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O Futuro da Hospitalidade: Impactos dos Modelos Disruptivos de Hospedagem no Mercado Tradicional
The Future of Hospitality: Impacts of Disruptive Hospitality Models in the Traditional Market
O Futuro da Hospitalidade: Impactos dos Modelos Disruptivos de Hospedagem no Mercado Tradicional
Rosa dos Ventos, vol. 11, núm. 4, pp. 773-818, 2019
Universidade de Caxias do Sul
Recepção: 16 Outubro 2018
Aprovação: 22 Abril 2019
Resumo: Com novos contornos surgindo no setor de meios de hospedagem a partir do fenômeno da hospedagem compartilhada, questionamentos acerca de seus desdobramentos passam a ocupar diálogos e discussões no meio acadêmico e mercadológico. Torna-se necessária, portanto, uma discussão aprofundada e fundamentada em fatos para que saibamos a real dimensão dos impactos dos modelos disruptivos de hospedagem no setor tradicional, bem como a melhor forma de encará-los. Investido da tarefa de oferecer esta discussão, este trabalho tem como objetivo descrever o atual contexto do mercado de meios de hospedagem com a inserção de um novo modelo disruptivo baseado na hospedagem compartilhada, o Airbnb. Como método, realizamos uma revisão sistemática da literatura pertinente dos últimos cinco anos, mapeando as principais temáticas discutidas neste contexto, e apontando os resultados destes estudos. Nossos resultados se manifestam em oito principais temas discutidos nos 31 artigos restantes de nossa filtragem. Em nossas considerações finais, elaboramos a aplicabilidade de nossa pesquisa no mercado tradicional de meios de hospedagem, assinalamos as limitações deste trabalho e sugerimos futuros caminhos para dar continuidade este tipo de pesquisa.
Palavras-chave: Turismo, Meios de Hospedagem, Inovação Disruptiva, Economia Compartilhada, Airbnb.
Abstract: With new arrangements emerging from the hospitality sector after the sharing hospitality phenomenon, questioning regarding its repercussion has also started to show in discourses and debates in the academic and market environment. It becomes imperative, therefore, an in depth and well-grounded discussion so we may perceive the real dimension of the impacts of disruptive hospitality models in the traditional market, and also the best way to manage them. Invested with the task of proposing this discussion, this paper aims to describe the current context of hospitality market with the insertion of a new disruptive model based on the sharing hospitality, Airbnb. The methodology of our research consists of a systematic literature review regarding the last five years, mapping the main themes discussed in this context, and pointing out the results of these studies. Our results are expressed into eight main themes discussed throughout the 31 final papers resulted from our filtration process. Our final considerations consist of the suitability of our study for the hospitality traditional market decision makers, the limitations and restrictions of our research, and suggestions for future paths to be unraveled in order to continue this discussion. (Tradução: Rachel de Paula Canedo Branco)
Keywords: Tourism, Hospitality, Disruptive Innovation, Sharing Economy, Airbnb.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história da sociedade ocidental, a hotelaria se ergueu como principal representante do fenômeno da hospitalidade comercial. A imagem de um hotel traduz o que esperamos como sendo a principal forma de acolhimento quando há o deslocamento de um viajante, seja a lazer ou a negócios: a segurança e o conforto de ser recebido em um meio de hospedagem. A partir de seu marcante desenvolvimento no século XX, grandes redes hoteleiras se apropriaram de uma considerável fatia no mercado de meios de hospedagem, e com o tempo, surgiram hotéis independentes tão famosos e procurados quanto (Rejowski & Solha, 2002). O mercado da hotelaria se consolida, portanto, carregando anos de tradição e de reconhecimento, oferecendo serviços de referência aos seus hóspedes. Porém, esta consolidação exige o custo da inflexibilidade: o produto hoteleiro tem um método, um preço e um local específico a fim de ser consumido, fatores aos quais seu cliente deve se conformar para obter o serviço, caso seja dependente do mesmo (Aznar, Sayeras, Rocafort, & Galiana, 2017). Estes fatores passaram a fomentar questionamentos da parte de uma demanda potencial que não necessitava ou procurava os serviços de um meio de hospedagem tradicional, mas que, por outros motivos, não se adequava aos meios de hospedagem alternativos vigentes (Forgacs & Dimanche, 2016).
Em 1999, um jovem programador buscava um lugar para ficar durante sua viagem à Islândia, e após solicitar um sofá para dormir a mais de 1.500 estudantes em Reykjavík por e-mail, ele recebeu não somente muitas respostas positivas, como também sugestões, dicas e convites de passeios acompanhados pelos anfitriões. A partir desta experiência, ele passou a pensar mais profundamente em expandir esta ideia (Botsman & Rogers, 2011). Em alguns anos, teríamos a plataforma Couchsurfing, hoje em dia uma comunidade formada por cerca de 14 milhões de pessoas de mais de duzentas mil cidades pelo globo (Couchsurfing, 2018). Da mesma forma, em 2007, dois amigos que passaram a morar juntos em San Francisco discutiam formas de aumentar sua renda para ajudar com o aluguel de seu apartamento. Simultaneamente, sua cidade se preparava para receber milhares de designers em uma grande conferência, que havia saturado a malha hoteleira da região. Eles concluíram que poderiam alugar o quarto excedente de seu apartamento para algum destes conferencistas, sendo surpreendidos ao receberem não somente uma, mas três pessoas ao longo de uma semana de evento (Botsman & Rogers, 2011). Deste episódio surgiu o Airbnb (acrônimo de airbed and breakfast, em inglês), plataforma que vem colecionando grandes números no mercado de meios de hospedagem. Em apenas nove anos de existência, estamos diante de uma marca cotada em torno de US$ 31 bilhões (Dogru, Mody, & Suess, 2017), e que já hospedou mais de 300 milhões de pessoas por 191 países (Airbnb, 2018); números que facilmente ultrapassam as maiores redes hoteleiras do mundo, consolidadas há décadas no mercado (Mody, Suess, & Lehto, no prelo). Dado o cenário e o contexto histórico mencionado, podemos dizer que estamos presenciando um fenômeno inédito: a maior rede de hospedagem do mundo atual não possui uma unidade habitacional sequer (Smith Travel Research, 2017).
Chegamos a esta conjuntura devido a uma série de fatores, podendo ser citado o fenômeno da economia compartilhada como um dos principais destes. Este termo, que é utilizado muitas vezes como um sinônimo de consumo colaborativo ou economia colaborativa (Guttentag, 2015; Poon & Huang, 2017), sintetiza a tendência de se fornecer propriedade privada ociosa – um carro, uma casa ou até mesmo um pedaço de terra – na forma de aluguel ou empréstimo, a alguém que esteja precisando ou interessado. Este tipo de negócio gera lucro para o dono da propriedade e a otimização de um bem que não estava sendo utilizado, a um valor mais baixo do que se o bem fosse de fato vendido (Botsman & Rogers, 2011). No turismo, porém, a ideia de economia compartilhada gera repercussões ainda mais profundas: enquanto o fenômeno da hospitalidade pode, surpreendente e frequentemente, ser encontrado restrito e mecanizado em seu ambiente mais óbvio – a hotelaria – devido às questões comerciais (Quadros, 2011), o modelo compartilhado de negócios aplicado à hospitalidade rearranja a prioridade deste fenômeno. A hospedagem compartilhada ainda tem como objetivo o lucro, porém sua abordagem proporciona um ambiente de maior proximidade entre quem acolhe e quem é acolhido, o que aumenta as possibilidades de uma experiência mais profunda e completa do destino que se pretende visitar. Além disso, a hospedagem compartilhada oferece uma expressiva amplitude de oferta: o hóspede pode escolher entre diversos tipos de acomodação, dos mais variados preços, e ainda pode contar com a proximidade de um anfitrião, caso queira (Botsman & Rogers, 2011).
Pesquisas mais gerais acerca da escolha de determinado hotel por parte do turista refletem que alguns atributos são considerados primários na ponderação de uma escolha, tais como limpeza, localização, reputação, preço e qualidade do serviço, dentre outros (Varma, Jukic, Pestek, Shultz, & Nestorov, 2016). É curioso, porém, percebermos que as menos frequentes pesquisas acerca de meios alternativos de hospedagem indicam que os atributos mais relevantes para os hóspedes que escolhem estas opções são referentes à experiência que estes podem proporcionar (Guttentag, 2016). O autor ainda exemplifica:
McIntosh e Siggs (2005) estudaram hóspedes de meios de hospedagem alternativos na Nova Zelândia e descobriram que os hóspedes apreciavam as características únicas e o sentimento caseiro dos meios de hospedagem, o serviço personalizado e a interação pessoal com os anfitriões, e a oportunidade de receber conhecimento útil da parte dos anfitriões. Igualmente, Stringer (1981) pesquisou os hóspedes australianos dos meios de hospedagem estilo cama e café britânicos, e descobriu que os hóspedes eram atraídos tanto pela experiência quanto pelo valor financeiro (Guttentag, 2016, p. 48, tradução nossa).
Todas estas atribuições comumente atreladas aos meios alternativos de hospedagem são encontradas no Airbnb, o maior exemplo dos meios disruptivos de hospedagem por meio da economia compartilhada (Boros, Dudás, Kovalcsik, Papp, & Vida, 2018; Guttentag & Smith, 2017; Mody, Suess, & Lehto, 2017b; Poon & Huang, 2017), e o nosso maior interesse neste trabalho. Posto isso, pesquisas como as desenvolvidas por Guttentag (2016) expõem TAMBÉM o que se pode considerar como oportunidades de adaptação para a competitividade. Segundo Dogru et al. (2017), os contornos que se delineiam no setor exigem criatividade da parte da hotelaria tradicional para lidar com a ameaça competitiva emergente através da figura do Airbnb e de seus exemplares. De uma forma bastante contundente, o que de fato o hóspede quer, espera e procura em um meio de hospedagem deverá ser a matéria fundamental do prestador deste serviço, a partir da qual todo o empenho de melhoria deve ser desenvolvido (Aznar, Sayeras, Segarra, & Claveria, 2018b).
A economia compartilhada promete pleitear em favor da reivindicação de valores há muito negligenciados pelo hiperconsumismo, resgatando o senso de participação ativa e de responsabilidade coletiva que as comunidades tradicionais costumavam proporcionar, buscando reparar muitas consequências deixadas pela gestão de recursos de gerações passadas (Botsman & Rogers, 2011). Entretanto, enquanto todo modelo inovador de negócios promove debates efusivos entre especialistas e referências do modelo tradicional, as controvérsias neste caso não se limitam ao potencial disruptivo com o mercado. A proposta da economia compartilhada inclui algumas dificuldades de mensuração enquanto um negócio de fato e de direito: os fatores de regulamentação. Esta problematização vai além de questões de taxas e impostos, talvez a controvérsia mais debatida a respeito do modelo (Mody et al., 2017b; Varma et al., 2016), mas também compreende questionamentos acerca da hospedagem compartilhada em sua essência (Belk, 2014; Gunter & Onder, 2018; Guttentag, 2015; Prayag & Ozanne, 2018).
Questão importante é a quebra do princípio de capacidade ociosa, um dos pilares da economia compartilhada segundo Botsman e Rogers (2011): proprietários de imóveis têm evitado inquilinos a fim de disponibilizar o espaço para aluga-lo pelo Airbnb – modalidade inclusive ilegal em muitas cidades -, o que afeta diretamente disponibilidade e preços do mercado imobiliário local (Gunter & Onder, 2018; Gutiérrez, García-Palomares, Romanillos, & Salas-Olmedo, 2017; Guttentag, 2015; Gyódi, 2017). Outros estudiosos questionam se a economia compartilhada sequer é de fato compartilhada, e se o que se chama de inovação disruptiva é de fato disruptiva (Belk, 2014; Prayag & Ozanne, 2018), pois a maioria dos negócios que carregam este conceito tem como objetivo o lucro como qualquer outra empresa, e não uma colaboração que envolva somente o compartilhamento de produtos e serviços sem nenhum vínculo monetário (Gotman, 2009).
O surgimento destes questionamentos demarca o ponto a partir do qual os posicionamentos se ramificam. Alguns acreditam que a hospedagem compartilhada tem sido sinônimo de oportunidade para uma demanda potencial do turismo, que uma vez fora limitada pelos preços dos hotéis tradicionais e fora restrita pelo espaço físico que um quarto de hotel oferece. Neste caso, esta demanda agora se torna real para gerar um novo segmento no mercado, não promovendo nenhum tipo de ameaça ao hoteleiro consolidado em termos de concorrência direta (Aznar et al., 2017; McGowan & Mahon, 2018). Por outro lado, outros têm observado um movimento de migração do público consolidado de hotéis para os meios de hospedagem compartilhados, presumindo que de fato há uma concorrência direta e desleal por conta das lacunas legislativas das quais estes modelos se apropriam para exercer um mercado informal (Kljucnikov, Krajcík, & Vincúrová, 2018). Estes diferentes posicionamentos têm se manifestado de formas imprevisíveis no mercado, quando observamos o movimento de seus peões (Guttentag & Smith, 2017; Varma et al., 2016).
Com base nesta exposição, fica evidente que a contemplação do potencial do Airbnb e de seus exemplares, agravada por uma dificuldade de normatização e pela imprevisibilidade de seus desdobramentos, tem gerado mais questionamentos – e, de muitas partes, temores – do que respostas. Portanto, o objetivo deste trabalho é o de descrever, através de uma revisão sistemática da literatura, o atual contexto do mercado de meios de hospedagem com a inserção de um novo modelo disruptivo baseado na hospedagem compartilhada, o Airbnb. A segunda seção desenvolve o percurso metodológico utilizado para estabelecer um referencial teórico acerca do tema, sendo este a análise temática de artigos selecionados por meio de uma revisão sistemática da literatura recente. Na terceira seção, temos a revisão sistemática da literatura estabelecida por meio de nossa pesquisa, composta pela identificação dos temas retratados nos artigos selecionado, sendo então desenvolvido o estudo bibliográfico. Por fim, na última seção, elaboramos comentários finais acerca deste trabalho, bem como nossas limitações de pesquisa e sugestões para futuros autores deste mesmo tema.
PERCURSO METODOLÓGICO
Este trabalho se desenvolve a partir de uma revisão sistemática da literatura, por ser considerado um método altamente criterioso com todas as etapas de seu desenvolvimento, especialmente a etapa de elaboração do referencial teórico para o estudo bibliográfico (Manoharan & Singal, 2017). Isto se porque o percurso de identificação e seleção da literatura pertinente ocorre por meio de uma série de etapas claramente delineadas e explicitadas, tornando este um processo plenamente reprodutível e, por conseguinte, defensável, sem deixar de ser uma contribuição autoral para o escopo da referida área de conhecimento (Proença & Silva, 2016).
