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Pandemias, crises e capitalismo
Pandemics, crises and capitalism
Argumentum, vol. 13, núm. 3, pp. 172-176, 2021
Universidade Federal do Espírito Santo

Resenha

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Pandemias, crises e capitalismo



MARQUES, Rosa Maria; LEITE, Marcel Guedes; BERWIG, Solange Emilene. DEPIERI, Marcelo Álvares de Lima (Org.). Pandemias, crises e capitalismo [recurso eletrônico] São Paulo, Expressão Popular, 2021, 160 págs. Disponível em: https://www.expressaopopular.com.br/loja/produto/pandemias-crises-e-capitalismo/.
MARQUES, Rosa Maria; LEITE, Marcel Guedes; BERWIG, Solange Emilene. DEPIERI, Marcelo Álvares de Lima (Org.)

Publicado após um ano de pandemia no Brasil, Pandemias, crises e capitalismo é composto por sete capítulos. Destaca-se na obra o olhar sob uma perspectiva crítica sem esquecer as vivências presenciais (antes da pandemia), tanto em processos de pesquisas como na produção do conhecimento coletiva. Assim como sua leitura instiga, este período nos chama a continuar produzindo conhecimento e requer reconhecimento, trocas, cuidados, aprendizados, com seus particulares desafios para a investigação e devida consideração para a solidariedade de classe.

As/os autoras/autores tiveram o cuidado de fazer uma breve introdução e conclusão, uma síntese, a cada capítulo e subcapítulo, o que amplia o gosto pela leitura e a retomada de argumentações-chave para compreensão desta. Em diferentes momentos da obra, os textos dialogam entre si ao vincularem ideias aos demais capítulos e, não raro, ao citarem aquelas que se constituem de análises feitas em capítulos anteriores. A obra tem conteúdo que pode ser utilizado desde a formação de base até o âmbito acadêmico da graduação e da pós-graduação. Materializa, a partir da disseminação do conhecimento apresentado, saídas e respostas às demandas sociais e econômicas nos diferentes espaços.

Vale lembrar que, neste momento da pandemia e da recepção do livro, além das 535.838 vidas ceifadas pela COVID-19 no Brasil[1] (dado de julho de 2021), também foi necessária a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado (CPI da Pandemia), criada para apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da COVID-19. Isso traz implicações ainda maiores no contexto de crise. Estão sendo apontadas irregularidades, fraudes, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, dentre outras investigações, o que impacta na relevância da obra para compreensão deste cenário e intervenção nele.

Articula-se a contextualização da pandemia com enfoque às questões econômicas e expressões da desigualdade social. Importante é o detalhamento que as/os autoras/autores trazem sobre princípios norteadores do neoliberalismo (uma vez que a dominância do capital portador de juros é indissociável deste). Apresentam-se dados da realidade econômica, epidemiológica e política, desde um contexto internacional para as peculiaridades latino-americanas a aquilo que é específico às demandas do Brasil. Sob esta mesma lógica textual, os capítulos ilustram, através das políticas sociais, em especial as de saúde (SUS), acesso a renda e trabalho, o debate construído sobre as crises e pandemias.

No capítulo A economia mundial em marcha, retrata-se que nos anos 2000 não se consegue superar a crise econômica, sendo marca deste texto e da publicação demonstrar as contradições e o acirramento desta crise no contexto pandêmico e capitalista. No entanto, as/os autoras/autores consideram que a crise pandêmica é inédita por ter sido “provocada por algo externo ao funcionamento da economia capitalista”, retratada, explicitada pelo desemprego, desigualdade e pobreza. Por isso, não se poderia compará-la com as crises econômicas que implicavam a esfera da circulação, com as dificuldades de a produção de mercadorias ser realizada com taxas adequadas de lucros. Assim, as/os autoras/autores consideram que os governos no mundo inteiro (neoliberais ou não) buscaram alternativas para amenizar a crise. Enfatiza-se a questão da redução do emprego e da perda de renda das/dos trabalhadoras/trabalhadores, além das mudanças e da reestruturação dos processos

de trabalho. Tais mudanças implicam o consumo (compras pela internet), os serviços (sobretudo educação e saúde) e as condições necessárias para trabalhar em casa (perda de sociabilidade, indissociabilidade de ambiente e saúde familiar e de trabalho). Isso tudo sendo desencadeado no individualismo e adoecer de nossa sociedade.

Em O Estado e o neoliberalismo, depois de um resgate do processo histórico, tem-se a assertiva de que existe um interesse na não diminuição dos gastos públicos e sim na apropriação de atividades e áreas – principalmente as sociais –, dando ao capital privado o quinhão de responsabilidade para a acumulação. O mercado capitalista, nesta perspectiva, é o lugar de melhor alocação dos recursos. Com isso as/os autoras/autores alertam de que é necessário “considerar que os princípios da reprodução do capital, que orientam a atividade privada, adentram a esfera pública sem fazer distinção”. Ainda que a relação de forças se mantenha desfavorável, há resistência e luta da classe trabalhadora que impedem a completude da implantação neoliberal. Necessariamente as informações referentes às medidas sanitárias e demais implicações da COVID-19 aparecem associadas ao gasto/investimento na compra de equipamentos, hospitais de campanha, incluindo os auxílios e as políticas de emprego e renda. Esta última situação se apresenta voltada aos trabalhadores (formais e informais), também a pequenas e médias empresas. Essa análise vincula-se à trajetória das/dos autoras/autores tanto na área econômica quanto na área social, transversal ao debate dos sistemas de proteção social. Neste sentido, como se destaca, jamais se deve esquecer que a centralidade do papel do Estado em meio à pandemia não é contraditória ao neoliberalismo.

