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TURISMO E VALORIZAÇÃO DA TERRA: A COMUNIDADE SIBAÚMA-RN, BRASIL

Tourism and Soil Valuation: The Community of Sibaúma-RN, Brazil

VANESSA DE CÁSSIA TAVARES ANDRADE
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

TURISMO E VALORIZAÇÃO DA TERRA: A COMUNIDADE SIBAÚMA-RN, BRASIL

Rosa dos Ventos, vol. 12, núm. 1, pp. 24-42, 2020

Universidade de Caxias do Sul

Recepção: 11 Julho 2018

Aprovação: 16 Março 2019

Resumo: Este trabalho tem como objetivo revelar as estratégias de expansão, incorporação e apropriação de territórios pelo capital. O objeto de estudo é a comunidade Sibaúma, pertencente ao Município de Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte. Comunidade que em tempos pretéritos era constituída por negros fugitivos da escravidão, isolada, que suscitava até mesmo medo aos moradores vizinhos. No entanto, a partir da atividade turística está ocorrendo a valorização de terras e a presença de um processo de segregação socioespacial, enquanto as questões sociais não estão sendo atendidas. Para tanto, foram adotados, como procedimentos metodológicos, a análise da bibliografia que aborda esse tema, além de entrevistas não para mera ilustração, mas para corroborar com o debate.

Palavras-chave: Turismo, Valorização da Terra, Segunda Residência, Comunidade Sibaúma, Tibau do Sul-RN. Brasil.

Abstract: This paper aims to reveal the strategies of expansion, incorporation and appropriation of territories by capital. The object of study is the Sibaúma Community, Municipality of Tibau do Sul, Rio Grande do Norte. Community was made up of fugitives from slavery, isolated in former times, that even raised fear as neighbors. Nowadays, with the presence of tourist activity and social issues not met is occurring to land valuation and a process of socio-spatial segregation, while. For the study methodological procedures adopted were the analysis of the bibliography that addresses this theme and interviews to corroborate with the debate.

Keywords: Tourism, Soil Valuation, Second Home, Second Residence, Comunidade Sibaúma, Tibau do Sul-RN, Brazil.

INTRODUÇÃO

Desvendar a dimensão territorial, compreender como se dá a valorização, a produção e o uso dos territórios, incorporados à lógica capitalista de acumulação, é acompanhar as transformações dos territórios ao longo do tempo e auscultar as razões para tais mudanças. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo analisar as proposições e desdobramentos das segundas residências na comunidade de Sibaúma, pertencente ao Município de Tibau do Sul, no litoral sul do Rio Grande do Norte, localização entre os distritos de Pipa e Barra do Cunhaú, este pertencente ao município de Canguaretama. Limita-se ao Norte com os municípios de Arês e Senador Georgino Avelino; a Leste, com oceano Atlântico; a Oeste com o município de Goianinha e ao Sul, com os municípios de Vila Flor e Canguaretama.

Localização Comunidade Sibaúma, Rio Grande do Norte, Brasil.
Figura 1
Localização Comunidade Sibaúma, Rio Grande do Norte, Brasil.
Elaboração da Autora (2019) a partir de SEMURB (2006).

Trata-se de um espaço rural que vem, paulatinamente, se transformando através do advento de características urbanas, em face da associação de investimentos públicos e privados, tanto nacionais como estrangeiros. A comunidade de Sibaúma, em tempos pretéritos, fazia uso coletivo de suas terras, sua economia sendo baseada na pesca, caça e agricultura. A precariedade das estradas tornava o local de difícil acesso; quando os habitantes necessitavam de assistência médica, por exemplo, tinham que se deslocar, a pé, até as localidades vizinhas de Tibau do Sul e Goianinha. A comunidade de Sibaúma, de início, poderia ser considerada como tradicional, nos termos de Diegues (2004), que as designa como grupos humanos culturalmente diferenciados e que, historicamente, reproduzem modos de vida de forma mais ou menos isolada e com formas específicas de relacionamento com a natureza e uso sustentável do território. Era uma comunidade isolada que hoje, no entanto, tem sido bastante cobiçada.

Sendo assim, de acordo com que propusemos estudar, verificamos a História Oral como recurso metodológico que permitiu diminuir eventuais ausências de registros oficiais sobre o objeto de estudo. Além da metodologia supracitada, realizamos, também, uma pesquisa bibliográfica [através de livros, teses, dissertações, revistas, sites, arquivos locais], sobre trabalhos que remetem a questões referentes à temática e ao recorte espacial proposto. As entrevistas propiciaram o conhecimento aprofundado da comunidade de Sibaúma. De início, pretendíamos entrevistar somente as pessoas mais velhas da comunidade, que estivessem envolvidas no processo de formação e transformação da referida localidade ao longo dos anos, mas percebemos que Sibaúma, hoje, é constituída por uma população não tão idosa como pensávamos. Assim sendo, optamos por entrevistar, além dos idosos, famílias da comunidade de forma geral, pois somente as conversas e entrevistas com os mais velhos daria conta do levantamento a respeito das condições em que se encontra a comunidade atualmente.