Segundo Manoharan e Singal (2017), a revisão sistemática da literatura é composta por seis etapas: a identificação do horizonte temporal de análise, a seleção da base de dados da pesquisa, a seleção dos periódicos da pesquisa, a seleção dos artigos para o referencial teórico, a classificação temática destes artigos, e por fim a análise destas classificações. Na primeira etapa, adotamos o horizonte temporal de publicações dos últimos cinco anos, para que pudéssemos acessar o conhecimento mais recente acerca do tema. também demos preferência aos artigos científicos, por serem materiais mais sucintos e atualizados do que meios de publicação tradicionais, como livros, teses e dissertações. Sendo assim, buscamos artigos científicos em português, inglês, espanhol ou francês que fossem consoantes aos nossos parâmetros de filtragem, utilizando na segunda etapa seis grandes bases indexadoras de conteúdo científico: Web of Science, Scielo, Scopus, Spell, Redalyc e Google Scholar. As buscas foram realizadas ao longo do mês de julho de 2018.
Compreendendo a abrangência do tema a ser pesquisado, optamos por não utilizar a terceira etapa sugerida, para evitar possíveis restrições em nossas buscas que pudessem comprometer a densidade de nosso referencial teórico. Como neste trabalho o principal objetivo era o de identificar os trabalhos que se dedicassem ao nosso tema, e não o de estabelecer padrões quantitativos ou bibliométricos, considerou-se suficientemente rigorosa a utilização de reconhecidas bases de dados para a busca dos artigos.
Na quarta etapa foi empregada a ferramenta de mapeamento sistemático da literatura, por meio de uma triagem utilizando filtros e parâmetros específicos de recorte, determinados a fim de serem eliminados vieses na pesquisa (Proença & Silva, 2016). Elaboramos um fluxograma da triagem do material recolhido nesta etapa (Figura 1):
Como pode ser visto na Figura 1, o primeiro filtro de seleção consistiu em uma busca nas citadas bases de dados da palavra-chave Airbnb, associada aos termos hotel e/ou accommodation, sendo estas as principais expressões que caracterizam o nosso objeto de pesquisa. Por serem palavras utilizadas em todas as línguas estabelecidas para a filtragem da literatura, não foi necessária a busca por traduções. Com relação ao filtro de localização destas palavras-chave, foram priorizados os filtros de título e resumo, por oferecerem maior precisão no conteúdo que buscamos nos artigos. Inicialmente, chegamos a 325 resultados, mas após uma filtragem de duplicatas, finalizamos com um total de 225 artigos encontrados nesta etapa.
A segunda filtragem baseou-se na leitura de reconhecimento dos títulos dos 225 artigos encontrados na primeira filtragem, a fim de averiguar a sua relação com o objeto de nossa pesquisa. Portanto, todos os artigos cujos títulos não mencionavam diretamente uma das três palavras-chave Airbnb, hotel ou accommodation foram descartados, resultando em um total de 150 artigos restantes.
A terceira filtragem configurou-se na leitura exploratória dos resumos dos 150 artigos identificados na segunda filtragem, na pretensão de verificar de maneira mais profunda o tema de cada artigo. Como buscamos trabalhos que tratem especificamente da relação do Airbnb com o mercado tradicional de meios de hospedagem, desconsideramos textos que estudam outros temas, como gentrificação, comportamento do consumidor em relação exclusivamente ao Airbnb, estudos comparativos entre plataformas de economia colaborativa, e o impacto do Airbnb no mercado imobiliário. Após utilizar estes filtros temáticos e TAMBÉM descartar teses, dissertações e artigos escritos em outra língua que não as estabelecidas previamente, foram finalmente selecionados 35 artigos para leitura completa, dos quais 34 puderam ser acessados.
A quarta e última filtragem consistiu na leitura dos 34 artigos acessados, quando foi observado que três destes artigos não compreendiam o mesmo objeto de nosso estudo. Sendo assim, nossa amostragem final para ser classificada pela quinta etapa da revisão sistemática é composta por 31 trabalhos, organizados no Quadro 1:
Analisando o Quadro 1, podemos perceber que os trabalhos identificados nesta etapa foram publicados em inglês, embora sejam provenientes de diversos países do mundo. Ainda assim, a grande maioria dos trabalhos foi realizada em países desenvolvidos, com a exceção do trabalho de Ginindza e Tichaawa (2017), que será comentado mais à frente. Alguns países são frequentes contextos nestes estudos, como é o caso dos Estados Unidos e da Espanha, provavelmente pelo fato de o primeiro ser grande referência em estudos da hospitalidade comercial, e o segundo ser um evidente exemplo dos desdobramentos do Airbnb em seu território, destacando-se a cidade de Barcelona (Gutiérrez et al., 2017). É válido ressaltar a expressão de periódicos altamente classificados em nossos resultados, como o Annals of Tourism Research, Tourism Management, Current Issues in Tourism, dentre outros.
Na quinta etapa, realizamos a classificação das discussões desenvolvidas nos 31 trabalhos selecionados anteriormente em áreas temáticas de maior destaque e mais frequentemente citadas. Identificamos, ao todo, oito principais temas debatidos acerca dos impactos do Airbnb no mercado tradicional: inovação disruptiva; economia compartilhada, tecnologia da informação e web 2.0; comportamento e perfil do consumidor; características da oferta de meios de hospedagem; receita; competitividade; legislação, regulamentação e políticas públicas; recomendações para o mercado tradicional. Sendo assim, cada uma das áreas temáticas foi composta da articulação dos estudos realizados, bem como seus resultados, suas convergências e suas discrepâncias.
A sexta e última etapa compreende o resultado de nossa revisão sistemática da literatura, sendo esta a apresentação do estudo bibliográfico baseado nos temas identificados na quinta etapa da revisão. A terceira seção, portanto, é composta da análise das áreas temáticas estabelecidas.
REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA
Esta revisão sistemática da literatura compreende os nove principais temas identificados nos trabalhos selecionados para basearem este estudo bibliográfico, a serem desenvolvidos a seguir.
Inovação disruptiva -O surgimento do Airbnb no mercado de meios de hospedagem levou muitos estudiosos (Aznar et al., 2016, Birinci et al., 2018; Hajibaba & Dolnicar, 2017; Kljucnikov et al., 2018; Varma et al., 2016; Volgger et al., 2018) a remeterem este fenômeno a um conceito conhecido como inovação disruptiva. Segundo Christensen, Raynold e McDonald (2015), a disrupção é o marco de um processo competitivo no qual marcas ingressantes se apropriam não somente de segmentos de mercado excedentes, que passam a atrair a própria demanda do mercado consolidado. Isso significa que, enquanto a marca ingressante representar meramente a oportunidade de um consumidor potencial se tornar um consumidor real de determinado mercado, temos somente um processo de inovação de modelo de negócios. Todavia, a disrupção se estabelece a partir do momento em que a marca ingressante se insere no mercado em função da demanda excedente, mas esta passa a aprimorar seu desempenho de tal maneira que a demanda do mercado consolidado é atraída por esta marca ingressante. Ainda assim, no entanto, é imperativo que a inovação disruptiva não possua um desempenho superior ao mercado tradicional. No caso dos meios de hospedagem, esta disrupção pode ser vista no momento em que o mercado de hospitalidade é transformado pelo ingresso do Airbnb, que traz consigo a proposta de um novo modelo de negócios baseado nos princípios da economia compartilhada (Botsman & Rogers, 2011).
Guttentag e Smith (2017) estudaram de maneira mais aprofundada o conceito de inovação disruptiva atribuído ao Airbnb, trazendo a perspectiva da demanda turística em sua pesquisa. Para eles, o processo de disrupção de um mercado está diretamente ligado a um processo de substituição, e por isso, para aferir o nível de disrupção do Airbnb, é necessário verificar se os usuários de hotéis estão de fato migrando para o Airbnb em números relevantes. Ao realizar uma pesquisa com 923 respondentes, os autores descobriram que 64,8% de sua amostra utiliza o Airbnb como substituto de hotéis. Esta descoberta contrasta com o posicionamento do Airbnb, que afirma que seu produto simplesmente amplia o acesso de pessoas ao turismo (Antunes, 2016). Em vez disso, os autores comprovam que apenas uma pequena porcentagem de sua amostra deixaria de viajar caso o Airbnb não existisse.
Por outro lado, Guttentag e Smith (2017) apontam que, com relação às expectativas dos serviços oferecidos, significante parte dos usuários não espera que o desempenho do Airbnb seja superior aos serviços de hotéis de médio e grande porte na maior parte dos atributos, o que não configuraria uma competitividade direta com estes segmentos. No caso de hotéis econômicos e de pequeno porte, os usuários entendem que o Airbnb possui um desempenho superior, o que contraria a premissa da inovação disruptiva que sugere que os inovadores disruptivos sempre ofereçam um desempenho abaixo do mercado tradicional.
Com base nestes resultados, Guttentag e Smith (2017) concluem que o Airbnb não pode ser considerado uma inovação disruptiva em sua totalidade, pois embora ele represente uma prática substitutiva na maioria das intenções de uso, isto acontece porque ele muitas vezes é visto como um produto superior ao que o mercado tradicional oferece. Este é um posicionamento semelhante ao de Blal et al. (2018), que consideram o Airbnb como um exemplo de inovação disruptiva, mas não de maneira geral. Segundo os autores, o Airbnb pode ser disruptivo com relação ao seu modelo de negócios, já tendo passado dos primeiros passos no processo de substituição no setor de meios de hospedagem. Ainda assim, o produto não se encaixa completamente no conceito de inovação disruptiva criado por Christensen et al. (2015).
Prayag e Ozanne (2018), por outra perspectiva, trabalham a ideia da transição tecnológica por meio da inovação disruptiva. Para os autores, o regime sociotécnico onde ocorre a inovação sempre será resiliente e resistente à mudança, e os nichos que surgem são os responsáveis por confrontar esta resiliência por seu espaço no mercado: “Nós argumentamos que mudanças disruptivas a nível geral criam oportunidades para atores de nichos específicos inovarem nos modelos de meios de hospedagem, tais como a hospedagem compartilhada pessoa-a-pessoa.” (Prayag & Ozanne, 2018, p. 4, tradução nossa).
Outra contribuição neste assunto é o trabalho de Bashir e Verma (2016), que consideram a inovação no modelo de negócios como uma das principais estratégias de competitividade no mercado atual. Os autores analisam o Airbnb por meio dos quatro componentes de um modelo de negócios: a proposição de valor, bens e capacidades, lógica econômica e lógica de receita, e atores na rede de negócios. Por meio desta análise, os autores puderam inferir que a empresa de fato propõe um modelo de negócios disruptivo.
Estas ideias, portanto, sugerem que é possível compreender o Airbnb como uma iniciativa inovadora e disruptiva até certo ponto, caso queiramos considerar o conceito de inovação disruptiva de maneira literal. Entretanto, o fato de o Airbnb não poder ser considerado totalmente disruptivo por esta perspectiva, não diminui o seu potencial de competitividade no mercado, como veremos mais à frente. Por isso, é importante estar atento aos seus desdobramentos práticos, já que suas características são análogas à inovação disruptiva, como por exemplo a proposição de valor, bens e capacidades, que o Airbnb promove, e os atores envolvidos em sua rede de negócios (Bashir & Verma, 2016).
Economia compartilhada, tecnologia da Informação e comunicação e Web 2.0 - Praticamente todos os artigos selecionados por esta revisão sistemática – com exceção de Bashir e Verma (2016) e Hajibaba e Dolnicar (2017) – mencionam ao menos uma vez o termo economia compartilhada, às vezes empregando o termo nas primeiras linhas de sua introdução, em suas palavras-chave ou em seus títulos. O conceito de economia compartilhada, portanto, passa a ser basilar para a análise do fenômeno do Airbnb, mas juntamente com ele há outros dois conceitos extremamente importantes, sem os quais a economia compartilhada não ocorreria: a tecnologia da informação e comunicação, e a web 2.0. Acredita-se, portanto, que estes três temas devem ser trabalhados em conjunto, pois são conceitos estritamente interdependentes no contexto estudado.
Primeiramente, para compreendermos a economia compartilhada, é necessário fundamentalmente compreendermos que este modelo econômico não é nenhuma inovação do mundo contemporâneo (Poon & Huang, 2017). Guttentag (2015, p. 1195, tradução nossa) nos relembra, por exemplo, que “a acomodação pessoa a pessoa é o modelo de base que sustenta os esquemas tradicionais de cama e café, e que a prática de se alugar residências para turistas indubitavelmente data de séculos atrás”; ou seja, por muito tempo o modelo de negócios predominante foi entre pessoas, e não de uma empresa para pessoas. Historicamente, este modelo foi modificado com o advento da revolução industrial e da crescente demanda, que agregou princípios de produção em massa, de lucro e de capital a este modelo, gerando a sociedade de consumo que se desenvolve cada vez mais rapidamente a partir deste período. Entretanto, a superprodução em massa gerou consequências conhecidas: as crises ambientais, sociológicas e financeiras que o mundo vem contemplando ao longo das últimas duas décadas são evidências do modelo insustentável que é o hiperconsumismo ao qual chegamos (Botsman & Rogers, 2011). Portanto, de certa forma, podemos atribuir a estas circunstâncias o surgimento da necessidade de se repensar a forma de fazer negócios, e a economia compartilhada surge uma vez mais como uma proposta aparentemente adequada às problemáticas levantadas. Botsman e Rogers (2011, p. 38) afirmam: “estamos começando a ver o interesse próprio e o bem coletivo dependerem um do outro”. Akbar e Tracogna (2018) consideram que a crise de 2008 também tenha colaborado com o aumento da demanda da economia compartilhada. Como a maior parte da população mundial foi grandemente afetada por esta crise e, pareceu coerente buscar por formas de otimizar recursos por meio do aluguel ou compartilhamento, em vez de aquisição permanente de um bem. Além disso, a persistência de altas taxas de desemprego colaborara para a busca por novas formas e padrões de consumo, às quais a economia compartilhada parece ser uma interessante alternativa.
