INTRODUÇÃO

A constante procura humana por novas experiências exige do turismo uma postura que incentive a inovação dos destinos. Nesse processo, como forma de gerar ou de potencializar o fluxo turístico, é preciso considerar a necessidade de renovação e recriação de atrativos por meio de aprimoramentos na infraestrutura comprometidos com os aspectos sociais e culturais que marcam o lugar. Dentro desse contexto, a imagem desempenha uma importante função para o turismo, pois se relaciona a aspectos mercadológicos capazes de transformar o destino em uma possibilidade atraente para turistas.

Imagens são produzidas e reproduzidas a todo o tempo e o acesso a elas ocorre através de diferentes mídias: cinema, televisão, internet, revistas e jornais, entre outras. Fictícias ou reais, as imagens estáticas da fotografia ou aquelas que estão em movimento numa produção audiovisual representam um fragmento da realidade, escolhido por quem as produziu. A imagem em movimento surgiu com o cinema proliferou para a televisão e, atualmente, está presente nas novas tecnologias de informação: esse tipo de conteúdo audiovisual é cada vez mais acessado por meio de computadores, tablets e smartphones. Mergulhado nesse universo, o telespectador é transportado para uma dimensão paralela onde emoções, memórias e sentidos são aguçados de acordo com seus interesses, necessidades, valores e visão de mundo (Gomes & Gonçalves, 2019). De modo geral, as imagens circulantes no meio audiovisual são capazes de promover um deslocamento simbólico, no qual o espectador se torna um viajante no mundo da ficção, ao acompanhar as personagens na ação dramática e se familiarizar com os locais percorridos por elas. Aqui, começa a ser estabelecida uma conexão entre a experiência fílmica e o turismo. Posteriormente, há a possibilidade de uma viagem real ser concretizada, pois, muitos são instigados pelo que viram na tela, o que inclui as paisagens e culturas divulgadas, o enredo, os artistas envolvidos e as sensações subjetivas experimentadas.

Este fenômeno, estudado pelo menos desde a década de 1990, é denominado de várias maneiras: turismo cinematográfico, turismo induzido por filmes, cineturismo e turismo televisivo, por exemplo. A associação feita, a princípio, entre filmes cinematográficos e turismo passou a abranger outros tipos de produções audiovisuais em diferentes mídias, contanto que atuem “como difusores da cultura, das paisagens e dos valores sociais das regiões e mesmo dos países onde foram produzidos” (Brasil, 2008, p.4). As pesquisas sobre o tema têm abordado diversos aspectos como, por exemplo, benefícios econômicos, impactos na comunidade acolhedora, produtos voltados para esse tipo de turismo e formação da imagem de destino (Beeton, 2001; Busby & Klug, 2001; Kim & Richardson, 2003). Entretanto, os casos estudados ainda estão restritos a determinadas partes do mundo, principalmente Reino Unido, Espanha, Estados Unidos, Nova Zelândia e Coréia do Sul. Ainda são escassos os trabalhos oriundos de outros lugares e que reflitam outras realidades sociais e econômicas, tais como aquelas que são próprias da América Latina.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática de literatura sobre artigos que relacionam <turismo e filmes>, que fazem referência ao contexto latino-americano, ou que tenham sido elaborados por autores filiados a essa região. Pretende-se, assim, identificar e apresentar um panorama sobre a produção teórica acerca do turismo induzido por filmes dentro do contexto analisado. Para isso, optou-se por investigar os trabalhos publicados em bases de dados: Portal de Periódicos Capes, Rede de Revistas Científicas da América Latina e do Caribe, Espanha e Portugal [Redalyc] e Rede Iberoamericana de Inovação e Conhecimento Científico [Redib]. A justificativa que fundamenta a seleção dessas três bases de dados será detalhada posteriormente, na metodologia deste estudo.

