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Recepción: 30 Mayo 2021
Aprobación: 16 Noviembre 2021
Resumo: O artigo analisa a expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. A pesquisa é de abordagem qualitativa e utilizou fórmulas discursivas para o tratamento do corpus. As análises foram fundamentadas a partir de obras de Wendy Brown e Melinda Cooper. Foi identificado que a sorofobia, entendida como o conjunto de práticas e crenças irracionais e discriminatórias contra indivíduos soropositivos e grupos mais vulneráveis ao HIV e a Aids, é um elemento central do discurso da extrema direita brasileira, comprometida com o desmonte do Programa Nacional de HIV/Aids e com uma agenda de afirmação da moral e das hierarquias tradicionais de gênero. O cenário é de ataque aos direitos sexuais e reprodutivos e à universalidade do acesso ao tratamento de HIV/Aids.
Palavras-chave: Sorofobia, Extrema direita, HIV/Aids.
Abstract: The article analyses the spread of serophobia within Brazilian political discourse. The research is qualitative and used discursive formulas for the treatment of the corpus. The analysis is based on works by Wendy Brown and Melinda Cooper. Serophobia, understood as the set of irrational and discriminatory practices and beliefs against HIV-positive individuals and groups vulnerable to HIV and AIDS, has been identified as a central element within the discourse of the Brazilian extreme right, who are committed to dismantling the National HIV/AIDS programme and advancing an agenda for affirming morality and traditional gender hierarchies. The scenario is one of attacking sexual and reproductive rights and universal access to HIV/AIDS treatment.
Keywords: Serophobia, Far right, HIV/AIDS.
1 Introdução
O presente artigo analisa a expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Para tal, é problematizado o cenário de produção desses discursos: o de ataque à agenda política de equidade de gênero e de direitos sexuais e reprodutivos, assim como, de desmonte da experiência brasileira do Programa Nacional de HIV/Aids.
A sorofobia pode ser entendida como o conjunto de crenças irracionais, discriminatórias e medos infundados sobre o HIV/Aids que resultam em episódios de violência institucional, física, psicológica e política não só contra as populações soropositivas, mas também contra grupos sociais considerados mais vulneráveis à pandemia de HIV/Aids. A sorofobia se sustenta em discursos e dispositivos de poder que vão desde a tutela, interdição, segregação, punição e controle sobre os corpos soropositivos até o extremo de reduzir vidas humanas à condição de despesas que devem ser evitadas pelo Estado, por meio de medidas que articulam uma simbiose entre moralismo, populismo, culpabilização individual, meritocracia e austeridade neoliberal. Ela foi produzida no arsenal discursivo de respostas neoliberais e conservadoras ao HIV/Aids, tendo se manifestado no Brasil desde o ano de 2012, quando houve uma guinada conservadora no discurso político governamental, com o desmonte de algumas das principais estratégias de enfrentamento à pandemia de HIV/Aids e censura das campanhas e programas fundamentados na pedagogia da prevenção. Desde então, a sorofobia vem sendo radicalizada por sujeitos políticos da extrema direita.
Mas por que discursos políticos sorofóbicos ganharam legitimidade no Brasil? Como um país que na conjuntura de sua redemocratização se consolidou como referência global no enfrentamento à pandemia de HIV e Aids vem se tornando o cenário de uma agenda política sorofóbica?
Para a construção desse trabalho, de natureza qualitativa, foram utilizados documentos e discursos que materializam as expressões da sorofobia nos discursos políticos entre os anos de 2002 e 2021. Em uma organização genealógica não cartesiana, não linear e crítica, foram levantadas decisões políticas e projetos de lei brasileiros. O corpus da pesquisa foi identificado, classificado e categorizado através da análise de fórmulas discursivas, estratégia de análise crítica de discurso, formulada por Alice Krieg-Planque (2011). Segundo esta autora, em pronunciamentos realizados por agentes governamentais, que engendram o discurso político, podem surgir sequências verbais com expressivo conteúdo político-ideológico, relativamente estáveis do ponto de vista da descrição linguística, funcionando nos discursos produzidos no espaço público como uma sequência tão partilhada como questionável. Empregada em usos públicos que a investem de sentidos/direções sociopolíticas, essa sequência verbal/linguística conhece, então, uma ordem discursiva que faz dela uma fórmula discursiva. As fórmulas discursivas são objetos descritíveis nas categorias da língua e cujo destino no interior dos discursos é mediado pelas intencionalidades de agentes políticos e determinado pelas relações de poder que estruturam a sociedade, reforçando ou questionando hierarquias de classe, raça/etnia, gênero, orientação sexual etc.