Akbar e Tracogna (2018) postulam dois arquétipos de negócios compartilhados: o pessoa-a-pessoa e o integrado, ambos compostos por uma plataforma, ou mediador, dos negócios que ocorrem por meio deles. No caso do modelo integrado, o mediador possui algum controle, em maior ou menor grau, das transações que ocorrem em sua plataforma, enquanto no modelo pessoa-a-pessoa, a plataforma é um mero espaço de mercado virtual, sem influenciar nas transações por ela realizadas. Plataformas de compartilhamento como o Airbnb adotam mecanismos de integração, por meio dos quais é possível ter determinado tipo de controle e influência sobre como as transações são realizadas entre os pares – no caso, entre os anfitriões e os hóspedes. Isso não significa que o Airbnb se enquadre exatamente no arquétipo de plataforma integrada, mas que este será o provável resultado ao longo do tempo, já que algumas variáveis têm pressionado a empresa para assegurar maior controle e segurança aos seus usuários (Akbar & Tracogna, 2018). Além disso, a natureza destas transações que se dão por meio da plataforma é caracterizada por três variáveis que irão definir o seu valor no mercado: a frequência das transações, a incerteza das transações e a especificidade dos bens compartilhados nestas transações. Para os autores, a plataforma possui um papel crucial no estabelecimento da confiança de determinada transação por ela realizada (Akbar & Tracogna, 2018). A plataforma, enquanto mediadora integrada às transações, confere credibilidade tanto à oferta quanto à demanda, de forma que seja preferível utilizá-la em vez de realizar a transação de maneira direta e independente e, consequentemente, de maneira mais arriscada para ambas as partes. Desta forma, é possível inferir que a plataforma gera um mecanismo de reforço de sua própria credibilidade à medida que cresce e que promove mais transações; “em outras palavras, o valor da plataforma aumenta quando o número de seus usuários aumenta.” (Akbar & Tracogna, 2018, p. 93, tradução nossa). Entretanto, estas características podem ser encontradas em qualquer tipo de plataforma, inclusive em plataformas baseadas em propriedade. O que de fato caracteriza uma plataforma baseada em compartilhamento de bens, segundo os autores, é que a natureza da relação entre pessoa e bem compartilhado tende a ser mais fraca, haja vista que o compartilhamento se configura em um contexto temporário e circunstancial.
Por outro lado, a caracterização do Airbnb como parte da economia compartilhada não é unânime entre os acadêmicos. Prayag e Ozanne (2018) problematizam a concepção e utilização da ideia de compartilhamento no contexto da economia compartilhada, pois comumente este termo é aplicado sem embasamento teórico ou justificativa científica, geralmente tratando todos os seus expoentes como parte de uma mesma economia compartilhada, mesmo possuindo modelos de negócios visivelmente diferentes uns dos outros. McGowan e Mahon (2018) mencionam os estudos e resultados controversos a respeito do Airbnb e de outras iniciativas pertencentes à economia compartilhada, e Gunter e Onder (2018) questionam a aplicabilidade do termo economia compartilhada, pelo fato de o Airbnb estar altamente relacionado a um contexto comercial: cerca de metade dos anúncios no Airbnb são oferecidos por anfitriões com mais de um anúncio disponível, o que configura atividade comercial em vez de um compartilhamento em âmbito privado. Além disso, a grande maioria das propriedades no Airbnb oferecem acomodações inteiras (Dogru et al., 2017; Gyódi, 2017), o que não configura o compartilhamento do espaço entre o anfitrião e o hóspede. Por conta destas controvérsias, apontadas em seu trabalho, Gyódi (2017) afirma que o Airbnb pode ou não fazer parte da economia compartilhada, dependendo essencialmente do referencial teórico adotado pelo observador do fenômeno.
Independente da maneira como o Airbnb possa ser considerado em função da economia compartilhada, é possível constatar que os usuários responderam a esta iniciativa de maneira surpreendente, promovendo o rápido crescimento do Airbnb no senso comum como um de seus grandes expoentes. Para Boros et al. (2018, p. 27, tradução nossa), “o consumo baseado no compartilhamento é considerado uma nova tendência, que radicalmente transforma o comportamento do consumidor em relação aos recursos”. Para os autores, o desejo por fazer parte e o senso de comunidade são motivadores importantes na economia compartilhada e em seus exemplares, onde a escolha por um produto não é definida pela sua marca ou sua consolidação no mercado, mas sim pelos comentários e recomendações de outros usuários que já utilizaram este produto (Boros et al., 2018).
Ao observarmos este cenário, uma indagação pode surgir ao observador deste fenômeno: qual, então, a diferença principal entre a ascensão da economia compartilhada no presente século e o seu contexto original? A resposta surge prontamente: os meios de comunicação. A forma como as pessoas podem compartilhar não só hospedagem, mas qualquer tipo de produto, serviço e informação atualmente foi completamente transformada a partir do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação. Estas tecnologias possibilitaram a criação de redes de comunicação entre pessoas de todo o mundo, dentre as quais a mais significativa é a internet (Akbar & Tracogna, 2018). De maneira especial, a web 2.0 tem beneficiado a economia compartilhada, já que seu conceito se refere às tecnologias que possibilitam a geração e compartilhamento de conteúdo de usuário para usuário por meio de uma plataforma, como por exemplo, as redes sociais e a Wikipedia. Sendo assim, o mesmo princípio que rege a economia compartilhada, de séculos atrás, antes limitado pelos meios de comunicação rudimentares da época, agora é aplicado a um meio virtual de alcance universal (Guttentag, 2015). E é neste contexto, abarcado tanto pela necessidade quanto pela viabilidade, que surgem as mais diversas soluções de compartilhamento e colaboração, gerando comunidades em torno de determinados objetivos. Gyódi (2017) afirma que estas redes virtuais são comprovadamente mais vantajosas em termos de custos, pois diminuem os custos de busca e de disponibilização de bens e serviços, criando um inventário virtual que pode ser acessado a qualquer momento, e de qualquer lugar no planeta que possua acesso à internet. No caso de uma rede de compartilhamento, “a linha entre produção e consumo foi borrada de tal forma que, com os bens e serviços digitais, consumidores podem ser produtores tanto do produto final quanto das experiências, ou seja, indivíduos podem alugar suas casas no Airbnb enquanto alugam a de outra pessoa, na mesma plataforma” (Akbar & Tracogna, 2018, p. 93, tradução nossa).
O compartilhamento de conteúdo por meio da web 2.0 inclui o compartilhamento de experiências entre usuários. Segundo Aznar et al. (2018a), as avaliações online e o sistema de reputação eletrônica são mecanismos altamente populares entre os usuários da internet, que os utilizam para identificar a qualidade percebida da experiência com aquela marca por usuários anteriores. Estes mecanismos já foram integrados às plataformas online, inclusive ao Airbnb, para conferir credibilidade aos seus produtos e serviços.
Considerando este cenário, percebemos todas as complexidades que se encontram na tarefa de definir, conceitualmente, se o Airbnb faz parte ou não do modelo de economia compartilhada. Isto ocorre por conta da divergência em se definir o que de fato é a economia compartilhada. Entretanto, assim como a inovação disruptiva, o Airbnb irrompeu a partir desta tendência de negócios, fazendo-se necessário considerar este contexto como fundamental propulsor da marca, mesmo que haja disparidades conceituais carentes de revisão.
Comportamento e perfil do consumidor - Conforme visto anteriormente, alguns autores reconhecem que o contexto da economia compartilhada é capaz de promover grandes mudanças na tendência do comportamento do consumidor (Akbar & Tracogna, 2018; Boros et al., 2018). Entretanto, no caso específico do Airbnb, é possível inferir que seus usuários ainda possuam um perfil específico de consumo, como coloca Poon e Huang (2017, p. 2429, tradução nossa): “hotéis e meios de hospedagem compartilhada possuem pontos fortes diferentes e podem atrair diferentes segmentos. É necessário identificar as características dos consumidores que estejam mais interessados em hospedagem compartilhada”. Por isso, muitos autores se investiram desta tarefa, chegando muitas vezes a resultados semelhantes, e em outros momentos, a resultados ligeiramente diferentes, como os citados a seguir.
A pesquisa de Varma et al. (2016) mostra que os principais fatores determinantes na escolha de uma hospedagem são o preço, a qualidade do serviço, a localização e a experiência passada. Outros atributos relevantes, porém, secundários neste processo de escolha são a reputação do local, comentários de usuários, o site da propriedade, disponibilidade de fontes online, recomendações de amigos e familiares, o comportamento dos colaboradores e a fachada destas propriedades. Além disso, a pesquisa mostra que os usuários do Airbnb não o consideram como um substituto perfeito de hotéis, já que não demonstram grande preferência por um ou por outro. Sendo assim, são muitos os fatores que direcionam a escolha de um meio de hospedagem, como comprova Zervas et al. (2017). Os autores também puderam perceber que a aderência ao Airbnb ocorre de maneira heterogênea, tendo como exemplo o estado do Texas, Estados Unidos: em algumas cidades o crescimento do Airbnb era rápido e eficiente, e em outras, o crescimento era lento e mínimo (Zervas et al., 2017). Portanto, não é possível afirmar que o Airbnb é globalmente aceito e utilizado da mesma maneira, e veremos a seguir os dados que fundamentam este posicionamento.
Volgger et al. (2018) percebem as nuances de se estabelecer o perfil do consumidor do Airbnb quando observam que variáveis como o interesse na cultura local ou na natureza não foram significantemente mais presentes em usuários do Airbnb do que em usuários de meios de hospedagem tradicionais. Este achado contraria o senso comum de que o público do Airbnb são sempre os usuários alternativos, ou pós-modernos. Na verdade, os autores notaram que o Airbnb se mostrou um produto particularmente interessante para pessoas que não viajam sozinhas: seu público é majoritariamente composto por pessoas jovens e por famílias e que buscam um bom custo-benefício, o que reforça os resultados de Varma et al. (2016), Boros et al. (2018), Gunter e Onder (2018) e Mody et al. (no prelo).
Poon e Huang (2017) apresentam que as preferências dos usuários sobre o Airbnb estão relacionadas a fatores como companhia de viagem e duração de viagem, assim como a pesquisa de Volgger et al. (2018), que mostra a intenção de utilização do Airbnb como fortemente relacionada ao propósito da viagem. Por exemplo, percebeu-se que casais preferem ficar em hotéis em suas viagens mais curtas, mas no caso de viagens mais longas, estes preferem ficar em propriedades do Airbnb, enquanto grupos de amigos preferem ficar em acomodações do Airbnb, independentemente da duração de sua viagem (Poon & Huang, 2017). Por outro lado, Poon e Huang (2017) perceberam que quando a ocasião se tratava de viagens em família, a preferência foi por hospedagem em hotéis, independentemente da duração de sua viagem. Esta descoberta diverge da encontrada por Volgger et al. (2018), mas os autores compreendem que “tal discrepância pode ter sido causada por definições de ‘família’ pouco claras em vários estudos, e pelas diferentes estruturas familiares. Viajar com pais idosos ou crianças pequenas podem gerar necessidades de hospedagem diferentes.” (Poon & Huang, 2017, p. 2439, tradução nossa). De maneira geral, no entanto, percebeu-se que os já usuários do Airbnb obtiveram maior taxa de preferência por hospedagem no Airbnb, independentemente de duração e da companhia da suposta viagem. Isso significa que, embora talvez não de forma preponderante, o público do Airbnb também abranja casais e pessoas de meia idade, como é mostrado por Poon e Huang (2017) quando afirmam que a concentração de viajantes mais jovens pertencia ao grupo de não-usuários do Airbnb. O nível de educação encontrado por Poon e Huang (2017) foi convergente com outras pesquisas, como a de Boros et al. (2018) e a de Mody et al. (2017b), demonstrando que usuários do Airbnb têm maior propensão a serem graduados e pós-graduados do que os usuários de hotéis.
No estudo de Poon e Huang (2017) outras diferenças de prioridades foram observadas, como o grupo de usuários do Airbnb tendo maior preferência por preço e por segurança, enquanto o grupo de não usuários tendo maior preferência por qualidade do serviço prestado pelo meio de hospedagem. A percepção dos usuários do Airbnb é a de que este possui um desempenho melhor do que hotéis nos quesitos de autenticidade e preços competitivos, mas que seu desempenho nos quesitos segurança, serviço, instalações, reputação e número de comentários online é abaixo do desempenho de hotéis. Ao observar que os usuários do Airbnb consideram a segurança como um atributo importante na escolha de seu meio de hospedagem, os autores perceberam que pode haver uma ligação entre a experiência no Airbnb e o surgimento desta percepção da importância da segurança. Este pode ser um ponto forte para a competitividade do setor hoteleiro tradicional, que pode aprimorar seu discurso a respeito da segurança de seus serviços (Poon & Huang, 2017). Já na pesquisa de Varma et al. (2016) descobriu-se que o fator segurança, embora importante para ambos os grupos, mostrou-se mais proeminente para não-usuários do Airbnb do que para seus usuários. Ainda assim, o atributo de segurança é visto como relevante na escolha de um meio de hospedagem, independente de qual seja.
Para alguns autores, por outro lado, é possível perceber a gradativa transformação nas práticas de consumo turístico a partir dos usuários do Airbnb. Volgger et al. (2018) descobriram que o perfil do usuário do Airbnb geralmente planeja estadas mais longas no destino, que segundo Gunter e Onder (2018), são possibilitadas por conta de uma acomodação mais barata, oferecendo maiores oportunidades de movimentação da economia local, além de permitir aos residentes maor lucro com seus espaços ociosos. Prayag e Ozanne (2018) inferem que “quando consumidores percebem que as hospedagens compartilhadas aumentam a acessibilidade, eles consideram mais destinos, as estadas aumentam, e mais atividades tornam-se possíveis” (p. 19, tradução nossa). Foi descoberto por Gunter e Onder (2018) que em Viena as pessoas comumente ficam hospedadas por mais tempo no Airbnb do que em hotéis, assim como estudos citados por Blal et al. (2018), que demonstram este padrão na cidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Este movimento corrobora a pesquisa de Zervas et al. (2017), que foram os primeiros a comprovarem, empiricamente, que o Airbnb não somente agrega ao mercado com produtos e serviços alternativos, mas que modifica os padrões de consumo do próprio mercado tradicional.
Alguns dados controversos são trazidos por Gunter e Onder (2018), questionando o discurso de que os usuários do Airbnb não viajariam se não fosse por este (Antunes, 2016), porque muitos destes usuários já demonstram vínculo com outras formas alternativas de hospedagem. Em uma pesquisa feita nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha e trazida pelos autores, foi verificado que somente 4% dos usuários do Airbnb não viajariam se não fosse por este meio de hospedagem (Gunter & Onder, 2018). Guttentag e Smith (2017) questionam a duração de uma viagem pelo Airbnb, considerando que praticamente 74% de seus respondentes informaram que utilizar o Airbnb não impactou em nada na duração de sua viagem. A porcentagem de 26% dos respondentes que informou que utilizar o Airbnb os possibilitou a planejar uma viagem mais longa pode ser considerada significante, mas não preponderante (Guttentag & Smith, 2017).