Portanto, o primeiro passo foi o de efetuar consulta junto à Prefeitura de Tibau do Sul para verificar o número de famílias existentes na comunidade, para construir a amostra da pesquisa, já que o IBGE só fornece dados do município como um todo. Todavia, o que presenciamos foi um grande descaso da municipalidade em relação à comunidade, ao não consignar o cadastro imobiliário da referida localidade. Dessa forma, a estratégia para averiguação dos dados foi a de procurar o Posto de Saúde da comunidade, para saber o número de famílias atendidas. Segundo as duas auxiliares de enfermagem, residentes de Sibaúma, há aproximadamente 160 casas de famílias residentes, totalizando 900 pessoas. Destas, foram entrevistadas 32 residências de moradores locais. Do universo total de 68 casas, realizamos entrevistas em 16 casas de segundas residências, de forma aleatória.

Constatamos estratégias de expansão, incorporação e apropriação de territórios pelo capital. Como consequência de tal prática, está ocorrendo a valorização de terras e a presença de um processo de segregação socioespacial, através do estímulo à abertura de novos loteamentos, principalmente para construção de casas como segunda residência, visando o atendimento de uma demanda de nível socioeconômico mais elevado. As áreas, ainda disponíveis em Sibaúma, constituem-se em reserva de valor para realização da renda capitalista, sendo, portanto, mais um mecanismo de reprodução do capital. Neste sentido, para estudarmos as transformações socioespaciais provocadas pela valorização do espaço, recorreremos ao projeto do espaço social pensado por Santos (2006), através da perspectiva da produção capitalista do espaço, mediante a compreensão do processo histórico de formação, dos mecanismos e das ações dos atores sociais que produzem e consomem o espaço.

A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE PIPA E SIBAÚMA

A comunidade de Sibaúma tornou-se uma extensão territorial de Pipa, distrito também pertencente ao Município de Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte, em decorrência da expansão urbana da segunda. Sendo assim, é de fundamental importância verificarmos a relação entre ambos, uma vez que as transformações do espaço de Sibaúma estão diretamente relacionadas com o turismo intenso de Pipa. O crescimento de Pipa vem se verificando em função de interesses turísticos em face da sua localização privilegiada no litoral potiguar caracterizado como um lugar onde o sol, o mar e o clima proporcionam cenários perfeitos para o lazer e o descanso. É um lugar muito divulgado e seus territórios foram [re]construídos e transformados para novos usos e para novos agentes sociais. É caracterizado por crescente construção de hotéis, pousadas, restaurantes, bares, shopping, resort e segundas residências, que ocupam áreas antes habitadas pela população nativa.

Observa-se nitidamente, através das formas como foram realizadas as construções em Pipa, que a urbanização desta área foi consumada de maneira desordenada. Assim, já se torna notório a falta de espaços para construções, seja para empreendimentos turísticos, para moradia ou mesmo para outros fins, principalmente de locais com vista para o mar. Como resultado, observamos a anexação de outros territórios, vizinhos, como é o caso de Sibaúma. Desta forma, o território da comunidade transforma-se em um mercado ideal através da apropriação de terras pelo capital. Portanto, o turismo, em Pipa, assume o papel de comando na reprodução do espaço, promovendo uma forte distinção entre áreas, mudando todas as formas tradicionais de trabalho, que se operam naquele espaço, tido em tempos pretéritos como comunidade de pescadores, com pouco ou quase nenhum valor econômico, onde a tranquilidade reinava, não havendo problemas ambientais e sociais graves; os ‘donos’ do lugar era a população nativa (Araújo, 2002).

As transformações neste espaço passam por processos indicadores de novos e diferentes usos. Por exemplo, a área costeira da comunidade que servia a população local para pesca, lazer e moradia, hoje serve à população externa, a qual detém objetivos e propósitos muito diversos dos da população tradicional. Dentro dessa perspectiva, as “formas envelhecem por inadequação física, quando, por exemplo, ocorre o desgaste dos materiais. Já o envelhecimento social corresponde ao desuso ou desvalorização, pela preferência social de outras formas, permitindo que haja uma mudança brutal de uso” (Santos, 1991, p. 70). Ali estão sendo realizados novos loteamentos, cujos terrenos são vendidos para a construção de segundas residências, para outros propósitos turísticos ou mesmo como reserva de valor (Fig. 1 e 2).

Segundas residências para venda ou aluguel
Figuras 1 e 2
Segundas residências para venda ou aluguel
Autora, 2017

Para compreendermos as relações de poder, as transformações, as incorporações e apropriações que ocorrem no território em questão, teremos que averiguar a atuação dos sujeitos envolvidos no processo de reconstrução do espaço de Sibaúma. Esta comunidade era, precedentemente, conhecida como um reduto de negros fugitivos da escravidão, no qual os mesmos desenvolviam suas atividades, tradições e crenças, numa perspectiva isolada. Sibaúma transformou-se significativamente, pela sua proximidade com Pipa, constituindo-se, hoje, em um lugar de segundas residências e outros interesses turísticos, conforme já lembrado.