No processo de identificação e classificação do corpus, duas fórmulas discursivas assumiram expressiva relevância no discurso político: a guerra aos direitos sexuais e reprodutivos e a sorofobia governamental que se cristalizam como forças determinantes do desmonte da experiência brasileira de enfrentamento à pandemia de HIV/Aids, evidenciando a relação entre discurso, história e a ação de sujeitos sociais. Para analisar os sentidos e significados destes discursos políticos, compreendidos como práticas sociais fundamentais ao processo de reprodução social, foram utilizadas as obras de Wendy Brown (2019) e de Melinda Cooper (2017). Não foi necessária submissão a comitê de ética em pesquisa.
Vale ressaltar que a pandemia de HIV/Aids, assim como qualquer Infecção Sexualmente Transmissível (IST), não é particularidade de nenhum grupo ou classe social, sendo um risco real para todos. Mas as relações e projetos de dominação/exploração que estruturam, não sem resistência, a reprodução da sociabilidade capitalista vulnerabilizam sobretudo as classes e grupos sociais mais subalternizados. Estes são homens e mulheres trans, travestis, homens que fazem sexo com homens (HSH), gays, imigrantes, usuários de drogas, populações privadas de liberdade e profissionais do sexo, que, por sua vulnerabilidade social à pandemia, formam as populações-chave para o enfrentamento do HIV e da Aids (ROCHA et al., 2019). Mesmo sendo grupos bastante heterogêneos, estas populações apresentam prevalências de HIV que vão de 7% a 35%, contra 0,5% da população brasileira em geral, concentrando a carga de morbimortalidade e estigmas relacionados ao HIV (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018).
2 Delineando o cenário dos direitos sexuais e reprodutivos sob ataque
A pandemia de Aids expõe a exploração e as desigualdades sociais em saúde inerentes à sociabilidade capitalista, que é interseccionalmente classista, patriarcal e racista (ROCHA et al., 2019). Afinal, a prevenção ao HIV e a qualidade de vida dos soropositivos dependem do acesso a serviços de saúde, previdenciários e de assistência social, medicamentos antirretrovirais e da desconstrução de valores culturais machistas, homofóbicos, transfóbicos etc. Portanto, está atrelada a processos sociais que são antagônicos ao projeto ultraconservador e neoliberal defendido, na atualidade, por grupos e partidos, majoritariamente de extrema direita (COOPER, 2017).
O ultraneoliberalismo ou processo de radicalização neoliberal representa ao mesmo tempo continuidade e mudanças na trajetória do neoliberalismo, sendo um dos resultados regressivos da crise capitalista de 2008. Essa crise estrutural resultou não apenas em um aprofundamento da mercantilização e destruição de direitos coletivos de cidadania e da captura do Estado por governos apologistas do livre mercado, como já ocorria desde a década de 1980, como também fomentou a eleição e o fortalecimento de governos autoritários, avessos à democracia substantiva, e na aproximação de parcelas significativas da população a velhas e novas ideias racistas, machistas, classistas, autoritárias, irracionalistas, violentas etc (BROWN, 2019, COOPER, 2017). Portanto, o ultraneoliberalismo produziu imbricamentos e convergências mais robustos entre ortodoxia de livre mercado e moral conservadora.
Nesse cenário, o que deveria ser direito universal desde a emergência da pandemia de HIV/Aids vem sendo transformado em mercadoria. Além da mercantilização, a agenda da nova direita promove a reatualização de discursos sobre sexo e sexualidade que almejam normatizar as condutas, identidades e práticas sexuais legitimadas: cisgênero e heterossexuais, patologizando e estigmatizando aqueles que não seguem os parâmetros da moralidade dominante (BROWN, 2019).
Desde a onda neoliberal dos anos 1980, as promessas do capitalismo tardio e da sua expressão cultural — a pós-modernidade (JAMESON, 2006) —, relacionado ao secularismo e às liberdades individuais, que emancipariam os indivíduos, suas identidades e subjetividades de um suposto risco da tirania totalitária de projetos coletivos e valorizaria a diversidade humana mostraram-se falaciosas (BROWN, 2019). Nas décadas seguintes, a cruzada antigênero em todo o mundo, empreendida por grupos de extrema direita, tem deixado evidente a natureza machista, antidemocrática e moralista do capitalismo em sua fase tardia.
Os sentimentos nativistas, racistas, homofóbicos, sexistas, antissemitas, islamofóbicos, bem como sentimentos cristãos antisseculares, adquiriram bases políticas e legitimidade inimagináveis há uma década. Políticos oportunistas surfam nessa onda, enquanto conservadores com mais princípios buscam submergir e esperar que ela passe; as agendas políticas de ambos frequentemente confluem mais para a plutocracia do que para as paixões furiosas de uma base que exige a criminalização de imigrantes, do aborto e da homossexualidade, a preservação de monumentos ao passado escravista e que as nações voltem a se dedicar à branquitude, whiteness, e à cristandade (BROWN, 2019, p. 11).