Em A desigualdade sem máscara, mostra-se que estamos em meio a uma crise sanitária e econômica decorrente de uma diferença, aos extremos, tanto de renda quando das demais condições de vida da população. O que se analisa são as implicações sanitárias da “falta”. Falta de gestão na saúde, falta de investimento na ciência, nas universidades públicas, falta de saneamento para condições de moradia, falta de serviços para o atendimento, negacionismo. Enfim, a pandemia expôs ainda mais a desigualdade e as discrepâncias nas condições de vida da população brasileira. Ressalta-se a análise sobre “a cor da pandemia” e suas desigualdades pela discriminação e racismo. Infelizmente os dados sistematizados pelas/pelos pesquisadoras/pesquisadores demonstram, via taxas de mortalidade, a desigualdade desde o período escravocrata aos dias de hoje.

No capítulo A saúde pública ressignificada, é demonstrado o quanto a pandemia tem custado e as implicações do cuidado necessário aos trabalhadores. O capital precisa se dar por conta da magnitude dessa tragédia humana. O centro do debate sobre o direito universal, sobretudo no campo da saúde, explicita e ressignifica a importância dessa política, independente das questões ideológicas dos governos. Rica análise a partir da fundação dos sindicatos e dos partidos dos trabalhadores, a partir das leis de criação que permitem a cobertura dos principais riscos sociais, como velhice, invalidez, morte, doença, maternidade e acidente de trabalho. Um quadro de análise que demonstra a importância da organização independente dos trabalhadores na primeira fase da formação da proteção social. A garantia da universalidade do acesso à saúde implica ao setor público, aos mais pobres, principalmente, na atenção básica; enquanto ao setor privado, evidenciam-se os planos e seguros de saúde ou mesmo pagamento direto por atendimentos, exames e medicações. A ressignificação da Saúde Pública a partir de um vírus global também associado ao próprio capitalismo globalizado resgata aquilo que há muito vem se anunciando sobre questões ambientais. Contudo, defende-se a soberania nacional, o estado responsável pelas atividades que promovem a proteção social, principalmente a saúde para que possa dar conta dessa e de outras pandemias. O ressignificado está na centralidade da saúde pública e a preocupação em manter parte da indústria da saúde no território nacional ultrapassando a lógica do embate entre cidadania e meritocracia.

Em O retorno da renda mínima, assim como nos demais capítulos, retrata-se que, num contexto de pandemia, é primordial a retomada deste debate onde as ações de transferência de renda foram e são substancialmente necessárias para a sobrevivência da população, ainda que de forma focalizada. Desta forma as/os autoras/autores resgatam a história da renda mínima na literatura e a relacionam aos momentos de crise ou de mudanças no capitalismo, contextualizando-a em diferentes países. A importante crítica realizada pelas/pelos autoras/autores parte da necessidade da renda mínima em função dos processos de reestruturação e flexibilização da produção e das relações de trabalho, do desemprego, da pobreza e da desigualdade.

Em A grande ruptura no mercado de trabalho, retoma-se o debate sobre processo de trabalho e processo de acumulação do capital. Também não se perdem de vista o Estado, a automação flexível e as revoluções industriais. Amplia-se a necessidade de olhar para a indústria 4.0 e a inteligência artificial. Aponta-se que o resultado desta reestruturação considerada no seu processo inicial aumenta a demissão dos trabalhadores que ainda tinham empregos junto ao mercado de trabalho formal e que as tecnologias – se fossem um bem comum e não uma propriedade de poucos e usada como meio de valorização do capital – poderiam possibilitar a produção necessária para o atendimento das necessidades humanas e a redução da jornada de trabalho. Neste sentido, a indústria 4.0, a internet das coisas e a inteligência artificial implicam uma grande ruptura no mercado de trabalho.

A pandemia e o meio ambiente nos abre uma série de questionamentos. Coloca em xeque o consumo exacerbado, aponta a queda do consumo e as mudanças na qualidade do ar, das águas, na presença dos animais silvestres. Revela o fato de que o consumo de materiais de construção, eletrodomésticos e equipamentos de informática ampliou-se pelas compras via internet. Destaca uma apresentação sobre o bem-viver e o ecossocialismo enquanto conceito em construção, expressando aquilo que advém dos povos indígenas, referenciados nas constituições do Equador em 2008 e da Bolívia em 2009. Importante lembrar que esse último capítulo ensaia uma temática que precisa ser mais explorada pelas ciências humanas, no que se refere ao meio ambiente e seus impactos sociais e econômicos.

Diante de tantas equações e relações que implicam a lucratividade, coloca-se como desafio e ao mesmo tempo saída a necessidade imediata de produções que atendam e se definam de forma solidária e comum junto à sociedade em que vivemos. A pandemia aflorou o lado mais perverso do capitalismo. Trabalho explorado sob ameaça de morte da classe trabalhadora. Em um período em que o isolamento social dificulta os processos coletivos por óbvio ainda que diante desse contexto de pandemia, as/os autoras/autores puderam demonstrar através deste livro que também é possível a construção coletiva do conhecimento. Vivam a produção do conhecimento, a ciência, a Universidade Pública, o Sistema Único de Saúde (SUS) e de Assistência Social (SUAS) e as demais políticas sociais!

Tiago MARTINELLI

Graduado em Serviço Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005). Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2007). Doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2011). Atualmente é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Notas

[1] Disponível em: https://covid.saude.gov.br/.

Notas de autor

* Assistente Social. Doutor em Serviço Social. Docente no Departamento de Serviço Social. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (UFRGS, Porto Alegre, Brasil). Rua Ramiro Barcelos, 2600, Bairro Santa Cecília, Porto Alegre (RS). CEP: 90035-003. E-mail: timartinelli@yahoo.com.br.


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