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Inovação tecnológica em saúde: o CAPS transformando o modelo assistencial

Technical innovation in health: transforming the welfare model

Estela Capelas BARBOSA *
University College London, Reino Unido de Gran Bretaña e Irlanda del Norte
Flávia Mendes de OLIVEIRA **
Brasil

Inovação tecnológica em saúde: o CAPS transformando o modelo assistencial

Argumentum, vol. 10, núm. 1, pp. 180-197, 2018

Universidade Federal do Espírito Santo

Recepción: 09 Enero 2018

Aprobación: 27 Marzo 2018

Resumo: A ideia principal deste trabalho é refletir sobre a importância da incorporação de novas tecnologias em saúde para a transformação das políticas públicas de saúde. A discussão será pautada na incorporação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) pela Política Nacional de Saúde Mental, enfatizando a sua relevância para a consolidação do processo brasileiro de Reforma Psiquiátrica. Pretende-se averiguar de que forma a incorporação desta tecnologia em saúde impactou na transformação do modelo de atenção em saúde mental até então vigente. O objetivo geral deste estudo é analisar as contribuições e influências da incorporação do CAPS para a efetivação do processo de Reforma Psiquiátrica, tendo como consequência a inversão do modelo assistencial. O desenvolvimento deste trabalho se deu por meio de revisão bibliográfica, com identificação, sistematização da produção e análise crítica sobre o tema.

Palavras-chave: Tecnologia em Saúde, Centro de Atenção Psicossocial, Reforma Psiquiátrica, Financiamento.

Abstract: This paper discusses the importance of incorporating new healthcare technologies for the transformation of public health policies. The discussion is guided by the forming of Centers for Psychosocial Care (CAPS) under the National Mental Health Policy, emphasizing its relevance to the process of consolidation of the Brazilian Psychiatric Reform. We intend to investigate how the incorporation of this technology in the transformation of the health impacts on the mental health care model which had prevailed until then. The study analyzes the contributions and influences of the incorporation of CAPS on the realization of the psychiatric reform process, resulting in the reversal of the care model. The development of this work is based on literature review and identification and systematization of the literature on the subject and its critical appraisal.

Keywords: Technology in Health, Psychosocial Care Center, Psychiatric Reform, Financing.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como ideia central a reflexão sobre a importância da incorporação de novas tecnologias em saúde para a transformação das políticas públicas de saúde. Para balizar essa discussão, será abordada a incorporação do dispositivo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) pela Política Nacional de Saúde Mental e sua importância para a efetivação do processo brasileiro de Reforma Psiquiátrica. Espera-se responder de que forma a incorporação desta tecnologia em saúde impactou na transformação do modelo de atenção em saúde mental até então vigente.

Os CAPSs têm sido objeto de inúmeros estudos no campo da saúde mental desde o seu surgimento no final da década de 80. Este dispositivo inovador, que nasceu no bojo da Reforma Psiquiátrica, tem a proposta de ser substitutivo ao modelo manicomial, vigente naquele momento. A ambição dessa proposta, aliada às transformações ocorridas ao longo das últimas décadas, apontam para a importância do tema. Foram mudanças significativas num curto espaço de tempo, que certamente despertam interesse pela oferta de inúmeras possibilidades de estudo.

A experiência brasileira de Reforma Psiquiátrica é internacionalmente reconhecida como exitosa por seu progresso expressivo. Pode-se citar como exemplo o convite feito em 2009 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que o governo brasileiro integrasse um grupo internacional para contribuir no desenvolvimento de uma estratégia mundial de tratamento de pacientes com distúrbios mentais e abuso de drogas.

Atualmente, a Política Nacional de Saúde Mental preconiza a implantação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que dispõe de vários dispositivos, dentre eles os CAPSs. O Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011 (BRASIL, 2011), que regulamenta a Lei nº 8.080/90, aponta a atenção psicossocial como uma das portas de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo imprescindível para a composição das regiões de saúde.

Há diferentes tipos de CAPS, de acordo com a clientela específica (CAPS I, II e III para adultos em sofrimento psíquico; CAPSi direcionado à clientela infanto-juvenil; CAPSad II e III direcionado às pessoas que apresentam necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas). Além do CAPS, estão contemplados na RAPS os Serviços Residenciais Terapêuticos, os leitos em Hospital Geral, os Consultórios na Rua, dentre outros equipamentos. A assistência em saúde mental deve, portanto, se dar através da integração destes dispositivos formando uma rede de cuidados (RAPS).

No entanto, o presente estudo se limitará a abordar apenas o CAPS como uma tecnologia em saúde, devido à sua importância para a RAPS, sem desmerecer a importância dos demais equipamentos que compõem a Rede.

Como metodologia, o desenvolvimento deste trabalho se deu através de revisão bibliográfica, com identificação e sistematização da produção e análise crítica sobre o tema. O conceito de tecnologia em saúde foi pesquisado na literatura, bem como a sua articulação com o campo da saúde mental. Da mesma forma, houve a consulta à legislação referente às novas políticas públicas de saúde mental, bem como às bases de dados oficiais que demonstram informações relevantes do campo da saúde mental nos últimos anos.