No Brasil e em países como Turquia, Rússia, China e Índia entre os anos de 2003 e 2014, a experiência neodesenvolvimentista expôs que a tentativa dos governos populistas e de esquerda em equilibrar a agenda neoliberal com o enfrentamento das refrações da questão social se deu com uma série de concessões aos setores mais conservadores e reacionários da sociedade (VIEIRA et al., 2016).
Na América Latina, região que é tanto alvo como um dos centros produtores de campanhas antigênero e contrárias aos direitos sexuais e reprodutivos, uma significativa expressão da força política desses projetos foi registrada em 2011 no Paraguai, quando o termo “gênero” foi amplamente contestado pela direita católica e por grupos de extrema direita durante as discussões no Congresso Nacional, acerca do Plano Nacional de Educação. Desde 2014, esses ataques têm se intensificado, chegando a configurar manifestações massivas em países como a Colômbia, onde tiveram um impacto negativo e decisivo no referendo sobre os acordos de paz em 2016. A cruzada latino-americana contra o gênero e os seus estudiosos culminou, em novembro de 2017, no violento ataque sofrido pela filósofa e teórica de gênero e teoria queer Judith Butler no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo (CORRÊA; PATERNOTTE; KUHAR, 2018).
No ano seguinte, em julho de 2018, constantes ameaças realizadas por grupos fundamentalistas cristãos resultaram no exílio e na interrupção da carreira docente de Débora Diniz, na Universidade de Brasília (UnB). A antropóloga tinha uma vasta produção científica em estudos de gênero, direitos humanos e sobre o aborto. Indo na contracorrente de pautas políticas neoconservadoras e reacionárias em ascensão no Brasil e contestando projetos de lei (PL) como o chamado Estatuto do Nascituro, a pesquisadora se tornou alvo de ameaças de agressão e morte e de perseguição midiática por parte de grupos de extrema direita de diversas matrizes, o que resultou na sua inclusão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal.
Anos antes, em 2015, a professora universitária e estudiosa feminista Lola Aronovitch foi inserida neste mesmo Programa, por ter sido vítima de ataques de ódio e ameaças de morte por meio de um site de conteúdo antifeminista, homofóbico e racista, e da ação de grupos de extrema direita que atuavam principalmente em universidades. A gravidade do caso de Lola, o surgimento de situações similares e a ausência de legislação adequada a essa modalidade de crime, resultaram na criação da Lei nº 13.642, de 3 de abril 2018 (BRASIL, 2018), que atribuiu à Polícia Federal a responsabilidade de investigação de crimes de natureza misógina na Internet, entendidos como aqueles que propagam ódio ou a aversão às mulheres.
Para caracterizar esse cenário político de visibilidade e legitimação das forças neoconservadoras de extrema direita, um dos projetos de projeto de lei mais discutidos nos últimos anos é o do Estatuto da família, o PL nº 6.583/2013 (FERREIRA, 2013), de autoria do Deputado Federal Anderson Ferreira, do Partido Liberal (PL - PE). Este projeto visa a criação de políticas públicas que valorizem e fortaleçam a família, o que já é previsto pela Constituição Federal de 1988. Porém, no artigo segundo do PL, define que a entidade familiar é formada a partir da união entre um homem e uma mulher, seja ela no casamento ou na união estável, além da família monoparental, composta por qualquer um dos pais e seus descendentes. Esse projeto de lei propõe segregar e invisibilizar a existência das famílias homoparentais, as uniões poliamorosas, cria margens para exclusão afetiva e patrimonial de filhos e parceiros em relações não reconhecidas pelo Estado e não contempla a diversidade de arranjos e configurações familiares brasileiras.
Ao mesmo tempo que normatiza/normaliza famílias heterossexuais e nucleares como beneficiárias prioritárias das políticas públicas, de acordo com o modus operandi do discurso conservador. Caso seja aprovado, o Estatuto da Família restringirá ainda mais a cobertura das políticas públicas, em sintonia com a retórica neoliberal. Ainda nesse sentido, o projeto reforça o familismo, deixando a cargo das famílias grande parte das obrigações de provisão de bem-estar social que constitucionalmente devem ser realizadas pelo Estado.
Em 2019, o Deputado Federal Pastor Eurico (Partido Patriota - PE) apresentou o PL n.º 4590, com texto semelhante ao elaborado pelo Deputado Anderson Ferreira, sob a justificativa de que:
Diante de um contexto contemporâneo de extrema confusão e desarranjo social e familiar, faz-se necessário reafirmar o entendimento milenar de família, que é a entidade constituída a partir da união de um homem e de uma mulher, denominados respectivamente de pai e mãe, por meio de casamento ou de união estável, com ou sem a existência de filhos (BRASIL, 2019, p. 02).