REVISÃO DE LITERATURA

O turismo é uma das áreas que mais cresce no mundo, sobretudo do ponto de vista econômico. Um estudo divulgado recentemente pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, 2019) evidencia a importância econômica da atividade que em 2018 representou 10,4% do PIB mundial, foi responsável por um a cada 10 empregos e registrou um crescimento de 3,9%, ficando atrás apenas do crescimento apresentado pela indústria manufatureira. Na América Latina, o setor do turismo é responsável por 8,7% do PIB, enquanto no Caribe essa participação aumenta para 15,5%, totalizando cerca de 400 bilhões de dólares movimentados nessas regiões. A relevante participação do setor na economia de países e municípios tem aumentado o interesse sobre novas formas de segmentação e atração de consumidores/turistas, visando ampliar e diversificar o potencial turístico de uma localidade. Concomitantemente, o desenvolvimento e a redução de custos nos setores de transporte e de comunicação gera o caminho inverso na medida em que a demanda por novos produtos turísticos está cada vez mais exigente. Afinal, o turista pode contar com mais informação sobre diferentes destinos, instigando sua busca por novas experiências.

É dentro dessa conjuntura que novas formas de se pensar a organização do turismo ganham força. Nesse sentido, Connell (2012) destaca o turismo induzido por filmes como um setor muito promissor, fato que se reflete na expansão de estudos sobre o tema a partir dos anos 2000, com a publicação de periódicos em edições especiais sobre o assunto, bem como a realização de conferências. Muitos desses trabalhos seguem perspectivas multidisciplinares ao contar com contribuições da geografia, da comunicação, da psicologia e do marketing, entre outras. São abordados assuntos diversos, que vão desde a análise do comportamento do turista cinematográfico, até a apropriação que o filme faz do destino. O turismo induzido por filmes diz respeito à forma como os longas-metragens, a programação da TV aberta e da TV a cabo, além do material audiovisual disponível na internet, possibilita uma visão do mundo, de lugares, costumes e culturas que transformam o imaginário social a ponto de fomentar, no espectador, o desejo de se tornar um viajante.

A relação com o turista potencial é baseada na máxima de que a localização observada no filme existe na realidade e pode ser contemplada e "experimentada" da mesma forma que foi no filme. O espectador tem assim a possibilidade de deslocar-se para o mesmo lugar que os personagens do filme, e interagir com ele como eles fazem. A atratividade como destino dependerá, portanto, do jeito que ela é "vista" pela câmera (a beleza, o charme e o interesse com o que o lugar é mostrado) e do poder das experiências vividas pelos personagens nela (quanto maior o poder, maior a fixação na mente do espectador e maior desejo de recriar ou viver pessoalmente) (Aertsen, 2011, s.p.).

Uma produção audiovisual pode estimular o turismo a partir de três vertentes principais, estejam elas associadas ou não: (a) o espaço geográfico onde foram realizadas as gravações, (b) a história contada e (c) personagens marcantes ou a presença de artistas consagrados. Macionis (2004) denomina essas três vertentes como lugar, personalidades e contexto editorial. Geralmente, as equipes de produção também são atraídas pelas mesmas razões, somando-se a elas possíveis incentivos econômicos que viabilizem a realização das gravações (Brasil, 2007). Desse modo, benefícios tangíveis e intangíveis são perceptíveis para os destinos que recebem as produções. O primeiro deles é imediato, decorrente da movimentação financeira gerada pela equipe de produção que utiliza serviços, equipamentos e pessoas do local. Em alguns casos, a partir da exibição da produção é possível observar, também, o aumento significativo no fluxo de visitantes. Outros benefícios são menos perceptíveis e de difícil mensuração, pois envolve a formação do imaginário turístico (Brasil, 2007) propagado por uma produção que tem amplo alcance geográfico, perdura por vários anos e em diferentes tipos de mídias.

Contudo, apesar do custo financeiro baixo ou até inexistente para o lugar que recebe a produção ser um atrativo para o desempenho da atividade, é preciso ressaltar os danos que sua divulgação pode gerar. Por um lado, nem sempre a imagem transmitida será positiva, podendo ocasionar sentimentos de insegurança ou perpetuar estereótipos, por exemplo. Quando é positiva, o incremento no número de visitantes pode ocasionar danos à população local, gerando problemas de tráfego, inflação da moeda, supervalorização de imóveis e problemas socioambientais, entre outros. Apesar disso, a experiência de países como a Nova Zelândia com a saga ‘O Senhor dos Anéis’ (2001-2003), de cidades como Barcelona com ‘Vicky Cristina Barcelona’ (2008), de complexos cinematográficos como os estúdios de Hollywood e de parques temáticos como Magic Kingdom e Universal Studios, entre outros, converge para uma associação frutífera entre filmes e turismo. Para prospectar produções audiovisuais e fomentar o turismo, diversas cidades do mundo já implantaram Film Commissions, que são organizações dedicadas à captação e viabilização de produções audiovisuais em seus locais de atuação.