Formalmente, o trabalho está dividido em duas partes. Na primeira, há uma contextualização sobre a Reforma Psiquiátrica Brasileira, abordando o surgimento do CAPS até o momento de sua incorporação oficial à política pública. A segunda parte dedica-se à transformação do modelo manicomial em territorial, a partir da incorporação de um novo dispositivo assistencial. O CAPS é descrito como uma nova tecnologia em saúde, demonstrando o seu ciclo de vida e apontando os impactos advindos da sua incorporação na Política Pública. Destaca, ainda, a inversão da lógica de financiamento, e consequente transformação do modelo assistencial.

2 DO MOVIMENTO SOCIAL À POLÍTICA PÚBLICA: O PROCESSO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

2.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

O processo de Reforma Psiquiátrica, iniciado no final dos anos 70, nasce após denúncias de maus tratos reveladas por profissionais de saúde que trabalhavam em hospitais psiquiátricos. Esse movimento denominado de Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) buscava, por meio das denúncias de violência nas instituições de tratamento, reivindicar melhores condições de trabalho e uma assistência mais digna aos usuários de saúde mental (AMARANTE, 1998).

Posteriormente, o MTSM tomou força com a inserção de novos atores (pacientes internados nos hospitais psiquiátricos e seus familiares), culminando num potente movimento social denominado Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA). O objetivo inicial deste Movimento era denunciar as formas de violência e tortura existentes em grande parte dos manicômios, evoluindo para o desejo de transformação do modelo assistencial centrado no hospital psiquiátrico asilar para um modelo de base territorial.

É importante salientar que o Brasil vivenciava, no início da década de 80, um processo de luta pela redemocratização do país. Neste contexto, o processo de Reforma Psiquiátrica, convertido num movimento social, tornou-se aliado na campanha pela Reforma Sanitária.

Neste cenário, as reivindicações do MNLA eram fortemente influenciadas pela Reforma Psiquiátrica Italiana, que marcou de forma definitiva a experiência brasileira. Os conceitos que fundamentaram todo o processo de transformação italiana foram basilares para a proposta do modelo brasileiro, que incorporou seus princípios básicos como alicerce para a construção dos novos serviços de saúde mental no Brasil (OLIVEIRA, 2004).

A Reforma Italiana foi inovadora, pois diferentes das demais, prescindiu do hospital psiquiátrico como lugar de tratamento. Entendia-se que o hospital psiquiátrico por si só era uma instituição de violência e de exclusão, portanto, deveria ser negada. O isolamento social proporcionado por este modelo era maléfico a qualquer sujeito, sendo travada uma crítica severa ao próprio alicerce do saber psiquiátrico tradicional. Nesse sentido, propuseram a ruptura com os princípios (saber psiquiátrico tradicional) que justificavam a internação como forma de tratamento – instituição negada[1] –, com a criação de uma rede de serviços e dispositivos territoriais, denominada instituição inventada (NICÁCIO, 2001). A experiência de Reforma Psiquiátrica Italiana ficou conhecida como Psiquiatria Democrática Italiana. Nas palavras de Rotelli:

O mal obscuro da Psiquiatria está em haver separado um objeto fictício, a ‘doença’, ‘da existência global complexa e concreta’ dos pacientes e do corpo social. Sobre esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos (precisamente a ‘instituição’), todos referidos à ‘doença’. É este conjunto que é preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o contato com aquela existência dos pacientes, enquanto ‘existência’ doente (ROTELLI et al., apud NICACIO, 2001, p. 27).

Com base nos conceitos de instituição negada e instituição inventada, a experiência italiana de Reforma Psiquiátrica demonstrou que a desinstitucionalização não se limitava a uma reforma assistencial, extrapolando o campo da clínica. Segundo Amarante (1999; 2003), o processo de Reforma Psiquiátrica é um processo social complexo em permanente construção que tem como principal objetivo a desconstrução do modelo manicomial. Na mesma lógica, Peter Pál Pelbárt (1991) refere-se à desconstrução desse modelo manicomial, como sendo a desconstrução do manicômio invisível, sem muros, que reserva à loucura um lugar de exclusão no imaginário social. Sendo assim, ainda segundo o mesmo autor, a verdadeira reforma psiquiátrica só se dará ao desconstruir o chamado manicômio mental.

A psiquiatria tradicional, ao enclausurar a loucura com o objetivo de tratá-la, reduzindo-a a um conjunto de sinais e sintomas que descreviam um quadro de doença mental, acabou por produzir o entendimento de que o lugar do louco era necessariamente o hospital psiquiátrico. Romper com esse imaginário social seria, talvez, o maior desafio da Reforma Psiquiátrica. Dessa forma, esse processo deveria se firmar não apenas como uma reforma assistencial, mas sim, como um processo com alcance em diferentes dimensões[2], que se articulam entre si: dimensão epistemológica, dimensão teórico-conceitual, dimensão jurídico-política e dimensão sócio-cultural (AMARANTE, 2003). A Reforma Psiquiátrica, nesta perspectiva, deve propiciar uma transformação social em relação à loucura.