Segundo Melinda Cooper (2017), muitas vezes a estranha combinação entre neoliberalismo, extrema direita e o novo conservadorismo se faz presente em projetos e discursos políticos que pretendem salvar as famílias tradicionais, de ameaças fictícias de desintegração, supostamente ocasionadas por políticas que promovem a igualdade ou justiça social, o reconhecimento da diversidade e desejam tornar o politicamente correto um novo senso comum. Ainda para Cooper e para Wendy Brown (2019), a guerra ao chamado politicamente correto funciona como uma tecnologia político-ideológica para encobrir as determinações reais da piora das condições de vida não só das famílias tradicionais, mas de todas as famílias das classes e grupos subalternizados: o antidemocrático processo de destruição criativa do capitalismo tardio.
A família nuclear e heterossexual, instituição comumente evocada pelos políticos de extrema direita como única reguladora social legítima e a provedora mais eficiente de proteção e cuidados (BROWN, 2019) precisa ser debatida no universo de estratégias orientadas para o fim do estigma relacionado à soropositividade e superação da sorofobia. Sobre isso, a pesquisa Índice de Estigma em Relação às Pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil (2019) identificou que mais de 41% dos soropositivos sofrem preconceito e discriminação relacionados à sorologia por parte dos seus grupos familiares. O que se agrava quando são considerados soropositivos que também pertencem a outros grupos subalternizados: 45,9% dos que se identificam como profissionais do sexo sofreram com comentários discriminatórios por parte dos familiares, e 29,7% destes relatam terem sido excluídos das atividades familiares em decorrência do trabalho sexual. Entre os participantes da pesquisa, homens que se identificavam como gays, bissexuais ou HSH, representando 59,2% sofreram violência verbal intrafamiliar e 34,1% relataram exclusão das atividades familiares por homofobia. Esses dados evidenciam como as experiências familiares no Brasil são fontes de sofrimento e de violência para a maioria dos soropositivos, especialmente para aqueles que pertencem às populações-chave, evidenciando também que políticas centradas na família podem significar mais vulnerabilidade social para homens e mulheres soropositivos.
Isto levanta preocupações quando as lideranças da atual composição do Ministério da Saúde apoiam e financiam com recursos de mais de três milhões de reais do Ministério da Saúde o programa de abstinência sexual lançado no início de fevereiro de 2020, pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), liderado pela Ministra Damares Alves, que pretende transformá-lo em política pública. É necessário registrar que no evento de lançamento da Campanha, realizado em Brasília, havia cartazes nas paredes com ilustrações de preservativos, informando que nestes insumos de prevenção existiam poros permitindo a passagem do vírus HIV. Estes cartazes, mesmo com a presença de representantes e técnicos do Ministério da Saúde, só foram retirados por iniciativa de um grupo de padres, incomodados com a inquietação de parte da audiência em torno do material, abertamente anticientífico. A campanha governamental que sustenta a abstinência sexual de adolescentes e jovens na sua autonomia decisória, tem profundas semelhanças com os programas de educação sexual de fundamentação religiosa implantados nos EUA e em Uganda, financiados e/ou apoiados por instituições religiosas protestantes de extrema direita, campo de origem da Ministra Damares Alves, que também é pastora evangélica.
Outros projetos ilustram esse cenário restritivo aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, grupo que no Brasil é atingido por duas grandes pandemias: a de HIV/Aids e a de violência, como o chamado Estatuto do Nascituro, o PL nº 478 de 2007 (BASSUMA; MARTINI, 2007), de autoria dos deputados federais Luiz Carlos Bassuma, do Partido dos Trabalhadores (PT- BA), e Miguel Martini, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS-MG), que defende a alteração do Código Penal brasileiro para considerar o aborto crime hediondo, proibindo-o em todos os casos previstos em lei: estupro, risco à vida da mulher e feto anencéfalo. Este projeto de lei, contrariando as evidências científicas, assume que a vida se inicia na concepção e propõe, de acordo com o Artigo n.º 28, que mesmo que falas consideradas como de apologia ao aborto, sejam criminalizadas, recebendo pena de seis meses a um ano e multa. Isso criaria a possibilidade de criminalizar a ação política de feministas e defensores dos direitos sexuais e reprodutivos. Além disso, ao colocar o direito do nascituro como superior ao da mulher, o Estatuto criaria a possibilidade de punir criminalmente mulheres soropositivas que não sigam os protocolos clínicos de prevenção à transmissão vertical do vírus HIV, que ocorre da mulher para o bebê durante a gestação, parto ou amamentação.
Mesmo sendo recomendada no processo pré-natal, a testagem para HIV/Aids deve ser autorizada pela gestante e, em caso positivo, a adesão ao tratamento deve partir da mulher, após ser informada sobre as opções de tratamento e suporte clínico e social. Mas para políticos e grupos de extrema direita, a saúde da mulher é reduzida a uma lógica reprodutivista de saúde materno-infantil, atribuindo centralidade ao desenvolvimento fetal durante a gravidez, independente se a gravidez ou a experiência da maternidade são desejadas (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018; COOPER, 2017).
