Editorial
Os impactos da pandemia COVID-19 sobre as políticas sociais
The impacts of the COVID-19 pandemic on social policies
Os impactos da pandemia COVID-19 sobre as políticas sociais
Argumentum, vol. 13, núm. 1, pp. 4-5, 2021
Universidade Federal do Espírito Santo

Os impactos da pandemia COVID-19 sobre as políticas sociais
Este número da revista Argumentum surge não apenas em meio a uma pandemia de grandes proporções, mas também em meio a uma verdadeira tragédia social e política.
Em meados do mês de abril de 2021, a pandemia do coronavírus já havia matado cerca de três milhões de pessoas pelo mundo. No Brasil, mais de 350 mil óbitos já foram contabilizados, e a curva não para de crescer, atingindo uma média de três mil mortes por dia. O fenômeno não é particularidade brasileira: contabilizam-se centenas de milhares de mortos no continente europeu, e também nos Estados Unidos. Apesar da vacinação ora em curso, pergunta-se: quem apaga da história aqueles que já faleceram?
Por outro lado, também há exemplos que apontam que muito disso poderia ter sido evitado: na China, por exemplo, país com cerca de 1 bilhão e meio de habitantes (cerca de 1/6 da população mundial), contabilizam-se cerca de 5 mil mortes até o momento; na Austrália, país com cerca de 25 milhões de habitantes, contabilizam-se cerca de mil mortes; em Cuba, país com cerca de 11 milhões de habitantes, contabilizam-se cerca de 500 mortes; no Vietnã, país com cerca de 100 milhões de habitantes (quase a metade da população brasileira), contabilizam-se cerca de... 50 mortes.
São precisamente essas adversidades e essas contradições que o periódico, fiel ao seu posicionamento teórico-político, ao rigor investigativo e ao compromisso com a vida, se colocou no desafio de encarar.
Em pleno século XXI, recoloca-se a questão que remente a momentos decisivos do século XX: como, de fato, pensar o impensável? Por que, e, sobretudo, para que continuar investigando o mundo social e suas lógicas, em sociedades onde milhões de mortes parecem não provocar o devido espanto coletivo?
É que, na contracorrente da consideração da vida social como fatum inexplicável e irredutível à teorização, da banalização do adoecimento, do maltrato dos corpos humanos e do ocultamento das relações sociais que esmagam até mesmo a capacidade de empatia, reafirma-se plenamente, neste volume, a razão de ser de uma revista de Ciências Sociais Aplicadas, bem como da pesquisa nessa área.
Temos, neste volume, artigos que problematizam os impactos da pandemia nas diferentes esferas da vida social. Eles exploram temas variados, tais como: os efeitos da situação atual da assistência social no Brasil; sua repercussão sobre o sistema prisional; ou, ainda, suas consequências sobre as políticas educativas.
Mas não se trata apenas de constatar os impactos: cada um dos estudos aqui publicados nos mostra, com precisão teórica, referências acreditadas e mobilização de um consciencioso aparato conceitual, como a pandemia e seus efeitos só se entendem plenamente se forem considerados como um fenômeno eminentemente social, carregado de pressupostos, implicações e desdobramentos de ordem política, cujo pano de fundo é o modo de vida vigente sob a forma capitalista de sociabilidade.
Os artigos desta edição realçam a necessidade de abordar a COVID-19 em toda a sua complexidade, o que nos exige considerá-la à luz de uma análise do modo de produção e de vida que estrutura nossa sociedade e age como princípio unificador, em que, todas as esferas da vida e de atuação das políticas sociais são atravessadas pelo imperativo da valorização do valor; pela contradição entre produção social e apropriação privada da riqueza; e pela expropriação dos produtores diretos que atinge até mesmo direitos sociais elementares. Em suma: pela priorização da apropriação de mais-valia em detrimento da vida.
Assim, a pluralidade dos fenômenos investigados nos artigos se encontra unificada no que diz respeito à constatação da articulação entre pandemia - e suas consequências - e aprofundamento da exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras, piora generalizada das suas condições de vida, deixando os setores mais vulneráveis das classes trabalhadoras ainda mais desprotegidos.
Além disso, a Sessão Debate deste número apresenta outro desafio para o campo das Ciências Sociais Aplicadas em geral, e, mais particularmente, para o Serviço Social: pensar o horizonte da política social no assim chamado pós-pandemia. O texto central da sessão, redigido por Rosa Marques (professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e Solange Emilene Berwig (professora da Universidade Federal do Pampa) nos coloca diante de uma questão essencial: quais são as tendências da política social no Brasil após esse período? Respondem a essa problematização Patrícia Trópia (professora da Universidade Federal de Uberlândia e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho) e Caio Martins (professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Com este número, a equipe editorial da Argumentum espera oferecer uma contribuição à reflexão acadêmica sobre a pandemia. E espera, no melhor dos casos, que tal reflexão ultrapasse os muros da universidade e, se vestindo com as cores e dores da luta pela emancipação humana, contribua para a construção de uma forma de sociabilidade em que se possa, de modo consequente, colocar a vida e o desenvolvimento das potencialidades humanas em primeiro lugar.
Notas de autor