2.2 O NASCIMENTO DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)

O CAPS nasceu tendo como referência os serviços territoriais propostos pela Reforma Italiana. Na lógica da desisntitucionalização, o lugar de tratamento deixa de ser o hospital psiquiátrico para ser um dispositivo extra-hospitalar de base territorial. Esses novos serviços assistenciais, ou serviços substitutivos, inseridos no território, devem promover transformações no local onde se produz o estigma, a discriminação, a resistência ao louco. De acordo com Rotelli: Se a relação com a ‘doença’ tem sempre como referência um hospital, ambulatório etc. a relação de desinstitucionalização requer a relação com um ‘território’ (ROTELLI et al., apud NICÁCIO, 2001, p. 47).

Em 1987, foi criado pela Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo o primeiro CAPS do país, que tinha como objetivo estabelecer-se como um dispositivo intermediário entre a internação psiquiátrica e a comunidade. Este serviço, desde a sua criação, apresentou-se de forma menos ousada: era um dispositivo alternativo ao hospital psiquiátrico e não substitutivo ao mesmo. Dessa forma, o hospital psiquiátrico continuava fazendo parte do cenário assistencial em saúde mental, com papel preponderante nos momentos de crise, reforçando o seu lugar de tratamento da loucura (RIBEIRO, 2004).

Posteriormente, em 1989, foi criado em Santos (SP) o primeiro serviço de atendimento em saúde mental totalmente inspirado nos moldes da experiência italiana. A proposta de construção deste novo serviço nasceu com o intuito de ser substitutivo ao manicômio de referência no município – a Casa de Saúde Anchieta – após a intervenção municipal ocorrida neste estabelecimento. Este serviço foi chamado de Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), cujo objetivo principal era substituir a necessidade de internação asilar ofertada por aquele manicômio e, para tanto, propunha-se funcionar obrigatoriamente 24h/dia (RIBEIRO, 2004). Era necessário constituir-se como referência para os usuários e familiares nos momentos de atendimento à crise (BIRMAN; COSTA, 1994), responsabilizando-se por toda demanda em saúde mental, aproximando-se do conceito denominado pelos italianos de tomada de responsabilidade.

A experiência do NAPS demonstrou a importância do uso do território como recurso essencial para a relação com a comunidade, transformando as relações sociais com a loucura. Por essência, esse dispositivo singular, construído a partir das relações estabelecidas entre as pessoas que dele fazem parte (profissionais da equipe e usuários do serviço), trouxe novas formas de cuidado, que privilegiam o sujeito, rompendo com o modelo manicomial.

Ao romper com o modelo tradicional da psiquiatria, incluindo seus conceitos e pressupostos, esses novos serviços estruturam-se de modo a atingir um patamar substitutivo ao manicômio. Isto implica em criar recursos e atividades que possibilitem a estruturação de um programa de assistência totalmente independente do manicômio, com formulação dinâmica de respostas às demandas, responsabilizando-se pelas mesmas, sendo uma referência territorial. Esses serviços assemelham-se aos serviços substitutivos implantados pela reforma italiana, adotando, como conceitos centrais para a construção dessa rede, a tomada de responsabilidade e o território (OLIVEIRA, 2004, p. 86).

Ainda que tenham sido experiências diferentes entre si, tanto o NAPS quanto o CAPS foram precursores para a construção de uma política de saúde mental, tendo o território como eixo principal das novas ações a serem estabelecidas. As experiências inovadoras do CAPS de São Paulo e do NAPS de Santos levaram ao surgimento de novas experiências em outros lugares do país, inserindo-se, posteriormente, como equipamento/procedimento a ser financiado pelo SUS.

2.3 DO NOVO SERVIÇO À NOVA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL: O INÍCIO DA TRANSFORMAÇÃO DO MODELO ASSISTENCIAL.

No contexto do surgimento das novas experiências no campo da saúde mental, o sistema público financiava prioritariamente as internações psiquiátricas e alguns tipos de atendimento ambulatorial. Porém, o surgimento de novas experiências, tão exitosas quanto o CAPS-SP e o NAPS-Santos, levou o Ministério da Saúde a incorporar, através de Portarias Ministeriais, procedimentos realizados nestes serviços, oficializando a sua inserção no SUS (FREIRE, 2012).

