fósseis, relevos, solos, entre outros, têm se revestido de capital importância para as geociências que buscam contar a história do Planeta e compreender a utilização destes recursos. A pluralidade de valores associados à geodiversidade tem despertado o interesse de especialistas de outras áreas de conhecimento, incluindo o turismo. Gray (2004) destaca como valores da geodiversidade: o intrínseco, cultural, estético, econômico, funcional, de pesquisa e educação. É importante sublinhar que não se opera uma fronteira estanque entre os diversos valores da geodiversidade, pois alguns deles podem sobrepor-se ou até estar em conflito. Para este trabalho importa destacar a combinação destes valores como um fator preponderante para a conceituação do geoturismo, pois, se por um lado, foram as descobertas científicas que levaram os cientistas da Terra a promoverem ações de conservação da geodiversidade, por outro, não se pode negar que o sucesso dessa empreitada só ganharia maior ímpeto ao associar outros valores como o cultural e o estético, por exemplo.

Deste modo, depreende-se que, à medida que as geociências avançavam com a produção do conhecimento sobre elementos geológicos, aconteciam em paralelo atividades de exploração econômica que contribuíram para a valorização ou degradação de alguns locais de interesse geológico. O turismo foi um desses fenômenos que se apropriou dos valores estéticos e culturais da geodiversidade para desenvolver economicamente as regiões, e gradualmente introduziu a ideia de uso sustentável desses recursos. Este cenário orientou os primeiros debates sobre o geoturismo, na medida em que procuravam inserir elementos geológicos à atividade turística, visando à divulgação do conhecimento geológico e desenvolver de forma sustentável as regiões onde ocorrem esses elementos (Pereira, 2017). Atualmente, o interesse pelo geoturismo destaca-se pelas estratégias de divulgação do turismo, trilhas cuja atração principal são lugares com características geológicas, com destaque para os aspectos geomorfológicos singulares e atividades esportivas praticadas nos mesmos. Paralelamente, o debate em torno do geoturismo tem sido crescente, pois, desde que Hose (1995) definiu o conceito, vários pesquisadores têm se dedicado à temática. Encontros acadêmicos e artigos têm cumprido o papel de discutir e divulgar o geoturismo.

A prática que constitui o geoturismo moderno é ser antiga, mas sua conceituação é recente. Entretanto, nota-se que o debate carece de um arcabouço epistemológico do Turismo, pois os principais teorizadores são formados em outras áreas de conhecimento, especialmente em Geologia e Geografia, que às vezes exploram de forma incipiente os conceitos fundantes do Turismo. Deste modo, constitui objetivo central deste artigo discutir o conceito de geoturismo à luz das perspectivas teóricas do Turismo. Para tal, faz-se um percurso dos antecedentes históricos do geoturismo e do turismo, seguido de uma discussão teórica sobre as principais características do primeiro, convocando autores e conceitos fundamentais do segundo. O estudo é de cunho teórico exploratório baseado em pesquisa bibliográfica realizada em livros e periódicos que versam sobre a temática do Turismo e do Geoturismo. Em relação ao tratamento do objeto, nomeia-se pesquisa qualitativa (Richardson, 2008).

GEOTURISMO E TURISMO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A compreensão da natureza prática do geoturismo e seus desdobramentos científicos perpassam pelo entendimento da evolução histórica do fenômeno do Turismo. O Turismo, assim como diversos outros fenômenos humanos, se estrutura e se transforma acompanhando as mudanças sociais. Nesse sentido, é influenciado diretamente por acontecimentos e movimentos econômicos, sociais, ambientais e culturais que moldam a sociedade ao longo do tempo. Dentro deste espectro, Thomas Hose (2000; 2012; 2016) apresenta um trabalho consistente no que ele denomina como geohistória, ou seja, uma narrativa histórica das principais descobertas, eventos, obras e personagens da Geologia, contextualizada com aspectos econômicos, sociais, ambientais e culturais. Por meio da geohistória, o autor visa apontar acontecimentos e movimentos que influenciaram a prática do turismo e, consequentemente, do geoturismo moderno. Para Hose (2016), o geoturismo, como é conhecido hoje, teve os seus antecedentes no século XVII, quando alguns viajantes de elite registravam as suas experiências de viagens, paisagens, aspectos naturais, pedreiras e minas.

Vale ressaltar, no entanto, que as viagens, nas suas mais variadas formas, já existiam desde a Antiguidade, mas se intensificaram, tanto na sua prática como em seus relatos, a partir das grandes navegações e suas narrativas sobre a descoberta de novas rotas comerciais, entre elas, aquelas para o Novo Mundo (Figueiredo & Ruschmann, 2004). No século XVII e XVIII o Grand Tour, como eram chamadas as viagens realizadas pela elite inglesa para fins de amadurecimento cultural e social, foi um expoente daquele momento. Hose (2016) cita o livro The Grand Tour, escrito por Thomas Nugent em 1749, no qual o autor relata as suas experiências de viagens com jovens de famílias nobres da Inglaterra, realizadas em países como Itália, França e Holanda. Nos relatos, para além de descrever os valores morais associados à aprendizagem que os jovens teriam ao longo das viagens, é possível encontrar as impressões e informações sobre cultura, sociedade, alojamentos, além de aspectos topográficos, geomorfológicos e geológicos de diversos países visitados, entre outros sobre o solo, o clima, os mares, os rios, as montanhas, erupções vulcânicas.