Uma observação importante trazida por alguns autores é que, como é praticamente unânime a relação entre a escolha pelo Airbnb e viagens a lazer (Hajibaba & Dolnicar, 2017), seus usuários demonstraram certa resistência ao considerar o Airbnb como um serviço apropriado para viajantes a negócios (Varma et al., 2016). Guttentag e Smith (2017) mencionam que o viajante a negócios é uma pequena parcela do segmento do Airbnb, e Volgger et al. (2018), em sua revisão da literatura, comprovam que há uma menor taxa de aderência do Airbnb por turistas a trabalho ou a negócios. Este é um relevante diferencial oferecido pelos hotéis e meios de hospedagem tradicionais, sendo discutido na seção 3.5.
Ao realizar um estudo sobre as expectativas dos usuários e não usuários do Airbnb, Guttentag e Smith (2017) relatam que os viajantes esperam que suas acomodações pelo Airbnb tenham o mesmo desempenho que hotéis econômicos e hotéis de estrada (motéis americanos) em todos os seus atributos. Com relação aos hotéis de médio porte, foi esperado que o Airbnb apresentasse desempenho superior a estes nos aspectos característicos do Airbnb, como autenticidade, singularidade e preço, e alguns aspectos característicos das hospedagens tradicionais, como limpeza, conforto e custo-benefício em termos de qualidade do serviço. Entretanto, foi observado uma expectativa negativa em relação ao Airbnb quanto a determinadas características específicas de hotéis de médio porte, como segurança, facilidade no check-in/check-out e facilidade em realizar uma reserva, como posteriormente visto por Gunter e Onder (2018). Comparando com hotéis de grande porte, de rede e de luxo, foi esperado que o Airbnb obtivesse um desempenho abaixo dos mesmos em todos os aspectos positivos esperados de hotéis, mas foi esperado que ainda assim o Airbnb demonstrasse um desempenho acima destes hotéis em todos os aspectos positivos esperados do Airbnb (autenticidade, singularidade e preço). Estes resultados são equiparáveis aos de Varma et al. (2016), que perceberam um alto nível de satisfação dos usuários de hotéis a respeito do serviço, das amenidades e das instalações oferecidos por estes, mas que ainda assim manifestaram uma intenção de utilizar o Airbnb no futuro.
Outra descoberta é a de que, embora algumas pesquisas tenham encontrado resultados opostos (Gutiérrez et al., 2017), aparentemente não há uma tendência de preferência pela localização em grandes centros urbanos no caso da pesquisa desenvolvida no oeste da Austrália por Volgger et al. (2018). Boa parte dos dados sugerem preferência pelas áreas periféricas da cidade, o que corrobora o discurso do próprio Airbnb de que a plataforma expande as possibilidades da localização do turista em um destino. Embora seja um resultado intrigante e isolado, ele mostra a possibilidade de serem encontrados cenários semelhantes em outros lugares do mundo.
Como pudemos ver nesta seção, as características do perfil do consumidor do Airbnb em função do consumidor do mercado tradicional de meios de hospedagem não são tão claras ou diferenciais como o senso comum pode nos fazer acreditar. Estudos aprofundados, preferencialmente baseados em recortes geográficos específicos, são muito importantes para que seja possível compreender tais variantes. De qualquer maneira, é possível inferir que a utilização do Airbnb tem muito a ver com o tipo e a companhia de viagem do turista, que não necessariamente se enclausura em somente uma opção de acomodação em todas as situações.
Características das ofertas de meios de hospedagem - O Airbnb tem levantado debates pelas suas características particulares como um meio de hospedagem. As questões permeiam o âmbito do mercado imobiliário, que se posiciona ao considerar a prática do Airbnb como sublocação em muitos destinos (Gutiérrez et al., 2017). No caso do setor de meios de hospedagem regularizados, as divergências não são poucas, e é importante, ao estudar o Airbnb, que sejam estudadas as características dos meios de hospedagem tradicionais, para que seja possível delinear com mais eficiência os pontos fortes e fracos de cada uma destas ofertas (Guttentag & Smith, 2017). Trazemos a seguir as principais considerações dos autores presentes nesta revisão a respeito deste tema.
Como citado na introdução, o empreendimento hoteleiro é fundamentalmente caracterizado pela rigidez de seus custos operacionais. Em outras palavras, os hotéis possuem muitos e altos custos fixos, que não podem ser negociados sem que impactem diretamente em seu funcionamento e bom desempenho (Akbar & Tracogna, 2018). Aznar et al. (2018b) mencionam que, por conta destes custos fixos, o desempenho financeiro de um hotel é estritamente dependente de seu nível de ocupação, sujeitando o empreendimento a uma constante dinâmica de estratégias para conter os efeitos negativos da sazonalidade. As propriedades ofertadas pelo Airbnb possuem uma grande vantagem neste caso: os seus custos são praticamente inexistentes. Não é necessário contratar mão-de-obra para construir uma propriedade do Airbnb ou para mantê-la, e nem solicitar serviços terceirizados, pois a acomodação já é mantida e custeada pelo anfitrião: afinal de contas, este meio de hospedagem é a sua própria casa. Esta particularidade do Airbnb influencia no problema da sazonalidade dos hotéis, pois enquanto a oferta de propriedades do Airbnb pode ser expandida ou restrita de acordo com a demanda e a sazonalidade, sem oferecer nenhum custo extra para o anfitrião, os hotéis possuem um número fixo de oferta de acomodações, sem poder descarta-las em caso de baixa temporada, e sem poder aumenta-las quando a demanda se apresenta em demasia (McGowan & Mahon, 2018).
Além disso, um custo importante que compõe a contabilidade de um hotel são os impostos governamentais, dos quais a maior parte da oferta do Airbnb está isenta. Para Prayag e Ozanne (2018), o sucesso do Airbnb é atribuído especialmente a este fator, ou seja, à falta de regulamentação concreta, além dos preços mais baixos que hotéis na maioria dos casos. Entretanto, Varma et al. (2016) aprofundam a complexidade do fenômeno: “um olhar mais próximo dos mecanismos por trás do modelo [do Airbnb] revela a complexidade digna de ser estudada e compreendida melhor – dado que o Airbnb é composto por múltiplos sistemas, entrelaçando tecnologias, culturas, linguagens, preferências do consumidor, operações iniciais e existentes de vários tamanhos e escopos, e de diversas dinâmicas legais e políticas” (Varma et al., 2016, p. 230, tradução nossa).
Ao direcionarmos este olhar mais próximo, percebemos que de fato outras relações se estabelecem no composto do Airbnb. Prayag e Ozanne (2018) afirmam que a oferta de experiências únicas e personalizadas, além de mecanismos que facilitam a confiança entre estranhos podem ser consideradas como as distinções mais atrativas da plataforma. Segundo Mody et al. (2017b), “o novo slogan do Airbnb, Viva Lá, foca em mover a marca para além de oferecer mera hospedagem, mas para criar experiências, que incluem atividades educativas em vizinhanças e comunidades” (p. 2381, tradução nossa). Corroborando estas afirmativas, Varma et al. (2016) mencionam que uma das percepções mais evidentes de seus respondentes é a atmosfera pessoal que o Airbnb é capaz de promover, pelo fato de ser residência de um morador local, e Poon e Huang (2017) atestam esta percepção ao salientar que a ideia de autenticidade antes da hospedagem compartilhada não era um atributo considerado ao se reservar um hotel. Portanto, ao inserir o atributo da autenticidade no mercado de meios de hospedagem, o Airbnb reforça o seu poder de recompra, conforme observa Liang (2015, como citado em Poon & Huang, 2017). Para Mody et al. (2017b), “o slogan do Airbnb ‘Pertença a qualquer lugar’ é centrado no senso de comunidade e pertencimento que os seus viajantes buscam” (p. 2382, tradução nossa)
Os resultados do trabalho de Mody et al. (2017b), a respeito das dimensões de estímulo positivo que um ambiente pode proporcionar, mostram que o desempenho do Airbnb foi mais alto do que o de hotéis tradicionais. Isto significa que as percepções de entretenimento, educação, escapismo, estética, acaso, senso de localidade, comunidade e personalização são mais visíveis quando experimentadas por meio do Airbnb, com um maior destaque para as dimensões de senso de localidade e de comunidade. Por outro lado, foi percebido que a relação estabelecida entre a percepção destas dimensões e o resultado comportamental do usuário, ou seja, a intenção de retorno e de reutilização do serviço, não foi muito diferente entre os dois comparativos. Com base neste achado, os autores demonstram que mesmo que o Airbnb supere os hotéis em desempenho nas dimensões de estímulo positivo, os usuários dos hotéis respondem positivamente às dimensões por eles percebidas em suas experiências, demonstrando que os hotéis são igualmente capazes de traduzir as expectativas de seus hóspedes e de transformá-las em realidade. Em ambos os casos, de maneira geral, os clientes saem satisfeitos com o serviço prestado e com a experiência vivida, e tendem a retornar ou a indicar tais serviços. Este fato reforça a hipótese de que, em muitos casos, Airbnb e hotéis realmente promovem serviços para nichos e públicos diferentes, sem a necessidade de uma competição direta pelo mesmo mercado (Mody et al., 2017b).
Em termos de localização geográfica, o Airbnb possui um diferencial evidente em comparação com o mercado tradicional de meios de hospedagem: sua distribuição espacial pode se estender até o limite de residências de um local. A mobilidade gerada pelo Airbnb para os seus usuários costuma ser um fator determinante para muitos de seus consumidores, que por diversos motivos podem buscar acomodações em locais que não oferecem hotéis, como o próprio Airbnb afirma em seu discurso (Airbnb, 2013). Sendo assim, a princípio, o Airbnb poderia auxiliar a turistificação de bairros residenciais e menos movimentados, à medida que despressuriza a demanda dos grandes centros. Entretanto, estudos comprovam que esta alegação não é realidade em muitos locais, sendo um deles Barcelona, cidade altamente turistificada e estudada por Gutiérrez et al. (2017). O estudo demonstra que a distribuição espacial do Airbnb, assim como a dos hotéis, está claramente relacionada à localização dos atrativos e pontos turísticos mais visitados da cidade. Por outro lado, foi possível verificar que sua presença se estende de maneira mais homogênea do que os hotéis pelos raios mais distantes dessas áreas, como em áreas residenciais. Em ambos os casos, tanto em áreas centrais como residenciais, foi notada a presença do Airbnb de forma mais concentrada do que de hotéis (Gutiérrez et al., 2017).
O estudo de Gyódi (2017) identificou a concentração do Airbnb nas regiões centrais de Varsóvia como sendo maior do que qualquer outro tipo de meio de hospedagem. Este trabalho complementa o de Boros et al. (2018), que demonstra que tanto o Airbnb quanto os hotéis tendem a se concentrar nas mesmas áreas na cidade de Budapeste: as com mais atrações turísticas e as mais procuradas pelos turistas. Não obstante, a oferta do Airbnb ainda se alastra de maneira mais homogênea que a de hotéis, possivelmente cobrindo áreas mais residenciais nas quais há pouca ou nenhuma oferta de hotéis. Os resultados do estudo de Boros et al. (2018) estão consoantes com os encontrados por Gutiérrez et al. (2016) em Barcelona, mas diferem de outros estudos em cidades norte-americanas, como é o caso de Zervas et al. (2017) e de Blal et al. (2018).
Por outro lado, uma característica do setor hoteleiro que ainda tem servido de referência para muitos usuários é a sensação de segurança ao se ter contato pessoal com uma equipe de profissionais. Observamos na seção 3.3 que a percepção da segurança em um meio de hospedagem é um atributo muito importante para o turista. Este atributo pode ser traduzido não somente em termos de proteção de algum tipo de ameaça, mas em termos de auxílio e amparo ao tomar decisões, pois muitos usuários ainda se sentem despreparados e inseguros com a autonomia que a plataforma do Airbnb oferece. Determinados processos que ocorrem em meios hospedagem, como realizar uma reserva, realizar o check-in ou o check-out e resolver possíveis problemas, tornam-se muito mais descomplicados quando temos a disposição uma equipe de profissionais nestas atividades (Guttentag & Smith, 2017). No caso do Airbnb, muitas destas atividades são de única responsabilidade do usuário, o que pode fazer com que os usuários optem, por uma questão de conveniência, por ficarem em meios de hospedagem tradicionais.
A despeito de obtermos um panorama interessante sobre as características dos dois meios de hospedagem – o Airbnb e o tradicional -, percebemos a ausência de comentários a respeito de suas características enquanto modelos de negócios e de gestão de pessoas. O Airbnb possui uma lógica muito particular de gerenciar seus colaboradores e sua comunidade (Akbar & Tracogna, 2018), baseada na economia compartilhada, gerando uma importante lacuna em sua compreensão quando não percebemos muitos trabalhos se envolvendo profundamente com este tema.
Receita - Segundo Xie e Kwok (2017), a diária média de um meio de hospedagem é uma variável fundamental para avaliar seu desempenho no mercado. Ao compararmos a precificação de um produto hoteleiro e de uma propriedade do Airbnb, observamos que há uma grande diferença em sua determinação: enquanto o hotel baseia-se em estratégias sofisticadas de gerenciamento de receita e em estudos de mercado, o preço do anúncio do Airbnb está unicamente sujeito ao julgamento de seu anfitrião. Aznar et al. (2018a) observaram que os anfitriões do Airbnb utilizam menos recursos de gerenciamento de receita do que os hotéis, restringindo em certa medida o seu potencial de receita em períodos de alta demanda, como em finais de semana, feriados e período de férias.
Segundo teorias econômicas trazidas pelos autores (Xie & Kwok, 2017), o preço de determinado produto é influenciado pelas variáveis ligadas às suas atribuições. No caso dos meios de hospedagem, o preço do produto está mais relacionado à sua qualidade de serviço, porque como o produto final é o mesmo dentre todos os concorrentes – uma acomodação -, uma precificação diferenciada caracteriza um serviço diferenciado (Xie & Kwok, 2017). Desta forma, concluímos que a justificativa para serem encontrados dois meios de hospedagem em uma mesma vizinhança com tarifas extremamente diferentes é o fato de que a qualidade do serviço por eles prestados são diferentes, cada um sendo proporcional ao seu preço. Isto significa que as propostas e os nichos de mercado destes dois meios de hospedagem hipotéticos são diferentes, o que não necessariamente configura uma competitividade direta. Comprovando-se esta narrativa, é possível inferir que o Airbnb e o setor hoteleiro de determinada região não são necessariamente concorrentes diretos, o que pode diminuir o impacto do Airbnb na receita do mercado tradicional (Xie & Kwok, 2017). Descobrir estes impactos, se é que existem, foi a tarefa dos autores citados a seguir.