A primeira Portaria a ser lançada foi a Portaria SAS/MS nº 189 de 19 de novembro de 1991, que aprovou a inclusão de Grupos e Procedimentos da Tabela do SIH-SUS e SIA-SUS, alterando a forma de financiamento na área de Saúde Mental (BRASIL, 1991). Em seguida, o Mistério da Saúde publicou a Portaria SAS/MS nº 224 de 29 de janeiro de 1992, que regulamentava o funcionamento dos serviços de saúde mental, inserindo os dispositivos CAPS/NAPS na Política Nacional de Saúde Mental. Nessa Portaria, foram definidos os novos dispositivos, abrangendo os parâmetros para o seu funcionamento, incluindo os recursos humanos mínimos necessários, bem como as atividades que deverão ser prestadas nestas novas unidades assistenciais (BRASIL, 1992).

Em 06 de abril de 2001, é promulgada a Lei nº 10.216 que “[...] dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental” (BRASIL, 2001). Indubitavelmente, representa um importante marco no campo da saúde mental em relação à garantia dos direitos, porém, em comparação ao seu projeto original (Projeto de Lei nº 3.657/89 – autoria do Deputado Paulo Delgado), apresenta algumas perdas significativas, como, por exemplo, a retirada da proposta de extinção progressiva dos manicômios. No entanto, essa Lei estabelece mecanismos de regulamentação da internação psiquiátrica, apontando esta como última alternativa a ser adotada, após se esgotarem os recursos extra-hospitalares (OLIVEIRA, 2004).

Em 2002, no embalo da promulgação da Lei nº 10.216/01, foram publicadas duas novas Portarias que regulamentam a assistência em saúde mental e apontam o CAPS como dispositivo estratégico para a implementação da Reforma Psiquiátrica, nomeando-o como o “ordenador” da rede de cuidados em saúde mental (BRASIL, 2002b).

A primeira delas é a Portaria MS/GM nº 336 de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002b), que padronizou o nome do serviço de saúde como Centro de Atenção Psicossocial, estabelecendo diferentes modalidades de acordo com a complexidade da demanda. Uma conquista importante desta Portaria é que ela define em seu Artigo 2º que os CAPSs devem ser essencialmente de natureza pública.

A segunda Portaria publicada foi a GM nº 189 de 20 de março de 2002, que redefine o financiamento dos serviços de saúde mental, firmando-se como crucial para alavancar a criação de CAPS pelo país. Os CAPSs passam a ser considerados serviços de alta complexidade, financiados pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), através de Autorização de Procedimento de Alta Complexidade/Custo (APAC), o que gerou consequências para a forma de financiamento dos novos serviços de saúde mental, apresentada pela PT MS/GM nº 189/2002 (BRASIL, 2002a).

Nos anos seguintes, foram publicadas novas Portarias de regulamentação, que não apresentaram mudanças significativas na lógica de organização e/ou financiamento dos CAPSs (BRASIL, 2004). Porém, apesar de não ser o foco deste estudo, vale ressaltar que na última década, devido ao aumento do consumo de crack, as ações para o seu enfrentamento foram intensificadas, gerando Portarias Ministeriais, principalmente, referentes à criação de novos dispositivos ligados à atenção às pessoas com necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas.

Apenas em 2011, com a publicação da Portaria MS/GM 3.089 de 23 de dezembro de 2011, a lógica de alocação de recursos para custeio foi alterada, estabelecendo valor fixo para cada CAPS que passa a ser incorporado ao teto financeiro dos municípios, no Bloco da Média e Alta Complexidade, sob a forma de transferência regular e automática (BRASIL, 2011a). Do ponto de vista do gestor da saúde, e considerando o subfinanciamento do setor, essa forma de alocação torna-se atraente e independe do quantitativo de procedimentos realizados pelo serviço.

3 O CAPS COMO TECNOLOGIA EM SAÚDE E A INVERSÃO DO MODELO ASSISTENCIAL A PARTIR DA SUA INCORPORAÇÃO AO SUS

3.1 O CAPS COMO TECNOLOGIA EM SAÚDE

O conceito de tecnologia em saúde é amplo, abrangendo desde equipamentos/máquinas a processos de trabalho que traduzem o conhecimento produzido para o cuidado à saúde (LOUVISON, 2013a). Dessa forma, pode ser um medicamento, uma vacina, uma máquina, um dispositivo, um serviço, que estejam relacionados à promoção, prevenção e ao cuidado da saúde. Nesse sentido, o CAPS pode ser entendido como uma tecnologia em saúde. Na definição da Rede Internacional de Agências de Avaliação Tecnológica em Saúde (INATHA em inglês), criada em 1993 com a missão de estabelecer uma rede de intercâmbio de informações e colaboração das agências membros:

Tecnologia em saúde é qualquer intervenção que possa ser usada para promover saúde, prevenir, diagnosticar, tratar, reabilitar ou cuidar de doenças a longo prazo. [...] Poderá envolver tanto intervenções comunitárias quanto voltadas ao cuidado individual (LOUVISON, 2013a, p. 5).

O CAPS, como vimos, se estabeleceu oficialmente como dispositivo estratégico da Política Pública de Saúde Mental. Essa incorporação trouxe impactos econômicos ao SUS, mas, incontestavelmente, trouxe qualidade de vida para as pessoas atendidas. O panorama existente até então era, na maior parte das vezes, de muita violência e maus tratos. As reivindicações sociais por mudanças apontavam cada vez mais para o fato de o manicômio ter se tornado uma tecnologia obsoleta[3].