Como pode ser observado, o turismo induzido por filmes apresenta uma gama de possibilidades de estudo, tendo avançado em diversos aspectos relacionados à motivação do turista cinematográfico, imagem e marketing de destinos, gestão da marca, etc. A partir de autores como Butler (1990), Beeton (2001), Busby e Klug (2001), Kim e Richardson (2003), Hudson e Ritchie (2006) e outros, o estudo realizado por Connell (2012) elaborou um mapa conceitual de estudos acadêmicos interdisciplinares com os principais temas de pesquisa, contribuições e lacunas nos estudos sobre o turismo induzido por filmes, sintetizados no Quadro 1.

Apesar dos avanços na construção de uma teoria acerca do turismo induzido por filmes, em geral o conhecimento sistematizado é fruto de estudos de caso, cujos resultados apresentam peculiaridades que dificilmente podem ser generalizadas. Além disso, há uma tendência na análise de filmes que são sucesso de bilheteria do cinema e que aumentaram o número de visitantes, desconsiderando outros tipos de produções audiovisuais, bem como os filmes de menor impacto. Outras limitações são apontadas por Connell (2012): amostras de estudo pequenas, incertezas quanto aos impactos quando se considera diferentes mídias, escassez de metodologias capazes de mensurar a extensão da demanda, entre outras. Inclui-se nesse rol, a geografia cultural das pesquisas divulgadas em língua inglesa – com exceção dos estudos realizados na Austrália e Nova Zelândia, toda essa produção teórica se concentra no hemisfério norte.

METODOLOGIA

Esta pesquisa caracteriza-se pelo levantamento do estado da arte por meio de uma revisão sistemática, de caráter bibliométrico e integrativo. Essa modalidade de revisão é utilizada para o levantamento e análise de publicações a partir de métodos sistematizados e explícitos (Clarke & Horton, 2001) de modo a possibilitar a replicação do estudo, bem como a integração de pesquisas publicadas sobre determinado tema. Esse método é para “mapear as origens dos conceitos existentes, apontar as principais lentes teóricas usadas para investigar um assunto e levantar as ferramentas metodológicas utilizadas em trabalhos anteriores” (Chueke & Amatucci, 2015, p. 2). Para tanto, o método implica em uma série de etapas a serem seguidas a partir da definição das perguntas da pesquisa. Chueke e Amatucci (2015) definem cinco passos para a realização desse tipo de revisão, sendo eles: (1) elaboração do protocolo de pesquisa estabelecendo quais perguntas serão respondidas a partir da leitura sistemática dos artigos; (2) identificação e seleção, a partir de critérios de inclusão e exclusão, dos estudos relevantes e que estejam alinhados à discussão proposta; (3) escolha dos artigos que serão analisados de forma exaustiva; (4) sintetização dos dados obtidos através de tabelas; (5) integração dos resultados obtidos, com a apresentação de análises que compare e contraste os dados, responda à pergunta e indique caminhos para pesquisas futuras.

No que concerne à análise bibliométrica, a realização desta implica no reconhecimento das três ‘leis’ que regem esse tipo de estudo: Lei de Bradford, que identifica os periódicos com maior vazão de estudos sobre um determinado tema; Lei de Zipf, que estima os temas mais recorrentes através da frequência das palavras-chave; e Lei de Lotka, que verifica o impacto da produção de um autor sobre determinado assunto (Chueke & Amatucci, 2015). Deste modo, a partir do objetivo de pesquisa proposto, optou-se por selecionar artigos a partir de quatro critérios: publicações presentes em base de dados com acesso a textos completos, idioma dos termos de busca, filiação dos autores e delimitação geográfica. Não houve delimitação temporal para a pesquisa. As bases de dados selecionadas para a busca foram o Portal de Periódicos Capes, Redalyc e Redib, todos disponíveis para acesso online.