No século XVIII, paralelamente à autonomia dos valores científicos, assistiu-se ao surgimento de movimentos e associações naturalistas na Europa. Assunção (2017) se refere à importância das grandes expedições que impulsionaram o avanço das ciências e tornaram o mundo mais conhecido, como foi o caso de Louis-Antoine de Bouganville (1766-1769), James Cook (1768-1777), Jean-François de La Pérouse (1785-1788) e Alexander Von Humboldt (1790-1829). Nessas expedições, os naturalistas seguiam procedimentos rigorosos para recolha de amostras de fauna, flora, minerais e rochas, registrar outros elementos importantes como mapas, formas de governos, práticas comerciais, aspectos históricos, novas culturas, de modo a divulgar o ‘novo mundo’ na Europa.

Um grande impulso às viagens e ao turismo foi dado no século XIX com o advento da literatura de viagens. Nesta época, começaram a ser publicados vários livros com títulos que remetem à viagem ou visita a algum lugar. Fuster (1971) destaca alguns livros importantes como Pictures que Tour Spain (1810), de Henry Swinburne; Memórias de um Turista (1828), de Sthendal; e os três tomos do livro The Tourist in Spain (1836-1838), de Thomas Roscoe. Com estes e outros livros que se seguiram, o movimento romântico promoveu com sucesso paisagens esplendorosas, captando lugares que se destacavam pela sua singularidade geológica e assim despertava o interesse do público que consumia a literatura romântica em diversas partes do mundo. É importante sublinhar, como afirma Hose (2012), que um dos maiores legados do movimento romântico para os viajantes modernos, os turistas, e para o [futuro] geoturismo foi o interesse pelos atrativos naturais e selvagens, pois os românticos valorizavam a vida ao ar livre e a paisagem das montanhas, encostas e falésias. Por meio da escrita, desenho e pintura, esse legado foi preservado até os dias atuais e a necessidade de obtenção de informações/conhecimento acerca dessas paisagens exuberantes foi resgatada pelo geoturismo.

Este período que se estende da Antiguidade ao século XIX é denominado, dentro dos estudos do Turismo, como pré-turismo (Molina, 2003) e é marcado justamente pela intensificação das viagens durante as grandes navegações com a exploração de novas terras nos séculos XVI e XVII, e o Grand Tour nos séculos XVII e XVIII. Hose (2016) destaca que o Grand Tour perde força na Europa com a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas (1789 -1815). Mas em 1840, após a Batalha de Waterloo, experiências de viagem equivalente ao Grand Tour voltam a ganhar força com o desenvolvimento das estradas de ferro, que proporcionaram viagens mais rápidas a um número maior de pessoas. Este novo movimento de viagens é denominado por Hose (2016) como ‘primeira onda do turismo de massa’. É relevante pontuar que nesse período do pré-turismo, as viagens tinham um caráter de aprendizagem por parte dos viajantes, mas que não havia estruturas específicas, voltadas para a educação e conhecimento destes visitantes. A aquisição do conhecimento se dava pela apreciação estética e social, sem estruturas e serviços interpretativos e de apoio que caracterizam o turismo atual e o geoturismo.

As viagens passam a ganhar os contornos do turismo atual [ou industrial, como denomina Molina, 2003], somente com a Revolução Industrial e a emergência da concepção de lazer no século XIX (Boyer, 2003; Molina, 2003; Figueiredo & Ruschmann, 2004). Nesse período surgem as primeiras agências de viagens, como a Stangen, em 1863, na Alemanha, que organizou e operou a primeira viagem com fins turísticos em 1878; e a Thomas Cook and Son, que em meados do século XIX foi pioneira na organização de pacotes de viagem (Molina, 2003). No entanto, o turismo foi, até metade do século XX, uma atividade predominantemente elitista, pois era possível tão somente para uma minoria privilegiada com condições econômicas favoráveis para realizar viagens de lazer. Mas após a primeira Guerra Mundial, Hose (2016) destaca o interesse pelo lazer ao ar livre e os tours de ciclismo na Europa. Houve nesse período uma melhoria nas estradas, acomodações e mapas topográficos que favoreceram as viagens em grupos.