A hipótese é que o modo de produção, a apropriação, a reprodução e o consumo do espaço de Sibaúma seguem os interesses do capital hegemônico e as questões sociais, culturais e ambientais estão sendo negligenciadas, levando a problemas como a incorporação e apropriação territorial, segregação socioespacial entre segundas residências e empreendimentos turísticos, e as moradias da população local.

TURISMO DE SEGUNDA RESIDÊNCIA

Residência secundária ou segunda residência é um conceito amplo e complexo que, pela grande quantidade de termos associados - casa de praia, de veraneio, de campo, chalé, cabana, casa de temporada, casa de férias - para referir às residências de uso temporário, nos tempos livres, ainda, carece de um consenso terminológico. Neste trabalho optamos por ‘residência secundária’ ou ‘segunda residência’, por serem os mais comumente utilizados pelos pesquisadores que trabalham com essa modalidade de hospedagem. Enquanto definição, “a residência secundária caracteriza-se por ser um alojamento turístico particular, utilizado temporariamente, nos momentos de lazer, por pessoas que têm seus domicílios permanentes em outros lugares” (Assis, 2003, p. 112).

O turismo de residência secundária, no Brasil, surge na década de 1950, com a política nacional desenvolvimentista, responsável pela implantação das indústrias automobilísticas, pela criação de rodovias, pela ascensão de estratos sociais médios e urbanos. O descanso dos finais de semana, feriados e férias passaram, então, a fazer parte do valor social, sendo atrelados à ideia do turismo e do lazer, do descanso dos estresses cotidianos, ocasionando a valorização de territórios das zonas costeiras e/ou serranas (Becker, 1995).

Inicialmente, as segundas residências, quando incorporadas às estatísticas oficias do IBGE, eram contabilizadas como domicílios fechados, causando muitas dificuldades nas pesquisas sobre alojamentos turísticos, pois, muitos desses domicílios fechados constituíam-se como propriedades de agricultores que as ocupavam somente em dias de festas religiosas ou que serviam, apenas, como moradia em parte do ano, para trabalhadores temporários. Eram, também, ranchos de pesca pertencentes a pessoas da própria cidade, que não precisavam deslocar-se para outro município.

Com o passar do tempo, a ampliação da importância, bem como a valorização desse fenômeno, trouxe à tona a necessidade de rever de forma mais adequada esses tipos de moradia, diferenciando e separando-os dos imóveis fechados. Foi a partir do censo de 1991, no Brasil, que a categoria segunda residência passou a ser aperfeiçoada e relacionada ao turismo. As segundas residências, desta forma, passaram a ser identificadas como domicílios particulares de uso ocasional, que servem de descanso, lazer, geralmente, nos finais de semana, feriados e férias (Tulik, 2001).

O fenômeno de segunda residência tem, em geral, uma estreita relação com a busca por um espaço de lazer e descanso, sendo utilizada, em sua maior parcela, por indivíduos que vivem nos grandes centros urbanos, que buscam nas casas de campo e veraneio, chácaras de recreio, o descanso no tempo livre. Assim sendo, a segunda residência é um fenômeno associado ao turismo e está diretamente relacionada aos atributos naturais das paisagens - o mar, o campo, as montanhas, etc. - e a implementação de infraestruturas de equipamentos e serviços urbanos que facilitem o maior aproveitamento do tempo livre (Assis, 2003).

Em geral, as residências secundárias tendem a se estabelecer em áreas periféricas de grandes centros urbanos, áreas estas que, diante da expansão urbana, acabam sendo absorvidas pelos próprios centros urbanos, posteriormente. A extensão é facilitada pela proximidade e pelas infraestruturas ali instaladas. É o caso de Sibaúma, que se tornou uma expansão territorial de Pipa, com poucas áreas para construção. Esta expansão e o crescimento da demanda resultam não só do aumento populacional, mas se deve também ao aumento do tempo livre e dos períodos de férias, da renda excedente, da implementação de infraestrutura, assim como ao desejo de muitas autoridades locais de aumentar suas taxas e impostos fiscais, os quais provocam uma intensificação do uso do solo que facilita a especulação por parte dos promotores imobiliários (Assis, 2003).

A ocupação pelas segundas residências cria novo valor para o solo. A forte ligação com o setor imobiliário, no processo de urbanização, aumenta o valor do solo, causando um intenso processo de exploração nas regiões litorâneas (Coriolano, 2005). Essa valorização do solo, como poderemos averiguar mais adiante, é o principal problema que a comunidade de Sibaúma enfrenta atualmente. O crescimento de residências secundárias, associado à urbanização, é um fenômeno recente. “A expansão urbana e melhoria das vias de acesso definiram novas áreas de residências secundarias, ao mesmo tempo em que outras, mais antigas, se transformavam” (Tulik, 2001, p. 74).

Sendo assim, o aumento da presença de segundas residências pode ocorrer nas proximidades de locais onde já exista adensamento, havendo possibilidade de uma nova área de concentração de segundas residências, caso existam espaços livres, vias de transportes e atrativos. Esse fato é legitimo na área de estudo, visto que Pipa tem poucos espaços para construção de segundas residências, principalmente, com vista para o mar. Tal fato colabora para que áreas adjacentes de belezas paisagísticas sejam absorvidas como zonas de expansão turísticas, com apoio de políticas públicas.