A tomada de decisão por parte dos gestores considerou o panorama da época e a situação calamitosa vivida pela maioria dos hospitais psiquiátricos. Primeiramente, a tomada de decisão foi dos gestores municipais e estaduais que apostaram num dispositivo não regulamentado, o qual os municípios e/ou estados deveriam sustentar economicamente arcando com todas as despesas inerentes a sua implantação e custeio. Em seguida, foi a vez do gestor federal, embasado por sua área técnica, incorporar tal dispositivo no sistema público de saúde, regulamentando-o.

No entanto, sabe-se que a simples incorporação de uma tecnologia não traz, necessariamente, mudanças imediatas na forma de lidar com a mesma situação anterior, sendo necessário um processo de capacitação para os seus operadores. Porém, como capacitar o trabalhador para um serviço que é novo para todos? A proposta deste novo serviço, ao operar uma ruptura no tratamento oferecido pela psiquiatria tradicional, mostrava-se nova para trabalhadores, usuários, familiares e gestores. Seria necessário construir uma nova forma de cuidar. O primeiro passo era preservar o direito fundamental de liberdade, constituindo-se, portanto, como um serviço de portas abertas.

Assim, o CAPS, em seu surgimento, se constitui como uma nova tecnologia em saúde, incorporada ao SUS, cujo propósito de cuidado se daria através da reinserção social dos usuários de saúde mental excluídos historicamente. Esse processo de reinserção social pode ser apontado como um dos maiores benefícios trazidos por essa proposta psicossocial.

A complexidade do trabalho do CAPS ultrapassa os limites físicos do próprio serviço, multiplicando-se em ações intersetoriais que auxiliem o usuário na construção de sua autonomia, sem tutelá-lo. Essa relação é bastante tênue (autonomia x tutela), mas a sua diferenciação é absolutamente necessária para o trabalho no CAPS, que deve, exclusivamente, adotar a primeira opção. Neste caso, o usuário torna-se agente ativo na produção da sua saúde (MERHY; FEUERWERKER, 2009).

Merhy (2000) difere três tipos de tecnologia em relação ao trabalho das equipes de saúde: dura, leve-dura, leve. Segundo esse autor, as tecnologias duras são referentes aos equipamentos ou ferramentas tecnológicas que um serviço e sua equipe precisam ter para funcionar. Já a tecnologia leve-dura caracteriza-se pelos saberes estruturados, como, por exemplo, no caso dos CAPSs, a psicopatologia, a psicanálise, etc. Por último, as tecnologias leves, fruto das relações estabelecidas entre os profissionais e os usuários. A valorização das tecnologias leves por parte das equipes de saúde mental é essencial para a criação dos vínculos (a)efetivos (CECÍLIO, 2001). É nessa última perspectiva que o trabalho no CAPS se diferencia definitivamente do manicômio.

3.2 O CICLO DE VIDA DO CAPS

Louvison (2013b) aponta que toda tecnologia em saúde apresenta um ciclo de vida composto por diferentes fases: inovação; difusão; incorporação; muita utilização; abandono. A fase da inovação refere-se à pesquisa sobre a invenção da tecnologia, da elaboração do seu projeto até a primeira utilização prática. Em seguida, a fase da difusão corresponde ao lançamento desta tecnologia, visando, na prática, os ajustes necessários para posterior incorporação. Essas fases, segundo a autora, caracterizam-se como a etapa de desenvolvimento. Após a fase de incorporação, há a fase da utilização plena da tecnologia, até que esta se torne obsoleta, sendo necessário o seu descarte. Esta etapa corresponde à utilização no mercado.

Nesta lógica, o CAPS, como uma tecnologia em saúde, também apresenta o seu ciclo de vida. Pode-se atribuir a influência da experiência italiana, bem como o projeto de implantação do primeiro CAPS do país (CAPS – SES/SP) como tendo sido a fase de inovação. Posteriormente, a fase de difusão pode ser compreendida no período referente à implantação do próprio CAPS – SES/SP, bem como a do CAPS – Santos (SP), além de outras experiências com base nesses serviços. Os desafios e dificuldades vivenciados por estes serviços serviram para identificar as necessidades de alterações nos projetos originais.

As normatizações, advindas da publicação de diversas Portarias Ministeriais e da promulgação da Lei Federal 10.216/2001 (BRASIL, 2001), efetivam a incorporação desta tecnologia no SUS (fase da incorporação). A partir disso, essa tecnologia passa a ser adotada e difundida pelos entes federados, evidenciando a fase de muita utilização. Abaixo, segue adaptação do quadro proposto pelo Ministério da Saúde para demonstrar as etapas do ciclo de vida de uma tecnologia (LOUVISON, 2013b, p. 5):

Ciclo de vida do CAPS
Quadro 1
Ciclo de vida do CAPS
Adaptado de Louvison, 2013b.