O Portal de Periódicos da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] é uma biblioteca online brasileira que permite às instituições credenciadas o acesso livre a textos completos de 45 mil publicações periódicas nacionais e internacionais, além do acesso a bases referenciais, como Web of Science e Scielo, entre outras. Já a Redalyc [Rede de Revistas Científicas da América Latina e do Caribe, Espanha e Portugal] é uma base de dados gerenciada pela Universidad Autónoma del Estado de México [UAEM] e abrange um conjunto de cerca de 1.200 revistas científicas de acesso livre da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal, enquanto a Redib [Rede Iberoamericana de Inovação e Conhecimento Científico] é uma plataforma que agrega mais de 2.900 periódicos produzidos nos mesmos países e gerenciado pelo Conselho Superior de Investigações Científicas [CSIC] da Espanha. O que justifica a seleção dessas três bases de dados é o fato de esses sistemas agruparem amplo conjunto de periódicos de diversas áreas do conhecimento, não restringindo a busca aos periódicos de Turismo ou Comunicação, e contemplarem os idiomas português e espanhol. Na primeira base de dados os termos foram direcionados aos campos <título> e <assunto>, enquanto na segunda e terceira os descritores foram utilizados no campo de busca <artigos> e <artigos e revistas>, respectivamente. A escolha pelo não uso da língua inglesa, idioma predominante na publicação de artigos científicos internacionais, foi deliberada, visando identificar e diferenciar a produção científica dos países da América Latina e Caribe, da produção realizada em outros países.

A pesquisa foi realizada nos meses de julho e agosto de 2019, utilizando-se, inicialmente, os termos de busca <turismo cinematográfico>, <cineturismo>, <turismo e cinema> e <filme e turismo> com as grafias em espanhol e português. Posteriormente, por compreender-se que a teoria em construção sobre o turismo induzido por filmes refere-se não apenas à produção cinematográfica, como também à produzida e divulgada em outros meios e plataformas de Comunicação, foram incluídos os termos <turismo e audiovisual>, <meios de comunicação e turismo> e <mídia e turismo>, no intuito de observar se essa relação está sendo estudada também em outros tipos de filmes, como o publicitário, jornalístico, entre outros. Dos artigos que corresponderam aos termos de busca foram selecionados para a amostra apenas aqueles que tinham como objeto de análise o contexto da América Latina ou do Caribe, ou, ainda, os trabalhos publicados por autores com filiação latino-americana, considerando para isso os dados de vinculação institucional da autoria, contidos nos artigos publicados. Assim, inicialmente foram identificados 251 artigos na Redalyc, 196 no Periódicos Capes e 501 na Redib, dos quais foram selecionados 16, 62 e 58 artigos de interesse, respectivamente, que atendiam aos critérios estabelecidos. A Tabela 1 apresenta os resultados da busca por palavra-chave e repositório.

Dos 136 artigos inicialmente incluídos na amostra, 85 foram excluídos por se tratarem de duplicações, tanto de artigos que apareceram em mais de um termo de busca, quanto de artigos presentes em mais de uma base de dados, restando 51 artigos submetidos a uma análise mais criteriosa de conteúdo e abordagem do tema. A partir da leitura exaustiva dos estudos selecionados foram excluídos, ainda, 20 artigos por tratarem de outras mídias que não a audiovisual e 3 por referirem-se a filmes que discorrem sobre o turismo, relações distintas da proposta neste estudo. O Quadro 2 apresenta as informações dos periódicos onde os artigos foram publicados, o ano e a relação de autores dos 28 artigos selecionados para o estudo de acordo com os critérios adotados.

Uma vez definidos os artigos a serem analisados, procedeu-se com a leitura e o levantamento de informações. Buscou-se compreender as perspectivas presentes em trabalhos acadêmicos no contexto da América Latina e Caribe que abordassem o filme ou produção audiovisual como possíveis indutores do turismo. Os artigos foram revisados considerando variáveis quantitativas, que permitiram a análise bibliométrica, e aspectos qualitativos, que possibilitaram a apreensão do estado da arte sobre o tema. Os resultados deste estudo são apresentados na próxima seção

TURISMO INDUZIDO POR FILMES NA AMÉRICA LATINA: O ESTADO DA ARTE

Esta seção de resultados está pautada na análise dos artigos que compõem a pesquisa. A Tabela 2 fornece uma visão geral sobre a divulgação dos estudos produzidos no contexto da América Latina ou por autores latino-americanos no cenário internacional, considerando a restrição do idioma como fator de análise. Nos repositórios pesquisados, foram identificados 28 artigos em castelhano, espanhol ou português que estabelecem conexões entre produções audiovisuais e turismo.