Durante o período do pós-Segunda Guerra Mundial (1950-1980), inicia-se um processo desenvolvimentista pelas nações do dito primeiro mundo, que impulsionou o avanço técnico-científico dos meios de transporte e comunicação, e que, junto a novas conquistas trabalhistas, tornou acessível o lazer, a cultura e o turismo à classe trabalhadora. Nesse período houve um crescimento exponencial do turismo, que atinge o auge da sua massificação na década de 1970 (Pires, 2002; Molina, 2003; Boyer, 2003). Esse processo desenvolvimentista do pós-guerra trouxe à tona, também, novas reflexões sobre desenvolvimento. Durante muito tempo sinônimo de crescimento econômico, a noção de desenvolvimento começa a ganhar contornos que incluem aspectos mais subjetivos e voltados para a satisfação das necessidades básicas da população (Boisier, 1999). Emerge, assim, nas décadas que se seguem, a construção de novas concepções de desenvolvimento como a de Desenvolvimento Humano, estimulada pelos trabalhos de teóricos como Seers (1969); Ecodesenvolvimento, instigada pelas publicações de Silent Spring (1962), de Rachel Carson, The Limits of Growth, 1972, de Meadows, e a Conferência de Estocolmo (1972); Desenvolvimento Local, na década de 1990; e o Desenvolvimento como Liberdade, proposto por Amartya Sen (2000).

As crescentes inquietações com as questões ambientais e concepções de desenvolvimento, refletiu em uma preocupação com os impactos causados pela atividade turística. Dessa forma, a partir da década de 1970, formas alternativas de turismo começam a ser pensadas e praticadas. Essas formas de turismo consideradas não-convencionais passam a ser pauta de eventos oficiais como a Conferência da Organização Mundial de Turismo [OMT] de 1980, em Manila, e o Seminário sobre Turismo Alternativo da OMT realizado em 1989, na Argélia (Pires, 2002). Essas novas formas de turismo buscam ressaltar uma interação positiva entre o turista e o meio ambiente natural e social visitado. Surgem diversas formas de turismo que preconizavam o viés não-convencional como, por exemplo: o ecoturismo, turismo cultural, turismo ético, turismo rural, entre outras inúmeras denominações. No pós-Segunda Guerra Mundial há, ainda, uma proliferação de parques nacionais pelo mundo [principalmente na década de 1970]. Estes parques necessitavam de gerenciamento ambiental para reduzir os impactos ambientais causados pelos visitantes. A interpretação ambiental começa a ser praticada, primeiro nos Estados Unidos, depois na Europa e em outros locais do mundo. Hose (2016) destaca que é nesse momento que as bases do geoturismo são estabelecidas.

Hose (2000) demonstra que, apesar de um legado de publicações acadêmicas sobre locais de interesse geológico [ou mesmo geossítios], mapas geológicos, fósseis e rochas importantes para compreender a história da Terra e da Humanidade, esta rica informação muitas vezes não é partilhada com o público e é difícil encontrar em museus e edifícios históricos antigos informação bem preparada que auxilie a interpretação dos materiais geológicos e artefatos. Apesar de a Geologia moderna ter origem no século XVI, a falta de acessibilidade da sua linguagem fez com que ela se distanciasse do público, ignorando-se uma longa tradição de investigação e publicação sobre a história da terra e valorização do patrimônio geológico. Uma das formas encontradas pelos geólogos para recuperar o seu prestígio foi reconhecer que o conhecimento geológico pode interessar a outras áreas, caso do Turismo, por exemplo, e para tal seria necessário criar mecanismos para facilitar a interpretação de um local de interesse geológico [ou geossítio] com recurso à tradução das técnicas geológicas e linguagem científica, dados e conceitos em termos mais simplificados para a compreensão dos usuários não especializados. Foi com esse objetivo, que a partir dos anos 1960, surgiram algumas iniciativas para conservar, apresentar e promover os locais de interesse geológico por meio de museus e centros especializados, trilhas direcionadas a turistas, provisão da interpretação do material geológico por meio de placas informativas, mapas, visitas guiadas, exposição de fotos, desenhos, vídeos e painéis de outdoor (Hose, 2000).

Vale destacar que esse movimento de interpretação ambiental não se referia tão somente aos aspectos geológicos, com destaque para o relevo [feições geomorfológicas], mas a natureza em geral. Além disso, durante esse momento inicial a concepção de geoturismo ainda não existia, surgindo somente no ano de 1995, quando proposta por Thomas Hose. A partir do final da década de 1980, o debate científico alastrou-se para outras áreas quando se apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável pela comissão de Brundtland, no relatório Our Common Future (1987). O desenvolvimento sustentável, assim como a sua responsabilidade institucional, é, posteriormente, discutido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Rio-92. No final dos anos 1980, a ideia de desenvolvimento sustentável reforçada por estes eventos e documentos é incorporada na área do Turismo (Ruschmann, 1997; Butler, 1999; Swarbrooke, 2000; Pires, 2002; Mccool, Butler, Buckley, Weaver & Wheeller, 2013). Pode-se citar o artigo científico de J.J. Pigram, publicado em 1990 [o primeiro a utilizar o termo turismo sustentável], o surgimento do Journal of Sustainable Tourism, em 1993, e a primeira conferência sobre turismo sustentável realizada na Espanha, em 1995 (Mccool et al., 2013) como marcos da emergência do debate acerca do tema.