Em outubro/2013 havia no Brasil 2.296 CAPS credenciados pelo SUS (Ministério da Saúde - Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Brasil, Novembro/2013). A evolução do quantitativo desta tecnologia, entre o período de 1998 e 2012, apresenta um aumento médio percentual de 21,50% de um ano para outro, conforme gráfico 1:

Nº de CAPS - 1998-2012
Gráfico 1
Nº de CAPS - 1998-2012
Ministério da Saúde – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) (2013).

Considerando o ciclo de vida do CAPS enquanto uma tecnologia em saúde e seu histórico de surgimento, a fase da inovação antecede o período apresentado no gráfico. Essa fase corresponderia ao período compreendido entre a inspiração em modelos internacionais até a elaboração do primeiro projeto de implantação do CAPS (final da década de 70 até 1986).

Em 1987, quando inaugurado o primeiro CAPS do Brasil, inicia-se a fase da difusão. Com a publicação das primeiras Portarias Ministeriais em 1991 e 1992 (PT MS/GM nº 189/91 e 224/92) e das demais publicadas posteriormente, a tecnologia é oficialmente regulamentada e incorporada ao sistema público de saúde, caracterizando a fase da incorporação.

A fase da muita utilização, pode ser percebida no gráfico, principalmente desde o início do período (1998), permanecendo numa crescente até os dias atuais. Dessa maneira, o CAPS, como tecnologia em saúde, ainda não vivenciou a fase de abandono.

Embora tenha havido um avanço na implantação dos CAPSs nas duas últimas décadas (gráfico 1), isso não foi suficiente para substituir integralmente as internações psiquiátricas ofertadas pelos manicômios. Louvison (2013b) adverte que em saúde “[...] as novas tecnologias não são necessariamente substitutivas, tendem a ser cumulativas, ampliando ainda mais o custo” (LOUVISON, 2013b, p. 4). Porém, essa questão torna-se um alerta na medida em que o funcionamento de forma complementar entre CAPS e manicômio coloca em risco a própria essência do CAPS que é ser um serviço substitutivo ao manicômio.

A complementaridade desta relação é categoricamente paradoxal, pois pressupõe-se que a RAPS, com todos os dispositivos que a conformam, deve ser substitutiva ao manicômio. Ao CAPS cabe ordenar e organizar a Rede no território. Portanto, onde há boa cobertura deste serviço deveria haver menor número de internações psiquiátricas asilares. Contudo, ainda há um número significativo de internações psiquiátricas[4], mesmo em locais onde há boa cobertura de CAPS. O indicador sobre cobertura de CAPS[5] adotado oficialmente[6] apresenta limitações por não abranger outros dispositivos da RAPS.

3.3 FORMAS DE FINANCIAMENTO: A INVERSÃO DO MODELO ASSISTENCIAL

Com a hegemonia do modelo hospitalocêntrico campo da psiquiatria desde o final do século XIX, a internação asilar tornou-se protagonista no cuidado em psiquiatria.

Já na década de 70, “[...] o que predominou foi a política de privilegiamento do setor privado, por meio da contratação, pela Previdência Social, de serviços de terceiros, expandindo significativamente o modelo hospitalar no Brasil” (PAULIN; TURTARO, 2004). Este cenário de privatização da oferta de leitos psiquiátricos, aliado à forma de pagamento por esse tipo de prestação de serviços, marcou de forma definitiva a assistência prestada no campo da saúde mental. Outros interesses foram privilegiados, negligenciando o cuidado em prol do lucro. Este processo foi denominado pelo psiquiatra Luis Cerqueira como a Indústria da Loucura (AMARANTE, 1998).

Os gastos do INAMPS com a assistência hospitalar psiquiátrica demonstram que no ano de 1977 os recursos destinados à hospitalização somaram 96% do orçamento total da saúde mental e apenas 4% dos gastos foi destinado ao setor ambulatorial. Esse cenário apresenta o modelo técnico-assistencial que vigorava à época. O modelo de assistência psiquiátrica era quase que exclusivamente hospitalocêntrico. A tendência dos hospitais contratados e conveniados visava o lucro (FREIRE, 2012, p. 92).

Considerando que esse cenário se estendeu pela década de 80, percebe-se que reverter o modelo hospitalocêntrico seria uma tarefa árdua, visto que a tomada de decisão envolveria e impactaria diretamente nos lucros dos grandes hospitais psiquiátricos. A lógica de pagamento da Autorização de Internação Hospitalar ambulatorial (AIH) era diretamente relacionada ao tempo de permanência do paciente na clínica, ou seja, quanto maior o tempo de internação, maior o valor a ser recebido. Era o financeiro determinando a clínica, isto é, a possibilidade de alta hospitalar não necessariamente vinculada à melhora do quadro do paciente. Isto, aliado aos poucos investimentos feitos pelos hospitais psiquiátricos durante a internação, representava um alto lucro aos hospitais privados pagos pelo sistema público.