Conforme Silva (2009), as segundas residências são indutoras de obra de infraestrutura básica, algumas vezes, responsáveis pela urbanização de áreas desabitadas ou pouco ocupadas. O autor acrescenta ainda que:

A residência secundária, embora de forma menos explicita, revela uma dependência em relação ao estado e sua atuação como promotor de ações benéficas ao mercado imobiliário. A construção de acessos rodoviários, iluminação pública, canalização de água, serviços de segurança e manutenção pública são exemplos de fortes atrativos ao capital privado interessado na construção de habitações turísticas, principalmente se esses serviços estão localizados em áreas destinadas ao turismo. A atuação do especulador imobiliário traz como consequência imediata a hipervalorização do solo, tendo como resultado a migração das populações tradicionais para áreas distantes (p. 4).

O turismo de segunda residência é um fenômeno associado ao processo geral da urbanização, ligado à expansão do tecido urbano, na busca por espaços com amenidades sociais e ambientais para prática do veraneio. Está relacionado, também, à urbanização capitalista na reprodução das lógicas urbanas tradicionais [segregação socioespacial, aumento do preço da terra etc.] nas áreas não-metropolitanas. Além disso, pode ser entendido como expressão socioespacial de grupos sociais de renda excedente, que buscam uma separação entre o espaço de trabalho e o espaço de consumo, isto é, pode ser associada a uma nova lógica de urbanização.

O turismo residencial se caracteriza por envolver a compra de uma unidade de moradia em uma urbanização particular, para viver parte do ano. As urbanizações particulares turísticas são uma forma de novos núcleos urbanos que se constituem afastados do núcleo tradicional: a cidade. Assim, a urbanização se inicia depois da atuação de um promotor que, em geral, compra o solo de uso agrário e o transforma em urbano, através de uma série de atuações legais que permitem, posteriormente, realizar a infraestrutura necessária para vender o solo para que se construam edifícios residenciais.

Assim, as regiões periféricas metropolitanas passaram a ser alvos dos especuladores imobiliários e das estratégias de marketing turístico que procuram valorizar os atributos naturais e culturais desses espaços, ofertando-os aos segmentos sociais específicos que dispõem de renda excedente para adquirir uma residência secundária (Assis, 2003). Portanto, as segundas residências se constituem em uma modalidade de alojamento turístico elitista, uma vez que pressupõem a disponibilidade de renda excedente, para os custos com a compra do terreno, a construção do imóvel, impostos, manutenção, serviços locais, deslocamento e tempo livre (Assis, 2003).

Além de ser um alojamento ligado ao lazer e ao turismo, a residência secundária, também, se apresenta como uma oportunidade de investimento rentável, pois, apesar dos custos de manutenção e, em geral, do baixo índice de frequência, já que permanecem fechadas grande parte do ano, as propriedades desses domicílios representam um ‘investimento em terras’, isto é, uma possibilidade de lucro futuro (Assis, 2003). Trata-se de um investimento que não oferece rentabilidade imediata, pois, sua venda está sujeita às leis de oferta e procura. Além disso, nem sempre esses imóveis são alugados, permanecendo vazios durante parte do ano (Tulik, 2001).

A expansão imobiliária, provocada pelo rápido desenvolvimento das segundas residências, provocou o aumento do preço do solo, contribuindo para o aparecimento de núcleos dispersos, desencadeando um urbanismo sem nenhum planejamento. A faixa de areia junto ao mar foi intensamente procurada para construção de segundas residências, fato que ocasionou a poluição das águas e das praias, o congestionamento de vias de circulação ao longo do litoral, além da privatização das praias em decorrência dos adensamentos de segundas residências e do comprometimento das qualidades cênicas. Na zona rural, o crescimento de segundas residências levou ao parcelamento da estrutura fundiária que, além de fragilizar a economia rural, causou o êxodo rural (Tulik, 2001).

O FENÔMENO DE RESIDÊNCIAS SECUNDÁRIAS NO LITORAL DO NORDESTE BRASILEIRO

As segundas residências se dão de forma desordenada ao longo do litoral brasileiro, pela falta de um plano de ocupação e de ordenamento territorial das cidades, nas décadas anteriores, acarretando sérios problemas territoriais com repercussões negativas para os municípios (Silva, 2009). O autor acrescenta que:

Áreas destinadas ao uso coletivo são apropriadas, beneficiando interesses privados. Como consequência da negligencia do estado no gerenciamento desses espaços públicos, surgem ruas estreitas, tortuosas, sem saída, ou que, simplesmente deixaram de existir, calçadas tomadas como extensão de residências privadas, canteiros, jardins e praças indevidamente transformados em propriedades de uso particular, áreas destinadas à drenagem pluvial loteadas sem controle dos gestores municipais, entre outros problemas (p. 12).