A noção de turismo sustentável ganhou bastante atenção dos pesquisadores e organismos oficiais do turismo, surgindo diversas definições, pesquisas e discussões sobre o tema, o que levou a uma diversidade de interpretações. Butler (1999) aponta que após uma década da emergência do termo ainda não havia surgido uma definição satisfatória de turismo sustentável. Além disso, o autor destaca a necessidade de monitoramento e medição da sustentabilidade das práticas de turismo dentro de uma perspectiva temporal, para apontar se o turismo em determinada localidade é sustentável ou não. Mesmo com essas ponderações, a questão da sustentabilidade foi inserida no discurso tanto do mercado [não só turístico] quanto dos governos, estando presente como premissa de muitas empresas turísticas e planos de desenvolvimento governamentais até os dias atuais. Além disso, as concepções de desenvolvimento local, regional e endógeno, passam a ter forte influência nos programas e planos de turismo e o envolvimento da comunidade se torna central nos debates acerca da sustentabilidade.

É durante a década de 1990 que emerge também a concepção de Geoparques, visando o desenvolvimento sustentável de regiões com relevante patrimônio geológico, por meio da promoção e conservação da geodiversidade. Nesse sentido, em 1997, quatro territórios europeus experimentaram o conceito de Geoparque em cooperação com a Unesco e, em 2000, fundaram a Rede Europeia de Geoparques (Moreira, 2014). A criação dos geoparques contribuiu para estimular o geoturismo, uma vez que o turismo foi utilizado como mecanismo de desenvolvimento econômico dessas regiões e possuía como principal atrativo elementos geológicos. No ano de 2004 é criada oficialmente a Rede Global de Geoparques e, em 2015, torna-se um programa oficial da Unesco - Global Geoparks ., a exemplo dos programas Homem e Bioesfera [Man and Biospheres - MAB Programme] e Patrimônio da Humanidade [World Heritage], em que sítios do patrimônio geológico representam parte de um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável que deve gerar atividade econômica por meio do turismo, compreendendo geossítios de importância científica, raridade ou beleza. Atualmente, o Programa Mundial de Geoparques da Unesco conta com 147 geoparque, em 41 países (Unesco, 2019).

A gestão e o funcionamento dos geoparques integram as comunidades locais, uma discussão que aflorou no turismo a partir dos finais do século XX e início do século XXI quando despontaram movimentos antiglobalização que consistiram em diversos protestos contra o sistema capitalista vigente e as políticas neoliberais [surgidas durante o pós-Segunda Guerra Mundial]. Estes movimentos tiveram grande influência na concepção e desenvolvimento do turismo de base comunitária em países em desenvolvimento, que busca trazer a autonomia da comunidade local no planejamento e organização da atividade turística (Urano, Siqueira & Nóbrega, 2016). O período é marcado, ainda, por uma quebra de paradigma em conceitos-chaves do Turismo, sendo denominado por Molina (2003) como pós-turismo. É importante ressaltar que as etapas históricas do turismo propostas pelo autor [pré-turismo, turismo industrial e pós-turismo] diferenciam-se de outras propostas, pois apesar de evoluírem dentro de um contexto histórico, essas etapas podem coexistir em um mesmo território e tempo, ou seja, não necessariamente com o surgimento de uma nova etapa houve o desaparecimento da forma como o Turismo se estruturava na etapa anterior. Considera-se relevante destacar que o pós-turismo apresentado por Molina, em 2003, se caracteriza fortemente pela transformação da oferta turística, possível pelas inovações tecnológicas que quebram paradigmas de concepção sobre a atividade, como deslocamento, interação com a comunidade local e simulação de cenários naturais pela aplicação de tecnologias.

No entanto, a compreensão do pós-turismo aqui apresentada vai para além da perspectiva de Molina (2003) e se refere ao mesmo na pós-modernidade, caracterizado pela multiplicidade das motivações, experiências e locais vistos como turísticos (Uriely, 1997), o qual é fortemente influenciado pelas inovações tecnológicas, mas também por mudanças de ordem econômicas, sociais, ambientais e culturais. O turista pós-moderno se tornou mais exigente, devido ao acesso rápido e fácil à informação, é mais adepto a viagens individualizadas e pacotes personalizados, é um viajante ativo e em busca de experiências únicas e inovadoras e mais conscientes sobre as questões ambientais e sociais (Tito, Brumatti & Nóbrega, 2017). Dentro deste espectro histórico e social, o geoturismo surge como reflexo de quatro contextos: (1) a necessidade de trazer à tona a importância da geodiversidade e do patrimônio geológico, (2) a relevância da sua conservação; (3) a necessidade da interpretação para o público em geral; e (4) as transformações sofridas pela atividade turística após o auge da sua massificação com a inclusão da concepção de sustentabilidade no seu planejamento e da oferta de novas formas de turismo para satisfazer uma demanda constantemente influenciada pelas mudanças econômicas, sociais, ambientais e culturais da pós-modernidade.