Diante do exposto, é possível verificar que a violência contra minorias e mulheres não é um efeito secundário, ela é parte fundamental do projeto de poder, que articula neoconservadores, neoliberais e reacionários para instituir uma democracia autoritária.
3 A genealogia do desmonte da excelência do Programa de HIV/Aids
O surgimento da pandemia de HIV/Aids, com o primeiro caso identificado em 1981 pelo Center of Disease Control, Centro de Controle de Doenças estadunidense deu-se numa conjuntura da chamada crise do Estado de Bem-Estar Social, questão, que segundo a narrativa dominante, a neoliberal, seria solucionada caso o Estado deixasse o papel de provedor de serviço sociais, possibilitando que a mercantilização total dos serviços sociais e bens públicos fosse realizada (COOPER, 2017). Estes processos políticos, orientados à restauração capitalista, se estendem até a atualidade, complexificados por novas determinações e transformações do processo de reprodução social, como a constituição de pontes simbólicas cada vez mais expressivas entre neoliberalismo, extrema direita, antidemocracia, conservadorismo etc.
Nesse sentido, princípios do neoliberalismo clássico, como a liberdade individual e a oposição às tiranias e normatizações coletivas, foram condicionados à moral conservadora. Não porque os neoliberais tenham se transformado em defensores stricto sensu desse modelo moral, mas por terem percebido como as ideias neoconservadoras podem ser instrumentalizadas para controlar e obter consentimento entre as classes subalternizadas (BROWN, 2019). O pensamento neoliberal difundido por intelectuais e políticos de direita e extrema direita alterou profundamente e de maneira desigual, no tempo e no espaço, as noções de indivíduo, corpo e sexualidade, cultura e comunidade, de classes sociais, justiça social e Estado (COOPER, 2017). Como uma pandemia globalizada, a Aids sintetizou essas mudanças fundamentais em torno de questões de individualidade, sexualidade e gênero e atravessou praticamente todos os contextos culturais. Em outras palavras, as intersecções entre globalização neoliberal e a expansão da pandemia de Aids e da extrema direita criaram uma lógica global, uma ordem político-discursiva em torno das respostas globais à Aids orientada pela perspectiva neoliberal de saúde.
A unidade entre globalização neoliberal e expansão da pandemia de Aids tem se expressado na criação das condições sociais e econômicas para o crescimento da pandemia nos países de capitalismo periférico por meio da mercantilização ou eliminação de infraestrutura de serviços sociais. Segundo a perspectiva neoliberal de saúde, os indivíduos são os únicos ou principais responsáveis por responder às suas necessidades sociais em saúde, sendo o mercado elevado à condição de provedor e regulador ideal na relação entre busca individual ou das famílias por serviços de saúde (COOPER, 2017). No enfrentamento à pandemia de HIV/Aids, a perspectiva neoliberal de saúde, além de promover a mercantilização total ou parcial do tratamento com antirretrovirais, está orientada à sua despolitização, promovendo a biologização dos corpos, ignorando a importância das determinações econômicas, políticas, de gênero e sexualidade etc. (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018; ROCHA et al., 2019).
O Brasil notificou os seus primeiros casos de HIV em 1982, registrados entre homens gays, reforçando os estigmas e o discurso sobre os chamados grupos de risco e da chamada peste gay ou câncer gay que, para muitas frações conservadoras da sociedade, sobretudo lideranças religiosas católicas, se configurava como uma resposta divina à crescente tolerância à livre orientação sexual, em curso desde a década de 1960. Em outro polo, a movimentação majoritariamente progressista da sociedade civil, saturada do modelo econômico e social em crise da Ditadura Militar, e alguns sujeitos governamentais progressistas promoveram uma expressiva e organizada resistência nacional ao discurso neoliberal de apelo à mercantilização do tratamento de HIV/Aids e à adoção das ideologias conservadoras na elaboração dos programas preventivos.
Antes mesmo da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), sustentadas pelo ideário do Movimento de Reforma Sanitária, da defesa dos direitos humanos e da livre orientação sexual, as parcerias entre Estado, ONGs e setores progressistas da sociedade civil resultaram na criação de Programas Estaduais de HIV/Aids em todo o País, ainda na década de 1980. O protagonismo do Estado na pesquisa em HIV/Aids e na distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais por meio da Lei n.º 9.313 de 1996 se colocou na contramão das diretrizes neoliberais do Banco Mundial, para quem a gratuidade e universalidade deveriam se restringir apenas aos programas de prevenção.