Por um lado, tem-se a tímida ressonância desses estudos para além dos países da América Latina, considerando que apenas três artigos, cerca de 10%, foram publicados em revistas da Espanha e Portugal, mesmo o idioma não sendo, nesses casos, um fator limitante para a publicação. Por outro lado, dentro da própria região latino-americana, apenas cinco países aparecem com alguma publicação, sendo o Brasil o país de destaque considerando que 54% do total de trabalhos foram publicados em revistas nacionais. Apesar da participação dos periódicos brasileiros, o idioma espanhol está presente em 54% das publicações, superando, assim, a língua portuguesa.

Em relação à autoria, 57% dos trabalhos foram realizados em regime de cooperação (Tabela 3) e alguns autores se repetem nos trabalhos: Perinotto (2011, 2013, 2016), Silva (2011, 2013), Moreira (2011, 2013), Gândara (2011, 2015) e a parceria de Monteros et al. (2012, 2013). Há que se destacar, no entanto, que quase metade dos artigos [12, dos 28] foi publicada por um único autor. Nenhum pesquisador apareceu mais de três vezes, sinalizando para uma dispersão de autores distribuídos em um número pequeno de artigos. Esse fato corrobora um dos preceitos assumidos pela Lei de Lotka que trata da participação de um elevado número de autores a apenas um artigo, enquanto um pequeno número de autores é responsável por desenvolver de forma significativa a produção científica sobre determinado assunto (Júnior, Souza, Palmisano, Campanário & Parisotto, 2014).

Quanto ao impacto da publicação, mensurado através do número de citações recebidas ao longo do tempo, foi identificado, através de pesquisa realizada via Google Acadêmico, que 17 artigos (61%) foram citados ao menos uma vez. Na Tabela 4 são apresentados os cinco artigos com maior número de citações em números absolutos e relativos. O artigo de Castillo-Palacio e Castaño-Molina (2015) intitulado “La promoción turística a través de técnicas tradicionales y nuevas - Una revisión de 2009 a 2014” aparece como o mais citado.

Apesar das publicações relacionando turismo e filmes no cenário internacional datarem dos anos de 1990, no contexto latino-americano só foram encontrados registros quinze anos depois, em 2005, conforme os parâmetros utilizados para a busca. O Gráfico 1 apresenta dados quanto à periodicidade das publicações. Nota-se que há uma regularidade de publicações sobre o assunto desde o ano de 2011, mesmo que seja modesta, com pelo menos um artigo publicado por ano

As áreas de formação dos pesquisadores estão concentradas nas ciências sociais e humanas. Dos 47 autores diferentes encontrados, 40% indicaram o turismo como uma das áreas de formação, seguido pela comunicação, com 19% das respostas. História (com 6%), Administração, Artes, Geografia, Letras e Sociologia (com 4% cada) e Antropologia, Arquitetura e Urbanismo, Ciências da Informação, Ciências Sociais, Economia e Museologia (com 2% cada) completam o rol de áreas de formação. Em 11% dos trabalhos os autores têm origem espanhola e, em outros 11%, a autoria é dividida por pesquisadores latino-americanos e pesquisadores de outras nacionalidades, indicando o interesse de profissionais externos ao contexto geográfico. O Gráfico 2 apresenta a distribuição dos autores de acordo com o país de filiação.

Quando se compara o país de filiação dos autores com o país de publicação, aproximadamente 54% dos trabalhos foram publicados nos mesmos países em que foram produzidos. Entretanto, se os trabalhos elaborados por pesquisadores brasileiros não forem contabilizados, o percentual cai para 27%, sinalizando uma menor internacionalização dos estudos realizados no Brasil quando comparado aos demais países do estudo, pois apenas 15% dos estudos sobre o tema, realizados no país, foram publicados em periódicos internacionais.

Diversos foram os destinos turísticos pesquisados, sendo em alguns casos estudado um único destino e em outros casos, múltiplos. Em 24 trabalhos foram encontradas referências a países, que são apresentados no Gráfico 3, e 19 artigos fizeram referência a pelo menos uma cidade ou região, como pode ser observado no Gráfico 4.