GEOTURISMO À LUZ DA PERSPECTIVA TEÓRICA DO TURISMO

À medida que a prática do geoturismo é impulsionada a partir do pós-guerra, a discussão teórica sobre o tema é construída e amadurecida. Há, atualmente, um número crescente de pesquisas com diversificação dos seus objetivos e métodos, assim como a emergência de uma comunidade internacional de pesquisadores (Ruban, 2015). A partir de 1995, com o pioneirismo de Thomas Hose, são formulados diversos conceitos de geoturismo, nem sempre consensuais, mas partilhando alguns pontos em comum [Quadro 1].

À luz do Quadro 1, podem ser apontadas algumas características do geoturismo, mas somente uma delas está presente em todas as definições apresentadas: o recurso geológico. Nesta perspectiva, Hose (2000) é enfático em afirmar que a principal característica do geoturismo é o recurso geológico que deve ser compreendido e interpretado para fins de conservação, o que Dowling (2011) vem denominar de base geológica do geoturismo. Embora não seja consenso entre os autores, o geoturismo pode ocorrer em área natural (Hose, 2000; Newsome & Dowling, 2010) ou urbana (Dowling, 2011; Hose, 2012; Ruban, 2015); in-situ ou ex-situ (Gray, 2004; Hose, 2012).


Quadro 1
Sistematização das principais definições de geoturismo

(Continua)




(Continua)




Adaptado de Hose (2016).

Na perspectiva das Ciências da Terra, os recursos geológicos são materiais úteis que podem ser extraídos e tornados um bem utilizável com lucro [atual ou em um futuro razoável], isto é, já ocorre a degradação tendo em vista que há extração para fins comerciais. No entanto, na perspectiva da base teórica do Turismo recurso é a matéria-prima com a qual se pode planejar a atividade num determinado local, por exemplo, a praia, a montanha, a catarata, entre outros. Atrativo turístico, por sua vez, é o recurso natural ou cultural que atrai o turista para visitação que já é dotado de serviços, facilidades e infraestrutura para usufruto do turista como o alojamento, a alimentação, o entretenimento, o acesso, entre outros. Neste sentido, um recurso se torna um atrativo quando é facilmente acessível e apresente equipamentos, instalações e infraestrutura para utilização pelos turistas. O produto turístico extrapola a ideia de produto da economia clássica como algo palpável, mas também a considera. É constituído por um conjunto de serviços tangíveis e intangíveis que só existem em razão de um recurso dispostos a um público que o deseja comprar, por um determinado preço (Barretto, 1995; Ignarra, 2003; Panosso Netto, 2010; Dias, 2013).

A estruturação de produtos turísticos tem possibilitado a identificação de segmentos no mercado, realizada considerando tanto a oferta como a demanda. Assim, a segmentação surge como uma estratégia mercadológica de marketing, por meio de um processo de identificação de grupos, que deixa de ser generalista e passa a oferecer produtos destinados a uma clientela específica, com a finalidade de implementar estratégias comerciais diferenciadas para atender às necessidades identificadas (Ansarah, 1999; Panosso Netto & Ansarah, 2015). Com a evolução e crescente modificação do turismo na pós-modernidade, percebe-se cada vez mais a segmentação no turismo, considerando as interpretações das tendências da demanda relacionando com o que o destino dispõe, surgindo diversas nomenclaturas. De acordo com Molina (2003), condutas homogêneas não determinam um segmento, uma vez que a realidade é dinâmica e mutante. O indivíduo não é mais um, são muitos, com diferentes identidades e interesses, e que na hora do consumo não pode ser classificado como único. Alguns destes segmentos estão estruturados tendo como recurso o patrimônio geológico associado a diversas motivações, que em alguns momentos podem se complementar, conforme se verifica no Quadro 2.


Quadro 2
Segmentos do turismo que utilizam elementos do patrimônio geológico
Adaptado de Moreira (2014).

O geoturismo, conforme preconizam os autores da área, tem como principal recurso a geodiversidade e/ou o patrimônio geológico, isto é, a sua base geológica (Dowling, 2011; Hose, 2016) que busca estruturá-lo como atrativo (Meléndez-Hevia, Moreira & Carcavilla-Urqui, 2017), para compor um produto com pessoas dispostas a consumir. No entanto, observa-se, a partir da leitura do Quadro 2, que o patrimônio geológico não é um aspecto exclusivo do geoturismo, sendo também recurso de outras atividades no turismo. Analisando as definições de geoturismo, perpassa a ideia central de que o seu enfoque é direcionado para a aquisição de conhecimento ou aprendizagem sobre os recursos geológicos, preenchendo a lacuna que se verificava da falta de comunicação entre a comunidade dos cientistas da terra com o público leigo. Deste modo, espera-se que o turista, para além da mera apreciação estética, possa adquirir algum conhecimento sobre os fenômenos que visita, o que Dowling (2011) denomina de informativo geológico com fins de desenvolver uma experiência agradável e significativa.