O neoliberalismo dos governos de Fernando Henrique Cardoso se posicionou defensor de um Estado mínimo, como se evidencia no Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRE). Porém, pressionado por ativistas, movimentos e lideranças políticas da luta contra a pandemia de HIV/Aids, expandiu o Programa Nacional, que reconhecia os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos e de cidadania, onde não haveria justificativa para a implementação de programas de prevenção centrados na abstinência ou em perspectivas proibicionistas.
Os grupos e sujeitos de extrema direita não encontraram no cenário de fim dos anos 1980 e na década de 1990 janelas de oportunidade de difusão da sorofobia por meio do governo e tiveram que conviver com o protagonismo dos movimentos sociais de HIV/Aids e com campanhas, projetos e programas de orientação progressista, produzidos e implementados a partir de parcerias entre o Estado, ONGs e Movimentos Sociais. Esta experiência político-pedagógica, conhecida como pedagogia da prevenção, combinou elementos da pedagogia do oprimido de Paulo Freire com a abordagem feminista dos direitos sexuais e reprodutivos, o empoderamento político dos soropositivos, por meio de grupos de conscientização, e a defesa da desmercantilização do direito à saúde.
No entanto, desde a década passada a capacidade instalada e as perspectivas emancipatórias de prevenção e tratamento em HIV/Aids começaram a ser sistematicamente desmontadas, durante os Governos do Partido dos Trabalhadores (PT), que no intuito de construir legitimidade política, ampliou a política de coalizão e alianças com sujeitos políticos de extrema direita, acentuadamente conservadores e reacionários (ROCHA et al., 2019).
A ascensão política de representantes de extrema direita, observada desde a década de 2000, descaracterizou parte fundamental do Programa de HIV/Aids. Por exemplo, as grandes campanhas de prevenção, testagem e adesão e retorno ao tratamento, veiculadas inclusive no horário nobre foram retiradas da TV desde 2012. Isso ocorreu por pressão de políticos de extrema direita vinculados a grupos religiosos, sobretudo evangélicos. As ações de prevenção voltadas às populações mais vulneráveis também assumiram escala de financiamento e cobertura bastante reduzidos. Além disso, a abordagem aberta sobre livre orientação sexual e direitos humanos perdeu espaço para a centralidade do discurso biomédico, focado no uso correto do preservativo masculino/externo, normatizando mecanicamente o trinômio identidade cisgênero – sexo seguro – heterossexual, mesmo a pandemia de HIV/Aids estando significativamente concentrada nas populações-chave, dissidentes desse modelo.
Dez anos antes da última grande campanha de prevenção no Carnaval, no ano de 2002, a campanha de educação em saúde intitulada Campainha, do Programa Nacional de DST/Aids teve sua exibição descontinuada por pressão de lideranças religiosas evangélicas junto ao Governo e ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Essa campanha dramatizava a situação de um jovem homem gay, reconhecido e aceito por sua família, o que consternou sujeitos políticos de extrema direita contrários à normalização da homossexualidade.
Os conservadores da extrema direita, segundo Wendy Brown (2019), alimentam a nostalgia de um passado em que gays, lésbicas, negros, prostitutas, imigrantes não tinham visibilidade pública e sabiam os seus lugares. Para estes sujeitos regressivos ou reacionários, o Estado democrático, a partir do compromisso com a coletivização do que denominam de politicamente correto e justiça social tiranizou a sociedade e, sobretudo, as famílias, ao se comprometer com ações reparatórias aos grupos historicamente explorados e estigmatizados.
Um exemplo das implicações do avanço da extrema direita sobre a Política de HIV/Aids no Brasil, em nome de uma higienização política do Ministério da Saúde, foi a demissão por pressão de políticos de extrema direita, em junho de 2013, do diretor do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dirceu Greco, após divulgação de campanha com a mensagem Sou feliz sendo prostituta. Essa campanha buscava fortalecer a autoestima das trabalhadoras do sexo para aproximá-las dos serviços de testagem, tratamento e organização política, já que a prevalência do HIV entre mulheres profissionais do sexo no Brasil é significativamente alta: são majoritariamente pretas e pardas, com uma incidência de HIV/Aids de 7%, e com 13 a 15 vezes mais chances de serem infectadas pelo HIV do que as mulheres em outras atividades laborais (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018). O médico Alexandre Padilha, Ministro da Saúde em exercício naquele período, justificou o cancelamento desse programa sob a justificativa de que as campanhas de HIV/Aids só deveriam informar sobre formas de prevenção às ISTs, não existindo espaço para debates além disso.