Novamente, o Brasil aparece como país de destaque, dessa vez como destino turístico mais investigado, tanto quando se considera o país mais estudado, como quando se considera a cidade mais estudada: a capital do Rio de Janeiro.

No tocante aos periódicos onde os trabalhos foram publicados, destacam-se Rosa dos Ventos (Brasil) com seis publicações, Estudios y Perspectivas em Turismo [Argentina] com quatro e Turismo: Estudos & Práticas [Brasil] com duas. Juntos, esses periódicos representam 43% do total de publicações, o que confirma a Lei de Bradford, em que poucos periódicos são responsáveis pela maior parte das publicações. Conforme destacado por Júnior et al. (2014), a Lei de Bradford prevê que periódicos que apresentam um maior número de publicações sobre um determinado tema geram no contexto editorial um núcleo de discussões referente ao assunto, incentivando outros pesquisadores a submeterem novos trabalhos, tanto nesses periódicos quanto em outros, ampliando a dispersão das produções. Situação que se confirma neste estudo, tendo em vista que as demais revistas tiveram apenas um artigo publicado sobre o tema. Por se tratar de um tema interdisciplinar, o turismo induzido por filmes é abordado sob diversas perspectivas, fato que se reflete nos eixos temáticos dos periódicos onde foram encontrados estudos, como pode ser visualizado no Gráfico 5.

Sobre o uso de palavras-chave, ao todo foram identificados 71 descritores, sendo que um artigo não utilizou termos de indexação. <Turismo>, <Cinema> e <Imagem> foram os termos mais frequentes, aparecendo 15, 8 e 5 vezes, respectivamente. Esses três termos basicamente resumem a teoria aqui estudada, que tem na imagem reproduzida através do cinema ou outras mídias um fator que pode induzir ao turismo. A Figura 1 apresenta as palavras-chave encontradas nos estudos.

Em posição adjacente, encontram-se os termos <Turismo Cinematográfico> com três aparições e <Mídia>, <Promoção Turística>, <Destino Turístico>, <Cidade>, <Publicidade>, <Imaginário>, <Marketing> e <Meios de Comunicação> com duas cada, podendo esses temas serem considerados de interesse e indicar as possiblidades de novos estudos. Convém destacar a importância de se conhecer as palavras-chave mais utilizadas para tratar de determinado assunto, conforme estabelece a Lei de Zipf, tendo em vista que elas são utilizadas na indexação dos artigos, ampliando as possibilidades do trabalho ser encontrado em pesquisas futuras.

Uma das funções desempenhadas pelas palavras-chave é servir como um elemento central na formulação de questões e problemas de pesquisa, delimitando o escopo do estudo. Além disso, é a partir delas que é realizada a busca pelo conhecimento existente na literatura científica de modo a erigir um arcabouço teórico que sustente a investigação proposta. Portanto, a definição das palavras, a sua grafia e o idioma utilizado são essenciais na escolha dos estudos e, consequentemente, dos autores, que serão eleitos para o diálogo entre a literatura existente e a pesquisa em andamento. Por esse motivo, buscou-se averiguar neste estudo aspectos concernentes às referências bibliográficas utilizadas nos artigos selecionados. A primeira análise, apresentada na Tabela 5, consistiu no levantamento da participação proporcional de referências latino-americanas considerando, para tanto, o total de obras citadas em cada artigo.

De acordo com os dados encontrados, aproximadamente 61% da amostra teve, prioritariamente, como fonte de informações a produção acadêmica realizada no contexto da América Latina, apresentando percentuais superiores a 51% de participação. Apenas sete trabalhos tiveram um percentual inferior a 25% de participação. Quanto à atualização das referências, 93% dos trabalhos apresentaram como referência mais atual ao menos uma publicação de até cinco anos.