Assim, se se considerar a aquisição do conhecimento como característica que diferencia o geoturismo das outras formas de turismo, percebe-se também, a partir da leitura do Quadro 2, uma aproximação com outras formas que preconizam o conhecimento, como o turismo histórico cultural, ecoturismo, turismo rural, entre outros. Também destaca, a luz do Quadro 1, o fornecimento de estruturas e serviços de interpretação como característica predominante do geoturismo. No entanto, entende-se que se a ideia é promover a aquisição do conhecimento, está intrínseca a necessidade do fornecimento de estruturas e serviço de interpretação, assim como ocorre em outros segmentos do turismo [ver Quadro 2]. A atividade turística baseia-se na produção e consumo de mercadorias e/ou serviços e, como tal, precisa ser moldada para satisfazer a necessidade de seus turistas onde são construídas infraestruturas que facilitem o acesso, permanência e satisfação (Beni, 2011). As estruturas de serviços e interpretação são alguns dos elementos que compõem o produto turístico e de forma prática são visualizadas no turismo por meio de trilhas interpretativas, visitas guiadas, desenhos, vídeos, placas informativas, entre outros meios como forma de aperfeiçoar a experiência turística e promover a aquisição do conhecimento (Panosso Netto & Ansarah, 2015).

Aprofundando as características do geoturismo, além da base geológica, observa-se na literatura que alguns autores apontam a sustentabilidade, os benefícios locais e satisfação dos turistas (Dowling, 2011; Newsome, Dowling & Leung, 2012). A sustentabilidade inclui a discussão da viabilidade econômica, do desenvolvimento social e da geoconservação, tendo como principal desafio o desenvolvimento da atividade turística sem afetar negativamente o ambiente. Os benefícios locais remetem ao envolvimento das comunidades locais em todo o processo, desde a gestão da localidade para o geoturismo até o fornecimento de serviços que promovem a geração de emprego e renda. Este envolvimento não apenas beneficia a comunidade e o meio ambiente, mas impacta na qualidade da experiência turística. E por fim, a satisfação do turista, característica pouco discutida na literatura.

A este respeito é importante considerar a perspectiva do desenvolvimento sustentável, que tem suas origens na década de 1970, e suas premissas baseadas no tripé da eficiência econômica, da conservação ambiental e da equidade social, que passou a influenciar o mundo como um todo. No turismo, a atividade passou a ser pensada não somente na sua eficiência econômica, como uma atividade que gera resultado econômico, por meio da movimentação de pessoas e suas necessidades, mas passou a inserir a preocupação ambiental, por meio da conservação dos recursos ambientais, evitando sua degradação e também inseriu a participação da sociedade nas ações de planejamento e gestão da atividade, recebendo e promovendo os benefícios da atividade (Swarbrooke, 2000; Dias, 2008; Ruschmann, 2010). Por isso, sua visão não pode ser reducionista e/ou fragmentada, mas sim como resultado da interação de inúmeros componentes ambientais, socioculturais e econômicos (Buhalis, 2000). No entanto, em alguns casos, o termo é utilizado no Turismo de forma errônea, como sinônimo para formas específicas de turismo, tais como turismo verde, ecoturismo, turismo rural, geoturismo, entre outros. De acordo com Burgos & Mertens (2015), o desenvolvimento sustentável não pode ser visto como característica exclusiva de formas alternativas de turismo que pregam a conservação e equidade social, para além da eficiência econômica, senão uma situação comum no mundo contemporâneo que deve alcançar todas as formas de turismo. Independente da terminologia adotada, o turismo deve promover benefícios nas suas mais diversas esferas.

Assim, a ideia da geoconservação, difundida pelos teóricos do geoturismo, deve ser trabalhada considerando as discussões do tripé da sustentabilidade que é muito anterior a sua conceituação, o que levou Hose (2000) a reformular o conceito de geoturismo e acrescentar o componente da conservação, perspectiva esta acompanhada por outros autores (Gray, 2004; Ruchkys, 2007; Newsome & Dowling, 2010; Hose, 2012). Ainda considerando a perspectiva do desenvolvimento sustentável, importa destacar que se refere principalmente as consequências da relação entre o ser humano e a natureza, considerando a qualidade de vida e bem-estar da sociedade, e, portanto, os benefícios sociais inferem a necessidade de envolvimento, participação e mobilização social como condições sine qua non para o seu sucesso, buscando trazer autonomia para a comunidade local. É o protagonismo das pessoas, por meio da participação na vida econômica e política, e na realização de ações coletivas que se torna central no desenvolvimento e na transformação social (Sachs, 1993; Bordenave, 1994; Green, 2009).