O primeiro Ministro da Saúde do Governo Bolsonaro, o também médico Luiz Henrique Mandetta se posicionou sobre a questão da prevenção, afirmando que caberia às famílias e não ao Estado promover ações de prevenção ao HIV/Aids. Mesmo assim, no curto período em que esteve à frente do Ministério da Saúde, Mandetta estabeleceu parcerias com a Ministra Damares Alves para promover por meio do Estado, a abstinência sexual e evitar a gravidez precoce de adolescentes e jovens. Outras possibilidades sexo-afetivas, como a homo ou a bissexualidade nem são discutidas por essas campanhas.
Esta silenciosa conveniência (ROCHA, 2011) dos governos brasileiros nas últimas duas décadas com campanhas e programas educativos de HIV/Aids que invisibilizam e excluem as populações-chave, faz com que esses grupos sociais sejam destituídos da condição de sujeitos das respostas à pandemia, concentrando as ações nas populações que os governos conservadores consideram passíveis de tutela/controle: mulheres, grávidas, adolescentes e jovens.
O Presidente Jair Messias Bolsonaro, eleito pelo Partido Social Liberal (PSL), mostra-se abertamente defensor de posicionamentos classistas, racistas, sexistas, tendo produzido discursos de ódio aos soropositivos. Antes de eleito, em uma entrevista ao Programa de TV CQC realizada em 2010, o então Deputado Federal pelo Partido Progressista (PP), do Rio de Janeiro afirmou que “O Estado deve tratar de doentes infortúnios e não de vagabundos que se drogam ou adquirem Aids por vadiagem” (CQC, 2010, não paginado). Dez anos depois, o agora Presidente, defensor do neoliberalismo ortodoxo e do desmonte dos direitos de cidadania, reafirmou sua sorofobia, ao se manifestar sobre a polêmica e infundada campanha do MMFDH e do MS que incentiva a abstinência sexual como método prevenção de gravidez precoce e infecções sexualmente transmissíveis. Ao sair do Palácio da Alvorada, no dia 05 de fevereiro de 2020, o Presidente disse a uma comitiva de jornalistas que “[...] uma pessoa com HIV, além de ser um problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil” (PUTTI, 2020, não paginado).
O Presidente relacionou a permanência da pandemia de HIV/Aids à licenciosidade moral, segundo ele, criada nos Governos do PT. Mesmo orientados à esquerda política, esses governos iniciaram a descaracterização da abordagem do Programa Nacional de HIV/Aids, cedendo às diversas pressões conservadoras e reacionárias da extrema direita. A redução de soropositivos a sua sorologia ou sua culpabilização, reduzindo homens e mulheres ao status de despesas indesejáveis é uma forma extrema de violência política que reforça estigmas que dificultam a prevenção, a permanência no tratamento e reproduzem a sorofobia.
Em abril de 2021, durante pronunciamento em evento realizado pela Prefeitura da Cidade de Chapecó-SC, o Presidente Bolsonaro, no intuito de promover o chamado tratamento precoce de Covid-19, defendeu o uso de medicamentos sem eficácia preventiva comprovada para o tratamento dessa nova pandemia e comparou o uso desses medicamentos ao dos primeiros antirretrovirais no combate ao HIV/Aids, na década de 1980. Segundo ele: “[...] porque o HIV era mais voltado para uma classe específica, que tinham comportamentos sexuais diferenciados” (PUTTI, 2021, não paginado), não houve resistência ao uso de medicação sem comprovação científica. Este é um argumento anticientífico, tendo em vista que HIV/Aids impactam todas as populações humanas, além do fato de os primeiros antirretrovirais serem utilizados para o tratamento da Aids e não para a prevenção, já apresentando comprovada eficácia científica na ocasião do início do uso. Não obstante, a sorofobia do presidente se estende aos seus aliados mais fervorosos.
Na ocasião de censura a uma Revista na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 2019, em que existia a ilustração de dois homens jovens se beijando, questionada por setores progressistas da sociedade civil, a Deputada Federal Carla Zambelli, eleita pelo PSL de São Paulo, uma das principais vozes da extrema direita, fez uma postagem em suas redes sociais relacionando o acesso ao material com conteúdo homoafetivo ao crescimento do HIV entre homossexuais jovens, durante os Governos do PT (2003-2016). Essa relação mecânica entre normalização da homossexualidade e o crescimento da exposição ao vírus HIV, é uma das formas mais comuns de políticos de extrema direita se posicionarem sobre o tema (COOPER, 2017).
As novidades, com a chegada de Bolsonaro ao Governo Federal e de várias lideranças de extrema direita assumindo o governo de estados e municípios são: a escala do discurso sorofóbico, que agora parte de sujeitos do primeiro escalão do Governo Federal e de seus aliados no Congresso Nacional; a retração das funções sociais do Estado, viabilizando diretamente o projeto privatista e o desmonte do SUS público-estatal, a partir de critérios moralistas, ignorando as diversas formas de exposição e contágio ao HIV; e, por fim, diferentemente do discurso irracional e fundamentado no medo do desconhecido que o vírus e a doença despertavam no início dos anos 1980, agora o conhecimento científico acumulado é intencionalmente negado. Como aponta Wendy Brown (2019), a restauração política da extrema direita ultraneoliberal, em expansão desde a década de 2010, também é essencialmente antidemocrática, irracionalista e anticientífica.