Ao todo foram citados 580 trabalhos, sendo as obras mais citadas: ‘O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas’, de John Urry (2001), 8 vezes; ’Estudo de Sinergia e Desenvolvimento entre as Indústrias do Turismo & Audiovisual Brasileiras’, de Brasil (2007); ‘Cineturismo’, de Martins e Nascimento (2009); e ‘Turismo, imagens e imaginários’, de Susana Gastal (2005), 5 vezes. Destaca-se que esses autores, junto com Philip Kotler, Simon Hudson e J.R. Brent Ritchie foram os autores mais citados nos artigos analisados, isso quando se considera não apenas um trabalho, mas o conjunto da obra, ou seja, todas as vezes que os pesquisadores foram listados nas referências na posição de primeiro autor bem como o número de estudiosos diferentes que realizaram a citação. Sobre a relação de obras e autores mais citados é possível fazer algumas considerações. Inicialmente, observa-se que duas das quatro obras mais citadas tratam especificamente do turismo induzido por filmes e três delas são de autores brasileiros, fato este, possivelmente, um reflexo da própria composição da amostra do estudo. Além disso, entre os pesquisadores mais citados encontram-se autores reconhecidos mundialmente, tanto do turismo [John Urry] quanto do marketing [Philip Kotler]. Dentro desse contexto, os nomes de Simon Hudson e J.R. Brent Ritchie se sobressaem como os únicos autores de língua inglesa que trabalham com a temática a comporem a lista dos mais citados.

Em relação ao foco dos estudos e principais temas de pesquisa, elaborou-se uma síntese tendo como ponto de partida o Quadro 1, apresentado no referencial teórico. A partir da análise dos 28 artigos foi possível observar diferenças significativas no que compete ao patamar alcançado pela literatura científica latino-americana em comparação à divulgada em língua inglesa, principalmente em relação à abrangência de assuntos discutidos na região. O Quadro 3 traz o foco e as principais conclusões dos estudos que tiveram como tema <impactos no destino> e <construção cultural do turismo cinematográfico>. Conforme pode ser observado no Quadro 3, para o tema <impactos no destino> foram identificados dois estudos, classificados no assunto “escopo da ocorrência e efeito do turismo induzido por filmes”. Os trabalhos de Souza e Silva (2016) e Ruiz (2018) analisam os impactos da atividade no destino receptor, sendo que o primeiro identifica aspectos positivos, como melhoria de infraestrutura, enquanto o segundo tece críticas com relação às consequências negativas da movimentação de turistas motivados por filmes comerciais. Entre essas críticas, pode ser mencionado o comprometimento da relação do turista ou do cidadão com a própria cidade, ou pelo fato de outro contexto citadino – aquele que foi exibido nas telas – parecer ser mais interessante, ou por que a cidade está colapsada por visitantes, ficando impossível usufruir os espaços turísticos.

Não foram encontradas, na amostra do estudo, discussões referentes aos outros assuntos levantados por Connell (2012): implicações das filmagens e do turismo induzido por filmes para as comunidades e pequenos negócios, meio ambiente e questões de patrimônio, impactos econômicos, o papel do filme nas cidades, cidades criativas e festivais de cinema. O número incipiente de artigos que trabalham com essa temática não reflete o que ocorreu na produção acadêmica desenvolvida em língua inglesa. Conforme destaca Connell (2012), as primeiras pesquisas que deram origem à teoria do turismo induzido por filmes, tinham por objeto, justamente, averiguar os impactos, principalmente econômicos, para o destino que recebia o fluxo de visitantes.

Dentro da temática <construção cultural do turismo cinematográfico> foi possível classificar dois artigos vinculados ao assunto <autenticidade e interação entre ficção e realidade>. A publicação de Almeida (2014) trata da autenticidade construída no filme ‘Meia-Noite em Paris’ (2011), discutindo a narrativa propositalmente elaborada para criar um imaginário urbano acerca do lugar que pudesse potencializar a atividade turística. Associação semelhante foi encontrada por Luna e Godoy (2012), onde o cinema faz um recorte do espaço favela, que é apropriado pelo turismo que tem, também, sua própria leitura do lugar. Já Mariño (2017) identificou, desde os anos de 1930, a <representação do patrimônio e costumes> com a reprodução de espaços urbanos e números musicais na produção do cinema nacional e de filmes de Hollywood. Outros temas abordados por Connell (2012) tratam da demanda turística, imagem e marketing de destinos, que são apresentados no Quadro 4. Em relação à <demanda turística>, o único trabalho encontrado foi o de Simon et al. (2016), onde há um <reconhecimento de demanda> de consumidores de animes [desenhos animados] e mangás [revistas em quadrinho típicas da Ásia]. Não foram identificados estudos que tivessem como foco o reconhecimento de perfis de turistas, avaliação da influência do filme sobre as motivações para conhecer um destino, associações com celebridades e possibilidades de segmentação.