No estudo de Xie e Kwok (2017), foi possível perceber uma significativa penetração do mercado do Airbnb no setor de meios de hospedagem da cidade de Austin, Texas, o que pode significar uma grande ameaça aos hotéis da região. Por outro lado, percebe-se que a dispersão de preço entre as acomodações do Airbnb beneficia o aumento da receita dos hotéis que estão localizados na mesma região. Segundo os autores, este dado reforça a teoria de que a aglomeração de oferta que apresenta alguns pontos de precificação mais alta tende a contribuir para a visibilidade e consequente aumento de receita de oferta de baixo custo. Conclui-se que, embora a penetração do Airbnb no setor hoteleiro possa configurar uma competitividade mais acirrada, sua aglomeração combinada com a dispersão de preço entre as opções pode contribuir para o aumento de receita dos hotéis neste local (Xie & Kwok, 2017). Um estudo semelhante, de Aznar et al. (2016), também busca identificar o impacto do Airbnb na receita do setor hoteleiro, estudando a cidade de Barcelona a partir de uma perspectiva geográfica, considerando a aglomeração do Airbnb em um raio de um quilômetro de cada hotel. Ainda assim, os resultados não encontraram correlação estatística significativa entre a diminuição de desempenho e de receita dos hotéis tradicionais e o número de propriedades do Airbnb nas proximidades.
Já Zervas et al. (2017) encontraram resultados mais preocupantes para o setor hoteleiro, tendo pesquisado o estado do Texas, nos Estados Unidos. Os autores descobriram que, para cada crescimento de 10% na oferta do Airbnb na região, há uma queda de 0,39% na receita dos hotéis de maneira geral. Entretanto, há nuances específicas ao compararmos o crescimento do Airbnb com cada segmento hoteleiro, como hotéis de luxo ou de negócios. A pesquisa aponta que os hotéis de maior porte e os de luxo são os menos atingidos negativamente pelo crescimento do Airbnb, com este quadro mudando significativamente à medida que observamos hotéis mais econômicos, cujo impacto negativo é mais evidente. Desta forma, podemos perceber que há um movimento de substituição de hotéis econômicos pelo Airbnb, por estes oferecerem acomodações na mesma faixa de preço, mas com benefícios e amenidades não encontrados nestes hotéis, conforme antes vistos por Guttentag e Smith (2017). Com relação aos hotéis de negócios, o estudo apontou que hotéis que apresentam instalações como centros de convenções ou salas de reunião são menos propensos a serem atingidos pela entrada do Airbnb no mercado, corroborando informações já apresentadas em seções anteriores. Por fim, ao analisarem os hotéis de rede, os autores concluem que estes são afetados negativamente pelo surgimento do Airbnb como concorrente assim como hotéis independentes, porém em uma escala consubstancialmente menor. Os autores afirmam que “diferentemente de hotéis independentes, hotéis de rede investem grandes orçamentos em marketing e propaganda, na construção de marca e em programas de fidelização de hóspedes, e outras táticas que devem torna-los menos vulneráveis à competitividade” (Zervas et al., 2017, p. 698, tradução nossa).
Zervas et al. (2017) perceberam que o impacto do Airbnb na receita dos hotéis pode variar conforme a sazonalidade, apresentando porcentagens diferenciadas em períodos de alta procura. Isto se deve a um fato muito característico da hospedagem compartilhada: sua oferta é flutuante, e está sujeita exclusivamente a cada anfitrião responsável por uma propriedade, como já comentado por McGowan e Mahon (2018). Com o Airbnb, é possível aumentar a oferta de acomodações em períodos de alta procura, pois basta o anfitrião disponibilizar mais cômodos de sua residência para aluguel, ou até mesmo disponibilizar sua residência inteira caso seja conveniente, enquanto para hotéis isto não seria possível, devido aos custos de se construir novas acomodações para acompanhar a demanda. Esta diferença entre os dois tipos de meios de hospedagem influencia o potencial de gerenciamento de receita dos hotéis, que antes do Airbnb possuíam menos restrições e competitividade e, portanto, podiam gerenciar seus preços de maneira muito mais vantajosa para sua receita. Com a inserção do Airbnb neste contexto, o hoteleiro precisa levar em consideração a alta competitividade e a flutuação da oferta do Airbnb, limitando seu potencial de gerenciamento e, consequentemente, diminuindo sua receita potencial em períodos de alta demanda. Esta narrativa foi comprovada ao se observar uma queda de 6% nos preços das diárias nos hotéis em Austin, influenciadas pelo Airbnb (Zervas et al., 2017).
Blal et al. (2018) chegaram a resultados mais complexos. Os autores descobriram em seu estudo que o crescimento do inventário do Airbnb não impactou diretamente na trajetória de aumento do RevPAR (revenue per available room, ou receita por quarto disponível em tradução livre), mas que a diária média do Airbnb impacta na demanda dos hotéis da cidade de San Francisco. Assim como no estudo de Zervas et al. (2017), foi encontrada evidência de diferentes níveis de impacto de acordo com cada segmento hoteleiro (Blal et al., 2018). Mesmo que não haja uma perda direta de receita pelos hotéis por causa do Airbnb, sua sombra no mercado gera uma pressão para que as tarifas dos hotéis sejam mais baixas do que de fato poderiam ser caso o Airbnb não existisse, diminuindo seu potencial de receita. Os autores mencionam outro estudo ocorrido nos países nórdicos que culminou nos mesmos resultados, descobrindo que, naquela região, “o Airbnb não afeta o RevPAR [dos hotéis] de maneira significativa, mas ele certamente contribuiu com a redução da diária média das acomodações em áreas onde o Airbnb possuía taxas mais altas de penetração” (Blal et al., 2018, p. 87, tradução nossa).
Por meio de uma regressão estatística, foi possível para Dogru et al. (2017) observar que o Airbnb afetou de maneira negativa os marcadores de crescimento do setor hoteleiro da cidade de Boston, Estados Unidos: para cada 1% no crescimento do Airbnb, houve uma redução de 0,025% no RevPAR dos hotéis, bem como uma redução da diária média em 0,02%. Ao efetuar a relação do crescimento do Airbnb e do desempenho dos hotéis por segmentação de categoria, foi observado que o crescimento de 1% no Airbnb implica no declínio do RevPAR de 0,015% em hotéis econômicos, de 0,043% em hotéis de médio porte, de 0,021% em hotéis de nível superior, 0,024% em hotéis de grande porte e de 0,032% em hotéis de luxo, além de 0,034% em hotéis independentes (Dogru et al., 2017). Em sua conclusão, os autores apontaram para uma estimativa de perda de US$ 5,8 milhões para o setor hoteleiro da região. Entretanto, não foi demonstrado ou mencionado nenhum tipo de teste de verificação da correlação entre as variáveis medidas, como foi o caso de outros estudos (Blal et al., 2018; Zervas et al., 2017).
Esta seção mostrou dados contundentes para se inferir que, de fato, a penetração do Airbnb no mercado tradicional de meios de hospedagem possui potencial de impacto na receita dos hotéis, seja em maior ou em menor grau. Quando não representa uma competitividade direta, o Airbnb pressiona o mercado tradicional a ser mais cauteloso em suas estratégias de gerenciamento de receita, o que acaba por diminuir o seu potencial. Entretanto, esta competitividade objetiva ou subjetiva não se traduz somente em impactos na receita, mas em outros atributos que veremos a seguir.
Competitividade - A competitividade foi, invariavelmente, o tema mais mencionado nos artigos que compõem esta revisão. O motivo é evidente para todo interessado no tema: são muitas as especulações, as preocupações, as previsões e as afirmações acerca do que se delineia no setor de meios de hospedagem em todo o mundo (Varma et al., 2016). Todas as pesquisas selecionadas nesta revisão, de alguma maneira, retratam a competitividade no setor de meios de hospedagem com a inserção do Airbnb e, assim como nos temas desenvolvidos anteriormente, os resultados nem sempre são unânimes. Isto se deve ao fato de que as pesquisas foram realizadas em locais diferentes, com ofertas, demandas e mercados diferentes, o que na verdade enriquece e aprofunda nosso conhecimento sobre este objeto.
Os autores citados nos próximos parágrafos se propuseram a realizar entrevistas com representantes dos meios de hospedagem tradicionais, a fim de aferir suas percepções e preocupações de maneira mais precisa. Desta forma, foi possível para Koh e King (2017) acessar as maiores fontes de preocupação dos hoteleiros de pequeno porte e hostels em Singapura com relação à possível competitividade em seu mercado. A maioria dos entrevistados citaram o grande surgimento de outras acomodações de mesma categoria como o principal motivo para o alto índice de competitividade atual no mercado. Em seguida, foram mencionadas as estratégias de precificação abaixo do mercado, o que colabora com a dificuldade da manutenção dos custos fixos do empreendimento, e em terceiro lugar, o constante aumento dos custos de mão de obra e dos valores de aluguel como os principais propulsores da competitividade. Ainda assim, apenas um representante dos entrevistados pelos autores declarou ver o surgimento do Airbnb como uma ameaça. Isto, segundo os autores, se deve aos seguintes motivos:
[...] primeiro, porque o volume de transações do Airbnb atualmente é insignificante quando comparado com o total de receita dos hotéis; segundo, porque o Airbnb compete mais diretamente com apartamentos para aluguel de curto prazo, e terceiro, porque as diárias médias do Airbnb não são necessariamente mais baixas do que os hotéis econômicos e de médio porte. Isso sugere que nem todas as propriedades do Airbnb competem diretamente com hotéis econômicos e de médio porte em termos de tarifa (Koh & King, 2017, p. 6, tradução nossa).
Varma et al. (2016) realizaram entrevistas com executivos representantes de diversas regiões metropolitanas dos Estados Unidos, encontrando resultados semelhantes à pesquisa citada anteriormente (Koh & King, 2017). Seus entrevistados afirmaram que não observaram um grande impacto do Airbnb em seu mercado, por acreditarem que este trabalha com uma segmentação diferente de meios de hospedagem tradicionais. Ademais, eles observaram que nem sempre as propriedades do Airbnb são mais baratas ou possuem melhor custo-benefício para os clientes, assim como apontado por Koh e King (2017). Um dos entrevistados nesta pesquisa observou que o Airbnb captou uma necessidade do mercado que os hotéis não supriam, e criou um produto para este cliente potencial como, por exemplo, meios de hospedagem mais baratos ou em áreas de um destino em que não haviam hotéis. Forgacs e Dimanche (2016) complementam esta ideia: “Airbnb e empresas similares demonstram ser uma ameaça significante aos hotéis tradicionais porque eles entenderam, antes dos hoteleiros, como algumas das preferências dos clientes mudaram” (p. 2, tradução nossa). De maneira geral, foi consensual entre os entrevistados de Varma et al. (2016) a observação de que a inserção do Airbnb no mercado de meios de hospedagem gerou praticamente nenhum impacto para hotéis de luxo, e algum impacto mais significativo para hotéis de médio e pequeno porte.
Com relação à postura dos hotéis frente ao crescimento do Airbnb, as respostas apresentadas em Varma et al. (2016) foram divergentes, segundo o segmento de cada hotel. Enquanto hotéis de grande porte e de luxo se contentam em monitorar as atividades e novidades que o Airbnb traz, hotéis de médio e pequeno porte apresentam maior senso de urgência ao se prepararem para esta possível ameaça. Considerando que grandes hotéis e hotéis de rede possuem uma ampla estrutura de marketing e orçamento para publicidade, eles possuem maior alcance de vendas e, consequentemente, menos dependência do viajante individual e independente (Zervas et al., 2017). Os hotéis menores, por outro lado, precisam constantemente se esforçar para captar seus hóspedes, e o alto alcance do Airbnb por conta de sua plataforma online pode dobrar este esforço. Os hoteleiros deste segmento compreendem a necessidade da constante inovação e reinvenção de seus produtos e serviços para que possam se manter competitivos, inclusive no próprio mercado hoteleiro, independente do Airbnb (Varma et al., 2016). Este posicionamento se dá sobre a percepção do impacto geral do Airbnb no futuro do turismo e da hotelaria: os executivos de pequeno e médio porte tendem a enxergar este impacto de maneira mais evidente, demonstrando uma consciência coletiva de que o mercado foi para sempre alterado com a inovação que o Airbnb proporcionou à comunidade consumidora. Por outro lado, os executivos de grande porte, por conta de sua posição no mercado, não parecem ter a mesma concepção a respeito dos novos contornos que o consumo turístico pode adquirir a partir do surgimento do Airbnb.
Os resultados destas entrevistas estão razoavelmente consoantes com os resultados de outras pesquisas já mencionadas, como a de Gunter e Onder (2018), que identificam um nível de competitividade maior entre o Airbnb e hotéis de baixo custo e pequeno porte. Segundo Blal et al. (2018), os impactos mais perceptíveis do Airbnb no setor hoteleiro serão nos hotéis econômicos e menores, cama-e-cafés e hostels, por estes geralmente possuírem uma tarifa média equiparável à do Airbnb, e ainda possuírem um valor subjetivo inferior à proposta do Airbnb (Choi et al., 2015). Blal et al. (2018, p. 90, tradução nossa) concluem que “a oferta do Airbnb não é um mero complemento para o mercado, mas na verdade mostra características substitutivas em seus efeitos a longo prazo nos padrões de venda dos hotéis”. Zervas et al. (2017) traçaram o mesmo perfil geral dos hotéis que podem se encontrar em maior situação de vulnerabilidade com o surgimento do Airbnb como sendo os hotéis econômicos e independentes, que não oferecem serviços ou instalações para clientes a negócios, inferindo que estes segmentos estão mais suscetíveis ao movimento de substituição pelo Airbnb. Forgacs e Dimanche (2016) também mencionam que a maior ameaça do Airbnb é aos hotéis de médio porte e independentes, pois não possuem nenhuma ligação com marcas fortes e consolidadas no mercado.