Na década de 90, mesmo após a incorporação dos CAPSs na Política Nacional de Reforma Psiquiátrica, ainda coexistia um alto número de internações psiquiátricas. No decorrer dos anos e com o aumento da implantação de CAPS no país, gradativamente, as internações psiquiátricas foram diminuindo (Gráfico 2), ainda que permanecessem com o maior aporte de recursos por parte do SUS.

Internações Hospitalares do SUS - Psiquiatria - AIH aprovadas
Gráfico 2
Internações Hospitalares do SUS - Psiquiatria - AIH aprovadas
Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) (2013)

Na mesma lógica, houve um processo de redução dos leitos psiquiátricos em Hospitais especializados (Gráfico 3):

Nº de Leitos Psiquiátricos
Gráfico 3
Nº de Leitos Psiquiátricos
Ministério da Saúde, Saúde Mental em Dados 10 (BRASIL, 2012).

Essa redução foi fortemente determinada pela avaliação do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH – Psiquiatria), em 2002, que apontou 18 hospitais psiquiátricos para o descredenciamento do SUS (BRASIL, 2012).

O enfrentamento do modelo hospitalocêntrico se tornou um grande desafio para o processo de Reforma Psiquiátrica. Uma das possibilidades para ter êxito nesta proposta seria tornar o financiamento dos novos serviços atrativo para os gestores, e para isso deveria ser de forma diferente do tradicional pagamento por procedimentos. Neste sentido, as Portarias Ministeriais nº 336/02 e nº 189/02 cumpriram esse ofício ao definir a regulamentação do CAPS bem como a forma do seu financiamento, que se daria através do Fundo das Ações Estratégicas de Compensação (FAEC). Isso significa um aporte financeiro além do teto financeiro já estabelecido (FREIRE, 2012).

Garantir o financiamento através do FAEC foi uma forma de induzir a implantação dos CAPSs, e por consequência, da política extra-hospitalar. No entanto, essa estratégia tem sido vista por alguns autores como contrária à diretriz constitucional de descentralização.

A transferência regular e automática da União para os Estados e Municípios, via mecanismo fundo a fundo, tem possibilitado o poder de decisão do gestor federal na consolidação de políticas municipais. Tal condução termina por contrariar a diretriz constitucional de descentralização. Por conter maior parcela dos recursos de financiamento do sistema, o Ministério detém o controle das decisões importantes, feitas por meio de suas portarias administrativas (FREIRE, 2012, p. 49).

Aliada à tentativa de indução da política, a opção de financiamento através do FAEC possibilitaria ao Ministério da Saúde garantir a melhor informação sobre os novos serviços, compondo uma série histórica, já que todo o recurso do FAEC deve ser financiado através de APAC (autorização de Procedimento de Alta Complexidade). A APAC permite individualizar o registro das informações e requer a alimentação do Banco de dados do SUS, formando uma série histórica. Dessa forma, após um período de avaliação, o Ministério da Saúde teria a possibilidade de fazer uma análise da dispensação e do montante de recursos repassados para, a partir daí, definir o respectivo valor a ser repassado através do teto da Assistência Ambulatorial e Hospitalar de Média e Alta Complexidade (MAC).

O resultado dessa análise culminou com a publicação, em 23 de dezembro de 2011, da Portaria MS/GM nº 3.089 (BRASIL, 2011a) que altera forma de financiamento dos CAPSs, instituindo um valor fixo para as diferentes modalidades de CAPS, que passa a ser incorporado ao Teto MAC.

Diante de um cenário de queda do número de internações psiquiátricas, em consequência da redução do número de leitos e do avanço na implantação de serviços extra-hospitalares, percebe-se que em 2005 houve definitivamente a inversão dos gastos do Ministério da Saúde. Pela primeira vez na história do país, o Ministério da Saúde passou a investir mais recursos nos dispositivos extra-hospitalares do que nas internações hospitalares psiquiátricas.

Proporção de Recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços extra-hospitalares entre 2002-2011.
Gráfico 4
Proporção de Recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços extra-hospitalares entre 2002-2011.

Ainda que nestes gastos estejam computados outros dispositivos extra-hospitalares (Residência Terapêutica, Centro de Convivência, Consultório na Rua, etc), o CAPS compreende boa parte destas despesas. A reversão do modelo, explicitada no gráfico acima, representou significativo ganho para a Política Nacional de Saúde Mental, que passou a ser predominantemente extra-hospitalar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de Reforma Psiquiátrica brasileira surgiu a partir de reivindicações sociais, efetivando-se como política pública, à semelhança da Reforma Sanitária. Percebe-se que nas últimas três décadas houve avanços significativos com a implementação dos CAPSs pelo país, além da implantação de outros dispositivos assistenciais que compõem a RAPS. No entanto, a legitimação dos princípios da Reforma Psiquiátrica como política pública, através, principalmente, da incorporação dos CAPSs ao SUS, de certa forma, arrefeceu o movimento social que a ela deu origem.