Esta discussão já vem sendo amplamente realizada no Turismo, o que tem possibilitado a estruturação e desenvolvimento de ações como turismo de base comunitária, que consiste na participação da comunidade na concepção, planejamento e organização da atividade (Coriolano & Lima, 2003; Irving & Mendonça, 2004; Urano, Siqueira & Nóbrega, 2016). Tal concepção vem sendo incorporada no geoturismo, principalmente por meio da discussão do modelo de gerenciamento de geoparques, onde tem se verificado a necessidade de envolvimento social para o seu sucesso (Nascimento, Ruchkys & Mantesso-Neto, 2008; Farsani, Coelho & Costa, 2011; Newsome, Dowling & Leung, 2012). No entanto, a ênfase destes estudos tem sido direcionada especificamente a modelos gerenciais voltados à criação de geoprodutos, capacidade de carga, programas educativos de conscientização ambiental para os turistas, parcerias governamentais, entre outros. Deste modo, os benefícios sociais ficam restritos a geração de emprego, renda e desenvolvimento de habilidades, vislumbrando o apoio da comunidade no processo de desenvolvimento. Visão esta ancorada no modelo tradicional [industrial] do turismo, que não promove o empoderamento e autonomia da comunidade local.

O que parece claro é que o termo desenvolvimento sustentável é socialmente construído e reflete os interesses e crenças de diferentes atores para atingir os seus objetivos, possuindo vários pontos de vista. Alguns autores, como Butler (1999) e Burgos e Mertens (2015), apontam que não há definição e consenso sobre os aspectos e critérios, emergindo vários questionamentos: o que deve ser sustentável? Sustentável para quem? Sustentável por quanto tempo e em que condições? Não há critérios claros e o comum é emitir pareceres parametrizados. No entanto, a singularidade de cada caso inviabiliza a existência de uma resposta universal. O desenvolvimento sustentável não pode ser visto como um estado ideal, senão como um processo de mudança que orienta o desenvolvimento para objetivos alcançáveis. Portanto, um dos seus maiores desafios é o monitoramento constante, para afirmar caminhos mais sustentáveis a partir de um conjunto de medidas, o que se torna um desafio no mundo contemporâneo.

Percebe-se, assim, que as características apontadas pelos teóricos do geoturismo - recurso geológico, aquisição de conhecimento, estruturas e serviço de interpretação, geoconservação e benefícios locais -, estão ancoradas, por um lado, na perspectiva teórica e mercadológica da atividade turística por meio da estruturação dos segmentos e suas motivações, conciliando os interesses pelo e para o turismo com condições básicas para satisfazer as necessidades dos turistas, e por outro lado, na perspectiva do desenvolvimento sustentável que passou a repercutir em diversos âmbitos englobando conceitos de conservação ambiental, eficiência econômica e equidade social que não são exclusivos do geoturismo.

Paralelamente às características do geoturismo, alguns autores buscam categorizar os geoturistas. Hose (2016) apresenta um diagrama que aborda três características comportamentais de turistas que visitam geossítios: envolvido socialmente, ativo fisicamente e engajado intelectualmente. A partir dessas características, ele classifica os geoturistas em três tipos: dedicado, casual inativo e não engajado ativo. O geoturista dedicado seria aquele indivíduo engajado intelectualmente com a temática da geologia, que possui um interesse específico sobre o aspecto geológico visitado, como por exemplo, pesquisadores, colecionadores, geólogos, estudantes de geologia, etc. O casual inativo seria aquele que está mais envolvido socialmente com o geossítio, estando em busca de interação social e prazer como estudantes e turistas em geral. E o não engajado ativo seria composto por aqueles ativos fisicamente, que buscam o geossítio pela interação com a paisagem por meio de determinadas atividades ou esportes como hikers, pessoas que fazem esporte de aventura, fotógrafos, etc.

Alguns autores (Hose, 2016; Meléndez, Moreira & Carcavilla, 2017) ressaltam que, muitas vezes, é inferido que o geoturista está em busca do conhecimento sobre os aspectos geológicos, mas que na verdade a motivação principal da maioria é a interação social e a busca pelo prazer. Assim, os geoturistas dedicados constituem uma demanda muito específica, formada por turistas com alto nível de ensino e renda, os quais Hose associa aos turistas alocêntricos, como definidos por Plog (1974). Enquanto a motivação dos geoturistas não engajados e casuais coincide, geralmente, com a motivação de turistas em outros tipos de turismo (Chylińska, 2019), o que significa que os geossítios competem com outras formas de turismo, conforme elucidado nas características do geoturismo.

Neste espectro é importante considerar as concepções do pós-turismo situada na pós-modernidade, nas quais as fronteiras do turismo tradicional são desafiadas e em que o capital cultural e social (Bourdieu, 1979) está em jogo. Há uma conscientização do turista em busca de uma experiência turística autêntica (MacCannel, 1976), olhando para o turismo para além das práticas típicas. De acordo com Jansson (2018), existem vários tipos de pós-turistas, inclusive aquele que vê o simulacro na cultura do consumo como essência do turismo, e isto não o faz ser menos turista. Ainda de acordo com autor, a ideia de categorizar o pós-turista na pós-modernidade é difícil de justificar porque há diferentes estilos de vida e as identidades das pessoas são muito mais complexas do que isso, uma vez que em um dia podem se render às formas tradicionais do turismo, e no outro dia seguir caminhos alternativos da prática turística.