O autor ressalta a necessidade urgente de um plano diretor, a fim de ordenar a forma de ocupação das cidades. As políticas de gerenciamento e ordenamento dos Municípios devem atender, pois, às necessidades e aos interesses da coletividade, promovendo o exercício da cidadania e garantindo a todos o direito aos espaços públicos. Todo esse conjunto de princípios gerou, nas últimas décadas, uma grande valorização da rua com o espaço público essencial às cidades. A definição clara do limite entre os espaços públicos e os privados perdeu-se, em vários momentos, ao longo da história. As cidades europeias medievais, por exemplo, foram construídas por meio de uma constante apropriação da terra pública, originando a desordenação das ruas, normalmente estreitas e insalubres. É importante destacar que o espaço público, entendido com o espaço livre de circulação e acessibilidade, está em permanente transformação, submetido aos interesses dos gestores políticos, promotores diretos do espaço (Silva, 2009).

O papel dos poderes públicos estaduais e municipais no provimento de infraestruturas; a conservação dos recursos naturais em bom estado por não terem sido palco de atividades produtivas degradantes no passado; a existência de sol em quase todos os dias do ano; a presença de terras disponíveis a baixo preço em relação ao mercado europeu; a relativa proximidade com o continente europeu; e a tranquilidade do Estado, são condições que favorecem na escolha do Rio Grande do Norte como um lugar para a compra de um domicílio de férias no Brasil, seja para uso particular, seja para auferir lucros (Fonseca, 2007).

Boa parte da discussão dessa questão centra-se na excessiva dependência do financiamento público [municipal, principalmente] para prover a infraestrutura necessária à expansão dos investimentos desse novo segmento [turismo/imobiliário] em relação às receitas fiscais auferidas direta ou indiretamente dessa avalanche de investimentos (Silva, Sobrinha & Clementino, 2006). No Estado do Rio Grande do Norte, a residência secundária tem sido especulada como alternativa econômica para os grandes empreendedores do ramo imobiliário (Silva, 2009).

Essa lógica torna-se preocupante, uma vez que se afasta cada vez mais dos setores produtivos, pois, as taxas médias encontradas no setor imobiliário, têm um retorno mais certo. “A atual dinâmica do setor imobiliário possui uma forte relação com o setor turístico, principalmente, através de investimentos estrangeiros no setor residencial (Silva & Ferreira, 2007, p. 109).

A habitação para além de seu valor de uso transforma-se num produto financeiro, interessante em termos de aplicação de poupança ou investimento. No Rio Grande do Norte essa dinâmica imobiliária residencial global, europeia, tem assumido a forma de uma segunda residência, ora destinada às férias, em paraíso ensolarado, ora destinada à ampliação da renda doméstica pela possibilidade de arrendamento [aluguel] do imóvel durante todo ano (Silva et al, 2006). O ‘antigo turista convencional’ passa a administrar sua propriedade de forma a se capitalizar durante o restante do ano, contratando empresas de administração para lançar esse imóvel na oferta rentista (Silva et al., 2007). Este é um fato que podemos constatar na comunidade de Sibaúma, com os turistas estrangeiros que buscam se capitalizar com a compra de uma segunda residência. Há, também, os ‘turistas convencionais’, entendidos como aqueles que já possuem o imóvel há mais tempo em áreas de expansão da atividade turística e que buscam auferir lucros com essa modalidade de moradia.

O uso e o modo de ocupação do solo urbano por grupos de estrangeiros provocam sérias repercussões territoriais negativas, em razão das diferenças culturais entre os turistas e os moradores locais. A exploração massiva e sem planejamento do turismo residencial, em curto prazo, esgota os potenciais turísticos do lugar. As diferenças culturais e de poder aquisitivo podem resultar em conflitos e choques de valores, por causa da distinção entre os diferentes grupos de moradores: os locais e os estrangeiros (Tulik, 2001). Outro tipo de problema relacionado às segundas residências é a falta de compromisso com o lugar dos proprietários dessas moradias, pois, como as utilizam somente em alguns períodos, não se responsabilizam pelos cuidados com o lugar. Sendo assim, muitas vezes sujam, poluem e não tomam conhecimento dos problemas locais (Coriolano, 2005).

Compete ao poder público a regulamentação das atividades que produzem espaço, através de exames, licenciamentos prévios e autorizações, sendo da pertinência do Estado, controlar, direcionar, fiscalizar e compatibilizar os usos urbanos. Existem restrições de uso do solo nos litorais por serem constituídos de ecossistemas frágeis, de acordo com os planos diretores municipais e com a Lei de parcelamento do Solo Urbano. No entanto, essas leis, muitas vezes, só existem nos papéis, pois, os relatórios de Impactos ambientais [RIMAS] acabam sendo todos aprovados, sobrepondo os interesses privados, frente aos interesses coletivos. Sendo assim, “a especulação imobiliária segue desmatando, loteando dunas, aterrando mangues e lagoas” (Coriolano, 2005, p. 123). Muitas das edificações são construídas sob dunas móveis, muitas construções cercam algumas praias, privatizando, dessa forma, um espaço que é público.

É por isso que o Planejamento Urbano, antes de ‘perder sentido’, volta a ser fundamental, não apenas, para os polos urbanos principais, mas também para os municípios, que até pouco tempo eram isolados e mal tinham técnicos graduados em suas estruturas administrativas (Silva & Ferreira, 2007). Assim sendo, notamos que as segundas residências têm aumentado nos últimos anos, no litoral do Nordeste brasileiro. Por isso, torna-se necessário determinar as causas que tem caracterizado o aumento deste fenômeno, bem como as suas consequências e impactos territoriais nas comunidades locais.