Quanto à associação do turismo induzido por filmes ao Marketing, Hudson e Ritchie (2006) percebem a produção de filmes como uma importante estratégia mercadológica para um destino, destacando oportunidades na estreia, na distribuição e entre as janelas de lançamentos em distintos formatos [cinema, DVD, TV, dentre outros]. Nesse sentido, os artigos analisados reconheceram a força mercadológica dos filmes para os destinos (Castillo-Palacio & Castaño-Molina, 2015; Silva et al. 2011, 2013; Aertsen, 2011), perpassando por questões de branding (Marroquín-Ciendúa & Alvarez-Ruiz, 2019) e iniciativas de marketing de destino (Costa, 2016; Ronquillo, 2016). Contudo, não foram encontrados trabalhos que discutissem marketing para produtores de filmes e estratégias de Film Commissions.

O último tema encontrado nos artigos analisados trata dos relacionamentos entre “turismo, lugar e mídia”, conforme foi organizado no Quadro 5 a seguir.

Dentro do escopo de <mídia, poder e espaço> foram encontradas duas vertentes de estudo: a primeira delas direcionada a pesquisas que abordaram o uso do cinema como um promotor do turismo fomentado através de políticas públicas (Pino & Robayo, 2011; Maronna, 2012); e a segunda voltada para exibição de matérias jornalísticas e o impacto que causam nos destinos (Hack Neto et al., 2011; Moraes et al., 2015; Silva et al., 2016).

O campo <cinematografia, representação do lugar e simbolismo> abarcou os trabalhos de Savigliano (2005), Lacruz (2015), Lopes et al. (2017) e Ferreira (2011) que analisaram obras cinematográficas, as retóricas visuais e os discursos que reforçam estereótipos, mas alimentam o imaginário turístico. Relação semelhante é encontrada na pesquisa de Codina (2011) que argumenta como cineasta, <filme, turismo e lugar> se relacionam. Vélez Rivas (2017) discute o aumento do fluxo de turistas como uma consequência da <midiatização do olhar do turista>, através de diversos meios de comunicação. Por fim, em relação ao tema <experiência do turista de filmes>, este não foi incluído na discussão de resultados por não ter sido encontrado investigações que tratassem dos assuntos elencados no Quadro 1.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou levantar o estado da arte sobre o turismo induzido por filmes no contexto da América Latina e Caribe, através de uma revisão sistemática de caráter bibliométrico e integrativo. Com uma amostra de 28 artigos foi possível identificar, a partir do ano de 2011, uma regularidade de publicações sobre o assunto, com ao menos um artigo publicado por ano. Levando em consideração as bases de dados utilizadas na presente investigação, foi possível constatar uma falta de consolidação da teoria, bem como a ausência de autores referência nos artigos publicados em periódicos sobre a temática <turismo induzido por filmes> na América Latina. São inúmeras as lacunas que permitem investigações futuras, tais como: o impacto da produção de filmes que associem o destino a aspectos negativos, como violência ou crimes; a identificação dos fatores motivacionais para o turista induzido por filmes nesse contexto; o impacto nas chegadas de turistas decorrentes das produções audiovisuais latino-americanas, entre outras perspectivas que possam contribuir para a formulação de uma teoria aplicável para a América Latina e Caribe.

Entre as limitações deste estudo, pode ser mencionado o fato de ter sido analisado apenas o material disponível nos periódicos vinculados às bases selecionadas, não tendo sido incluídos livros, anais de eventos e monografias, por exemplo. Além disso, a escolha do idioma nos termos de busca restringiu as análises aos artigos publicados em português e espanhol, que são duas das principais línguas utilizadas na produção acadêmica latino-americana e caribenha, em geral.

Ressalta-se que apesar da tentativa de classificar os artigos selecionados para o corpus da pesquisa dentro de uma estrutura preestabelecida, se reconhece a possibilidade de sobreposições de temas e assuntos, sendo a estrutura aqui proposta apenas uma entre inúmeras possíveis. Nesse sentido, espera-se que este estudo estimule o desenvolvimento de novas pesquisas que tratem do turismo induzido por filmes, considerando o potencial de divulgação da região latino-americana para além dos cenários de praia e sol, com a cultura de seus povos, suas paisagens naturais e sua arquitetura.

REFERÊNCIAS

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