Aqui cabe uma discussão sobre o ser turista baseada nas atividades, experiências e ações relacionadas ao fenômeno do turismo, pois se percebe que estão em questão as vivências dos diversos sujeitos sociais. Isso significa que, embora os produtos do turismo possam ser categorizados, inclusive por uma questão mercadológica, o que definirá o ser turista é a motivação do sujeito da ação, se bem quiser sua intencionalidade (Panosso Netto, 2011). Ademais, entende-se que é difícil encaixar o turista em somente um segmento, uma vez que há comportamentos que podem englobar uma ou mais motivações em uma única viagem. É o conjunto desses interesses que fará o ser turista, isto é, o turista como estado de espírito. Os geoturistas casuais podem buscar a paisagem como principal motivação e, consequentemente, podem aprender algo sobre o patrimônio geológico em si, já os experts buscam o conhecimento geológico e podem vislumbrar a paisagem (Chylińska, 2019). Em ambos os casos, não deixam de ser geoturistas.

Neste contexto, pode-se perceber nas diversas definições de geoturismo, que muitos autores apontam o mesmo como essencial para mostrar a relevância da geologia e a necessidade dessa percepção pela população em geral para a sua conservação. Desta forma, o geoturista em essência não é aquele que já possui um envolvimento com a temática, mas sim, aquele que em busca do prazer através da atividade turística adquire conhecimento sobre os aspectos geológicos do local visitado. Nesse sentido, as facilidades e serviços oferecidos aos turistas são pensados, principalmente, para os geoturistas casuais inativos (Hose, 2016), pois trazem uma linguagem mais acessível ao público em geral e a conscientização da importância e conservação dos aspectos geológicos.

Com isso, percebe-se que as tipologias de geoturistas devem ser entendidas sobre as características fundantes do turismo ancorados na pós-modernidade, onde as necessidades e desejos dos (geo)turistas não são únicos e, portanto, não podem ser vistos como características homogêneas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura da história do turismo e da geohistória do geoturismo mostra como as viagens realizadas durante o Grand Tour, e depois as expedições naturalistas, assim como as literaturas de viagens foram importantes para a valorização das experiências e conhecimento sobre o mundo, caracterização dos aspectos culturais e naturais [bióticos e abióticos], tendo se constituído nos antecedentes históricos do geoturismo. Entretanto, as origens do geoturismo só podem ser compreendidas à luz do turismo moderno, especialmente com a massificação da atividade turística na sociedade pós-industrial, quando as viagens de férias deixaram de ser apenas para uma elite, popularizou-se o consumo com o aumento do tempo livre e melhoria das condições de trabalho das massas, para além da crescente valorização do lazer. Estes fatores foram determinantes para o crescimento do setor e a sua consequente segmentação, resultando na criação de infraestruturas e serviços apropriados para diversos segmentos do turismo (Boyer, 2003; Molina, 2003; Figueiredo & Ruschmann, 2004).

Os debates em torno de novos modelos de desenvolvimento, visando a redução dos impactos ambientais da atividade industrial, iniciados na década de 1970 e consolidados a partir dos anos 1980 com o foco no desenvolvimento sustentável, foram fundamentais para que se assumisse o turismo como um modelo de desenvolvimento capaz de incorporar os benefícios econômicos, sociais, culturais e ambientais, à luz da nova perspectiva do desenvolvimento sustentável. A massificação do turismo, o reconhecimento do seu efeito multiplicador sobre as economias nacionais e locais, e a sua consequente segmentação, atendendo às questões da sustentabilidade, permitiu a divulgação do conhecimento de várias áreas, incluindo as Ciências da Terra.

O trabalho elucidou os principais aspectos da atividade do geoturismo: o recurso geológico, a aquisição de conhecimento, o fornecimento de infraestrutura e serviços de interpretação, a conservação e os benefícios locais, que não são exclusivos do geoturismo, mas interligados fornecem diretrizes para a atividade. Nesse contexto, pode-se definir o geoturismo como um segmento da atividade turística que busca de forma sustentável utilizar o patrimônio geológico como seu principal recurso turístico, promovendo a aquisição de conhecimento e conservação. Ressalta-se que a promoção da equidade social, eficiência econômica e conservação ambiental é condição sine qua non para o desenvolvimento sustentável e, portanto, para a prática do turismo e seus segmentos.

Sugere-se que as pesquisas em geoturismo passem a incorporar a autonomia e empoderamento das comunidades locais, para além da discussão sobre a geração de emprego e renda. Ademais, constitui um desafio a elaboração de estratégias e critérios claros para avaliação da sustentabilidade da atividade e seu constante monitoramento. Por último, constitui limitação deste estudo a discussão do geoturismo no contexto da pós-modernidade, onde as barreiras do turismo tradicional são rompidas e o capital social e cultural entra em jogo, de modo que as motivações e classificações dos (geo)turistas seriam discutidas a partir de perspectivas do turismo na pós-modernidade. Espera-se, portanto, que as constatações deste trabalho, assim como as suas sugestões e limitações contribuam para as novas perspectivas dos estudos do geoturismo.

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