SEGUNDAS RESIDÊNCIAS E O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO SOLO DA COMUNIDADE DE SIBAÚMA

No loteamento Sibaúma, entrevistamos os proprietários de 16 residências secundárias, do total de 68 casas, ali, existentes. A presença de residências secundárias em Sibaúma não é um fato recente, porquanto, os entrevistados já estavam estabelecidos naquela área há mais de 15 anos. Por outro lado, notamos que ocorreu um crescimento constante dessa modalidade de moradia na localidade. Tal fato nos levou a investigar as razões que levaram cada proprietário a comprar o lote e a construir suas casas de segunda residência na comunidade. As razões foram as seguintes: tranquilidade, investimento, vista para o mar, beleza natural, contato com a natureza, proximidade com a família, duas opções de banho [mar e rio] e preços acessíveis há vinte anos atrás.

Verificamos que a conjugação de todos os fatores destacados se volta para certas singularidades que a localidade apresenta, ou seja, a tranquilidade e as qualidades naturais da paisagem. Tendo em vista todas essas características singulares, percebemos que alguns proprietários consideraram a oportunidade da compra e construção das residências um investimento futuro, apesar de ser um alojamento ligado ao lazer e ao turismo. Deste modo, como colocam Silva et al. (2006), as segundas residências ultrapassam o valor de uso, transformam-se num produto financeiro, interessante em termos de aplicação de poupança ou investimento.

Salientamos que somente as características naturais não dariam a área um maior valor, pois a valorização de um lugar no espaço urbano é sempre relativa, uma vez que só pode ser, realmente, compreendida, levando-se em conta um conjunto de outros fatores. Ademais é preciso considerarmos que, ao se adquirir um determinado terreno na cidade, não se paga só pelo terreno em si, mas pelo conjunto das externalidades apresentadas por sua localização. Dessa forma, o que possibilita uma maior valorização na localidade estudada é a sua proximidade com Pipa, pois, os preços dos terrenos variam, também, em função dos serviços identificados em seu entorno.

Portanto, mesmo que Sibaúma não tenha grandes investimentos turísticos em termos de restaurantes, casas noturnas, lanchonetes, caixas eletrônicos e câmbio, entre outros, lhe é conferido um valor, em face da sua proximidade com Pipa, onde aqueles serviços existem em profusão. Um outro aspecto a ser salientado é a acessibilidade constituída por uma estrada asfaltada que liga Sibaúma a Pipa. Em suma, a acessibilidade e a localização são fatores importantes no processo de valorização e estruturação do espaço urbano. Por outro lado, a procura por terrenos em Sibaúma, segundo os corretores imobiliários, está relacionada à falta de terras disponíveis com vista para o mar em Pipa, o que sem dúvida, contribui para seu processo de valorização.

De acordo com Lefebvre (2001), bens que eram abundantes como água e ar puro, tornam-se, no contexto atual, cada vez mais raros, em especial, nas grandes cidades. Neste sentido, as amenidades naturais passam a ser valorizadas e tendem a se tornar cada vez mais raridades, conferindo a essas áreas valor de troca. Neste contexto, a natureza muda de definição, deixa de ter significados antigos como dotação de recursos ou como base da reprodução de grupos nativos. Ela passa a ser capital de realização atual ou de realização futura. “Reserva de valores, em alguns casos, como as grandes reservas de natureza dos países subdesenvolvidos, que são os que detêm o maior banco de rede de natureza para uso das tecnologias avançadas” (Becker, 1999, p.183). Em suma, para realização do turismo, o espaço, os lugares e a própria natureza são vendidos como mercadoria.

Ponderamos, ainda, que se de um lado as qualidades intrínsecas contribuem para uma maior valorização, de outro, é preciso observar as ações do poder público [Estado e poder local] no provimento de infraestruturas e serviços urbanos, bem como as ações dos indivíduos que produzem a cidade através do trabalho. O Estado, sendo responsável pelo provimento de boa parte dos serviços urbanos, desempenha um importante papel na determinação do preço do solo. Sempre que o poder público implementa qualquer serviço, como exemplo, uma estrada, melhora a localização e acessibilidade de parcela do solo na cidade, permitindo a seu possuidor elevar o seu tributo. As transformações realizadas pelo poder público serão aproveitadas pelos especuladores imobiliários, que elevam o preço dos imóveis, do solo, permitindo o acesso à terra somente à parcela da sociedade que possua poder de compra (Singer, 1979).