Entrevistas sugerem que hotéis de ponta estão menos preocupados com o fenômeno do Airbnb do que hotéis de baixo custo (Volgger et al., 2018). Segundo Aznar et al. (2018a), hotéis de grande porte e de luxo são menos afetados pela sazonalidade por conta de sua infraestrutura e serviços diferenciados, fazendo com que a variação entre as tarifas de baixa e de alta temporada seja menor do que em casos de hotéis econômicos e de médio porte. Esta possibilidade confere aos hotéis de grande porte maiores oportunidades em seus gerenciamentos de receita e, consequentemente, em seu nível de competitividade. Entretanto, existe uma preocupação dos autores ao afirmar que os hotéis aparentemente menos afetados pelo crescimento do Airbnb podem estar cometendo um erro ao não serem cautelosos (Blal et al., 2018; Guttentag & Smith, 2017; Varma et al., 2016). Para Forgacs e Dimanche (2016), há um movimento do Airbnb rumo aos segmentos de luxo e de negócios, como a aquisição da empresa de alugueis de temporada Luxury Retreats (Gunter & Onder, 2018), a fim de diversificar os seus produtos e de reforçar seu novo slogan: Airbnb para todos (Gebbia, 2016). Os desdobramentos desta movimentação do Airbnb são discutidos mais à frente, na seção 3.8.
Existem alguns fatores e atributos, identificados por estas pesquisas, que contribuem para a competitividade no setor de meios de hospedagem. Akbar e Tracogna (2018), identificam três grandes fontes de ameaça do Airbnb às redes hoteleiras. A primeira delas é a facilidade do crescimento da marca graças a não possuir os bens, e sim meramente gerenciá-los, o que representa uma significativa redução de custos para a empresa (Aznar et al., 2018b), como foi discutido na seção 3.5. A segunda fonte de ameaça se refere ao crescimento do interesse dos turistas pelo consumo de experiência, no qual a percepção de autenticidade é protagonista, conforme visto por Bock (2015). A terceira fonte é o exercício do Airbnb como uma atividade informal – isto é, paralela às regulamentações vigentes para prestadores de serviço semelhantes, como os hotéis –, oferecendo muitas possibilidades e diferentes produtos, o que beneficia a demanda (Guttentag, 2015). Segundo Boros et al. (2018), a confiança é uma variável fundamental para o funcionamento dinâmico do turismo, que é basicamente representado por prestação de serviço. Posto isso, a confiança nos prestadores de serviço e nos produtos adquiridos é determinante para a escolha do turista, sendo, consequentemente, determinante para a competitividade no setor de meios de hospedagem.
O crescimento do interesse dos turistas pelo consumo de experiência dialoga diretamente com a proposta de autenticidade oferecida pelo Airbnb. O Airbnb busca promover uma experiência autêntica ao seu hóspede, por meio da oportunidade de se hospedar na residência de um morador local, e muitas vezes por conviver com ele. A percepção da autenticidade em uma experiência turística, segundo Birinci et al. (2018), é atualmente fator preponente na escolha e na boa avaliação de um serviço turístico, sendo uma constante preocupação para os viajantes desde o seu surgimento por meio de empresas com este enfoque, como o Airbnb (Guttentag, 2015). Os autores desenvolveram um modelo capaz de compreender a relação entre vantagens, desvantagens, satisfação e intenção de retorno aos meios de hospedagem observados (Birinci et al., 2018). Após uma aplicação de questionários que culminou em 391 respondentes, os resultados mostraram que a variável de amplitude comparativa mais significante foi a de percepção de autenticidade, a qual foi mais percebida na oferta do Airbnb do que do hotel tradicional. A pesquisa de Prayag e Ozanne (2018) informa que, para os seus respondentes, a percepção de autenticidade no Airbnb é mais alta do que em todos os tipos de hotéis, inclusive hotéis de luxo e de grande porte. A não existência de amenidades domésticas em hotéis, como máquinas de lavar roupa, fogões e micro-ondas, além do tamanho pequeno dos quartos, são apontados como fatores restritivos na escolha de hotéis frente à possibilidade de se escolher o Airbnb como hospedagem (Gunter & Onder, 2018). Esta informação reforça que as características domésticas do Airbnb, além de promoverem uma percepção de autenticidade, são úteis às necessidades dos hóspedes.
Estes cenários favoráveis para o Airbnb já mostraram todo o seu potencial substitutivo frente aos hotéis mais vulneráveis, como vimos anteriormente. No estudo de Hajibaba e Dolnicar (2017), de todos os respondentes da pesquisa, 30% já utilizaram hospedagem compartilhada, e 82% estão cientes de sua oferta. Os respondentes foram levados a avaliar o nível de probabilidade de substituição de vários tipos de meios de hospedagem, dentre eles hotéis de luxo, hotéis econômicos, hostels e cama-e-café, respondendo se tal substituição possuía muita probabilidade, média probabilidade ou nenhuma probabilidade de acontecer. Segundo os respondentes, o meio de hospedagem com maior probabilidade de ser substituído pelo Airbnb é o hotel econômico, sobre o qual 45% considerou muito provável e 47% considerou provável que isto aconteça. Acomodações mais simples, mas com uma proposta mais autêntica e dinâmica do que hotéis econômicos, foram julgados como menos prováveis de serem substituídos, embora ainda assim com consideráveis taxas de probabilidade de substituição – cerca de 17% a 25% de alta probabilidade e 50% de certa probabilidade. Os autores informam que os usuários de hospedagem compartilhada foram os que mais percebiam a possibilidade de substituição de hotéis de médio e bom desempenho (Hajibaba & Dolnicar, 2017).
Podemos perceber uma tendência de substituição do nicho composto por hotéis pequenos, hotéis econômicos, hotéis independentes e até mesmo hotéis de médio porte sem grandes diferenciais, pelo custo-benefício igualmente proporcionado pelo Airbnb. Segundo Mody et al. (2017a, p. 2, tradução nossa), “um relatório realizado por Morgan Stanley indica que cerca de 42% e 36% dos usuários do Airbnb vieram de hotéis e camas-e-cafés, respectivamente”. Na pesquisa de Guttentag e Smith (2017), praticamente dois terços dos respondentes informaram que usaram o Airbnb em suas viagens como um substituto para um hotel, apontando que a utilização do Airbnb está quase exclusivamente relacionada à substituição de outros meios de hospedagem.
Por outro lado, existem outras variáveis que influenciam na escolha de um usuário por seu meio de hospedagem. Poon e Huang (2017) trazem estudos que afirmam que somente 20% dos viajantes nos Estados Unidos utilizam os meios de hospedagem compartilhada, e que 59% dos viajantes nunca ouviram falar do Airbnb. Blal et al. (2018) informam que os usuários que conhecem o Airbnb geralmente verificam disponibilidade tanto na plataforma do Airbnb quanto no setor hoteleiro de seu destino, comparando preços, localização e serviços, o que pode ser uma grande vantagem para o hoteleiro que sabe utilizar estes fatores como mecanismos de captação de hóspedes. Além disso, mesmo que a hospedagem pelo Airbnb seja frequentemente menos onerosa do que em um hotel de serviço semelhante (Guttentag, 2015), tratando-se de escolher os meios de hospedagem em uma viagem, os custos não são somente financeiros, mas de esforço e tempo envolvidos no processo de triagem e escolha (Birinci et al., 2018).
Se por um lado, a demanda do Airbnb é significativamente influenciada de maneira positiva pelo tamanho do anúncio, pelo número das fotos disponíveis e pela taxa de resposta do anfitrião, ela é negativamente influenciada pelo preço do anúncio, pela distância do centro da cidade e pela taxa de resposta do anfitrião (Gunter & Onder, 2018). Sendo assim, os hotéis possuem grande vantagem ao oferecer maior e mais rápida taxa de resposta, além da possibilidade de realizar reservas instantâneas no caso de hotéis que possuem sua disponibilidade online 24 horas, ou setor de reservas 24 horas. Outros fatores, como a disponibilidade ao longo do ano e menor estada mínima obrigatória em relação ao Airbnb, são considerados pontos fortes dos meios de hospedagem tradicionais (Gunter & Onder, 2018). Para Guttentag (2015), o apelo do Airbnb pode ser limitado dependendo do perfil do usuário e o da viagem, como já trazido por Poon e Huang (2017) e Volgger et al. (2018). Um ponto fraco trazido pelo autor é que a alta taxa de personalização das acomodações ofertadas pelo Airbnb pode ser fator restritivo para hóspedes em potencial, que buscam reduzir ao máximo o esforço e o tempo envolvidos em um processo de escolha e reserva de um meio de hospedagem (Guttentag, 2015). Além disso, a falta de padronização dos serviços pode ser inconveniente para usuários do mercado tradicional, que não conseguem obter absoluta garantia de que o serviço adquirido será correspondente às expectativas geradas pelo anúncio na plataforma. No caso de um hotel – em especial um hotel de rede -, o usuário do mercado tradicional tem mais segurança ao contratar o serviço, por conta de sua experiência com hotéis e da consistência atribuída a um serviço estabelecido há anos por profissionais (Birinci et al., 2018).
Por conta destas atribuições, autores como Forgacs e Dimanche (2016) acreditam que o Airbnb pode ser considerado um concorrente de hotéis tradicionais somente até certo ponto, pois acreditam que o Airbnb possui a sua própria demanda, geralmente composta de usuários de tecnologia mais avançados. Outras variáveis, como percepção de risco e segurança, bem como a de percepção de conveniência, não mostraram variações significativas entre os usuários do Airbnb e de um meio de hospedagem tradicional (Birinci et al., 2018), significando que estes atributos são igualmente procurados por estes tipos de usuários. Da mesma forma, níveis de satisfação e intenção de retorno mostraram-se estatisticamente semelhantes nos dois grupos de hóspedes, como postula Varma et al. (2016). Sendo assim, pode-se inferir que, quando os hóspedes saem satisfeitos de uma experiência, eles possuem altas taxas de intenção de retorno, independentemente do meio de hospedagem utilizado. Este dado reafirma a importância da excelência na qualidade de serviço, atendimento e amenidades oferecidos nos meios de hospedagem (Birinci et al., 2018).
Muitos estudos encontraram resultados que apoiam o discurso de que o impacto do Airbnb no desempenho da indústria hoteleira é, de maneira geral, não substancial, embora seus números sejam altos. Segundo Dogru et al. (2017), o crescimento vertiginoso do Airbnb em Boston é visível ao analisarmos que, em 2008, haviam quatro propriedades disponíveis na região, e em 2017, nove anos depois, teríamos a oferta de 28.957 propriedades, considerando somente propriedades que tiveram uma reserva no último ano. Da mesma forma, Gyódi (2017) informa que o número de leitos do Airbnb corresponde a 51,12% do número de leitos em hotéis, demonstrando a alta capacidade de impacto do Airbnb. Entretanto, é necessário ter uma cautela considerável ao analisar tais e outras informações, haja vista que o crescimento do Airbnb não pode ser medido somente por seus números, mas os comparando com seu contexto e com seus concorrentes.
Uma das primeiras problemáticas a surgir ao estudarmos o impacto do Airbnb na competitividade do setor de meios de hospedagem é o que aponta Dogru et al. (2017). Estes autores salientam que não é possível comparar o potencial de crescimento do Airbnb com o de hotéis de maneira fixa, já que, como discutido anteriormente, a oferta do Airbnb é flutuante (McGowan e Mahon, 2018), e que, portanto, pode gerar desdobramentos diferentes em períodos diferentes do ano. Este fato dificulta em muito uma mensuração precisa dos efeitos do crescimento do Airbnb no mercado tradicional, mas não os impossibilita por completo, sendo possível realizar aproximações razoáveis. Os resultados de Mody et al. (2017a) apontam que, enquanto o setor hoteleiro de Boston apresentava um crescimento médio de 11% em 2016, o Airbnb surpreendeu com espantosos 155% ao mês durante o mesmo período, sendo que esta mensuração se deve justamente à flutuação da demanda do Airbnb, que disponibilizou muitas acomodações simultaneamente no período estudado.
Esta hipótese se reforça quando os autores descobrem que, a despeito do crescimento do Airbnb, o setor hoteleiro de Boston manteve seu padrão de crescimento nos anos estudados. Mesmo apresentando alguns declínios de ocupação em determinados períodos, foi observado que eles não se deram unicamente pelo crescimento do Airbnb, mas por outros fatores de competividade inerentes ao próprio mercado hoteleiro (Mody et al., 2017a). Os autores perceberam que a demanda excedente que figurou em alguns períodos poderia ser atendida pela oferta do setor hoteleiro da cidade, significando que não há efeitos diretos de substituição nesta área. Portanto, no caso de Boston, o crescimento da oferta do Airbnb não oferece nenhuma competitividade objetiva no setor hoteleiro tradicional, mas alimenta uma outra demanda, aumentando o mercado de meios de hospedagem.
McGowan e Mahon (2018) apontam que, embora o crescimento do Airbnb seja expressado em mais de 100% em todas áreas de Nova Iorque analisadas em seu trabalho, a fatia de mercado apropriada pelo Airbnb continua sendo pequena mediante o setor hoteleiro da região: de 13,45% a 16,09% da demanda variável e fixa, respectivamente. Com relação à receita, o Airbnb alcançou em média 5% da receita total dos hotéis em dezembro de 2016 na região. Ao utilizar seis diferentes modelos de quantificação dos dados, os autores compreendem resultados divergentes a princípio, mas considerando o contexto dos modelos e comparando seus resultados conjuntamente, os autores puderam observar que o crescimento do Airbnb é estatisticamente relevante na cidade de Nova Iorque. Entretanto, se comparado ao crescimento dos hotéis nesta região, o Airbnb não representa um impacto econômico para o mercado, considerando seu movimento como se fosse o de qualquer outro concorrente. Sendo assim, os autores concluem que o crescimento do Airbnb, embora significativo, gerou pouco impacto na receita, na ocupação e na diária média dos hotéis de Nova Iorque. Entende-se, portanto, que os temores do setor hoteleiro da região estão mais relacionados à falta de previsibilidade da proporção que o Airbnb pode tomar no futuro, somada à consciência de que os hotéis estão menos aptos do que o Airbnb para suprir picos de alta demanda, como é o caso de férias e feriados (McGowan & Mahon, 2018).