Talvez o fato que mais cristaliza essa conjuntura regressiva aos direitos sexuais e reprodutivos e de consolidação da sorofobia governamental seja o Decreto nº 9.795, de 17 de maio de 2019 (BRASIL, 2019), que modificou a estrutura do Ministério da Saúde. Por meio deste, o Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais passou a se chamar Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. A nota publicada no dia 22 de maio de 2019 pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) sintetiza a gravidade desse fato:
Não se trata apenas uma questão de nomenclatura: é o fim do Programa Brasileiro de AIDS. O governo, na prática, extingue de maneira inaceitável e irresponsável um dos programas de AIDS mais importantes do mundo, que foi, durante décadas referência internacional na luta contra a AIDS. Mais do que um programa, esse decreto acaba com uma experiência democrática de governança de uma epidemia baseada na participação social e na intersetorialidade. Prova disso é que há pouco mais de um mês, nas reuniões da Comissão Nacional de IST, HIV/AIDS e Hepatites Virais (CNAIDS) e da Comissão Nacional de Articulação com Movimentos Sociais (CAMS) absolutamente nada se falou sobre o Decreto e nenhum esclarecimento foi prestado sobre suas potenciais consequências. O marco simbólico de ter uma estrutura de governo voltada para o enfrentamento a AIDS, é indicativo da importância que se dá à epidemia. Por mais que se afirme que “nada mudará”, o que fica é o descaso com uma doença que mata cerca de 12 mil pessoas por ano e que, longe de estar controlada, continua crescendo, especialmente entre populações pauperizadas e estigmatizadas, já tradicionalmente excluídas e que com este ato se tornam mais invisíveis e desrespeitadas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS, 2019).
Desde 2019 o Ministério da Saúde também apagou todas as redes sociais do Programa de HIV/Aids, concentrando as informações no site do Ministério da Saúde e desmontou a equipe de comunicação que, por décadas, se dedicou à produção de campanhas e programas considerados de referência internacional. Dentro da nova estrutura organizacional que apaga, não apenas no plano formal, as respostas ao HIV/Aids, os recursos humanos e financeiros terão quer ser compartilhados com outras equipes e patologias, criando mais vulnerabilidade em um país em que anualmente a Aids faz milhares de vítimas.
4 Conclusão
Em um cenário global em que as coalizões entre extrema direita, grupos neoconservadores e ultraneoliberais são cada vez mais expressivas (BROWN, 2019; COOPER, 2017), o Brasil, antes referência em políticas de enfrentamento à pandemia de HIV, tem experienciado uma escalada da sorofobia protagonizada por políticos de extrema direita. Os projetos de lei obscurantistas, os programas de promoção à abstinência e prevenção à gravidez precoce, as falas sorofóbicas de políticos do alto escalão governamental e de ministros e o silêncio sobre a grave situação da atenção às populações-chave, deixam claro que o radicalismo ultraconservador e neoliberal, cristalizado no discurso bolsonarista não era apenas uma estratégia eleitoreira para tomar o poder do Estado, ele era (e ainda é) um projeto de poder e vem se desdobrando em políticas, programas e diretrizes governamentais que ampliam significativamente a vulnerabilidade dos soropositivos, das populações-chave e da população em geral.
O discurso de ódio, emanado pelo Chefe do Poder Executivo Nacional contra soropositivos, negros, mulheres, LGBTQI, imigrantes etc. encontra eco não só entre os seus apoiadores das bancadas fundamentalistas cristãs e entre os seus eleitores. Ele reflete e ecoa por todo um complexo de restauração de poder do capitalismo tardio, que para se consolidar demanda a supressão de todas as possibilidades civilizatória do capital, negando: a democracia, a razão moderna, o secularismo, a liberdade, o Estado social e os direitos humanos. Não é sem resistências que esse processo vem ocorrendo, e nessas resistências, ainda difusas, reside a esperança de um mundo sem Aids e sem sorofobia.
REFERÊNCIAS
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Evandro Alves BARBOSA FILHO Contribuiu para o desenho, redação geral e edição final artigo.
Graduado em Serviço Social. Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pós-doutorando em Serviço Social pela UFPE. Bolsista PNPD-CAPES/FACEPE, atuando no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE.
Ana Cristina de Souza VIEIRA Contribuiu para a revisão crítica do manuscrito.
Graduada em Serviço Social. Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora Titular do Departamento de Serviço Social da UFPE. Bolsista de Produtividade CNPq 1B. Atua na Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE.
Notas de autor