No Nordeste brasileiro, por exemplo, o Estado assumiu, a partir do início de 1990, a condução de um processo de adequação de territórios nordestinos a um uso turístico maciço e internacionalizado. Isso se deu por meio de um programa federal de financiamento, mas com forte envolvimento dos governos dos estados que constituem a região. Trata-se de uma política pública, instrumento do planejamento governamental, voltada à produção do espaço, sobretudo litorâneo, para o turismo, como é o caso do Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste [Prodetur/NE]. Por meio desse Programa, o Estado criou a materialidade requerida para um turismo maciço e internacionalizado, ou seja, melhorando as condições de fluidez do território, por meio da ampliação e modernização de todos os aeroportos da região, construindo novas estradas e pavimentando outras mais antigas, além de melhorar as condições de infraestrutura básica das antigas localidades, eleitas pelo Programa, com a implantação e ampliação de redes de coleta e tratamento de esgotos e água e distribuição de energia elétrica (Cruz, 2001).

No contexto de mercantilização do espaço vincula-se uma grande quantidade de atores sociais, principalmente, do setor imobiliário, pois, a valorização das áreas litorâneas tem aumentado o turismo imobiliário. Esta é uma nova forma que o mercado imobiliário encontrou para reestruturar-se, sem depender, diretamente, do financiamento público e sem depender das especificidades da economia local, isto é, da renda local. Essa modalidade de produção imobiliária está relacionada com a segmentação dos espaços [em práticas de lazer, ócio, descanso, alimentação, entre outros] e a possibilidade de novos capitais, advindos de investidores externos, sejam estes, grupos ou indivíduos (Cruz, 2001). Portanto, o investimento em uma segunda residência, além de representar um aproveitamento do tempo livre, um contato maior com a natureza, constitui reservas de valor para o futuro, sendo o caminho seguro para a preservação do capital acumulado.

Outro ponto relevante para caracterização das segundas residências, na área de estudo, diz respeito à origem dos proprietários dessa modalidade de moradia na área em apreço. A grande maioria dos proprietários é do próprio Estado do Rio Grande do Norte, sendo identificados alguns procedentes de outras unidades da federação. Constatamos, também, proprietários de origem estrangeira. Apesar de termos tido oportunidade de entrevistar somente um estrangeiro, em conversas com os segundos residentes e com a comunidade local, atestamos a existência de outras casas na comunidade de propriedade de estrangeiros com origens em Portugal, Espanha, França, Itália e continente africano, demonstrando que há procura de imóveis na comunidade pelos mesmos. Segundo Fonseca (2007), os motivos que levaram tais proprietários a comprar um domicilio no Estado, seja para fins turísticos ou para investimentos em terras, foram a existência de sol em quase todos os dias do ano, de terras disponíveis a baixo preço, em relação ao Euro, a relativa proximidade com o continente europeu e a tranquilidade observada na área em estudo.

Ressaltamos que há uma diferenciação de acordo com a localização dos terrenos das casas de segunda residência, localizadas no loteamento Sibaúma. Na parte do denominado Morro Vermelho, pela população local, ou seja, junto às falésias, com magnífica visão do mar, as casas existentes possuem alto padrão, diferente das casas que estão localizadas mais próximas à orla marítima (Fig. 3 e 4).

Segundas residência junto às falésias e próximas à orla marítima
Figura 3 e 4
Segundas residência junto às falésias e próximas à orla marítima
A autora, 2017.

A distribuição segundo as condições de ocupação da residência secundária no loteamento Sibaúma se configura importante pois, apesar de ter estreita relação com a busca de lazer, descanso e turismo, serve para contemplar outras finalidades, sendo uma delas a ampliação da renda do proprietário, em muitos casos estrangeiros, com alugueis para terceiros. O aluguel das casas pode ser observado pelas placas, indicando tal disponibilidade (Fig. 1 e 2). Observações realizadas no decurso das pesquisas de campo, permitiu identificar em lotes ocupados por segundas residências, a presença de pequenos apartamentos para aluguel, principalmente no mês de janeiro e por ocasião do carnaval.

Em relação à infraestrutura do loteamento Sibaúma, verificamos que a água nele utilizada é procedente de poços artesianos, cabendo ao proprietário a responsabilidade de construir um poço dentro do seu lote. A água utilizada não é submetida a qualquer tratamento. O esgotamento sanitário é realizado através de fossas sépticas e o lixo doméstico é recolhido pela Prefeitura de Tibau do Sul, duas vezes por semana. As casas do loteamento dispõem de energia elétrica, mas nem todas as ruas são servidas. Da mesma forma, algumas ruas são dotadas de calçamento e outras não. Apesar do loteamento Sibaúma não lograr a infraestrutura necessária, aquela que ali existe, ainda que incipiente, tem dotado aquele espaço de maior valor, aumentando o preço dos terrenos ou das casas que passaram a ser adquiridos por pessoas melhor aquinhoadas financeiramente.

Os transportes públicos, preferencialmente utilizados pela comunidade, são alternativos a que os proprietários de segundas residências recorrem em menor escala. No que tange à segurança, as entrevistas realizadas levantaram casos de drogas, brigas e arrombamentos nas segundas residências. Devemos ressaltar que a presença dos proprietários das segundas residências se faz sentir com maior relevância a partir da sexta-feira, após a jornada de trabalho semanal, explicando, portanto, o fato de termos enfrentado a dificuldade de encontrá-los no decorrer da semana, com a finalidade de entrevistá-los. Todavia, a vinda dos proprietários de tais segundas residências para Sibaúma não é, de uma maneira geral, frequente, pois, são poucos os que ali aparecem rotineiramente.