O estudo de Ginindza e Tichaawa (2017) possui um relato singular, sendo o primeiro e único estudo de nossa revisão que busca compreender os efeitos da hospedagem compartilhada em um país em desenvolvimento – a Suazilândia, atual eSwatini, na África. Esta pesquisa encontrou uma relação positiva entre o crescimento de taxa de ocupação de hotéis e o crescimento de taxa de ocupação do Airbnb. Por meio da aplicação de um modelo estatístico, foi possível inferir que o Airbnb não oferece riscos de competitividade e substituição de hotéis, já que, possivelmente, são produtos aderidos por demandas diferentes no caso deste país. As estatísticas mostraram que, para cada 1% de crescimento na taxa de ocupação do Airbnb, houve 21,7% de crescimento na taxa de ocupação dos hotéis do país, embora outros modelos estatísticos empregados na pesquisa tenham identificado uma ligeira correlação negativa entre o crescimento do Airbnb e a receita dos hotéis. O estudo de Koh e King (2017), em Singapura, relata que dois executivos de meios de hospedagem tradicionais acreditam que a expansão do Airbnb seria benéfica para todo o setor do turismo da região. Estes dois casos particulares demonstram uma perspectiva diferente dos hoteleiros da Europa e dos Estados Unidos, talvez por partirem de localidades que não possuem uma oferta tão grande do Airbnb.
O trabalho de Aznar et al. (2016) é o único que enfatiza o elemento da sustentabilidade como parte da composição do produto de hospedagem. Em seu trabalho, os autores mostram que, a despeito de os hóspedes não estarem mais dispostos a pagar a mais por uma estada “verde”, eles têm preferência por consumirem produtos que possuem um evidente comprometimento com o meio ambiente, além de o nível de satisfação destes hóspedes ser mais alto ao se hospedarem em hotéis com práticas sustentáveis. Sendo assim, a princípio podemos compreender que práticas sustentáveis significam uma grande diferenciação no mercado, agregando valor ao produto e despertando o interesse de hóspedes mais conscientes, que são cada vez mais maioria. Entretanto, buscando entender se a adoção de práticas sustentáveis por hotéis agrega em seu desempenho de competitividade em função do Airbnb, baseados neste trabalho ainda não é possível chegar a uma conclusão substancial.
Mody et al. (no prelo) são os únicos autores que inserem o conceito de hospitabilidade ao analisar o setor de meios de hospedagem. A hospitabilidade é a capacidade de um anfitrião de ser hospitaleiro que é inerente à sua personalidade, estando para além de atributos que podem ser desenvolvidos com o tempo, como a habilidade e a experiência. Os autores identificam a hospitabilidade como um dos níveis fundamentais da hospitalidade, muitas vezes trazendo o fator humano tão buscado e percebido por hóspedes em uma experiência.
Os autores afirmam que o consumo de experiência é o grande diferencial em um mercado tão competitivo e saturado como o de meios de hospedagem atualmente, pois este estimula as emoções do hóspede durante a sua estada, gerando maior memorabilidade positiva de sua experiência (Mody et al., no prelo). No que tange o atual contexto do setor de meios de hospedagem, os autores informam que “avaliações eletrônicas sobre a economia compartilhada enfatizam mais a hospitalidade do anfitrião [ou seja, a experiência de ser recebido no lar de alguém], enquanto as avaliações eletrônicas sobre hotéis enfatizam as comodidades” (Mody et al, no prelo, tradução nossa). Ao longo de seu trabalho, os autores refutaram uma de suas hipóteses, pois comprovaram que tanto o Airbnb quanto os hotéis pesquisados eram eficientes em promover uma experiência hospitábil, enquanto os autores presumiram inicialmente que o Airbnb teria um desempenho acima dos hotéis neste quesito (Mody et al). Entretanto, ao concluir seu trabalho, os autores declaram que os hotéis ainda possuem maior potencial de desenvolver as dimensões de hospitabilidade do que tem sido atualmente, caso invistam mais nas diversas dimensões de serviço que um hotel pode proporcionar, como passeios, experiências, gastronomia, SPA, dentre outros. Esta seria uma grande vantagem para o setor hoteleiro, já que o Airbnb frequentemente se restringe à oferta de uma acomodação e de suas amenidades intrínsecas.
Aznar et al. (2018b) avaliaram a escala de competitividade no setor de meios de hospedagem da perspectiva da reputação eletrônica de um empreendimento na Espanha. Os autores indicam que uma quantidade considerável de avaliações eletrônicas negativas em plataformas online afeta diretamente as intenções de utilização dos usuários. Como na Espanha cada região possui autonomia para definir seus mecanismos de classificação oficial – utilizando categorias, estrelas, dentre outras distinções -, é possível inferir que os mecanismos de avaliação eletrônica pelos usuários constituem um sistema paralelo a estas classificações oficiais. Isto ocorre porque as classificações oficiais se baseiam em atributos funcionais e quantificáveis, como o tamanho de um quarto, a existência de áreas de lazer, a quantidade de mensageiros a disposição, dentre outros. Já no caso das avaliações eletrônicas, feitas por usuários que experimentaram determinado meio de hospedagem, os atributos considerados muitas vezes são de caráter subjetivo, como amenidades e cortesias oferecidas aos hóspedes, o atendimento dos colaboradores e a iluminação natural dos ambientes. Na prática, os autores perceberam que hotéis com melhores avaliações eletrônicas possuíam diárias médias mais altas do que seus concorrentes de mesma classificação oficial e menos avaliações eletrônicas. Por outro lado, Aznar et al. (2018b) descobriram que não podem afirmar a mesma correlação no caso do Airbnb: uma excelente avaliação eletrônica de uma propriedade não estimula o aumento da sua diária média. Uma explicação para este dado seria que os anfitriões do Airbnb buscam manter a proposta de uma acomodação com um bom custo-benefício, para que seja competitiva com hotéis de pequeno e médio porte (Guttentag & Smith, 2017).
A reputação eletrônica é considerada uma excelente forma de divulgação do valor percebido pelo cliente, conceito trazido por Varma et al. (2016, p. 229, tradução nossa), que explicam: “hóspedes tratam sua transação como um câmbio, e avaliam o valor e a justiça deste câmbio baseados nos serviços recebidos em troca pelo preço pago”. As avaliações eletrônicas podem divulgar de maneira autêntica os pontos fortes e diferenciações de um meio de hospedagem, e por conta deste fenômeno, diminuir a tarifa das diárias na intenção de parecer mais competitivo nem sempre é a decisão mais sábia para atrair hóspedes. O usuário, ao se deparar com boas avaliações, mas com uma tarifa muito baixa, pode entende que o serviço deste empreendimento vale menos do que os seus concorrentes, desvalorizando este produto. O ideal, portanto, segundo os autores, é que o meio de hospedagem se dedique a desenvolver valor agregado e serviços que passem ao cliente a segurança de um bom e válido investimento (Varma et al., 2016), e ao mesmo tempo, investir na reputação eletrônica para que estes serviços sejam divulgados por seus próprios usuários.
Ainda a respeito de estratégias de precificação, Blal et al. (2018) relatam um fato diferente encontrado em sua pesquisa: as tarifas do Airbnb podem impactar positivamente na demanda de hotéis de luxo e de alta categoria. Os autores descobriram que, na cidade de San Francisco, quanto mais alta a tarifa do Airbnb, maior procura haverá para hotéis de luxo e de alta categoria, inferindo que “isto indica que os clientes ainda se voltam aos hotéis se percebem que a tarifa do disruptor é alta demais” (Blal et al., 2018, p. 91, tradução nossa). Embora por um lado este possa ser um fator vantajoso para hotéis deste nicho, por outro lado, esta é uma evidência do potencial substitutivo do Airbnb frente aos hotéis (Guttentag & Smith, 2017).
Nesta seção, pudemos observar as diferentes perspectivas de competitividade que podem se aglomerar no mercado de meios de hospedagem. O Airbnb e os meios de hospedagem tradicionais concorrem em maior e em menor grau por diferentes aspectos, e um grande aprendizado que pode ser adquirido deste contexto é o de que estas nuances podem ser determinantes para o sucesso de um empreendimento.
Legislação, regulamentação e políticas públicas - Uma clara consequência do crescimento do Airbnb pelo mundo são os seus efeitos multiplicadores em destinos que já sofrem com a alta demanda turística. Gunter e Onder (2018) apontam que a promoção de sobrecarga em determinados destinos, gerando escassez de recursos e problemas de infraestrutura urbana, são agravados pelo rápido crescimento do Airbnb. Kljucnikov et al. (2018) citam diferentes abordagens de várias cidades do mundo com relação à regulamentação da plataforma, desde a limitação do número de noites por ano em que o anfitrião pode oferecer sua casa, como é o caso de Nova Iorque e Paris, até o banimento total da atividade em território municipal, sendo Palma, na Espanha, o único caso conhecido até o momento (Bohórquez, 2018). Os autores possuem posicionamentos diferentes ao tratar da regulamentação do Airbnb, como visto a seguir.
Kljucnikov et al. (2018) apoiam seu trabalho em uma revisão da literatura acerca dos impactos econômicos de plataformas como o Airbnb na economia e no mercado dos destinos turísticos, citando trabalhos recentes de diversos autores que chegaram à conclusões semelhantes; dentre elas, a necessidade de se diferenciar o anfitrião que opera em escala privada do que opera em escala comercial. Em outras palavras, uma abordagem moderada para a regulamentação do Airbnb é defendida por muitos autores por eles mencionados, que compreendem os benefícios de um novo nível de competitividade para o mercado hoteleiro, bem como para os consumidores (Kljucnikov et al., 2018; Koh & King, 2017). Entretanto, este e outros trabalhos, como o de Gutiérrez et al. (2017), em Barcelona, descrevem o caráter urgente da necessidade de revisão dos chamados multi-listings, ou multi-anúncios em tradução livre, termo que se refere à atividade comercial praticada por meio do Airbnb. Números preocupantes são demonstrados: segundo Gyódi (2017), 31% das propriedades listadas no Airbnb em Varsóvia são gerenciadas por profissionais; Blal et al. (2018) cita que cerca de 39% da receita do Airbnb em San Francisco é gerada por usuários com mais de um anúncio ativo na plataforma; o trabalho de Kljucnikov et al. (2018) afirma que quase 40% dos anúncios no Airbnb em Praga pertenciam somente a 662 usuários, sendo que 15 destes usuários administravam 50 anúncios ou mais. Estes autores reivindicam regulamentações severas para impedir que este tipo de situação desproporcional ocorra pela plataforma.
Kljucnikov et al. (2018) desenvolveram hipóteses acerca da evasão de taxas que o Airbnb poderia gerar, confirmando as seguintes: a oferta de acomodações pelo Airbnb em Praga é abrangente, e compatível com a capacidade de carga dos hotéis da cidade; a escala de potencial evasão de taxas em Praga pelo Airbnb é menor do que 500 milhões de coroas tchecas; a legislação e taxação do Airbnb é proporcionalmente suficiente, e não exige mudanças substanciais. Embora de maneira superficial, Gunter e Onder (2018), Prayag e Ozanne (2018) e Volgger et al. (2018) inferem que o Airbnb impacta na empregabilidade do setor turístico de um destino por conta de sua informalidade (Guttentag, 2015), diminuindo a necessidade de fornecedores e intermediários frequentemente empregados em modelos de negócios tradicionais. Prayag e Ozanne (2018) atribuem este impacto, especialmente, ao efeito de substituição dos hotéis de baixo custo pelo Airbnb.
A despeito de um cenário desfavorável, aparentemente o Airbnb não tem sido reticente quanto a estas questões. Blal et al. (2018) relatam o movimento proativo de colaboração do Airbnb com a integração de seus serviços e usuários ao destino, por meio de eventos para anfitriões, parcerias com Convention Bureaux, e até mesmo com entidades públicas, na tentativa de diminuir os impactos negativos e de fatalmente contribuir com a qualidade de vida da população residente. Estas iniciativas, entretanto, carecem de maior divulgação e de replicação em mais destinos turísticos. Por fim, Koh e King (2017) mencionam algumas recomendações relacionadas à regulamentação do Airbnb em Singapura, incluindo exigir dos anfitriões do Airbnb o preenchimento de determinados requisitos de segurança. A maior parte dos respondentes de sua pesquisa entendem que seria vantajoso para o mercado e para o setor turístico se não houvesse uma regulamentação demasiada estrita quanto ao Airbnb, já que o nível de competitividade que este promove, no âmbito mercadológico, pode ser saudável para estimular a inovação no mercado tradicional. Entretanto, ainda assim consideram imperativo haver premissas jurídicas e diretrizes para este tipo de acomodação informal.
Tratando-se de uma atividade informal, a hospedagem compartilhada promovida pelo Airbnb gera melindres ao tocar em temas sobre regulamentação e legislação. O que compreendemos, de maneira geral, é que deve haver uma regulamentação rigorosa no que tange o exercício da função do Airbnb, sancionando as crescentes práticas comerciais que são realizadas por meio da plataforma. Além disso, pelo que já pode ser visto ao longo deste trabalho, observamos que os destinos turísticos possuem necessidades diferentes entre si com relação à regulamentação do Airbnb. Sendo assim, é recomendável que este seja um tema discutido em esfera regional, compreendendo toda a complexidade que envolve o fenômeno, a fim de que todos os entes envolvidos no mesmo sejam beneficiados e protegidos.
Recomendações para o mercado tradicional - Até o momento, contemplamos os aspectos comparativos entre o Airbnb e o setor de meios de hospedagem tradicionais trazidos pelos trabalhos selecionados para esta revisão sistemática. Todavia, um dos objetivos destes trabalhos (Akbar & Tracogna, 2018; Gunter & Onder, 2018; Guttentag & Smith, 2017) é o de gerar dados fidedignos e confiáveis para orientar o setor de meios de hospedagem tradicional, que muitas vezes se mantém restrito às divulgações midiáticas ou a discursos baseados em experiências isoladas. Por meio do emprego de métodos científicos, foi possível a estes estudos chegar a resultados mais efetivos do que meras especulações que poderiam gerar conclusões e até mesmo decisões precipitadas (Prayag & Ozanne, 2018). Sendo assim, esta seção é composta pela coletânea de todas as observações e recomendações que os autores trazem para o setor hoteleiro, seja para o alto executivo de um hotel de grande rede, seja para o proprietário de um pequeno e independente meio de hospedagem.