O CAPS é considerado um serviço estratégico para a implementação da RAPS, sendo o ordenador desta rede. Surge como um serviço inovador que aposta no cuidado efetivo das pessoas com transtornos psiquiátricos, a partir das relações que são produzidas entre a equipe e os usuários, caracterizando-se, predominantemente, como uma tecnologia leve. Este processo pode ser compreendido sob a ótica da incorporação de tecnologia em saúde. Porém, toda tecnologia obedece a um ciclo de vida e há necessidade constante de aprimoramento em relação ao seu funcionamento. Nesse sentido, torna-se premente o processo de avaliação deste dispositivo, cujo propósito é a reinserção social dos usuários através de um trabalho que ultrapassa o próprio limite físico do serviço, reafirmando o território como recurso articulador para o desenvolvimento da Reforma Psiquiátrica. Nossa análise demonstrou que o CAPS já se encontra na fase de utilização de mercado, sendo, portanto, necessária a reflexão crítica sobre a inovação, difusão e incorporação da tecnologia.

Notadamente, houve a inversão do modelo assistencial diretamente relacionada à incorporação do CAPS à política nacional. Isso representa a mudança do modelo hospitalocêntrico para o territorial, redirecionando os gastos em saúde mental. Essa inversão está francamente associada à indução do Ministério da Saúde, através da lógica de financiamento dos CAPSs. Embora haja algumas críticas referentes a essa condição arbitrária e centralizadora do Ministério da Saúde, como visto ao longo do trabalho, considera-se que no caso da Saúde Mental produziu boas respostas.

Sem dúvida, esta inversão do modelo assistencial é o maior avanço conquistado para a efetivação do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. No entanto, esse avanço ainda não foi suficiente para abdicar integralmente dos manicômios, visto que as internações psiquiátricas asilares não foram totalmente abandonadas, apesar de ter havido uma queda no número de leitos especializados nos últimos anos, conforme visto neste trabalho.

A complementaridade destes dois dispositivos (manicômio x CAPS) é arriscada, comprometendo o papel substitutivo do CAPS. Ademais, leva ao temerário reforço da importância do lugar do manicômio para os momentos de crise. Nesse sentido, torna-se premente o investimento em leitos integrais em Hospital Geral, além da necessidade de ampliação do número de CAPS III, que funciona 24h/dia, uma vez que a maior dificuldade é dispor de tecnologias que deem conta da atenção à crise. Caso contrário, o manicômio será sempre um lugar de referência para internação, tornando-se mais um dos dispositivos que compõem a RAPS.

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Estela Capelas BARBOSA. Trabalhou na concepção e delineamento do artigo e na revisão crítica do manuscrito.

Economista da Saúde. PhD, Department of Applied Health Research, University College London.

Flávia Mendes de OLIVEIRA. Trabalhou na redação do artigo e na análise e interpretação de dados. Ambas autoras aprovaram a versão publicada.

Psicologa. Mestre. Assessora de Planejamento da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro.

Notas

[1] Para maior aprofundamento sobre este conceito sugerimos a leitura de Nicácio (2001).
[2] Para melhor entendimento sobre as diferentes dimensões do processo de Reforma Psiquiátrica, ler Paulo Amarante (2003).
[3] O manicômio, nascido no final do século XVIII, simultaneamente com a medicina social e a medicalização do hospital, há muito tempo já se apresentava como obsoleto. Podemos dizer que foi uma tecnologia em saúde inovadora para aquela época, porém, seus conceitos fundamentais como isolamento terapêutico, tratamento moral, dentre outros, já não atendiam ao contexto do século XX. Para melhor aprofundamento deste tema, sugere-se a leitura de Robert Castel (1978).
[4] As internações psiquiátricas estão contempladas na RAPS, através dos leitos em Hospital Geral.
[5] Cobertura CAPS: (Nº CAPS I X 0,5) + (nº CAPS II) + (Nº CAPS III X 1,5) + (Nº de CAPS Psicossocial i) + (Nº CAPS ad) + (Nº de CAPSad III X 1,5) em determinado local e período / População residente no mesmo local e período.
[6] O indicador de cobertura de CAPS é um dos selecionados no rol de indicadores que deverão ser utilizados nos Instrumentos de Planejamento do SUS (Plano de Saúde, Programação Anual de Saúde e Relatórios de Gestão) e na formalização do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (Coap), para o período de 2013-2015, conforme Resolução CIT nº 5, de 19 de junho de 2013 (BRASIL, 2013).

Notas de autor

* Economista da Saúde. PhD, Department of Applied Health Research, University College London. (UCL, London, England). Gower Street, Bloomsbury, London. E-mail: . ORC ID: .
** Psicologa. Mestre. Assessora de Planejamento da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. (SES, Rio de Janeiro, Brasil). R. México, 128 - Centro, Rio de Janeiro - RJ. E-mail: . ORC ID: .
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