A presença de pessoas com um nível de renda mais elevado, dentro de uma comunidade de práticas tradicionais, como a de Sibaúma, proporciona mudanças significativas, através da introdução de práticas e representações muito diferentes daquelas vividas pelos moradores locais. Além disso, a construção de segundas residências e empreendimentos turísticos de hospedagem demanda para sua expansão e apropriação, a redefinição dos usos do solo. Esta reestruturação da área de estudo tirou a população local das suas terras, em favor de segundas residências e projetos de turismo da iniciativa privada. Desta forma, a atividade turística tem se apresentado como um importante instrumento de valorização do espaço.

De acordo com Harvey (1992; 2005), a disponibilidade local de recursos materiais de qualidades especiais, ou mesmo, a custos marginalmente inferiores, começa a assumir crescente importância, pois, o processo de reprodução do espaço, no mundo moderno, se dá cada vez mais através do processo de incorporação e valorização territorial, aumentando a acumulação de capitais criados, em grande parte, pelo mercado imobiliário. Sendo o sistema capitalista, dinamicamente tecnológico, por buscar sempre maior produtividade é, também, necessariamente expansionista.

O sistema capitalista é muito dinâmico e inevitavelmente expansível; esse sistema cria uma força permanentemente revolucionária, que incessantemente, reforma o mundo em que vivemos. A intensificação das atividades econômicas no meio urbano, inerentes ao processo de acumulação, torna-se condição necessária para o capital e para a sociedade encontrar formas para reproduzir-se. Tal processo exige frequentemente a agregação ou otimização de mais espaços, ociosos ou não, indicando que dinâmicas espaciais capitalistas, não ocorrem somente em seus limites, mas em espaços mais urbanizados e complexos (Harvey, 1980).

Na comunidade de Sibaúma essa valorização está atrelada a expansão das segundas residências e dos empreendimentos turísticos, que tem ocasionado a expropriação territorial e a desagregação dos moradores da comunidade. Assim, notamos nas falas de muitos moradores que os proprietários das segundas residências são vistos como externos aos moradores da comunidade e não trazem nenhum benefício à mesma. Como ficou bem evidenciado na fala de um morador da comunidade, entrevistado na pesquisa de campo:

Esse povo de fora não mantém nenhum vínculo com a gente, eles chegam entram para suas casas e a gente só os torna a vê-los quando entram no carro para ir embora. Frequentam muito pouco também e, quando vem passar final de semana, já trazem as pessoas para os cuidados caseiros. Não adianta de nada pra gente.

Pelo que pudemos depreender da população local, as segundas residências, além de ter ocupado espaços da população local, onde muitos residiam e tiravam seus sustentos através da pesca, há pouca geração de emprego e renda para a comunidade. É comum os proprietários trazerem consigo pessoas de seu conhecimento para os afazeres domésticos. Alguns poucos oferecem empregos fixos e diretos aos residentes, como por exemplo, de vigias. O comércio da localidade de Sibaúma não é procurado pelos moradores de segunda residência, os quais ou já trazem consigo o que necessitam ou buscam adquirir o que precisam em Pipa.

Registramos em Sibaúma o desrespeito à legislação ambiental, em virtude da retirada da cobertura vegetal para a construção, tanto de segundas residências, quanto para empreendimentos turísticos de hospedagem. Apesar de existirem restrições ao uso do solo nos litorais por serem constituídos de ecossistemas frágeis, de acordo com os planos diretores municipais e com a Lei de parcelamento do solo urbano, os Relatórios de Impacto Ambiental acabam sendo aprovados, beneficiando os interesses privados e prejudicando os interesses coletivos (Coriolano, 2005). Mesmo Sibaúma sendo constituída legalmente como Área de Proteção Ambiental, pelo município de Tibau do Sul, a legislação não é respeitada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível constatarmos que há, através do mercado de terras, um significativo interesse econômico, enquanto as questões sociais não estão sendo contempladas devidamente. Observamos que a população local tem abdicado das atividades tradicionais, antes desenvolvidas, optando por trabalhos sazonais de baixa remuneração, em virtude das transformações, que ora são identificadas na área em apreço. Constatamos a valorização das terras e, consequentemente, muitos terrenos estão sendo comprados como reserva de valor. A área costeira já foi, praticamente, adquirida, dando lugar, principalmente, às segundas residências ou está segurada como reserva de valor.

Observamos que a produção do espaço da área estudada tem sido marcada, fortemente, pelas estratégias de produção e reprodução capitalista. A expansão do turismo, da especulação imobiliária, em escala local, tem sido a causa que promove um processo de apropriação das terras por pessoas externas à comunidade, alterando a estrutura fundiária e os usos e a apropriação do solo.

A população local está à margem dos benefícios proporcionados pela valorização do solo deste lugar, aliadas a estratégias imobiliárias, que limitaram as possibilidades de uso do espaço pelos segmentos sociais de menor renda da localidade. O espaço tornou-se mercadoria, destinado à troca, o que significa que as apropriações de uso tendem, certamente, a se subordinar ao mercado.

REFERÊNCIAS

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