Os dados trazidos pelos veículos de comunicação e até mesmo por estudos científicos podem parecer controversos, justificando o presente alarde geral no mercado tradicional (Gyódi, 2017; Volgger et al., 2018). Akbar e Tracogna (2018), porém, alertam: a postura defensiva do mercado tradicional, que frequentemente protesta por medidas jurisdicionais e regulatórias para uma competitividade mais justa, pode trazer a falsa sensação de que seu maior problema se baseia em cobranças, taxações e obrigações desleais frente a uma atividade informal como a do Airbnb (Mody et al., 2017b). Entretanto, o que muitos empreendimentos ainda não compreendem com este rearranjo do mercado, é que a competitividade do Airbnb, mesmo que regulamentada, continuará sendo competitiva. O Airbnb continuará atraindo novos usuários por meio de seu modelo de negócios que busca a superação a cada dia, graças a um constante aperfeiçoamento e revisão de seus serviços, baseado em uma exímia gestão de dados de seus usuários e de uma continuada, cirúrgica e sensível análise de mercado. Guttentag e Smith (2017) revelam que “quanto mais os hotéis falham em perceber o Airbnb como uma ameaça, mais complacente será a sua resposta” (p. 6, tradução nossa), não se referindo somente aos hotéis mais vulneráveis, mas aos que estão entorpecidos por seu posicionamento vantajoso no mercado. Segundo os autores:
Embora haja limites para o nível de substituição dos hotéis pelo Airbnb, o processo de inovação disruptiva sugere que hoteleiros de categoria superior não deveriam estar contentes que os impactos do Airbnb até então estejam limitados aos hotéis econômicos e de médio porte, mas ao invés disso, deveriam visualizar estes impactos como um prenúncio para o futuro (Guttentag & Smith, 2017, p. 7, tradução nossa)
Estes resultados apontam para a necessidade do mercado tradicional ser mais proativo e mais consciente quanto ao seu posicionamento, passando a considerar o Airbnb como um concorrente páreo, mesmo regulamentado (Blal et al., 2018; Varma et al., 2016). Inserir o Airbnb como uma variável importante em pesquisas de mercado e em elaborações estratégicas de competitividade e precificação pode prevenir grandes surpresas e frustrações (Xie & Kwok, 2017). Além disso, para Gunter e Onder (2018), a penetração do Airbnb no setor de meios de hospedagem pode significar um estímulo necessário para a inovação na área da hospitalidade comercial. Este estímulo remete ao conceito de destruição criativa, que resume a importância de constantes ameaças de inovações para que o mercado tradicional possa se reinventar para manter a competitividade (Gunter & Onder, 2018). Os trabalhos citados a seguir mapeiam estas oportunidades de inovação para que o mercado tradicional invista em seu potencial de competitividade, estimulando seus pontos fortes e desenvolvendo seus pontos fracos (Guttentag & Smith, 2017).
A principal recomendação extraída dos trabalhos aqui citados é o constante investimento na autenticidade da experiência do hóspede (Birinci et al., 2018). Mody et al. (2017b) afirmam: “As experiências marcam o próximo passo na progressão do valor econômico, exigindo dos negócios a mudança do paradigma de um serviço focado em entrega para um paradigma que reconheça que o serviço é simplesmente o palco, e que os bens são acessórios para envolver os clientes de uma maneira pessoal” (p. 2378, tradução nossa).
Para oferecer uma experiência autêntica e para saber quais os acessórios ideais para cada tipo de hóspede e de viagem, é necessário um profundo entendimento dos mecanismos de engajamento entre este hóspede e as suas expectativas (Hajibaba & Dolnicar, 2017). Compreender os processos que levam um cliente a tomar decisões e quais os elementos que ele considera ao realizar uma escolha é crucial para definir estratégias competitivas, que podem variar de acordo com a proposta de cada estabelecimento (Aznar et al., 2018b). Entretanto, de maneira geral, é possível afirmar que todos os hóspedes valorizam e desejam ser tratados como pessoas, tendo suas necessidades e desejos reconhecidos. O entendimento destas necessidades e desejos, portanto, só pode ser alcançado por meio de um atendimento atencioso a estes detalhes.
Ao observar os pontos fortes do Airbnb em relação aos hotéis, ou seja, as dimensões de educação, senso de localidade e de comunidade, Mody et al. (2017b) percebem uma grande janela de oportunidade para os hotéis aprofundarem sua relação com seus clientes por meio do fortalecimento destas dimensões em seus produtos. Isto pode ser feito por meio de marketing de conteúdo, de valor agregado e de inovação na forma como o hotel se integra ao destino visitado. A percepção de seus hóspedes pode ser fortemente influenciada pela maneira como o hotel se comunica com a cidade onde está localizado, com os seus elementos culturais e sociais, e até mesmo com os seus próprios colaboradores, que frequentemente são moradores da mesma cidade ou de cidades próximas do meio de hospedagem. Em suma, investir nas dimensões de experiência pode contribuir grandemente com o potencial de competitividade não somente frente às hospedagens compartilhadas, mas inclusive frente ao próprio mercado hoteleiro tradicional. Os autores refletem que “a experiência do hóspede será central para o sucesso do hotel do futuro; gerentes hoteleiros se tornarão gerentes de experiências, e a experiência do hóspede se tornará um elemento crítico no valor imobiliário [...] as redes hoteleiras do futuro devem explorar modelos inovadores e disruptivos, que incorporam a economia compartilhada” (Mody et al., 2017b, p. 2390, tradução nossa).
Posto isso, pode ser determinante para um meio de hospedagem a proatividade em receber o hóspede de maneira mais amistosa e familiar possível, elaborando e oferecendo atividades que valorizem a cultura e a população local, e sempre fazendo-o sentir-se parte deste ecossistema (Hajibaba & Dolnicar, 2017). Criar oportunidades de experiências únicas e diferentes de outros meios de hospedagem em um destino, estimulando a criatividade e a co-criação do hóspede nestas experiências, são alternativas que dialogam diretamente com a busca por uma experiência autêntica (Dogru et al., 2017). Para Mody et al. (2017b), estas alternativas geram valor agregado para a hospedagem que vão além da acomodação, reforçando assim sua compreensão de que os meios de hospedagem são plataformas mediadoras para explorar e usufruir um destino turístico. Hajibaba e Dolnicar (2017) inferem que, no caso de meios de hospedagem mais econômicos, estimular a relação hóspede-anfitrião pode promover a mesma sensação positiva de familiaridade e clima domiciliar que o Airbnb. Tornar o anfitrião uma figura ativa durante a hospedagem, gerando oportunidades de convívio entre hóspedes e a cultura local em seu estabelecimento, oferecendo dicas e conselhos, dentre outros traços característicos do anfitrião doméstico, têm o potencial de personalizar a experiência do hóspede.
A experiência pode ser programada, planejada e replicada, mas o grande diferencial proporcionado por um meio de hospedagem é a forma como a experiência é executada. É neste momento que o conceito de hospitabilidade torna-se extremamente útil, pois ele é capaz de agregar autenticidade à experiência de hospedagem como nenhuma excelência em serviços poderia (Mody et al., no prelo). Investir nos fatores humanos do serviço de hospedagem, ou seja, em colaboradores hospitábeis, é um dos caminhos mais curtos para exercitar a hospitalidade em âmbito comercial. Inclusive, praticar a hospitabilidade se mostra uma forte tendência para os próximos anos, pois trata-se de voltar ao princípio do que se espera da hospitalidade. Por outro lado, deve ser levado em consideração a recomendação de Mody et al. (no prelo) de que os hotéis não devem buscar um padrão para o desenvolvimento de sua hospitabilidade, nem fixar os grandes e consolidados hotéis de rede de luxo como modelos.
Na verdade, o conceito de hospitabilidade compreende que esta precisa ser espontânea e genuína para ser real, portanto, o papel de cada hotel é identificar a sua própria identidade hospitaleira, e fazer dela a sua marca. Este processo envolve um profundo desenvolvimento da cultura organizacional da empresa, o que deve ser buscado desde o momento da entrevista de um possível colaborador. Constantes treinamentos e reciclagem dos colaboradores, bem como o exercício da criatividade e trabalho em equipe, podem contribuir grandemente para que a hospitabilidade da empresa seja aprimorada e comunicada de maneira natural. Em outras palavras, a grande marca do hotel não deve ser a sua logo, e tampouco a sua estrutura física, mas sim as pessoas reais que estão por trás dos serviços do dia a dia, proporcionando uma experiência única e autêntica, o principal ingrediente que os hóspedes atualmente buscam (Mody et al., no prelo).
Para além de características subjetivas, são citados atributos de infraestrutura e de tecnologias que podem auxiliar a representatividade dos meios de hospedagem tradicionais no mercado. Mody et al. (2017b) mostram como o Airbnb já busca atrair o segmento de turismo de negócios, portanto esta é uma considerável observação para as propriedades hoteleiras que ainda não possuem estruturas de captação deste nicho do turismo. Para Forgacs e Dimanche (2016), comunicar uma boa localização aos seus hóspedes pode fazer a diferença no momento de escolher sua hospedagem, além de fidelizar os clientes que buscam por localizações convenientes. Outra oportunidade para os hotéis é a de investimento em serviços em sua estrutura que não podem ser encontrados na maioria dos anúncios no Airbnb, como SPAs, academias, salas de cinema, dentre outros (Akbar & Tracogna, 2018).
A despeito de todos estes atributos, os autores afirmam que é imprescindível para a competitividade dos meios de hospedagem tradicionais que estes revejam suas estratégias para se adaptar e integrar ao mercado de rede virtual (Ginindza & Tichaawa, 2017). As tecnologias da informação e comunicação são propulsoras extremamente necessários para a divulgação de seus produtos e diferenciais, além de potencializar a captação de hóspedes por meio da internet. Dogru et al. (2017) recomendam que os meios de hospedagem possam comunicar melhor seus pontos fortes e diferenciais aos seus clientes, disponibilizando mais fotos de suas acomodações, de seus serviços e de sua infraestrutura em plataformas online e em canais de distribuição, como agências de viagens online. Investir em serviços de atendimento 24 horas, feedback virtual e reputação eletrônica, respondendo comentários de hóspedes em plataformas de avaliação, pode aumentar a credibilidade do meio de hospedagem quanto à sua qualidade, segurança e consistência em serviços (Prayag & Ozanne, 2018).
Acreditamos que estas recomendações sejam as mais adequadas para o mercado tradicional de meios de hospedagem, que enfrenta atualmente grandes desafios, não somente em termos de competitividade com iniciativas inovadoras como o Airbnb, mas em termos de captar um hóspede cada vez mais exigente. A despeito de reconhecermos que medidas de regulamentação sejam necessárias para salvaguardar todos os componentes deste mercado, também compreendemos os benefícios que estímulos como este podem proporcionar ao setor da hospitalidade comercial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES A OUTROS AUTORES
Este artigo teve a pretensão de realizar um estudo bibliográfico, por meio de uma revisão sistemática da literatura recente, a respeito do atual contexto do mercado de meios de hospedagem com a inserção de um novo modelo disruptivo baseado na hospedagem compartilhada, o Airbnb. Também buscamos elaborar implicações práticas para o setor de meios de hospedagem, em especial o mercado hoteleiro, que até então carecia de uma compilação fidedigna de estudos aprofundados e de dados concretos a respeito de um novo contexto mercadológico que se forma com o surgimento e rápido crescimento do Airbnb. Assim, acreditamos que este trabalho é uma contribuição para a construção de pontes notavelmente necessárias entre o conhecimento acadêmico e mercadológico.
A partir deste estudo bibliográfico, percebemos que não é possível estabelecer uma concepção homogênea dos impactos dos meios disruptivos de hospedagem, como o Airbnb, no mercado tradicional deste setor. Em muitos casos aqui citados, os resultados das pesquisas são convergentes, a despeito destas terem sido realizadas em lugares diferentes (Blal et al., 2018; Gunter & Onder, 2018; Zervas et al., 2017). Por outro lado, outros resultados e desdobramentos divergem entre si, já que em alguns locais o surgimento do Airbnb pode promover a gentrificação (Gutiérrez et al., 2017) e, em outros, pode estimular o turismo internacional (Ginindza & Tichaawa, 2017). Estes resultados comprovam a necessidade de se estudar os efeitos do Airbnb e seus exemplares a nível regional, e não global. A despeito de reconhecermos a importância do posicionamento do Airbnb como a empresa promotora deste desdobramento, cabem aos gestores públicos e aos conselhos de meios de hospedagem de cada região compreenderem sua própria conjuntura, para que as medidas a serem tomadas possam ser coerentes com suas necessidades e desafios enquanto destino turístico.
Com este trabalho buscamos estimular estas contribuições com base em outras perguntas que encontramos na trajetória deste trabalho, e que por restrições de recursos, não puderam ser respondidas. A primeira lacuna encontrada nesta revisão sistemática digna de citação é o fato de que, dos 35 artigos recuperados em nossa revisão sistemática, nenhum deles tratou da relação do Airbnb com o mercado de meios de hospedagem na América Latina ou no Brasil. Considerado um fenômeno mundial que suscita discussões por países que possuem considerável demanda turística, é surpreendente a escassez de pesquisas acerca do Airbnb e seus efeitos oriundas de um país com dimensões continentais e que possui destinos consagrados internacionalmente como o Rio de Janeiro. Portanto, torna-se impreterível a participação da comunidade acadêmica brasileira, em especial os pesquisadores de turismo, na exploração deste contexto e na contribuição de conhecimento categórico para o mercado, os planejadores do turismo e a sociedade em geral.
Além disso, podemos afirmar que há perspectivas de outras áreas de conhecimento que não foram identificadas nesta revisão sistemática. Prayag e Ozanne (2018) afirmam que poucos estudos foram realizados acerca do p2p como estilo de vida, e que há lacunas nos estudos comparativos entre o Airbnb, outros meios de hospedagem compartilhada e os meios alternativos de hospedagem, como hostels, bed & breakfasts e pensionatos. Em nosso trabalho, não identificamos nenhum destes temas mencionados, que podem ser considerados de igual importância para a compreensão de um cenário tão complexo. Sendo assim, é recomendável que haja contribuições qualitativas para esta área de estudo. Há muitos caminhos para serem desvendados acerca do comportamento humano e das formas de organização social que podem contribuir com a compreensão de fenômenos de alta aderência como o Airbnb.
Não obstante, nossa pesquisa possui algumas limitações. Como selecionamos a maior iniciativa em números da economia colaborativa no setor de meios de hospedagem, o Airbnb, não é possível inferir que os resultados sejam generalizáveis ao analisarmos a mesma relação a partir da perspectiva de outras iniciativas do mesmo nicho, como o Couchsurfing e o Homeaway. Outra limitação é a restrição aos artigos científicos, que pode ter excluído materiais importantes provenientes de teses e dissertações. Esperamos que em um futuro próximo estas limitações, bem como as lacunas mencionadas anteriormente, possam inspirar pesquisadores a se aprofundarem neste tema tão pertinente e atual.
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